ISSN 1514-3465
Análise comparativa entre as pedagogias culturais
da Educação Física de Daolio e de Neira
Comparative Analysis Between the Cultural Pedagogies of Physical Education by Daolio and Neira
Análisis comparativo entre las pedagogías culturales de la Educación Física de Daolio y de Neira
Francisco Eraldo da Silva Maia*
eraldomaiaprof@gmail.com
Cesar Augusto Sadalla Pinto**
cesarsadalla@ifce.edu.br
Joselita da Silva Santiago***
josysantiago306@gmail.com
*Pós-Graduação em Ensino de Educação Escolar (FAVENI)
Pós-graduação em Ensino e Práticas de Ensino (UNIQ)
Graduado em Educação Física pelo Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)
Atualmente é tutor dos cursos de Licenciatura em Educação Física e Bacharelado
em Educação Física da Universidade Norte do Paraná (Unopar)
**Graduado em Licenciatura Plena em Educação Física
pela Universidade do Estado do Pará (UEPA)
Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)
Professor do Instituto Federal do Ceará (IFCE)
***Pós-Graduação em Educação Física Escolar (FAVENI)
Graduada em Educação Física pelo Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)
(Brasil)
Recepção: 22/11/2020 - Aceitação: 13/02/2021
1ª Revisão: 08/02/2021 - 2ª Revisão: 10/02/2021
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Citação sugerida
: Maia, F.E. da S., Pinto, C.A.S., e Santiago, J. da S. (2021). Análise comparativa entre as pedagogias culturais da Educação Física de Daolio e de Neira. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(275), 196-206. https://doi.org/10.46642/efd.v26i275.2710
Resumo
Este estudo tem o objetivo de identificar as aproximações e os distanciamentos entre as propostas pedagógicas de Daolio e Neira, considerando o conceito de cultura, o seu caráter diretivo e os referenciais teóricos que as fundamentam. Os resultados indicaram que a Perspectiva Cultural de Jocimar Daolio tem como base os estudos advindos da Antropologia social, já o Currículo Cultural da Educação Física, proposto por Marcos Neira, tem como base os estudos pós-críticos. Por meio desses referenciais teóricos, foi possível inferir que: em Daolio a cultura é compreendida como uma rede de significados produzidos pelos seres humanos; em Neira, por sua vez, a cultura é entendida como campo de significados disputado por diferentes grupos. No que diz respeito ao caráter diretivo das propostas, foi verificado que a primeira se caracteriza como não diretiva e a segunda como diretiva. Diante disso, foi possível concluir que os autores se aproximam ao colocarem a cultura como elemento central em suas propostas e por defenderem um ensino democrático; todavia, distanciam-se quanto às bases teóricas que sustentam suas proposições, na compressão de cultura e no que diz respeito à diretividade de suas propostas.
Unitermos:
Cultura. Educação Física. Pedagogia. Marcos Neira. Jocimar Daolio.
Abstract
This study aims to identify the approaches and distances between the pedagogical propositions of Daolio and Neira, considering the concept of culture, its directive character and the theoretical references that underlie them. The results indicated that Jocimar Daolio's Cultural Perspective is based on studies from social anthropology, whereas the Cultural Curriculum of Physical Education, proposed by Marcos Neira, is based on post-adjusted studies. Through these theoretical references, it was possible to infer that: in Daolio, culture is understood as a network of meanings produced by human beings; in Neira, in turn, culture is understood as a field of meanings disputed by different groups. With regards to the directive character of the proposals, it was found that the first is characterized as a non-directive and the second as a directive. Given this, it was possible to conclude that the authors get closer by placing culture as a central element in their proposals and by defending a democratic teaching; however, they distance themselves regarding the theoretical bases that support their propositions, in the compression of culture and in what it respect to the directivity of its proposals.
Keywords:
Culture. Physical Education. Pedagogy. Marcos Neira. Jocimar Daolio.
Resumen
Este estudio tiene como objetivo identificar los enfoques y diferencias entre las propuestas pedagógicas de Daolio y Neira, considerando el concepto de cultura, su carácter directivo y los referentes teóricos que las sustentan. Los resultados indicaron que la Perspectiva Cultural de Jocimar Daolio se basa en estudios de la antropología social, mientras que el Currículo Cultural de la Educación Física, propuesto por Marcos Neira, se basa en estudios proscriticos. A través de estas referencias teóricas, se pudo inferir que: en Daolio, la cultura se entiende como una red de significados producidos por los seres humanos; en Neira, a su vez, la cultura se entiende como un campo de significados disputados por diferentes grupos. En cuanto al carácter directivo de las propuestas, se constató que la primera se caracteriza como no directiva y la segunda como directiva. Ante esto, se pudo concluir que los autores se acercan al colocar la cultura como elemento central en sus propuestas y al defender una enseñanza democrática; sin embargo, se diferencian en las bases teóricas que sustentan sus proposiciones, en la compresión de la cultura y en lo que respecta a la directividad de sus propuestas.
Palabras clave
: Cultura. Educación Física. Pedagogía. Marcos Neira. Jocimar Daolio.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 275, Abr. (2021)
Introdução
Este artigo tem como objeto de estudo as propostas pedagógicas1 de Jocimar Daolio e de Marcos Neira, intituladas de Perspectiva Cultural da Educação Física2 e Currículo Cultural da Educação Física, respectivamente. Destacamos que apesar dos autores situarem a cultura como um elemento central em seus estudos (Neira, e Nunes, 2009; Daolio, 1995), estes não inauguraram as discussões culturais na Educação Física, visto que os estudos sobre cultura foram inseridos na área como resultado de um movimento de crítica ao paradigma da aptidão física, hegemônico na Educação Física até a década de 1980. Dessa forma, a partir de 1980, em meio ao processo de crítica a esse paradigma, alguns professores passaram a formular novas propostas pedagógicas para o ensino da Educação Física, a fim de consolidar novas possibilidades pedagógicas, como constatado em Tani et al. (1988)3 e em Freire (1989)4.
Vale destacar que, embora Tani et al. (1988) e Freire (1989) tenham efetivado novas propostas pedagógicas para o ensino da Educação Física, foi a partir de 1990, ainda sob a égide da crítica ao paradigma da aptidão física, que outras propostas foram formuladas sob a influência dos conhecimentos advindos das ciências humanas e sociais, sobretudo, da Sociologia, Antropologia e Filosofia.
A partir dos conhecimentos proporcionados por esses campos disciplinares, o termo “cultura” foi inserido na Educação Física e passou a ser cada vez mais frequente nas produções bibliográficas que tratavam das propostas pedagógicas da área, conforme verificado nas obras de Betti (1991), Kunz (1991), Castellani Filho et al. (1992) e Bracht (1997).
Diante disso, e percebendo que todos esses autores acima discorriam sobre o ensino desse componente por meio de uma Perspectiva Culturalista, Daolio (2004) passou a reconhecer a cultura como o principal conceito da Educação Física. Por essa razão, em 2004, lançou um livro com suas análises a respeito da concepção de cultura presente nas principais propostas pedagógicas da área da Educação Física escolar. (Daolio, 2004)
Vale destacar que, no mesmo ano da publicação dessa obra, o professor Marcos Neira iniciou a elaboração de uma proposta denominada de Currículo Cultural da Educação Física (Duarte, e Neira, 2020), a qual não pôde ser analisada no estudo de Daolio (2004). Ademais, Daolio (1995) também havia fundamentado, anos antes, em 1995, a sua própria proposição pedagógica denominada de Perspectiva Cultural da Educação Física.
Assim, partindo do entendimento de que tanto Jocimar Daolio, como Marcos Neira apresentam propostas pedagógicas culturais que ainda não foram submetidas a uma análise comparativa, o presente artigo buscou responder: quais as aproximações e os distanciamentos entre as propostas pedagógicas de Jocimar Daolio e de Marcos Neira, considerando o conceito de cultura, o caráter diretivo e os referenciais teóricos que as fundamentam?
Isso posto, este artigo teve como objetivo identificar as aproximações e os distanciamentos entre as propostas pedagógicas de Jocimar Daolio e de Marcos Neira, comparando o conceito de cultura, o caráter diretivo e os referenciais teóricos que as fundamentam.
Metodologia
A fim de concretizar o objetivo deste artigo, foi adotada a abordagem qualitativa, por esta possibilitar a análise de fenômenos que não podem ser quantificados, conforme esclarecido por Minayo (2009). Ademais, foi desenvolvida uma pesquisa bibliográfica que, segundo Gil (2002), materializa-se por meio de materiais já elaborados por outros autores em livros e em artigos científicos. Desse modo, neste estudo, recorreu-se a algumas produções de Jocimar Daolio e Marcos Neira.
Resultados
Por conseguinte, foi realizada a análise dos livros Da cultura do corpo (1995) e Educação Física e o conceito de cultura (2004), de Jocimar Daolio, visto que essas obras estruturam a proposta pedagógica denominada de Perspectiva Cultural da Educação Física.
Além das obras do Jocimar Daolio, também foi desenvolvida uma análise das seguintes produções bibliográficas: Currículo e cultura (2009), Pedagogia da cultura corporal: críticas e alternativas (2014), Educação Física cultural (2016) e O Currículo Cultural da Educação Física: pressupostos, princípios e orientações didáticas (2018).Tratam-se de alguns dos escritos que estruturam a proposta pedagógica intitulada de Currículo Cultural da Educação Física, do Professor Marcos Neira (2009).
Discussão
Perspectiva cultural da educação física de Jocimar Daolio
Foi percebido que na Perspectiva Cultural da Educação Física de Daolio há uma significativa influência de autores da antropologia como François Laplantine, Marcel Mauss e Clifford Geertz, o que demonstra proximidade de Jocimar Daolio com a Antropologia das sociedades complexas, que estuda grupos contemporâneos como operários, homossexuais, religiosos, sindicalistas, políticos e professores de Educação Física.
Assim, com base no antropólogo François Laplantine, Daolio (1995) compreende que, apesar de os humanos pertencerem a uma única espécie, estes se distinguem culturalmente. Por esse motivo, o autor advoga que não há indivíduos ou alunos naturalmente superiores ou inferiores, mas sim diferentes em relação à religião, à cultura, à história, à tradição, às crenças dentre outros aspectos sociais em que os indivíduos estão imersos.
O francês Marcel Mauss, por sua vez, contribuiu com a Perspectiva Cultural de Educação Física, por meio de alguns conceitos, sendo o primeiro o Fato Social Total, que diz respeito à indissociabilidade das faculdades fisiológicas, psicológicas e sociais durante o processo de análise dos seres humanos; o segundo conceito é Técnicas corporais, que se refere “[...] a maneira como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos”. (Daolio, 1995, p. 43)
A partir dessas formulações, Marcel Mauss possibilitou um importante subsídio teórico à Perspectiva Cultural da Educação Física, pois equiparou o corpo e os gestos corporais a temas caros da antropologia, como a linguagem, a economia e os ritos, compreendendo, desse modo, o corpo e o movimento como elementos capazes de traduzir as manifestações de uma determinada cultura ou tradição. (Daolio, 1995)
Já de Clifford Geertz, Daolio (1995) extrai a compreensão semiótica de cultura que complementará as contribuições apresentadas por Marcel Mauss. De acordo com Geertz (1989), a cultura é uma teia de significados produzida pelos seres humanos. Em outras palavras, é a forma como as pessoas vivem e significam suas ações (corporais) de forma plural e em contextos específicos. (Daolio, 2004)
Ademais, Geertz (1989) afirma que os seres humanos possuem uma capacidade de singularização através das interações sociais realizadas com diferentes culturas. Essas singularizações, por sua vez, manifestam-se através do corpo, pois é por meio deste que diferentes povos, a partir de sua cultura, atribuem significados diferentes ao próprio corpo e as suas diferentes manifestações.
Nesse sentido, por meio do uso de referenciais teóricos antropológicos, Daolio (1995) compreende a cultura como um campo de produção de significados que dialoga com os aspectos biológicos, psicológicos e sociais, por considerá-los como elementos de uma mesma unidade. Assim, Daolio (2004) compreende o ser humano por meio de uma concepção sintética de cultura, superando a visão estratigráfica.
Desse modo, o autor reconhece que apesar dos corpos apresentarem semelhanças fisiológicas, estes são carregados de normas, costumes e valores culturalmente distintos. Tal entendimento ajudou Jocimar Daolio a repensar a questão da diferença nas aulas de Educação Física, ao propor um modelo de ensino que assegurasse o princípio de reconhecimento da pluralidade entre os alunos. (Daolio, 2004)
Diante disso, Daolio (1995) advoga que não há técnicas corporais superiores ou inferiores, visto que essas são construídas culturalmente (exceto se houver consenso entre professores e alunos em uma dada atividade). O autor também explica que não há culturas superiores e/ou inferiores, ao explicar que o que caracteriza os humanos são as diferenças culturais construídas a partir de seus próprios significados.
Nessa perspectiva, as diferenças presentes nos alunos não devem ser entendidas de forma preconceituosa, mas sim, como condição eminentemente humana. Para reforçar esse entendimento, Daolio (1995) expõe o princípio da alteridade 5 como traço fundamental de sua proposta de ensino, pois é por meio desta que se tem o respeito à intersubjetividade, à diferença cultural presente nos alunos, à pluralidade, à desordem e à variabilidade simbólica presente nas práticas corporais culturais.
Diante disso, na Perspectiva Cultural da Educação Física desconsidera-se qualquer tentativa de controle dos corpos, do tempo, da emoção, do movimento e da sociedade, por exemplo. Desse modo, há em Daolio (1995) uma superação das perspectivas da aptidão física que tratam exclusivamente dos aspectos biológicos que buscam homogeneizar os alunos, eleger técnicas corretas (independente do contexto) e determinar uma sequência única ou “correta” de aprendizagem na Educação Física.
Vale ressaltar que a Perspectiva Cultural da Educação Física é uma proposta não diretiva, isto é, Daolio (2004, p. 13) não tinha a pretensão de orientar metodologicamente a práxis docente, mas sim “[...] defender alguns princípios que estava estudando na antropologia social e considerava importantes de serem garantidos na prática escolar de Educação Física”, como pluralidade, respeito às diferenças e alteridade.
Currículo cultural da educação física de Marcos Neira
O Currículo Cultural da Educação Física começou a ser elaborado a partir do ano de 2004 por meio dos estudos desenvolvidos no Grupo de Pesquisas em Educação Física Escolar da Universidade de São Paulo (GPEF-USP). Foi identificado que essa proposta apresenta em sua base teórica pelo menos quatro referenciais teóricos pós-críticos. (Neira, 2018)
Os Estudos Culturais (EC) de Michael Foucault e Stuart Hall que, por meio do entendimento das relações de poder, ajudam a compreender que nenhuma prática corporal é superior ou inferior a outra e O Multiculturalismo Crítico, de Vera Maria Candau e Peter McLaren, que busca combater as visões distorcidas de práticas advindas de grupos minoritários.
Além desses, tem-se o Pré-estruturalismo, representado por James Williams, que questiona o porquê de determinadas práticas serem consideradas importantes e outras não. Por fim, tem-se o pós-colonialismo de Homi Bhabha que ajudou a problematizar o lugar privilegiado das práticas de origem europeia e estadunidense no currículo da Educação Física.
Em meio a esses autores, é possível destacar os que se aproximam dos EC. Estes, representados inicialmente por estudiosos pertencentes à classe trabalhadora britânica, tecem críticas ao modelo etnocêntrico que classifica as manifestações culturais em “alta cultura” e em “baixa cultura” (Neira, 2018), por entender que, em uma sociedade capitalista, a cultura se manifesta como campo disputado por grupos antagônicos que buscam assegurar a validação de suas significações e identidades, a partir de suas possibilidades e limitações de poder.
Hall (2013), por exemplo, ao criticar o entendimento antropológico de cultura, defende a compreensão desta enquanto campo de manifestação de lutas, resistências e dominação de diferentes grupos. Assim, mediante esses referenciais teóricos, no Currículo Cultural da Educação Física a cultura é compreendida como campo que implica disputas por (res)significação das produções e práticas (corporais) humanas. (Neira, e Nunes, 2014)
Desse modo, a escola, por ser compreendida como pertencente ao campo educacional e cultural, recebe um olhar particular, sobretudo no que diz respeito ao currículo, por entendê-lo como elemento disputado por diferentes agentes que buscam assegurar a sua concepção de formação, podendo, assim, a escola, por meio do currículo, reproduzir ou não o status quo e os significados culturais da classe ou de grupos dominantes. (Neira, e Nunes, 2014)
Por essa razão, Neira (2018) deixa claro o seu posicionamento em defesa de uma Educação Física que reconheça as práticas e os saberes dos grupos minoritários, a fim de contribuir para a formação de uma sociedade menos desigual. Diante disso, Neira (2016) propõe um modelo de ensino que se desenvolve por meio de alguns princípios curriculares, apresentados a seguir.
Reconhecimento da cultura corporal
- esse princípio assegura que as práticas corporais acessadas ou vivenciadas pelos alunos, a partir da cultura corporal presente em sua comunidade ou país, sejam tematizadas nas aulas de Educação Física por meio da articulação destas práticas com o Projeto Político Pedagógico (PPP) das escolas. (Neira, 2016)
Justiça curricular
- esse princípio permite a valorização dos saberes comumente excluídos pela pedagogia tradicional. Dessa forma, busca-se, principalmente, romper com o equivocado entendimento de práticas corporais e saberes superiores ou inferiores, que discriminam as manifestações pertencentes aos grupos minoritários. (Neira, 2016)
Descolonização do currículo
- nesse princípio se valorizam as práticas culturais de diferentes grupos. Desse forma, professores e alunos são instigados a se posicionarem em defesa dos grupos não representados pelo currículo tradicional. Por fim, há o princípio do Daltonismo cultural – através deste, busca-se evitar a procura por padronizações de percursos formativos ou de homogeneização das diferenças durante as aulas. (Neira, 2018)
Ademais, é possível verificar que o Currículo Cultural da Educação Física se apresenta como uma proposta diretiva, por assegurar alguns procedimentos didáticos que, apesar de não buscarem determinar uma forma única para o desenvolvimento das aulas de Educação Física, objetiva inspirar os professores “[...] a produzirem uma perspectiva de ensino sensível às diferenças culturais [...]” (Neira, 2018, p. 10), através de quatro procedimentos.
O primeiro, Mapeamento do conteúdo para conhecer as práticas corporais vivenciadas pelos alunos ou por sua comunidade; o segundo, Vivência/ressignificação, para experimentar e tecer novos significados às práticas corporais tematizadas nas aulas; o terceiro, Aprofundamento e ampliação, para superar as percepções imediatas sobre o conteúdo e para sua ampliação por meio de outras fontes e discursos, e o quarto, Registro/avaliação, em que além de observações, registram-se e arquivam-se materiais para uma posterior análise. (Neira, 2016)
A partir de bases pós-críticas, o Currículo Cultural da Educação Física advoga pela busca da ampliação de discussões sobre dominação, discriminação e exploração ao considerar questões de gênero, de etnia, de geração, de níveis de habilidade, dentre outras (Neira 2016). Diante disso, essa proposta problematiza, dentre outras questões, a exclusão das práticas pertencentes à cultura corporal de grupos minoritários na Educação Física.
Conclusões
Diante da bibliografia analisada foram constatados alguns distanciamentos entre as propostas pedagógicas de Jocimar Daolio e Marcos Neira, dentre eles é possível citar o referencial teórico que as sustentam. Assim, enquanto a Perspectiva Cultural de Educação Física se fundamenta em um referencial antropológico, o Currículo Cultural da Educação Física se fundamenta em um referencial pós-crítico.
Consequentemente, o conceito de cultura também difere nessas propostas. Desse modo, enquanto na Perspectiva Cultural de Educação Física a cultura é compreendida como uma rede de significados produzida pelos seres humanos, no Currículo Cultural da Educação Física, a cultura é concebida como um campo disputado por diferentes grupos (muitas vezes antagônicos) que buscam assegurar suas significações.
Ademais, foi constatado que as propostas se distanciam quanto à diretividade. Assim, enquanto Jocimar Daolio buscou tão somente assegurar alguns princípios pedagógicos à Educação Física, não apresentando qualquer diretriz metodológica para o desenvolvimento de aulas a partir da Perspectiva Cultural de Educação Física, Marcos Neira delineou alguns procedimentos didáticos às aulas de Educação Física, a fim de inspirar os professores adeptos do Currículo Cultural da Educação Física.
Quanto às aproximações, foi percebido que nas duas propostas pedagógicas os autores atribuem à cultura um papel fundamental para a superação do modelo tradicional de ensino da Educação Física. Foi identificado, também, que em ambas as propostas há a defesa de princípios que visam combater a intolerância, a discriminação e a exclusão de alunos e de conteúdos da cultura corporal de movimento, por meio da ressignificação das práticas corporais e da valorização das diferenças no âmbito escolar.
Notas
Libâneo (1990) destaca que os estudos pedagógicos buscam analisar as finalidades da educação e o modelo de formação humana por meio de orientações didáticas e metodológicas. Por essa razão, as proposições de Jocimar Daolio e Marcos Neira serão mencionadas como propostas pedagógicas. Além de Libâneo (1990), os autores deste artigo também se ancoram em Bracht (1999) para justificarem o uso desse termo.
Apesar de Daolio (2004) não se preocupar em patentear um nome para sua proposta pedagógica, percebe-se que esta passou a ser denominada pela comunidade científica por diferentes nomenclaturas, como “Perspectiva antropológica”, “Abordagem cultural” e “Educação Física plural”. Apesar de os autores desse artigo reconhecerem esses termos como sinônimos, foi feito o uso do termo “Perspectiva Cultural da Educação Física”, exclusivamente.
Pedagogia desenvolvimentista de Educação Física.
Pedagogia construtivista de Educação Física.
“Qualidade do que é do outro; diversidade”. (Houaiss, 2004, p.33)
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