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ISSN 1514-3465

 

Corpo, beleza e juventude na contemporaneidade: apontamentos reflexivos

Body, Beauty and Youth in Contemporary Times: Reflective Notes

Cuerpo, belleza y juventud en la contemporaneidad: apuntes reflexivos

 

Cláudio Oliveira da Gama*

claudiodagama@hotmail.com

Gláucio Oliveira da Gama**

glaucio_gama@hotmail.com

Valéria Nascimento Lebeis Pires***

valerianlp@uol.com.br

Jose Ueleres Braga****

ueleres@gmail.com

Elvira Maria Godinho de Seixas Maciel****

seixasmaciel@gmail.com

 

*Doutorando em Epidemiologia em Saúde Pública ENSP-FIOCRUZ

**Especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem

Centro Universitário Arthur Sá Earp Neto (UNIFASE)

***Doutora em Epidemiologia em Saúde Pública - ENSP-FIOCRUZ

Docente Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

****Pesquisador. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)

*****Orientador. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)

(Brasil)

 

Recepção: 22/12/2020 - Aceitação: 13/04/2021

1ª Revisão: 12/01/2021 - 2ª Revisão: 21/03/2021

 

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Citação sugerida: Gama, C.O. da, Gama, G.O. da, Pires, V.N.L., Braga, J.U., e Maciel, E.M.G. de S. (2021). Corpo, beleza e juventude na contemporaneidade: apontamentos reflexivos. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(279), 147-163. https://doi.org/10.46642/efd.v26i279.2764

 

Resumo

    A contemporaneidade é marcada pela era do corpo utilizado como ferramenta do consumismo. Por intermédio de hábitos e práticas corporais, estilos de vida se propagam pelos veículos de comunicação midiáticos. Neste contexto, jovens constituem o grupo mais vulnerável a ser influenciado, sendo compreensível seus desejos em fazerem parte de grupos e terem suas identidades aceitas socialmente. O texto apresenta uma reflexão dialógica acerca do culto ao corpo, beleza e juventude na sociedade contemporânea. No cenário atual, o corpo ocupa destaque muito além de qualidades requisitadas em outras épocas,com a compulsão cotidiana por atributos da beleza jovem, há uma vontade presente de manter e adequar-se a aparência vigente, bem como uma inovação contemporânea em retardar o processo natural da vida: o envelhecimento do corpo. Nesse caso, a tentativa é de esconder características físicas indesejáveis assumindo o estereótipo corporal jovem, da beleza eterna. Esse parece ser o desejo contemporâneo, que o tempo do corpo pare e ceda aos rituais da beleza. Como conclusão, percebe-se que o estado jovial, que outrora delimitava uma fase da vida, hoje, por meio de valores socioculturais, se transforma em símbolo, tamanha relevância apresentada no presente, mas que apresenta inclinações preocupantes para o campo da saúde mental, notadamente na insatisfação corporal.

    Unitermos: Corpo. Beleza. Jovem. Sociedade contemporânea.

 

Abstract

    Contemporaneity is marked by the age of the body used as a tool of consumerism. Through habits and bodily practices, lifestyles spread through the media. In this context, young people are commonly the most vulnerable group to be influenced, and their desires to be part of groups and to have their identities accepted socially understandable. The text presents a dialogical reflection on the cult of the body, beauty and youth in contemporary society. In the current scenario, the body occupies prominence far beyond the qualities required in other times, with the daily compulsion for attributes of young beauty, there is a present desire to maintain and adapt the current appearance, as well as a contemporary innovation in delaying the process natural part of life: the aging of the body. In general, the attempt is to hide undesirable physical characteristics by assuming the young body stereotype, of eternal beauty. This seems to be the contemporary desire: that the time of the body stops and yields to the rituals of beauty. As a conclusion, it is clear that the youthful state, which once delimited a phase, today, through socio-cultural values, becomes a symbol, such relevance presented in the present, but which presents worrying inclinations for the field of mental health, notably in the field of mental health. body dissatisfaction.

    Keywords: Body. Beauty. Young. Contemporary society.

 

Resumen

    La contemporaneidad está marcada por la era del cuerpo utilizado como herramienta de consumismo. A través de hábitos y prácticas corporales, los medios de comunicación propagan los estilos de vida. En este contexto, los jóvenes son el grupo más vulnerable en ser influenciado, y es comprensible su deseo de ser parte de grupos y que sus identidades sean aceptadas socialmente. El texto presenta una reflexión dialógica sobre el culto al cuerpo, la belleza y la juventud en la sociedad contemporánea. En el escenario actual, el cuerpo se destaca mucho más allá de las cualidades requeridas en otros tiempos, con la compulsión diaria por los atributos de la belleza joven, hay un deseo presente de mantener y adaptarse a la apariencia actual, así como una innovación contemporánea en retrasar el proceso de la vida natural: el envejecimiento del cuerpo. En este caso, el intento es esconder características físicas indeseables, asumiendo el estereotipo del cuerpo juvenil, de eterna belleza. Este parece ser el deseo contemporáneo, que el tiempo del cuerpo se detenga y ceda a los rituales de la belleza. En conclusión, es claro que el estado juvenil, que alguna vez delimitó una fase de la vida, hoy, a través de valores socioculturales, se transforma en un símbolo, con tanta relevancia presentada en el presente, pero que presenta inclinaciones preocupantes para el campo de la salud mental sobre todo en la insatisfacción corporal.

    Palabras clave: Cuerpo. Belleza. Joven. Sociedad contemporánea.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 279, Ago. (2021)


 

Introdução 

 

    A contemporaneidade é marcada pela era do corpo utilizado como ferramenta do consumismo, servindo ora como produtor, ora disseminador de hábitos, práticas e estilos de vida que se propagam pelos mais variados veículos de comunicação midiáticos, reforçando e/ou rechaçando modelos de corpos, sendo estes, elementos indissociáveis ​​das instituições culturais e sociais (Jaeger, e Câmara, 2015). Se, durante séculos, grandes empreendimentos de esforços foram feitos para convencer indivíduos de que não tinham corpo, “teima-se hoje, sistematicamente – após um longo período de puritanismo –, em convencê-las de que o próprio corpo é central em suas exigências e afetos”. (Goldenberg, 2002, p. 33)

 

    Correntemente, as características visuais dos perfis corporais de sucesso apresentam qualidades inerentes a felicidade, plenitude e status social condicionados ao cumprimento de seus ritos, cuja magia é dirigida pelo próprio sistema das relações sociais constitutivas do ritual (Assênsio, e Oliveira Júnior, 2015), atreladas em seu eixo basilar ao perfil físico jovem.

 

    A juventude no presente, pelas circunstâncias da época, geralmente valoriza a beleza corporal e quer construir uma maneira eficaz de se relacionar socialmente, quer ser vista, desejada e valorizada. Neste cenário inovador (sob o ponto de vista da visibilidade) o corpo assume protagonismo, uma vez que permite ascensão social, todavia, precisa ser moldado, lapidado e adequado aos padrões e normas vigentes, impostos por uma sociedade que tem implicações na indústria cultural (Lopes, e Mendonça, 2016). Corroborando com a afirmativa dos autores, Souza, e Alvarenga (2016) situam o corpo em uma dimensão que ultrapassa o fisiológico, por meio de sensações físicas, emoções, pensamentos, sentimentos, crenças e história, expressando a comunicação do indivíduo com o universo que o cerca. Ao mostrar essas arestas, é possível compreender que o corpo é uma entidade que supera os limites físicos e biológicos e adquire sentido na medida em que se vincula aos espaços sociais, culturais e políticos. Ainda neste contexto, Lopes, e Mendonça (2016) expõem que corpo e juventude são socialmente cultuados a partir de conexões que atrelam a beleza ao corpo jovem. Trabalhos científicos apontam que jovens estão cada vez mais vulneráveis a mudanças de comportamento e hábitos desencadeadas pela proximidade da vida adulta e ingresso em ambientes, como o universitário, profissional ou de práticas físicas que proporcionam novas relações sociais e podem implicar em alguns fatores prejudiciais a sua saúde e a uma imagem corporal positiva.

 

    Com o intuito de evitar generalizações, reducionismos, essencialismos ou polarizações, o texto reflete sobre à cultura ocidental contemporânea, cujos representantes principais são Estados Unidos da América e Europa (Alves et al., 2009), estes, principalmente, são os grandes estimuladores de valores, hábitos e costumes que influenciam as demais culturas (esclarecemos que ainda há diferentes formas de “ser corpo” em distintos grupos sociais no interior desses territórios/lugares). E ainda, para evitar confundimentos derivados de conceitos polissêmicos, o presente texto trata estética e beleza como sinônimos, sendo estes termos utilizados para designar em nosso contexto aspectos do exterior do corpo, mais precisamente de elogio, contentamento e satisfação corporal, tratados usualmente como virtudes na sociedade ocidental contemporânea/atual, vislumbradas como artifícios de desejo e perseguição individual e coletiva (de forma genérica), exaltadas pelos veículos de informação. Para padronizarmos os conceitos utilizados no presente texto, consideramos também o termo contemporâneo compreendendo o período histórico atual, embora também esteja sendo reconhecido como pós-modernidade por muitos autores.

 

    No contemporâneo, segundo Nascimento, e Afonso (2014), o homem não se compreende como um corpo, mas sim como possuidor de um corpo, fruto consequência de um processo histórico de desvalorização. Sob um novo olhar para o corpo, o conceito de corpos ideais, embora seja relacionado a fatores culturais específicos, vem se tornando semelhante em diferentes sociedades ao longo dos anos, onde atualmente vive-se a cultura do magro. Em relação ao Brasil, desde a década de 1970, um novo padrão emergiu, com um corpo modelo similar daquele julgado nos demais países do ocidente (Laus, 2013). No padrão estético que vigora no presente a beleza corporal tem se associado a um símbolo de conquista e de prestígio social. Desta maneira, refletir e problematizar sobre padrões, hábitos e estilos de vida pautados em discursos de saúde, qualidade de vida e de semblante jovem constitui-se eixo pilar de estudos sobre a temática. Assim, pretende-se refletir e fornecer conteúdos para uma melhor compreensão do fenômeno que, ao longo dos anos, desperta interesse crescente tanto para a comunidade cientifica, quanto para o senso comum. Destaca-se a importância que a temática tem assumido na atualidade, onde a busca pela beleza “a qualquer custo” apresenta quadro preocupante para o campo da saúde, estudos têm apresentado em seus resultados desdobramentos relacionados aos efeitos da imagem corporal negativa, mas precisamente de insatisfação com a imagem corporal, com expressiva associação de variáveis ambientais, sociais e culturais, sendo a insatisfação corporal uma realidade para ambos os sexos e um resultado direto do não enquadramento em padrões estético-culturais. (Alves et al., 2009; Gama, 2016; Pires, 2017; Souza, 2017; Souza, e Alvarenga, 2016).

 

    Considerando que a busca pelos ideais de corpos do sucesso pode levar ao desencadeamento de comportamentos nocivos a saúde, tais como dietas restritivas, procedimentos estéticos, medicamentos e práticas físicas exaustivas, nosso estudo assume um compromisso social e científico pois problematiza as relações com o corpo no presente com a finalidade de minimização dos danos observados/causados. Neste contexto, este ensaio propõe reflexões sobre o que é ser jovem na sociedade ocidental, os desejos de ser aceito em grupos sociais e as angústias pela adequação ou não a comportamentos vinculados a moda contemporânea.

 

    Importa ressaltar que o termo jovem que outrora nos remetia a uma fase da vida, hoje se expande, ao tornar-se parte constituinte de atributos físicos desejáveis, carregando indivíduos no cumprimento de rituais da cultura ocidental.Ainda que reconheçamos que a concepção de beleza difere de acordo com a etnia/sociedade de pertencimento, ao longo da história, a cultura foi fator decisivo nas relações humanas, o corpo neste contexto passou por diferentes graus de importância para os indivíduos e estamos a assistir uma verdadeira divinização de corpos belos (Alves et al., 2009). Cabe ponderar, inicialmente, algumas características sociais e culturais do jovem na sociedade ocidental. O texto apresenta uma reflexão dialógica acerca do culto ao corpo, beleza e juventude na sociedade contemporânea.

 

Características do jovem na atualidade 

 

    Ao ser inserido na sociedade do consumo e trabalho, o jovem enfrenta complexos e contínuos processos de descobertas, a principal diz respeito ao período em que passa a ser o responsável pelos seus atos (transição da adolescência para a idade adulta), ressalta-se que ao longo do texto a adolescência, ainda que considerada uma fase temporal, é utilizada dentro de contextos e características comuns ao jovem, uma vez que a adolescência é parte integrante desta fase. Por ser considerado um período bem complexo, no que tange a formação de identidade e de uma imagem corporal consolidada e aceita coletivamente, este grupo é o que mais sofre influências socioculturais do meio em que está inserido, uma vez que ao sair da infância e entrar no período da adolescência, e, posteriormente, de adulto jovem, é natural e compreensiva a necessidade de indivíduos jovens logo desejarem fazer parte de um grupo, e o mais importante, serem aceitos. Almeida (2010) considera que jovens se aproximam de um grupo geralmente através da proximidade de sua rede social, seja ela por convite ou até mesmo curiosidade. Sendo que as condições para que jovens possam aderir ou não a grupos sociais está fortemente ligada ao consumo de determinados produtos ou como compartilham determinados significados atribuídos aos afazeres individuais e coletivos. Deste modo, entende-se que o motivo da aproximação do jovem a um grupo envolve desde a busca por relações afetivas, até afinidades ideológicas, com sua relação com o grupo sempre mediada de experimentação: “experimentam-se relações, concepções, desejos, expectativas... e com o passar do tempo esta experimentação torna-se identificação” (Almeida, 2010). É por meio da identificação com o grupo que o jovem começa a “superar suas apreensões para afirmar sua identidade aos olhos dos outros” (Le Breton, 2009, p. 46). Por identidade, Rocha (2019) compreende um movimento inacabado e que sofre múltiplas transformações, nesse caminho há sua permanência e consolidação como processo de relacionamento social em que o indivíduo possuirá muitas formas de identidades se afirmando através da relação pelo outro, pelo grupo que pertence, assim como também mediada por outros fatores, como o uso e consumo de bens. Neste cenário dinâmico de construção identitária, o sujeito contemporâneo se figura como ser em constante mutação, comportando-se de diferentes formas nos mais variados contextos. (Santos, e Mezzaroba, 2013)

 

    Oportunamente, os jovens não procuram o outro por suas diferenças, mas sim unem-se e valorizam-se pelas suas semelhanças, o que é confirmado por Le Breton (2009) ao revelar que nenhum jovem se parece com outro, contudo, em nossas atuais circunstâncias sociais, inúmeros traços os reúnem, sendo o modo mais eficiente de alcance desta aceitação quando apresentam similaridade em traços físicos, hábitos e comportamentos de membros pertencentes de seu meio social. Conforme o exposto, convivência e aceitação em grupo ou na coletividade seria então uma forma do jovem encontrar uma mediação com a sua existência, reforçando ou rechaçando valores veiculados pelos meios de comunicação, pelo pensamento religioso ou pelas expressões culturais estabelecidas na formação de suas identidades, em contraste, por estarem numa fase de transição, suas vontades por liberdade apresentam muitas características peculiares, onde “não há uma adolescência, como possibilidade de ser; há uma adolescência como significado social, mas suas possibilidades de expressão são muitas” (Bock, 2004, p. 42). A adolescência é uma fase temporal do desenvolvimento humano (de transição para adulto jovem) iniciada após o período da infância e que apresenta um patamar de estágio do ciclo de vida bem distinto (por ser considerada uma fase rebelde), caracterizada por mudanças psicológicas, emocionais, somáticas, cognitivas e, contemporaneamente, por influência da sociedade têm apresentado súbito aumento da preocupação com a aparência física. Além destas, outras características são bem específicas, como rebeldia, desenvolvimento do corpo, instabilidade emocional, variabilidade nos níveis de hormônios, tendência à oposição, crescimento, busca da identidade e de independência (Bock, 2004). A adolescência é, sobretudo, “uma época de enfrentamento do mundo com uma vontade de experimentar seu corpo, sentir seus limites, tocar o mais perto possível sua existência” (Le Breton, 2009, p. 38). Pela fase conturbada, entende-se que esta seja a principal precursora de riscos associados ao jovem, na pressão pelo enquadramento dos modelos corporais socialmente impostos. Silva et al. (2012) corroboram com esta afirmativa ao revelarem que a insatisfação com a imagem corporal é mais prevalente no final da adolescência e início da fase adulta, onde nota-se pela experiência dos jovens do século XXI, que a necessidade de testar limites tornou-se uma condição de sobrevivência do sentido, onde, para Melucci (1996), sem atingir-se o limite não pode haver experiência ou comunicação, assim, frequentemente, sua relação com os mais velhos. Neste quadro, por exemplo, Bock (2004) afirma que geralmente esta relação se dá de forma conflituosa, um traço característico a oposição aos pais e ao mundo adulto, tornando-se habitual que jovens adotem uma postura que tema não ser “normal”, por não corresponder às expectativas dos outros e não estar à altura deles (Le Breton, 2009, p. 33). Para Ceballos-Gurrola et al. (2020) jovens geralmente apresentam afinidade pela beleza e estética disseminada culturalmente, isso faz com que estejam frequentemente preocupados com seu corpo, um fator comum e desencadeador dessa relação são os transtornos, sejam os alimentares e os relacionados à imagem corporal, um importante componente do complexo mecanismo de identidade pessoal. (Kakeshita, e Almeida, 2006)

 

    Slade (1994) define imagem corporal como uma ampla representação mental da figura corporal, com sua forma e tamanho influenciadas por vários fatores. Mataruna (2004) corrobora com este conceito apontando a imagem corporal como continua, dinâmica e representativa do esquema postural, acompanhando o indivíduo desde o seu nascimento até o último suspiro, sofrendo adaptações e transformações de acordo com o momento vivido.

 

    Por influência de características contemporâneas, a formação da identidade, bem como da imagem corporal são mediadas por fatores socioculturais; o grupo jovem, por ser considerado o mais vulnerável pelos descritos anteriores, apresentam frequentes insatisfações com o corpo e alterações na percepção de sua própria imagem, tais ocasiões originam-se pelas dificuldades em lidar e aceitar sua imagem corporal ao confrontá-las com as imagens disseminadas pelas mídias e pelos padrões de estética atuais (Alvarenga et al., 2010; Silva et al., 2018; Souza, e Alvarenga, 2016). De modo mais severo, quadros de não aceitação corporal pode chegar até em consequências de distúrbios severos da imagem corporal como anorexia, bulimia e vigorexia nervosa.

 

    Segundo Pires (2017), a insatisfação corporal associa-se a fatores sociais, culturais, antropométricos, percepções e preocupações dos pais sobre o estado nutricional dos filhos, a pressão da cultura dominante nos ambientes e grupos frequentados, padrões veiculados nos meios de comunicação e redes sociais. Nessa esteira, Souza (2017) também associa insatisfação corporal às consequências nocivas, como baixa autoestima, depressão, ansiedade, diminuição da qualidade de vida, ideação suicida, desenvolvimento e manutenção de transtornos alimentares, bem como a comportamentos e atitudes alimentares disfuncionais, correntemente atrelada a um julgamento ruim, negativo de seu corpo, de sua imagem corporal, em comparação com os demais sujeitos.

 

    No que diz respeito as crises associadas a preocupações com a aparência, Le Breton (2009, p. 32), refere que podem ter seus indícios vinculados ao jovem, por ser esta fase considerada “uma época de ruptura, de metamorfose, de confusão, momento de uma entrada delicada em uma idade adulta cujos contornos ainda estão longe de se anunciar com precisão”.

 

    Os limites da busca incessante pela beleza ainda são desconhecidos tendo em vista uma ampla cadeia de possibilidades e caminhos tornando neste sentido um problema fundamental para os adolescentes de hoje (Melucci, 1996). Nessa conjuntura, evidencia-se problemáticas que emergem do contemporâneo social e cultural envolvendo este grupo de indivíduos, iniciando-se por crises típicas da idade e progredindo para a aceitação grupal em busca de uma identidade original, que permitam realizações individuais, sociais e coletivas. Partindo desse pressuposto,entende-se os motivos deste público jovem ser o principal grupo de risco para insatisfação corporal em comparação aos demais grupos, pela emergente necessidade de aceitação e pertencimento, bem como pelos rituais disseminados socialmente, onde o atributo da beleza física passa a ser motivo de cobiça deste e de outros grupos, como discute-se a seguir.

 

Os desejos e necessidades do cuidado com o corpo 

 

    Para Ghiraldelli Jr. (2008) a vida urbana do jovem atual é considerada como um fenômeno de tribos, onde há relações mais ao modo de comportar e vestir do que necessariamente a um ideal. Para o autor, cada vez mais a identidade moral e a própria personalidade ou caráter se cruzam com a identidade visual, e esta, por sua vez, é regrada pelo império do corpo. Neagu (2015) considera o corpo enquanto entidade biológica, representando um papel funcional, porém, no campo social, o corpo apresenta uma forma visível de expressar e representar a identidade de alguém, em se tratando da formação da identidade moral “hoje, somos o que aparentamos ser, pois a identidade pessoal e o semblante corporal tendem a ser um só e mesma coisa” (Costa, 2005, p. 198). Como ambas - pessoal e corporal - passam a ser consideradas sinonímias, Sayão (2014) expõe que os cuidados com o corpo na contemporaneidade englobam aspectos do campo moral, afetivo, físico e psicológico passando a ter um papel central na formação das identidades e “na moral do entretenimento e das sensações, o estado psicológico corrente é o da insatisfação e receio perenes quanto à autoimagem” (Costa, 2005, p. 84). Essa frequente preocupação que gera insatisfação com a aparência pode ter um impacto negativo sobre a autoimagem, podendo acarretar em aparecimento de baixa autoestima, depressão e tantos outros malefícios a saúde.

 

    Deste modo, a construção do sujeito e sua constituição como membro de um grupo torna-se diretamente relacionada não só à saúde do corpo, mas também a sua estética (Sayão, 2014). Como a busca utópica ao corpo perfeito, presente no mundo contemporâneo, passa a ser atrelada aos traços jovens (tanto para fins de melhoria do estado de saúde, quanto para a conquista da boa forma), seus fins acabam direcionados para rituais de beleza, neste âmbito, a compulsão da boa forma se tornou tática de proteção da identidade em prol de uma banalização do semblante corpóreo (Costa, 2005). Estes aspectos sociais e únicos presenciados no contemporâneo culminam por influenciar a forma valorativa do corpo, sendo possível associarmos aos postulados de Giddens (1991) que vão situar o corpo como parte integrante no processo de modernidade, inferindo-o como agente desse projeto e não como objeto passivo suscetível de ser simplesmente moldado por um processo social de construção. Portanto, importa entender de que forma a relação do indivíduo com seu próprio corpo e com os outros modelos de corpos pode interferir na sua saúde, no comportamento preventivo, e sobretudo, investigar os desafios destas perspectivas na contemporaneidade.

 

    Neste contexto criado pelo consumismo, a beleza corporal para o grupo jovem adquire importância singular, é ele que vai comandar as relações sociais, logo, modificações corporais, quaisquer que sejam, adquirem a capacidade de alterar a identidade e são alçadas a critérios de valoração, podendo qualificar ou desqualificar o sujeito e definir sua posição em uma hierarquia (Sayão, 2014). Como o corpo adquire poderio suficiente para qualificar sujeitos (como melhores e piores que o outro) é através dele que vão se agregar estilos de roupas, visuais (cortes de cabelo, tatuagens, etc.) e a participação em grupos que carregam identidades distintas que representam valores apenas nestes grupos particulares. Segundo Melucci (1996) todas essas características funcionam como linguagens temporárias e provisórias com as quais o indivíduo se identifica e manda sinais de reconhecimento para outros. Assim é a juventude, uma etapa da vida em que o corpo é objeto de valoração e idealização social que, no geral, conta com fatores biológicos a seu favor. (Lopes, e Mendonça, 2016)

 

    Vive-se atualmente uma era que estimula, por meio dos veículos de informação, a busca por modismos de beleza física e estilo de vida pautados pelo saudável e estas condições permitem a possibilidade para o nascimento de um culto ao corpo na cultura ocidental contemporânea que, em demasia, transforma-se numa corpolatria. Sueitti, e Sueitti (2015), consideram a corpolatria como resultado de uma ideologia cuja aparência corporal é o fim em si mesma, nela o sujeito deve buscar excessivamente a perfeição corporal. Socioculturalmente, constrói-se a ideia de que o corpo pode e deve ser transformado pela atividade física, intervenções cirúrgicas ou recursos estéticos, caracterizando, assim, a monopolização do corpo padronizado pela beleza corporal. A atitude em relação ao corpo e as práticas corporais (incluindo o gerenciamento da aparência corporal e o de comportamentos) refletem valores de cada sociedade em particular, por exemplo, embora a gordura seja considerada símbolo de saúde e bem-estar dentro de tradicionais culturas, nas modernas significa baixo nível de autodisciplina, preguiça e falta de controle. (Neagu, 2015)

 

    Com discursos de um culto ao corpo hipervalorizado, o contemporâneo passa não apenas a considerar ambientes universitários, de academias de ginásticas, de dietas e regimes alimentares, mas também acabam por se infiltrar em hábitos diários de saúde e de estilos de vida, que acabam por disciplinar e moldar condutas em prol de uma beleza que se constrói socialmente e culturalmente sob os alicerces dos discursos de saúde e práticas saudáveis.

 

Tais afirmativas se sustentam em estudos científicos que testam hipóteses, a exemplo do estudo realizado por Paixão, e Lopes (2014) que verificou percepções, atitudes, comportamentos e sentimentos de identidade subjacentes às narrativas de universitárias (grupo de maioria jovem) submetidas a cirurgias estéticas de alteração corporal para atender ao padrão de beleza corporal prevalente na sociedade atual. Diante das constatações e dos resultados analisados neste estudo, foi possível encontrar prevalências nas universitárias por ideais de corpos estabelecidos no âmbito social. A partir disto, decorre um sentimento de pertencimento e identidade a um grupo social de referência, ou seja, composto por pessoas que detêm ou se esforçam para manter o corpo em consonância aos padrões ideais de beleza.

 

    Neste seguimento os jovens no contemporâneo representam um grupo de indivíduos que, para serem reconhecidos em seu ciclo social, persistem a busca pela aceitação, sendo esta baseada em gestos, atitudes e comportamentos permeados em traços estereotipados de beleza. Em relação a beleza corporal, este grupo tem apresentado cuidados com o corpo distantes dos preconizados no clássico conceito de saúde difundido pela Organização Mundial de Saúde, relacionado ao pleno bem-estar.

 

Discursos corporais de manutenção do estado jovem 

 

    Como a construção do corpo físico tem sido historicamente fruto dos efeitos dos discursos do consumismo que dão consistência simbólica a sociedade presente, “a ânsia contemporânea pela eterna juventude produziu, de fato, corpos que permanecem jovens por muito mais tempo” (Kehl, 2003, p. 258). A partir da construção de imagens de corpos belos e perfeitos veiculada e disseminada socialmente, cria-se uma suposta receita para a felicidade, padronizando um modelo de corpo a ser seguido, ignoram-se os que não apresentam biótipos adequados, seja por traço genético, “preguiça ou desleixo” ou ainda, por suposta crítica aos modelos corporais existentes. Nesse quadro, a ideia é postergar, através de recursos biotecnológicos características corporais jovens, seja para os que se enquadram ou não as exigências da boa forma e beleza. Envelhecer bem e envelhecer bem-sucedido tornaram-se temas importantes para descrever como os indivíduos mais velhos devem evitar o envelhecimento (Brown, e Knight, 2015).

 

    Ferramentas tecnológicas, médicas, nutricionais, manuais de vida saudável e tantas outras contribuem para o rejuvenescimento do corpo com o forte apelo de permanecerem jovens, onde o discurso de “estilo jovem” para todas as faixas etárias têm mais efeito sobre os corpos do que todas as vitaminas e academias de cultura física (Kehl, 2003). Essas ferramentas estão no cotidiano, difundidas de forma sutil e perigosa (sob o ponto de vista da saúde) pelos meios de comunicação mais acessados, estando no ápice destes meios de publicidade “programas de auditório voltados para o público jovem e revistas especializadas, também neste público” (Cruz et al., 2008, p. 2). Uma das evidências dessa tendência é a forte e constante preocupação dos indivíduos com a apresentação e a forma de seus corpos na tentativa de adequá-los a um ideal hegemônico de beleza jovem, magra e exercitada. (Figueiredo et al., 2017)

 

    O mito de uma eterna juventude para ser conquistada por todos os grupos deve ser buscada, desejada e esquadrinhada, sob o auxílio dos veículos que transmitem tendências seja de estilos de vida ou de moda, com seus manuais que permitem a conquista do elixir da vida, da beleza e da juventude infinita, ou pelo menos do retardamento dos efeitos do tempo. De modo geral, ou “se é um corpo-espetáculo” ou “se é um João ou Maria ninguém”, por esse motivo, jovens e adultos circulam atordoados em torno de academias de ginástica, salões de beleza, centros de estética ou consultórios médicos, em busca de uma perfeição física eternamente adiada (Costa, 2005), todavia, presente nos discursos, rituais e práticas de beleza atuais.

 

    Temos, atualmente, como novidade nas formas de interação dos jovens em comparação ao passado, um pertencimento, participação e interação com grupos cada vez mais rápida, ativa e frequente do que outrora era visto. Tal relação só é permita pelo advento da modernidade e com ela as novas tecnologias, sobre esta nova forma de informação e comunicação em que Melucci (1996) ponderava estar crescendo em um ritmo sem precedentes, pois abrange meios de comunicação, o ambiente educacional, de trabalho, as relações interpessoais, lazer e tempo de consumo. Todas essas formas de se comunicar geram mensagens para os indivíduos que, por sua vez, são chamados a recebê-las e a respondê-las com outras mensagens; hoje, corpos magros e exercitados são considerados estereótipos, exemplos de força de vontade, caráter, perseverança e sucesso, o que indica que o cotidiano possui relação estreita com o aspecto pessoal, ou seja, está intimamente ligada ao social, pessoal e profissional. (Vaquero, 2013)

 

    Diante da diversidade de informações e da necessidade de respostas rápidas e urgentes do público consumidor, no que tange as possibilidades de alcance de modelos perfeitos, as imagens desses corpos esguios e musculosos veiculadas nos discursos midiáticos, acabam por interferir no modo como o jovem percebe e enxerga seu próprio corpo, distorcendo as ideias de amor próprio e incentivando o narcisismo exagerado (Cruz et al., 2008). Há então, em consonância, uma inevitável e cada vez mais crescente identificação, principalmente do público de jovens, com os símbolos midiáticos (do esporte, da moda, do cinema), que sorrindo, chorando e vivendo passam a impressão de beleza, juventude, felicidade e realização, o que culmina no desejo desesperado em imitá-los. Este fato nos leva a concluir que os modelos de corpos do futuro não surgirão ao acaso. A beleza é um exemplo que não mais se define a gêneros masculinos ou femininos, até mesmo pode ser cultivada e mesmo reivindicada pelos dois sexos, o que outrora era só requisitada pelo público feminino: “hoje é beleza, sensualidade e masculinidade” (Bock, 2004, p.40), ela “se emancipou do espectro da ‘força’ ou da ‘fraqueza’, da valorização ou da desvalorização, tornando-se ‘beleza ilimitada’”. (Vigarello, 2006, p. 177)

 

Desafios, projeções e perspectivas dos modelos corporais atuais 

 

    Jovens ao passar por constantes lutas em prol da aprovação de seu grupo social passam pela emergência de “vilões e heróis que incidem diretamente nas formas corporais” (Albino, e Vaz, 2008, p. 211). Estar inserido e valorizado na sociedade vigente significa que o corpo, elemento indissociável do indivíduo, é notado e identificado como elemento partícipe das tramas sociais e, portanto, de uma realidade contextual.Orquestrado por este cenário, uma indústria inteira surgiu e está funcionando destinada a melhorar, sob o ponto de vista da beleza, o corpo humano, alavancados pelo desenvolvimento tecnológico houve o crescimento de vários tipos de modificações corporais contribuindo para a implementação de projetos individuais de corporeidade.

 

    Ainda reconhecendo a existência de múltiplas belezas, o consumismo no século XXI emprega uma ideologia corporal do sucesso guiado por padrões que possibilita e amplia, apresenta potencialidades para seu alcance, sobretudo através de tentativas frustradas por uma beleza inalcançável e mutável.Este ideário empregado nos discursos sobre o corpo vincula a vontade de vencer condicionada em tornar os corpos cada vez melhores (no sentido estético/belo). No entanto, este conceito diverge um pouco a regra do estilo de vida idealmente saudável, onde a melhoria se faz neste aspecto não pela vontade individual, mas moldada pela vontade dos grupos e, logicamente, dos órgãos disseminadores e formadores de opinião.Neste formato ideológico de vida feliz são abandonados conceitos fisiológicos de saúde, chegando, em alguns casos, ao extremo de crimes contra o corpo por esta incessante busca pela perfeição. Nela são privilegiadas duas vertentes da beleza e do bem-estar: a individual - afeita à personalidade e ao empenho de cada um, e a coletiva, fruto de um ideal tido como obrigatório (Sayão, 2014) que uniformizam os critérios de beleza com normas, adjetivações e ritos a serem seguidos, que em casos de insucessos corporal, instintivamente, há um julgamento social que culpabiliza o indivíduo pelo seu fracasso uma vez que “cada indivíduo é considerado responsável (e culpado) por sua juventude, beleza e saúde: só é feio quem quer e só envelhece quem não se cuida”. (Goldenberg, 2002, p. 9)

 

    Projetando perspectivas deste público em consonância com os apelos estéticos exemplificados, esta é a fase em que a orientação para o futuro prevalece, sendo o futuro percebido como alarmante, pois se torna cada vez mais centrado na busca em querer ser e permanecer sempre sob o estado jovial, causando uma total reviravolta no percurso natural da vida. Desejar e ser jovem atualmente não é mais somente uma condição unicamente biológica, mas sim uma definição cultural (Melucci, 1996); jovens e idosos, mulheres e homens, negros e brancos, gordos e magros, almejam um tipo de corpo, todos querem estar parecidos (regulados pelo padrão) em suas medidas, pesos, padrões e beleza corporal (Garcia, 2017). Vislumbrada por grupos diversos e distintos, esta busca dissemina-se pela grande mídia, por meio de seus personagens, onde seguindo fielmente os “heróis” protagonistas e se adequando as cartilhas da boa forma divulgadas em demasia, os sujeitos são levados à reprodução da imagem do chamado corpo do sucesso. (Gama, 2016)

 

    Sobre a mídia, ela vem ao longo dos anos adquirindo um imenso poder de influência sobre os indivíduos, “generalizou a paixão pela moda, expandiu o consumo de produtos de beleza e tornou a aparência uma dimensão essencial da identidade para um maior número de mulheres e homens”. (Goldenberg, 2002)

 

    O efeito desta encenação midiática, orquestrada pelo consumismo pode influenciar valores éticos, estéticos, além de normas e padrões incorporados pela sociedade, e é capaz de transmitir e reforçar ideias sociais relacionadas ao corpo, culminando na repetição/reprodução de gestos, atitudes, gostos e comportamentos pela grande massa social (Jaeger, e Câmara, 2015). Em adicionala práticas e recursos tecnológicos, acrescenta-se utilitários que reforçam o apelo ao corpo, tais como maquiagem, penteados, roupas e traços que aproximam bruscamente a jovem banal da estrela de cinema (Vigarello, 2006). Em se tratando da manutenção do estado de jovialidade, para Le Breton (2009, p. 31), jamais ela foi tão requisitada, a ponto “de a referência transmudar-se em ideologia, em palavra de ordem, em modelo de reverência”. Compreende-se que existe uma construção totalmente inovadora (em comparação ao passado) na busca pelo aspecto corporal jovem, com sua busca desejada, mantida e naturalizada, a ideologia atual empregada é a de fazer o tempo parar, com seus cremes e procedimentos antienvelhecimentos que, por exemplo, prometem ao usuário voltar a ter a tão desejada aparência jovem. Em adicional, outras técnicas “milagrosas” como cirurgias plásticas, preenchimentos, ginásticas e tantas outras que prometem transformação vital ao corpo, adiando e retardando o quanto pode os efeitos do envelhecimento.

 

    Envelhecimento, gordura corporal, cicatrizes, varizes, estrias, bem como outras “imperfeições corporais” não são características bem-vistas socialmente, contudo passam a ser utilizados propositalmente como ferramentas políticas de inserção e visibilidade social, a medida em que as receitas do sucesso estão nos mostruários e presentes nas cartilhas da boa forma, estampadas e veiculadas nas mídias e externadas em procedimentos estéticos que prometem a cura das imperfeições corporais.Neste contexto, o corpo se torna objeto moldável a ser cultivado por meio de hábitos saudáveis, educado em sessões exaustivas de exercícios físicos, modelado por substâncias anabolizantes, corrigidos por cirurgias plásticas (com finalidade estética) e regulado por padrões socioculturais que almejam alcançar a imortalidade mascarada no mito da eterna juventude (Santos et al., 2019). Desta maneira, tamanha a quantidade de ritos e entrega, fatalmente teremos indivíduos mais descontentes, frustrados e consequentemente insatisfeitos com suas aparências.

 

Conclusão 

 

    O termo jovem compreendido neste trabalho representa símbolos distintos, ora servindo como período delimitado da fase da vida do indivíduo, em que o jovem busca um tratamento e reconhecimento igualitário para firmar sua identidade, e a que grupos de indivíduos nega-se a perder e tenta resgatar traços jovens para si. Neste contexto há o desejo e conquista da aparência física socialmente aceita, por meio de recursos de beleza e práticas corporais; sob as prerrogativas da transcendência e da manutenção da aparência jovem. Sendo a transcendência, uma superação das fases características da idade cronológica do jovem (adolescência e fase de adulto jovem) e a manutenção, o desejo e a possibilidade de retardar ou parar o tempo do corpo em favor da aparência jovem.

 

    Ainda que não seja o escopo de nosso trabalho, reconhecemos a existência de múltiplas formas e desejos pela adequação aos padrões e idealizações corporais, pois “não ser jovem” por exemplo, envolve questões identitárias e políticas, onde assumir rugas, a idade cronológica ou cabelos “brancos”, dentre várias características que contrapõem ao jovem, são também atributos buscados por alguns sujeitos que inserem-se fortemente ao status do consumismo e que podem demarcar fundamentalmente certo status em dadas relações sociais na contemporaneidade. Desta maneira, na incerteza das transições dos caminhos do corpo há o rumo de abertura para as mudanças, todavia “os atributos tradicionais da juventude parecem ter se deslocado para além dos limites biológicos” (Souza, 2004, p. 51). O desejo se impõe em não ser jovem, no sentido jovial (estado de espírito), mas sim ter, por meio dos comportamentos descritos, o corpo e a eterna beleza jovem. Esse é o desejo contemporâneo: que o tempo do corpo pare e ceda aos padrões da beleza e estética.

 

    Como conclusão, a fase jovem, da juventude, que outrora marcava um período temporal da vida de expressiva vitalidade, atualmente, por meio das mídias, adjetivações corporais e valores socioculturais, se transforma, passando a ser desejada e buscada com uma necessidade contínua, permanente e que apresenta inclinações de projeções desastrosas para o campo da saúde pública, mais especificamente da saúde individual em ações coletivas, notadamente na prevalência ou incidência de insatisfação corporal, assim como a insatisfação com imagem corporal que se associam as questões de gênero, estilo de vida e ao ambiente que se está inserido.

 

    Percebemos ao longo dos apontamentos reflexivos que o contemporâneo representa uma era em que os valores de ter e possuir sobrepõem o indivíduo - o ser e o existir, valores outrora essenciais a vida humana, ao reconhecimento da identidade marcada num corpo único, singular, não necessariamente modelado por instâncias relacionais de ações do coletivo, manifestadas pelo consumismo, produtivismo e utilitarismo, e ainda, acrescido hodiernamente nessa construção de identidade relacionada ao corpo, à beleza e a juventude.

 

Agradecimento 

 

    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

 

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