ISSN 1514-3465
Carga interna e fontes e sintomas de estresse durante o
treinamento em atletas de CrossFit®. Um estudo piloto
Internal Load and Sources and Symptoms of Stress During CrossFit® Athletes Training. A Pilot Study
Carga interna y fuentes y síntomas de estrés durante el entrenamiento en atletas de CrossFit®. Un estudio piloto
Johannes Nakamura Koseki*
johanneskoseki@gmail.com
Cecília Segabinazi Peserico**
ceciliapeserico@gmail.com
*Graduado em Educação Física
pela Universidade Estadual de Maringá
**Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Educação Física
pela Universidade Estadual de Maringá
Mestra e Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação
Associado em Educação Física - UEM/UEL (CAPES 4)
Tem experiência como docente colaborador
na Universidade Estadual de Maringá (UEM)
no Departamento de Educação Física
(Brasil)
Recepção: 09/06/2021 - Aceitação: 30/12/2021
1ª Revisão: 23/12/2021 - 2ª Revisão: 28/12/2021
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida
: Koseki, J.N., e Peserico, C.S. (2022). Carga interna e fontes e sintomas de estresse durante o treinamento em atletas de CrossFit®. Um estudo piloto. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(286), 21-34. https://doi.org/10.46642/efd.v26i286.3063
Resumo
O estudo teve como objetivo avaliar as respostas da carga de treinamento obtidas a partir da percepção subjetiva de esforço da sessão (PSEsessão) e dos sinais e sintomas de estresse a partir Daily Analysis of Life Demands in Athletes (DALDA) durante quatro semanas de treinamento de CrossFit®. Participaram da pesquisa 10 atletas de CrossFit® que foram monitorados durante quatro semanas de treinamento. Durante as semanas de monitoramento foram avaliadas as cargas internas de treinamento de cada atleta, no qual ao final de todas as sessões a PSEsessão foi obtida a partir da resposta da escala CR-10 de cada atleta. Além disso, ao final de cada semana de treinamento os participantes responderam ao questionário DALDA. Os resultados demonstraram que as respostas da carga de treinamento e do DALDA não apresentaram diferenças significantes (p>0,05) entre as quatro semanas de treinamento monitoradas. Portanto, conclui-se que as cargas de treinamento as respostas do DALDA não foram diferentes nas quatro semanas de treinamento de CrossFit®, indicando uma possível relação entre as variáveis, visto que não foram observadas grandes alterações nas respostas das cargas e das fontes e sintomas de estresse. Em relação a aplicação prática, o estudo reforça a importância do monitoramento do treinamento utilizando-se de métodos válidos e que auxiliam treinadores, atletas e praticantes do CrossFit® a prescrever de maneira adequada as cargas de treinamento.
Unitermos:
Atletas. CrossFit. Estresse. Treinamento físico. Psicometria.
Abstract
The study aimed to evaluate the training load responses obtained from the session rate of perceived exertion method (sRPE) and the signs and symptoms of stress from the Daily Analysis of Life Demands in Athletes (DALDA) during four weeks of CrossFit® training. Ten CrossFit® athletes were monitored during four weeks of training. During the weeks monitored the internal training loads of each athlete were evaluated, in which, at the end of all sessions, the sRPE was obtained from the CR-10 scale. In addition, at the end of each week of training, participants completed the DALDA questionnaire. The results showed that the training load and DALDA responses did not present significant differences (p>0.05) between the four monitored training weeks. Therefore, it is concluded that the training loads and DALDA responses were not different in the four weeks of CrossFit® training, indicating a possible relationship between the variables, since no major changes were observed in the responses of loads and sources and symptoms of stress. Concerning practical application, the present study reinforces the importance of training monitoring using valid methods that help coaches, athletes, and CrossFit® practitioners to adequately prescribe training loads.
Keywords
: Athletes. CrossFit. Stress. Physical training. Psychometrics.
Resumen
El presente estudio tuvo como objetivo evaluar las respuestas de carga de entrenamiento obtenidas del esfuerzo subjetivo percibido de la sesión (PSEsesión) y los signos y síntomas de estrés del Daily Analysis of Life Demands in Athletes (DALDA) durante cuatro semanas de entrenamiento de CrossFit®. Participaron en la investigación 10 atletas de CrossFit® que fueron monitoreados durante cuatro semanas de entrenamiento. Durante las semanas de seguimiento se evaluaron las cargas internas de entrenamiento de cada deportista, en las que al final de todas las sesiones se obtuvo el PSEsesión a partir de la respuesta de la escala CR-10 de cada deportista. Además, al final de cada semana de formación, los participantes respondieron el cuestionario DALDA. Los resultados mostraron que la carga de entrenamiento y las respuestas DALDA no presentaron diferencias significativas (p>0.05) entre las cuatro semanas de entrenamiento monitoreadas. Por lo tanto, se concluye que las cargas de entrenamiento y las respuestas DALDA no fueron diferentes en las cuatro semanas de entrenamiento de CrossFit®, indicando una posible relación entre las variables, ya que no se observaron mayores cambios en las respuestas de cargas y fuentes y síntomas de estrés. En cuanto a la aplicación práctica, el estudio refuerza la importancia de monitorear el entrenamiento utilizando métodos válidos que ayuden a los entrenadores, atletas y practicantes de CrossFit® a prescribir correctamente las cargas de entrenamiento.
Palabras clave:
Atletas. Crossfit. Estrés. Entrenamiento físico. Psicometría.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 286, Mar. (2022)
Introdução
O CrossFit® é um método de treinamento físico, o qual baseia-se em movimentos funcionais constantemente variados e de alta intensidade, sendo seu principal objetivo o desenvolvimento das 10 capacidades físicas: resistência cardiorrespiratória, resistência muscular, força, flexibilidade, potência, velocidade, coordenação, agilidade, equilíbrio e precisão (Glassman, 2007; Tibana et al., 2017). Em relação aos estudos que investigaram esse tipo de treinamento, enquanto alguns mostraram possíveis riscos de lesões e overtraining (Bergeron et al., 2011; Esser et al., 2017; Katz et al., 2016); outros trabalhos reportaram que a participação no treino de CrossFit® não apresenta maior risco comparado a outros tipos de exercícios físicos. (Montalvo et al., 2017; Moran et al., 2017)
Dessa maneira, assim como em outros esportes e programas de exercícios, o CrossFit® se beneficia da incorporação de estratégias de monitoramento das cargas de treinamento com o intuito de verificar se o atleta está se adaptando ao treinamento, evitar lesões e overtraining, observar respostas individuais e prescrever as intensidades do treinamento físico. (Bompa, e Haff, 2012; Fox et al., 2018; Haddad et al., 2017)
Nesse contexto, a carga interna de treinamento quantificada pela percepção subjetiva de esforço da sessão (PSEsessão) (Foster, 1998) tem sido apontada como um método válido e simples para monitorar atletas em diversos esportes (Haddad et al., 2017; Halson, 2014). Além disso, questionários, tal como o Daily Analysis of Life Demands in Athletes (DALDA) (Rushall, 1990), também têm sido muito utilizados como alternativa para monitorar as respostas de fontes e sintomas de estresse impostas pelas cargas de treinamento. (Coutts et al., 2007; Freitas et al., 2014; Moreira et al., 2010)
Alguns estudos com diferentes esportes identificaram a associação entre a carga interna obtida pela PSEsessão e as respostas do DALDA durante um período de treinamento (Milanez et al., 2014; Moreira et al., 2010; Gomes et al., 2013). Moreira et al. (2010) analisaram o efeito da distribuição da carga de treinamento pelo método da PSEsessão sobre possíveis alterações das fontes e sintomas de estresse a partir do DALDA em jogadores de basquetebol e voleibol; os resultados indicaram que modificações na carga de treinamento estavam ligadas a alterações nas fontes e sintomas de estresse. Contudo, o monitoramento das cargas de treinamento utilizando a PSEsessão e o DALDA dentro do CrossFit® ainda não foi investigado.
Além disso, vale ressaltar, que devido ao recente aumento na popularidade do CrossFit®, os estudos sobre monitoramento das cargas de treinamento dessa modalidade ainda são poucos (Crawford et al., 2018; Haddad et al., 2017; Halson, 2014; Pereira et al., 2019). Por exemplo, Pereira et al. (2019) analisaram os efeitos de um microciclo habitual no CrossFit® sobre a carga interna monitorada a partir da frequência cardíaca de treinamento, no qual o microciclo investigado demonstrou um efeito negativo na carga interna dos praticantes como resultado de fadiga acumulada em apenas uma semana de treinamento.
Portanto, sabendo que o monitoramento das cargas e dos sinais e sintomas de estresse demonstra-se um meio relevante para otimizar a periodização do treinamento dos atletas, a principal dúvida em relação a temática é: Quais são as respostas da carga interna de treinamento e do estresse durante o treinamento de atletas de CrossFit?
Logo, o objetivo deste estudo foi avaliar as respostas da carga interna de treinamento obtida a partir da PSEsessão e dos sinais e sintomas de estresse a partir do DALDA durante quatro semanas de treinamento de CrossFit®. A hipótese é que as diferentes magnitudes de carga interna (PSEsessão) estejam relacionadas com as respostas das fontes e sintomas de estresse (DALDA).
Métodos
Participantes
A amostra foi selecionada por conveniência, no qual participaram do estudo 10 atletas de CrossFit® do sexo masculino maiores de 18 anos. Os atletas tiveram média ± desvio padrão (DP) de 34,4 ± 7,4 anos, eram da categoria RX (avançados) e estavam habituados a participar de competições. Todos os participantes estavam inseridos em treinamentos sistematizados de CrossFit® por pelo menos 12 meses (tempo de prática de 46,1 ± 20,2 meses). Foram considerados como parte da amostra final apenas aqueles atletas que completaram 80% das sessões de treinamento. Os critérios de exclusão estabelecidos para o estudo foram: possuir algum tipo de lesão durante o período monitorado e praticar outros exercícios físicos além do CrossFit®.
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e responderam a ficha de identificação (anamnese). A participação no estudo foi voluntária e isenta de qualquer bônus ou ônus, no qual todos os participantes tiveram liberdade de retirar seu consentimento a qualquer momento sem que houvesse penalidades. O protocolo desta pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa local da Universidade Estadual de Maringá (nº 4.040.159).
Desenho Experimental
Primeiramente foi realizada uma visita ao centro de treinamento de CrossFit® com o intuito de conversar e propor aos alunos do local a participação na pesquisa. Sendo esclarecido os objetivos do estudo e dos procedimentos durante a pesquisa, o TCLE e a ficha de identificação (anamnese) foram entregues pelo pesquisador. Além disso, os participantes foram familiarizados com as escalas/questionários utilizados no estudo.
A duração do estudo foi de quatro semanas de acompanhamento/monitoramento dos treinamentos, totalizando 20 sessões. Os pesquisadores não fizeram nenhuma intervenção nas sessões de treino, que foram prescritas pelo treinador principal do local. Durante as semanas de monitoramento foram avaliadas as cargas internas de treinamento de cada atleta, na qual ao final de todas as sessões os voluntários responderam a PSEsessão. Além disso, ao final de cada semana de treinamento os participantes responderam ao questionário DALDA disponibilizado a partir do Google Forms.
Protocolo de treinamento de Crossfit
Todas as sessões de treinamento foram realizadas em uma instalação local favorável às necessidades do treinamento (ou seja, uma instalação com equipamentos e espaço para os treinos). A periodização foi realizada pelo Head Coach (treinador principal) e dono da Box de CrossFit® onde o estudo foi realizado. Cada sessão de treinamento durou aproximadamente 60 minutos, incluindo as seguintes partes: alongamento, warm up, skill e workouts of the day (WOD), os quais consistem em três categorias de movimentos: levantamento de peso olímpico, ginásticos e/ou condicionamento metabólicos (cíclicos). (Maté-Muñoz et al., 2017)
O warm up refere-se ao aquecimento de acordo com o que será trabalhado no dia; o skill baseia-se no treino de habilidades, podendo focar em condicionamento de ginástica, técnica e potência de levantamento de peso olímpico ou fortalecimento muscular; e o WOD consiste na sessão do treino principal (Maté-Muñoz et al., 2017). O protocolo de treinamento foi composto por quatro microciclos, completando assim um mesociclo (um mês). As quatro semanas monitoradas faziam parte do período preparatório geral, no qual as semanas 1 e 2 tiverem foco no trabalho de força/hipertrofia, força de resistência e técnica de ginástica, e nas semanas 3 e 4 foi aumentada a complexidade dos treinos (skill e wod), tendo prioridade no trabalho de potência submáxima de levantamento de peso olímpico (LPO), força absoluta, fortalecimento de core, força de resistência e potência de ginástica.
Monitoramento das cargas internas de treinamento
As sessões de treinamento foram monitoradas com base na percepção subjetiva de esforço da sessão (PSEsessão), por meio da escala CR-10 para a quantificação das cargas de treinamento (Foster et al., 2001). Após trinta minutos do término de uma sessão de treinamento o atleta respondeu à seguinte pergunta: “Como foi a sua sessão de treino?”. O produto do escore da PSE (intensidade) pela duração da sessão em minutos (volume) refletiu a magnitude da carga de treinamento em unidades arbitrárias (UA) (Nakamura et al., 2010). Além disso, foram calculados a monotonia semanal que foi obtida a partir da média das cargas de treinamento das sessões de uma semana divido pelo seu DP; também foi obtido o esforço de treino (training strain) calculado por meio da multiplicação da monotonia pelo total somado das cargas de treinamentos acumuladas em uma semana. (Foster et al., 2001)
Aplicação do Questionário Daily Analysis of Life Demands in Athletes (DALDA)
Ao final de cada semana de treinamento foi aplicado o questionário DALDA (Rushall, 1990; Moreira, e Cavazzoni, 2009) para o monitoramento do estresse e recuperação dos atletas. O questionário DALDA é dividido em duas partes (A e B) que representam, respectivamente, as fontes (9 questões) e sintomas de estresse (25 questões). Os participantes responderam, ao final de cada semana de treinamento, as questões em função da percepção da severidade dos sintomas, tendo como opções de resposta: “pior do que o normal”, “normal”, ou “melhor do que o normal”. Para cada semana de treinamento, a soma dos escores marcados como “pior que o normal” e “melhor que o normal” foram registrados para a análise das respostas.
Análise estatística
Os dados estão apresentados em média e DP e foram analisados utilizando Statistical Package for the Social Sciences 20.0 software (SPSS Inc., USA). A normalidade dos dados foi verificada pelo teste de Shapiro-Wilk. A comparação entre os momentos/semanas foi feita pela Anova de medidas repetidas seguida do post hoc de Bonferroni. O nível de significância adotado foi de p<0,05.
Resultados
A Tabela 1 traz os valores de carga de treinamento, monotonia e esforço semanais. Não houve diferença significante entre as semanas para as variáveis, exceto na comparação da monotonia entre a semana 1 e 3 (p = 0,011). Vale ressaltar que as cargas de treinamento foram muito semelhantes nas quatro semanas, e os maiores valores de monotonia e esforço foram encontrados nas semanas 3 e 4, e a semana 1 apresentou os menores valores. Além disso, quando analisada a média ± DP da PSE (0-10) durante as semanas 1, 2, 3 e 4 foram encontrados os seguintes valores, respectivamente: 6,9 ± 1,5, 6,9 ± 1,2, 7,0 ± 0,9 e 6,9 ± 1,2 (sem diferenças estatisticas entre as semanas).
Tabela 1. Média ± DP semanal da carga de treinamento, monotonia e esforço avaliados durante as quatro semanas de treinamento
|
Carga
de treinamento (UA) |
Monotonia
(UA) |
Esforço
(UA) |
Semana
1 |
402,7
± 47,3 |
4,1
± 2,7 |
8514,6
± 7436,6 |
Semana
2 |
412,7
± 36,6 |
6,6
± 4,6 |
12190,9
± 9657,4 |
Semana
3 |
421,9
± 26,8 |
8,9
± 3,2* |
14317,4
± 7874,8 |
Semana
4 |
413,0
± 38,2 |
8,2
± 4,5 |
14602,1
± 9428,3 |
Notas: n=10; UA, unidades árbitrárias; DP, desvio padrão.
*p<0,05 em relação à semana 1.
Na Tabela 2 estão apresentados os escores semanais “pior que o normal” e “melhor que o normal” obtidos no DALDA parte A e B. Não foram observadas diferenças significantes entre as quatro semanas analisadas. Em relação aos valores, é possível observar maiores escores “pior que o normal” da parte A na semana 1 e da parte B nas semanas 1 e 2. Já os maiores escores “melhor que o normal” foram nas semanas 3 e 1, para a parte A e B, respectivamente.
Tabela 2. Média ± DP semanal dos escores do DALDA avaliados durante as quatro semanas de treinamento
Semanas |
Parte
A |
Parte
B |
||
“pior que o normal” |
“melhor que o normal” |
“pior que o normal” |
“melhor que o normal” |
|
mana
1 |
2,2
± 1,7 |
1,9
± 1,6 |
5,6
± 5,1 |
4,8
± 2,5 |
Semana
2 |
1,2
± 1,4 |
1,8
± 2,1 |
5,5
± 5,2 |
3,8
± 1,9 |
Semana
3 |
1,5
± 1,6 |
2,2
± 1,8 |
4,7
± 4,7 |
3,8
± 2,0 |
Semana
4 |
1,7
± 1,3 |
1,7
± 1,3 |
4,5
± 5,0 |
3,2
± 2,1 |
Notas: n=10; DALDA, Daily Analysis of Life Demands in Athletes; DP, desvio padrão.
Discussão
O objetivo do presente estudo foi avaliar as respostas da carga interna de treinamento obtidas a partir da PSEsessão e dos sinais e sintomas de estresse a partir do DALDA durante quatro semanas de treinamento de CrossFit®. O principal achado foi que as respostas da carga de treinamento e do DALDA não apresentaram diferenças significantes entre as quatro semanas de treinamento monitoradas. Sendo assim, devido as magnitudes de cargas serem semelhante nas semanas, consequentemente não houve grandes alterações nas respostas das fontes e sintomas de estresse.
De acordo com Nakamura et al. (2010), o treinamento esportivo é uma atividade sistemática que visa proporcionar alterações morfológicas, metabólicas e funcionais que possibilitem a melhora dos resultados competitivos. Considerando os diversos modelos de treinamentos existentes e os métodos reportados na literatura que buscam explicar seus complexos processos (Bompa, e Haff, 2012), Impellizzeri et al. (2005) baseiam-se na premissa de que as adaptações induzidas pelo treinamento são decorrentes do nível de estresse imposto ao organismo que é refletido pela carga interna de treinamento. Em relação às cargas de treinamentos obtidas nas quatro semanas (Tabela 1), observou-se similaridade entre os valores, possivelmente devido ao período avaliado ter sido de apenas um mesociclo de quatro semanas.
Apesar de bem estabelecida a validade do uso da PSEsessão para o monitoramento das cargas internas de treinamento em diversas modalidades esportivas (Haddad et al., 2017; Halson, 2014), no CrossFit® são poucos os estudos que demonstraram essas respostas. (Crawford et al., 2018; Tibana et al., 2018; Tibana et al., 2019)
Por exemplo, Crawford et al. (2018) acompanharam durante nove semanas, 25 participantes saudáveis (13 homens e 12 mulheres) considerados ativos, mas sem experiências anteriores em programas de treinamento funcional de alta intensidade (TFAI), método este semelhante ao CrossFit®, com movimentos funcionais constantemente variados e de alta intensidade. O objetivo do estudo foi determinar a validade e confiabilidade do método PSEsessão para quantificar a carga de treinamento dentro do TFAI; de acordo com os resultados, o método PSEsessão pareceu ser uma ferramenta válida para quantificar a carga de treinamento, conforme evidenciado por sua forte associação com o método baseado nas zonas de frequência cardíaca (FC).
De maneira semelhante ao estudo anterior, Tibana et al. (2019) realizaram um estudo, que além de validar a PSEsessão para quantificação da carga de treinamento no TFAI, objetivou verificar e o efeito do tempo de aplicação da PSEsessão (imediatamente após, 10, 20 e 30 minutos após a sessão). Foram monitorados 13 homens durante duas sessões de TFAI e os autores concluíram que o método PSEsessão é uma forma eficaz para determinar a carga interna durante a sessão de TFAI e deve ser usado por treinadores a fim de evitar cargas de treinamento excessivos, o que pode levar ao overtraining; além disso, o tempo de 30 minutos deve ser usado logo após uma sessão de TFAI para evitar um alto valor na carga de treinamento.
Já sobre a monotonia e o esforço semanal de treino, observou-se que durante as semanas houve maior variação dos valores dessas variáveis do que em relação às cargas de treinamento. Foram encontrados maiores valores de monotonia e esforço nas semanas 3 e 4, enquanto o menor valor para ambas as variáveis foi na semana 1.
Dentro desse contexto, é importante destacar que uma menor monotonia indica uma maior variabilidade das cargas de treinamento durante as semanas (Foster, 2001; Nakamura et al., 2010). Além disso, vale destacar que no presente estudo os valores de monotonia foram altos, visto que Foster et al. (2005) apontam que valores de monotonia acima de 2,0 UA indicam uma baixa variabilidade das cargas na maioria das semanas e contribuem para o desenvolvimento da síndrome do overtraining. De acordo com Bompa, e Haff (2012) as cargas de treinamento e o nível de monotonia elevados podem influenciar nas respostas adaptativas, e a baixa variabilidade das cargas pode levar a adaptações negativas, potencializando a chance de overtraining e do aumento da incidência de doenças infecciosas e lesões. Dessa forma, Nakamura et al. (2010) recomendam o cálculo e acompanhamento frequente desses parâmetros para obter respostas adaptativas positivas.
Especificamente sobre o esforço semanal de treino, obtido a partir da multiplicação da monotonia pelo somatório das cargas da semana, este índice também está associado ao nível de adaptação ao treinamento, no qual períodos com carga elevada associado a uma alta monotonia podem aumentar a incidência de doenças infecciosas e lesões (Foster, 1998). Em nosso estudo, os valores de esforço foram aumentando no decorrer das quatro semanas monitoradas.
Em relação às respostas do DALDA, vale destacar que a maioria dos estudos analisou apenas os escores “pior que o normal” da parte A e B, sendo que maiores valores desses escores indicam maior estresse dos atletas (Milanez et al., 2014; Moreira et al., 2010; Gomes et al., 2013). Nossos achados não mostraram diferenças significantes entre as semanas para o escores do DALDA. Tal resposta já seria esperada visto que as cargas de treinamento não foram diferentes entre as semanas, indicando assim uma possível relação entre PSEsessão e o DALDA. Alguns trabalhos anteriores já demonstraram que existe uma relação entre as respostas de carga de treino e o DALDA, ou seja, um aumento da carga interna de treinamento obtida pela PSEsessão está ligado ao aumento dos escores “pior que o normal” do DALDA (Gomes et al., 2013; Milanez et al., 2014; Moreira et al., 2010). Entretanto, nenhum estudo com CrossFit® demonstrou dados de carga interna de treinamento, monotonia e de esforço a partir da PSEsessão e sua relação com sintomas de estresse a partir do DALDA.
Gomes et al. (2013) monitoraram jovens tenistas (n=10) durante o período de pré-temporada, que foi dividido em quatro semanas de treinamento de sobrecarga progressiva e um período de redução gradual das cargas de uma semana; o objetivo do estudo foi investigar o efeito de um plano de treinamento sobre diversas variáveis, dentre elas a carga de treinamento obtida a partir da PSEsessão e a tolerância ao estresse (DALDA). Os autores demonstraram mudanças adaptativas na tolerância ao estresse avaliada pelo DALDA associadas as modificações nas cargas de treinamento; tal comportamento foi destacado visto que, durante as semanas 3 e 4 ocorreu um incremento significativo na carga interna acompanhado do aumento dos sintomas de estresse (“pior que o normal”), e na semana 5 houve uma redução das cargas de treinamento que foi refletido da diminuição dos sintomas “pior que o normal”.
Já Milanez et al. (2014) acompanharam uma equipe feminina profissional de futsal durante um mesociclo de treinamento de cinco semanas, no qual foram monitoradas a carga interna de treinamento pela PSEsessão e as respostas dos sintomas de estresse (DALDA); os resultados mostraram que o aumento da carga, monotonia e esforço pode estar associado com alterações nos sintomas de estresse; contudo não foi encontrada correlação significante entre essas variáveis.
Moreira et al. (2010) monitoraram a carga interna de treinamento pela PSEsessão durante seis semanas de treinamento e investigaram se essa afetou a tolerância ao estresse de atletas de voleibol e basquetebol; os resultados indicaram que o grupo com carga média >400 UA apresentou uma menor tolerância ao estresse, reportando o maior número de respostas “pior que o normal” na parte B do DALDA (sintomas de estresse) quando comparado ao grupo com menores cargas de treinamento, ou seja <400 UA. Já no presente estudo como os valores de cargas de treinamento foram muito semelhantes nas quatro semanas monitoradas, não foi possível relacionar se maiores valores de cargas levariam a maiores escores “pior que o normal” tanto para parte A quanto para B.
Além disso, partir de uma perspectiva prática, Moreira et al. (2010) sugerem que em um grupo de atletas, uma mesma carga externa pode ser percebida e assimilada com diferentes magnitudes. Além disso, complementam que em um grupo de indivíduos do mesmo nível de condicionamento, outros fatores, tais como sociais e psicológicos, e a maneira como lidam com a situação também podem influenciar na resposta à carga de treinamento e nos sinais e sintomas de estresse avaliados pelo DALDA.
Vale ressaltar que o presente estudo apresenta limitações que podem ter influenciado nos resultados, como, por exemplo, o baixo número de participantes (n=10), a quantidade de semanas avaliadas e o acompanhamento do período de periodização ter sido realizado apenas durante uma parte do período preparatório. Além disso, devido ao questionário DALDA ter sido aplicado de forma online, sem acompanhamento para sanar dúvidas ou explicar detalhadamente as questões, algumas respostas podem não ter realmente refletido a realidade dos atletas. Logo, sugere-se que futuros estudos com o CrossFit® realizem o acompanhamento com um maior número de participantes e durante um maior período de tempo, envolvendo diferentes períodos da periodização.
Conclusão
Portanto, conclui-se que as cargas de treinamento avaliadas a partir da PSEsessão e as respostas do DALDA não foram diferentes nas quatro semanas de treinamento de CrossFit®, indicando uma possível relação entre as variáveis, visto que não foram observadas grandes alterações nas respostas das cargas e das fontes e sintomas de estresse. Adicionalmente, em relação a aplicação prática do trabalho, o estudo reforça a importância do monitoramento do treinamento utilizando-se de métodos válidos e que auxiliam treinadores, atletas e praticantes do CrossFit® a prescrever de maneira adequada as cargas de treinamento buscando obter respostas adaptativas positivas. Futuros estudos devem buscar monitorar as respostas ao treinamento de atletas de CrossFit utilizando também variáveis fisiológicas e metabólicas.
Referências
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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 286, Mar. (2022)