Desafios encontrados no processo de doação de órgãos: relato de experiência

Challenges found in the organ donation process: experience report

Desafíos encontrados en el proceso de donación de órganos: relato de experiencia

 

Adaíse Passos Souza Amaral*

adaisepassos@gmail.com

James Melo Silva**

enf.james@gmail.com

Lais Pereira Santana***

laispereira1234@gmail.com

Tamires dos Santos Nery dos Anjos***

taminha_nery@hotmail.com

Sheylla Nayara Sales Vieira**

enfsheylla@gmail.com

 

*Enfermeira, Especialista em Qualidade e Segurança no Cuidado ao Paciente

pelo Instituto de Ensino e Pesquisa/Hospital Sírio Libanês

**Mestre em Enfermagem e Saúde, Docente da Faculdade de Tecnologias e Ciências

***Enfermeira assistencialista do Hospital Geral de Ipiaú

(Brasil)

 

Recepção: 12/03/2018 - Aceitação: 26/09/2018

1ª Revisão: 28/08/2018 - 2ª Revisão: 24/09/2018

 

Resumo

    A doação de órgãos e tecidos para transplante é um tema de grande importância na área da saúde. Objetivo: descrever as dificuldades existentes no processo de captação de órgãos e tecidos para transplante e discutir os desafios enfrentados pela equipe da CIHDOTT. Método: relato de experiência, com caráter qualitativo descritivo, durante um estágio curricular não obrigatório do cotidiano SUS, em um hospital geral público do interior da Bahia. Resultados: observa-se que no processo de doação existem desafios e obstáculos que impedem o funcionamento adequado do serviço, quais sejam: desafios na infraestrutura do hospital, que não é adequada para o serviço, desafios na equipe em relação à comunicação e conhecimento do processo, desafios relacionados aos familiares na recusa da doação de órgãos e tecidos. Conclusão: a vivência do estágio permitiu maior aproximação da temática, possibilitando identificar urgência na melhoria do serviço.

    Unitermos: Doação de órgãos. Desafios. Transplante.

 

Abstract

    The donation of organs and tissues for transplantation is a topic of great importance in the health area. Objective: to describe the difficulties those exist in the process of organ harvesting and tissue transplantation and to discuss the challenges faced by the CIHDOTT team. Method: experience report, with descriptive qualitative character, during a non - compulsory curricular traineeship of daily life SUS, in a general public hospital in the interior of Bahia. Results: it is observed that in the donation process there are challenges and obstacles that impede the proper functioning of the service, such as: challenges in the hospital infrastructure, which is not suitable for the service, team challenges in relation to communication and process knowledge, Challenges related to relatives in refusing donation of organs and tissues. Conclusion: the experience of the stage allowed a greater approximation of the theme, making it possible to identify urgency in the improvement of the service.

    Keywords: Organ donation. Challenges. Transplant.

 

Resumen

    La donación de órganos y tejidos para trasplante es un tema de gran importancia en el área de la salud. Objetivo: describir las dificultades existentes en el proceso de obtención de órganos y tejidos para trasplante y discutir los desafíos enfrentados por el equipo de la CIHDOTT. Método: relato de experiencia, con carácter cualitativo descriptivo, durante una etapa curricular no obligatoria del día a día del SUS, en un hospital general público del interior de Bahía. Resultados: se observa que en el proceso de donación existen desafíos y obstáculos que impiden el funcionamiento adecuado del servicio, que son: desafíos en la infraestructura del hospital, que no es adecuada para el servicio, desafíos en el equipo en relación a la comunicación y al conocimiento del proceso, desafíos relacionados a los familiares en la negativa de la donación de órganos y tejidos. Conclusión: la vivencia de la pasantía permitió una mayor aproximación de la temática, posibilitando identificar que es urgente la mejora del servicio.

    Palabra clave: Donación de órganos. Desafíos. Trasplante.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 244, Sep. (2018)


 

Introdução

 

    O transplante atualmente é entendido como uma escolha terapêutica segura e eficaz no tratamento de diversas patologias, determinando assim um aumento na perspectiva de vida e em sua qualidade pós-transplante (ABTO, 2009).

 

    É um tratamento que desperta dúvidas e provoca questionamentos, e que, por sua complexidade, dificulta as doações de órgãos. Apesar de tratar-se de um procedimento médico com enormes perspectivas na melhoria da qualidade de vida, é impossível de ser executado sem uma sociedade sensibilizada e conscientizada para o ato de doar, lembrando ainda que não há transplantes se não houver doações (Cuiabano, 2010).

 

    A doação de órgãos e tecidos para transplante está diretamente relacionada aos valores morais, éticos e religiosos das pessoas, pois faz com que os indivíduos pensem na noção de finitude e na relação com o corpo, após a morte (Roza et al., 2010).

 

    A desproporção crescente do número de pacientes em lista versus o número de transplantes é um fato inquestionável. Dentre os fatores limitantes, estão a não notificação de pacientes com diagnóstico de morte encefálica às Centrais de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos, apesar de sua obrigatoriedade prevista em lei. Além da falta de política de educação continuada aos profissionais da saúde quanto ao processo de doação, transplante, e todos os desdobramentos decorrentes do não conhecimento desse processo, e também a recusa familiar (ABTO, 2009).

 

    Nesse contexto, o objetivo desta pesquisa é descrever as dificuldades existentes no processo de captação de órgãos e tecidos para transplante, e discutir os desafios enfrentadas pela equipe da Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (CIHDOTT) da instituição hospitalar que servirá como cenário de estudo, segundo relato de experiência.

 

Métodos

 

    Este estudo é uma pesquisa exploratória descritiva, com abordagem qualitativa, que permitiu realizar uma investigação do tema em estudo, identificando os fatores a ele relacionados e permitindo descrever a realidade encontrada.

 

    Segundo Manzato e Santos (2012), este tipo de pesquisa observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos sem manipulá-los, buscando familiarizar-se com o fenômeno estudado, obter nova percepção do mesmo e descobrir novas ideias.

 

    Assim, o interesse dessa pesquisa está focalizado em responder a questões particulares, preocupando-se com um nível de realidade que não pode ser quantificado, o que caracteriza a pesquisa qualitativa (Minayo, 2014).

 

    O relato é uma ferramenta da pesquisa descritiva que apresenta uma reflexão sobre uma ação ou conjunto de ações que abordam uma situação vivenciada. De forma que esta pesquisa constitui um relato de experiência que descreve aspectos vivenciados na oportunidade de um estágio curricular não obrigatório do cotidiano SUS, na CIHDOTT de um hospital geral público do interior da Bahia, com aproximadamente 220 leitos.

 

    Este estágio, que resultou no presente relato, aconteceu no período de setembro de 2015 a março de 2016, após autorização da equipe da CIHDOTT, vivenciando assim as problemáticas desenhadas a partir de métodos descritivos e observacionais durante as práticas diárias do serviço.

 

Resultados e discussão

 

    Durante o período do estágio, como membro da equipe responsável pelo processo de doação e captação de órgãos e tecidos, foi possível identificar diversos problemas relacionados ao desenvolvimento do serviço. Segundo estudos realizados é possível inferir que a doação de órgãos humanos para transplante é um tema que instiga interesses e discussões nos mais variados meios da sociedade (Morais & Morais, 2012).

 

    Milhares de pessoas aguardam por um transplante de órgãos com alguma doença crônica de caráter irreversível, restando como única alternativa o transplante. Esta modalidade de tratamento consiste na substituição de um órgão ou de um tecido doente de uma pessoa (receptor) por outro sadio, de um doador vivo ou falecido, através de um procedimento cirúrgico. A reposição pode ser de órgão ou tecido, como por exemplo: coração, fígado, córneas, rins, pâncreas, ossos, medula óssea e outros. É um tratamento que traz melhoria na qualidade de vida de milhares de pessoas ou até mesmo, como única alternativa de sobrevivência (Cuiabano, 2010).

 

    Uma das motivações principais para que os receptores se submetam ao transplante era a aspiração de serem normais. Muitas destas pessoas passaram por enfermidades ou condições crônicas debilitantes, que as impossibilitaram ter um funcionamento ou uma qualidade de vida similar ou igual à de seus parceiros. Por isso, a expectativa principal da intervenção era a de retornar a sua dinâmica prévia à enfermidade (Fuica & Palacios-Espinosa, 2016).

 

    Apesar dos avanços e da importância do transplante na vida daqueles que necessitam do órgão para ser transplantado, encontra-se no processo de doação diversos obstáculos, como a falta de notificação de morte encefálica e as falhas na manutenção dos órgãos para a captação, sendo que esses desafios representam fatores impeditivos à efetivação da doação.

 

    Nesse sentido, ressalta-se a importância da capacitação de profissionais de saúde envolvidos no processo de doação, na busca de ações para diminuir a perda do potencial doador, visando elevar o número de doações e reduzir o sofrimento de pessoas (Morais & Morais, 2012).

 

    Foi observado na prática, em diversas vezes, a não conclusão do protocolo de ME por falta da conservação adequada dos potencias doadores. Também acontece de a equipe não notificar os óbitos à CIHDOTT para que a comissão os identifique como potencial doador. Ressalta-se também que há uma grande negatividade da família quando abordados para consentimento da doação de órgãos e tecidos para transplante.

 

    Os órgãos sólidos para transplante podem ser obtidos a partir de doadores faleci­dos com morte encefálica (ME) ou doação após morte cardíaca, ou coração parado (CP), sendo que os critérios para definir morte cardíaca diferem dos que definem morte encefálica (Bedenko et al., 2016).

 

    As dificuldades no hospital que serviu como cenário de estudo perpassam desde a subnotificação dos óbitos por ME e CP pelos profissionais da assistência, falta de conhecimento sobre o processo de doação, até aqueles relacionados à infraestrutura e logística da instituição, fatores estes que comprometem de modo substancial o processo de doação de órgãos.

 

    Deste modo, para melhor entendimento das experiências coletadas, os problemas identificados foram divididos em três categorias, a saber:

 

Problemas relacionados à infraestrutura

 

    No processo de doação de órgãos é indispensável uma infraestrutura que comporte a complexidade do processo, a confirmação do diagnóstico de ME e conservação dos órgãos do doador falecido, sendo necessário equipamentos de alta tecnologia.

 

    A assistência à saúde dos potenciais doadores (PDs) devem ser realizados na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Segundo a Portaria n°466 do Ministério da Saúde, os Serviços de Tratamento Intensivo têm por objetivo prestar atendimento a pacientes graves e de risco que necessitam de assistência médica e de enfermagem ininterruptas, além de equipamento e recursos humanos especializados. Toda UTI deve funcionar atendendo a um parâmetro de qualidade que assegure a cada paciente: direito à sobrevida, assim como a garantia, dentro dos recursos tecnológicos existentes, da manutenção da estabilidade de seus parâmetros vitais; direito a uma assistência humanizada; uma exposição mínima aos riscos decorrentes dos métodos propedêuticos e do próprio tratamento em relação aos benefícios obtidos; monitoramento permanente da evolução do tratamento, assim como de seus efeitos adversos (Ministério da Saúde, 1998).

 

    No entanto, a estrutura encontrada durante o estágio diverge daquela preconizada pela Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), pois para conservação adequada dos órgãos para doação são necessários recursos específicos e tecnológicos de monitoração dos PDs. Observou-se que alguns PDs são acomodados fora da UTI, em outros setores de internamento da instituição estudada, onde não é possível a correta monitorização, pois não possui maquinários tecnológicos que possam apresentar de modo fidedigno os parâmetros vitais, o que compromete a possível doação (ABTO, 2009).

 

    Exames complementares, como angiografia cerebral, eletroencefalograma e tomografia com­putadorizada, devem ser realizados entre o primeiro e segundo exame clínico, ou após o segundo exame clínico de morte encefálica. Para concluir o diagnóstico é necessário constatar ausên­cia de irrigação sanguínea no encéfalo, inatividade elétrica e ausência de atividade metabólica (Costa et al., 2016).

 

    No hospital estudado, falta equipamentos adequados para realização dos testes diagnósticos, a exemplo do eletroencefalograma (EEG), que se encontra danificado, sendo necessárias diversas tentativas para a realização do procedimento, ou a busca por empréstimos de aparelho de outros municípios. A massa condutora, que possibilita a aderência dos eletrodos do EEG ao corpo do PDs está constantemente em falta no referido hospital.

 

    Na doação de órgãos, outro fator relevante é a ambiência onde funciona o serviço. A equipe da CIHDOTT em questão não dispõe de sala privativa, funcionando junto com outras coordenações, o que acaba por comprometer o serviço com falta de privacidade e humanização, especialmente durante a abordagem à família. Sobre isso, sabe-se que a abordagem familiar deve acontecer em lugar tranquilo e reservado, pois é necessário um ambiente que contribua para privacidade e humanização nesta etapa, por se tratar de um assunto delicado (Moraes et al., 2014).

 

    Além da estrutura física e de insumos, o município não disponibiliza de local adequado para pouso e decolagem de aeronaves, fato que prejudica o andamento do serviço, visto que o hospital em estudo é uma unidade apenas captadora de órgãos, e para que o órgão chegue ao hospital transplantador é necessário transporte aéreo adequado. Isso acontece, porque cada órgão captado tem um tempo determinado para ser transplantado no receptor, e sem um aeroporto para que a equipe faça esse transporte pode implicar na conservação adequada do órgão transportado (Carrara, 2015).

 

    Deste modo, a falta de investimento adequado no setor saúde corrobora com a falta de equipamentos especializados no diagnóstico de morte encefálica, especialmente aqueles que demandam alta tecnologia.

 

Problemas relacionados à equipe

 

    Além da falta de materiais, equipamentos e insumos, foram identificados ainda problemas relacionados à equipe de assistência. Nota-se, por exemplo, a subnotificação pelos profissionais da assistência na comunicação do óbito por ME e CP à CIHDOTT. A comunicação é falha entre os profissionais, a identificação do possível doador muitas vezes não acontece por falta de diálogo entre a equipe da assistência e a CIHDOTT. Isso demonstra a falta de conhecimento e interesse dos próprios profissionais da assistência em relação a todo processo de identificação de PDs, levando à baixa notificação dos óbitos que ocorrem na unidade e consequentemente a diminuição de doações (Cuiabano, 2010).

 

    No cenário de estudo é possível identificar que a equipe ainda não se encontra capacitada para realização de alguns exames relacionados ao diagnóstico de morte encefálica, no cumprimento dos procedimentos como eletroencefalograma, quando ainda se utiliza materiais descritivos como suporte na realização do exame.

Outros desafios acontecem na realização dos exames que são da competência médica, não há colaboração dos mesmos para cumprimento dos exames na confirmação do diagnóstico de ME, muitos se recusam a realizar os procedimentos, percebendo-se também a falta de conhecimento técnico científico de alguns para abertura e fechamento do protocolo.

 

    É estabelecido pelo decreto n°2.268/97.2 do Conselho Federal de Medicina que o diagnóstico de ME deve ser realizado por dois médicos não praticantes da equipe de transplante. Estes realizarão exames clínicos e complementares, em momentos distintos, variando de acordo faixa etária do potencial doador (CFM, 1997).

A formação dos profissionais de saúde deixa a desejar quanto ao preparo teórico e técnico para lidar com a morte e as reações psicoemocionais dos enlutados. O médico e a equipe precisam ter segurança na realização do diagnóstico, habilidade e sensibilidade para entender a família em seu sofrimento e comunicar a notícia de morte com a devida compreensão dos aspectos psicológicos para o acolhimento devido (Cuiabano, 2010).

 

    Somando-se aos problemas supracitados, observou-se ainda o acúmulo de atribuições do coordenador da CIHDOTT do hospital em questão, isso ocorre por conta da escassez de recursos humanos, sendo delegado ao mesmo funções que não são da competência do serviço da comissão, tendo como consequência a sobrecarga de trabalho. Fato que traz prejuízos para o serviço, como a não implementação de educação permanente e não realização das rondas periódicas nas unidades de produção do hospital para a identificação de possíveis doadores.

 

    As dificuldades enfrentadas pela equipe multiprofissional começam com os conflitos dos enfermeiros durante o processo de doação, que estão relacionadas com a falta de conhecimento da equipe médica, principalmente na realização do protocolo de morte encefálica, e com a falta de comprometimento dos profissionais, levando ao descaso e a uma assistência não adequada ao paciente em morte encefálica (Araujo & Massarollo, 2014).

 

Problemas relacionados aos familiares

 

    A recusa familiar tem sido a principal causa da não efetivação de doações de órgãos, vários motivos para a recusa foram citados pelos familiares, dentre eles o principal foi o não conhecimento do desejo do paciente em vida de ser um doador.

 

    O desejo do paciente falecido deveria ser manifestado em vida, de ser ou não um doador de órgãos. Pois depois do óbito o corpo passa a ser de responsabilidade do familiar, assim a situação momentânea e abrupta com a sensação de perda do ente querido são os principais motivos para que a família não aceite a doação (ABTO, 2009).

 

    As orientações religiosas também trazem barreiras para o consentimento da família no momento da doação. Por crerem que o corpo é templo do Espirito Santo e que Deus pode curar, ressuscitar ou abençoá-lo com um milagre, para os familiares a doação é como se fosse um assassinato ou autorizar a morte do seu familiar (Morais & Morais, 2012).

 

    Em estudo de campo, identificou-se que a escolari­dade, religião e renda não influenciaram na decisão de doar, no entanto notou-se maior acei­tação da doação entre os católicos quando comparado aos evangélicos, embora ambas religiões não declarem restrições liga­das ao transplante (Bedenko et al., 2016).

A não compreensão e a falta de conhecimento do diagnóstico de morte encefálica gera conflitos e recusa da doação. A falta de conhecimento é evidente na maioria dos familiares, que não compreendem que o PD está com todos os órgãos em funcionamento, mas está falecido, quando o mesmo está com suporte avançado em UTI para conservação dos órgãos.

 

    Entre os mitos explorados em estudo que dificultam a ocorrência da doação de órgãos, tem-se: a idade como limitação à doação; a ideia de que enfermidades contraindicam doar; a crença de que ocorre a adoção de gostos, sentimentos ou personalidade do doador pelo receptor do órgão doado; acreditar que o doador passa a viver em outro ser; acreditar que a morte cerebral é estado reversível, e que a doação de órgãos afeta a integridade física e a ressurreição; dúvidas acerca da existência ou não de preferências na lista de espera de doadores e acerca do tráfico de órgãos (Gómez-Rázuri et al., 2016).

 

    Frente a existência de diversos mitos, entende-se que quando não há uma boa compreensão do processo da doação de órgãos, os familiares dos possíveis doadores sentem-se apreensivos, em dúvida e indecisos no momento da abordagem, por ser um assunto sobre o qual não têm muito esclarecimento (Roza et al., 2010).

 

    A deficiência em educação permanente para os familiares resulta em não aceitação para a doação. Para Sena (2010), a presença da resistência apresentada pela comunidade aponta para a necessidade de esclarecimento relacionados ao conceito de ME.

 

    Em muitas situações, o familiar não aceita a manipulação do corpo do parente para retirada do órgão simplesmente por acreditar que a fisionomia pode mudar, após a captação dos órgãos.

 

    Os familiares referem também o medo da reação da família, os que são de acordo à doação ficam com receio da não aceitação dos outros familiares. Para que aconteça a doação é preciso que três familiares concorde com a doação, durante a entrevista eles ficam receosos dos outros familiares não aceitarem a decisão que eles estão prestes a tomar (Cuiabano, 2010).

 

    A inadequação da informação, a ausência de confir­mação da morte encefálica e o desencontro das informações geram dúvidas nos familiares sobre o quadro clínico do paciente, o que muitas vezes impossibilita a doação.

 

    Somando a essas dificuldades surge outro fator, a desconfiança dos familiares diante da assistência prestada ao paciente (Cuiabano, 2010). A desconfiança da assistência oferecida ao paciente em vida é apontada como uns dos empecilhos citados pelos familiares para a doação. Reivindicações é algo comum quando entrevistados, eles questionam a falta de assistência ou assistência inadequada ao paciente em vida. Familiares quase sempre demonstram dificuldades na aceitação do diagnóstico, com dúvidas das informações prestadas pelos profissionais, demonstram insegurança e desconfiança frente ao diagnóstico.

 

    No entanto, sabe-se que os coordenadores avançados em transplantes reconhecem e reafirmam a importância da entrevista familiar no processo de doação, colocando-a como etapa decisiva, uma vez que é na entrevista familiar que não raro se muda uma recusa para uma autorização à doação, com o esclarecimento e orientação sobre o processo, o que confere credibilidade à equipe e aumenta a confiança dos familiares neste ato (Fonseca et al., 2016). Enfatizando-se, assim, a importância da educação permanente da equipe de saúde que realiza a abordagem da família, no hospital estudado.

 

Conclusões

 

    A vivência do estágio permitiu maior aproximação da temática, o que possibilitou identificar que há urgência em melhorias no serviço, em prol de aumentar o número de doação de órgãos e tecidos para transplante.

 

    Na estrutura institucional, é de grande relevância que tenha implantação de mais leitos de UTI para acomodação de pacientes e leitos com suporte para conservação dos órgãos dos potencias doadores em outras unidades da instituição.

 

    Com relação às deficiências relacionadas aos profissionais, torna-se necessário traçar estratégias para tornar a comunicação efetiva entre os profissionais de saúde com relação a doação de órgãos e tecidos no ambiente hospitalar. A comunicação em serviço é ponto fortalecedor para a qualificação do trabalho.

 

    O desconhecimento para realização do protocolo de morte encefálica, a falta de comprometimento e descaso na manutenção do possível doador, além da falta de registros adequados e de protocolos assistenciais para notificação do possível doador são desafios vivenciados que precisam ser superados, por meio da realização de capacitações e ações de educação permanente sobre o tema para os servidores e familiares.

 

    Foi observado que a recusa dos familiares nas entrevistas é pertinente devido a vários fatores, desde aqueles relacionados à religião, à falta de conhecimento e esclarecimento da equipe ao familiar sobre a constatação do óbito. A incerteza dos familiares pode ser minimizada quando há uma orientação prévia sobre o quadro clínico do paciente, o devido recebimento das informações esclarece as dúvidas e o familiar passa a entender as condutas tomadas no processo.

 

    Diante das deficiências observadas no serviço, fica evidente a necessidade de mudança, objetivando assim superar os desafios e incentivar projetos futuros e expectativas de modificação.

 

Referências

 

    ABTO - Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. (2009). Diretrizes básicas para captação e retirada de múltiplos órgãos e tecidos da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos. São Paulo: ABTO; p. 144.

 

    Araujo, M.N de, & Massarollo, M.C.K.B. (2014). Conflitos éticos vivenciados por enfermeiros no processo de doação de órgãos. Acta paul. enferm. [online], 27 (3), 215-220. ISSN 1982-0194. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201400037.

 

    Bedenko, R.C., Nisihara, R., Yokoi, D.S., Candido, V.M., Galina, I., Moriguchi, R. et al. (2016). Análise do conhecimento da população geral e profissionais de saúde sobre doação de órgãos após morte cardíaca. Revista Brasileira de Terapia Intensiva, 28(3), 285-293. Epub September 09, 2016.https://dx.doi.org/10.5935/0103-507X.20160043

 

    Carrara, B. A., Ribeiro, G. M., Leal Jr, I. C., Cascardo, L. M. R., Heinzen, E. (2015). Definição da matriz de compatibilidade entre pares de aeroportos para o transporte de órgãos. Transportes, 23(3), 100-108.

 

    Costa, C.R., Costa, L.P. da, & Aguiar, N. (2016). A enfermagem e o paciente em morte encefálica na UTI. Revista Bioética, 24(2), 368-373. https://dx.doi.org/10.1590/1983-80422016242137

 

    Cuiabano, R.S. (2010). Morte encefálica no contexto de doação de órgãos. Cuiabá-MT. Monografia. Instituto de Psicologia Quatro estações. Especialização em teoria, pesquisa e intervenção em luto. Acesso em 18 de maio de 2016

 

    Decreto n°2.268/97.2 do Conselho Federal de Medicina (1997). Disponível em: http://www.transplant-observatory.org/SiteCollectionDocuments/amrlegethbrasp.pdf

 

    Fonseca, P.I.M.N., Tavares, C.M.M., Silva, T.N. et al. (2016). Entrevista familiar para doação de órgãos: conhecimentos necessários segundo coordenadores em transplantes. Revista de Pesquisa Cuidado é fundamental (On-line), jan/mar, 8(1),3979-3990. ISSN 2175-5361 DOI: 10.9789/2175-5361.2016.v8i1.3979-3990

 

    Fuica, S., & Palacios-Espinosa, X. (2016). Significados atribuidos por el paciente trasplantado al órgano recibido, al donante, a la vida y a la muerte. Pensamiento Psicológico, 14(2), 19-32. https://dx.doi.org/10.11144/Javerianacali.PPSI14-2.sapt

 

    Gómez-Rázuri, K., Ballena-López, J., León-Jiménez, F. (2016). Mitos sobre la donación de órganos en personal de salud, potenciales receptores y familiares de potenciales donantes en un hospital peruano: Estudio cualitativo. Rev. Per. Me. Exp. Salud. Publica, 33(1),83-91. doi: 10.17843/rpmesp.2016.331.2011

 

    Manzato, A.J., & Santos, A.B. (2012). A elaboração de questionários na pesquisa quantitativa. Departamento de Ciência de Computação e Estatística. IBILCE – UNESP. São Paulo.

 

    Minayo, M.C.S. (2014). O desafio do conhecimento; pesquisa qualitativa em saúde. (14ª ed.). São Paulo: HUCITEC.

 

    Moraes, M.S., & Massarollo, M. (2014). Vivencia do enfermeiro no processo de doação e tecidos para transplante. Rev. Latino-AM. Enfermagem, mar-abr. Disponível em: www.eerp.usp.br/rlae, São Paulo.

 

    Morais, T.R., & Ribeiro, M. (2012). Doação de órgãos: é preciso educar para avançar. Saúde debate [online], 36 (95), 633-639. ISSN 0103-1104

 

    Portaria nº 466 de 04 de junho de 1998 (1998). Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária, Brasília. DOC 106de05/06/98visita:22/05/16sna.saude.gov.br/legisla/legisla/uti/GM_P466_98uti.doc

 

    Roza, B. D. A., Garcia, V. D., Barbosa, S. D. F. F., Mendes, K. D. S., & Schirmer, J. (2010). Doação de órgãos e tecidos: relação com o corpo em nossa sociedade. Acta Paul Enferm, 23(3), 417-22.

 

    Sena, V. L. S. (2010). Doação de órgãos: análise das causas de não efetivação da doação no estado de Mato Grosso. São Paulo. http://www.saude.mt.gov.br/upload/documento/107/analise-das-causas-de-nao-efetivacao-da-doacao-no-estado-de-mato-grosso-[107-090312-SES-MT].pdf, Acesso em 21/05/2016.


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 244, Sep. (2018)