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ISSN 1514-3465

 

Uso de suplementos alimentares: reflexões além da fisiologia

Use of Dietary Supplements: Reflections Beyond Physiology

Uso de suplementos dietéticos: reflexiones más allá de la fisiología

 

Henrique Santa Capita Cerqueira

henriquecrg@gmail.com

 

Departamento de Pediatria, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

Universidade de São Paulo (USP), Ribeirão Preto

Universidade Estácio de Sá, curso de Nutrição, Ribeirão Preto

(Brasil)

 

Recepção: 20/11/2020 - Aceitação: 20/11/2022

1ª Revisão: 28/09/2022 - 2ª Revisão: 16/11/2022

 

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Citação sugerida: Cerqueira, H.S.C. (2023). Uso de suplementos alimentares: reflexões além da fisiologia. Lecturas: Educación Física y Deportes, 27(296), 214-223. https://doi.org/10.46642/efd.v27i296.2707

 

Resumo

    A busca pela performance e, principalmente, pelo por um físico atlético acompanha a existência humana desde os tempos mais remotos. Assim sendo, o ser humano busca em todos os recursos ergogênicos existentes aliados para lhe auxiliar nesta jornada. Nesse sentido, a nutrição, mais precisamente os suplementos alimentares estão entre os recursos mais procurados por estes indivíduos. Este trabalho artigo objetivou realizar uma reflexão acerca dos fatores que envolvem o uso de suplementos e a busca pelo chamado “físico perfeito”. Buscou-se identificar elementos históricos, sociais e culturais envolvidos com essas questões, bem como provocar reflexões sobre e de que forma esses elementos podem se relacionar com elas. Diante do exposto no presente trabalho, entendemos que o uso de suplementos e a busca pelos padrões de beleza da sociedade atual envolvem não apenas questões estéticas. Envolvem ainda questões biológicas, culturais e históricas e sociais. Assim sendo, abordagens sociológicas são bastante importantes desejável para melhor compreender estas questões.

    Unitermos: Suplementação alimentar. Cultura. Sociologia.

 

Abstract

    The search for performance and, mainly, for an athletic physique accompanies human existence since the most remote times. Therefore, human beings seek allies in all existing ergogenic resources to help them on this journey. In this sense, nutrition, more precisely dietary supplements, are among the resources most sought after by these individuals. This article aimed to reflect on the factors that involve the use of supplements and the search for the so-called “perfect physique”. We sought to identify historical, social and cultural elements involved with these issues, as well as to provoke reflections on and how these elements can relate to them. In view of what was exposed in the present work, we understand that the use of supplements and the search for beauty standards in today's society involve not only aesthetic issues. They also involve biological, cultural, historical and social issues. Therefore, sociological approaches are very important to better understand these issues.

    Keywords: Supplementary feeding. Culture. Sociology.

 

Resumen

    La búsqueda del rendimiento y, principalmente, de un físico atlético ha acompañado la existencia humana desde los tiempos más remotos. Por ello, el ser humano busca aliados en todos los recursos ergogénicos existentes que le ayuden en este recorrido. En este sentido, la nutrición, más precisamente los suplementos alimenticios, se encuentran entre los recursos más buscados. Este artículo tuvo como objetivo reflexionar sobre los factores que involucran el uso de suplementos y la búsqueda del llamado “físico perfecto”. Buscamos identificar elementos históricos, sociales y culturales involucrados con estos temas, así como provocar reflexiones sobre cómo estos elementos pueden relacionarse con ellos. En vista de lo expuesto en el presente trabajo, entendemos que el uso de suplementos y la búsqueda de estándares de belleza en la sociedad actual involucran no solo cuestiones estéticas. También involucran cuestiones biológicas, culturales, históricas y sociales. Por lo tanto, los enfoques sociológicos son muy importantes para comprender mejor estos temas.

    Palabras clave: Suplementación dietética. Cultura. Sociología.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 27, Núm. 296, Ene. (2023)


 

Introdução 

 

    A busca incessante por superar seus limites físicos e, mais ainda, pelo chamado “físico perfeito”, dentro do padrão de beleza imposto pela sociedade está intimamente atrelada à vida do homem. Nesse sentido, um dos recursos mais procurados para a melhora estética e de desempenho são os suplementos nutricionais. Um estudo recente de revisão caracterizou o uso de suplementos por praticantes de atividade física no Brasil. Como principais achados, o autor cita que o público principal são homens, na faixa dos 20 aos 30 anos, praticantes de atividades não competitivas, sobretudo a musculação (Pacchioni, 2019). Assim sendo, este trabalho objetivou realizar uma reflexão acerca dos fatores que envolvem o uso de suplementos e a busca pelo chamado “físico perfeito”. Buscou identificar elementos históricos, sociais e culturais envolvidos com essas questões, bem como provocar reflexões e sobre de que forma esses elementos podem se relacionar com elas. Para compreender estas questões, é necessário primeiro compreender a relação histórica cultural entre homem, corpo e educação física, como será abordado mais adiante.

 

Relação entre homem, corpo e educação física 

 

    Diante disto, surge então uma questão: quais seriam os fatores envolvidos neste cenário? Ou seja, o que está por trás desta busca incessante pelo chamado “corpo perfeito”? Primeiramente é preciso compreender o conceito de corporeidade. E mais, compreender também as maneiras com que o ser humano lida com o corpo, e ainda as condicionantes culturais e sociais que interferem nesse processo. O corpo, que pode ser considerado nosso referencial de vida, nosso estar presente no universo, é de grande importância no campo de estudo e pesquisa em Educação. Não o corpo falando de forma puramente orgânica, mas o corpo que vive e proporciona vivências, em todos os momentos, na interação com a sociedade. O corpo humano pode ser entendido ainda como sendo a sede de significados culturais. (Cervantes, 2017; Fabrin, 2002; Gonçalves, 1994)

 

Imagem 1. Desde a Grécia e Roma antiga já se tem registros do culto à 

estética corporal e a grandes façanhas envolvendo as capacidades físicas

Imagem 1. Desde a Grécia e Roma antiga já se tem registros do culto à estética corporal e a grandes façanhas envolvendo as capacidades físicas

Fonte: Pexels.com - Foto: Cesar Evangelista

 

    Durante muito tempo a importância do corpo foi desprezada por alguns pensadores. Demócrito via o corpo apenas como uma tenda, onde habitava a alma. Santo Agostinho também deixava claro sua depreciação pelo corpo e pelas coisas materiais. São Tomás de Aquino vai além: para ele, o corpo era a matriz dos pecados e dos defeitos, enquanto que a alma, dos valores supremos. Na modernidade, para Descartes, o corpo era apenas uma máquina e o autor fazia uma separação entre mente e corpo. O resgate do ser humano como um ser corpóreo se deu com Rousseau, no século XVIII. Para vários filósofos do século XIX, o corpo era puramente um fragmento de matéria, um fascículo de mecanismos. No século XX foi restaurada a questão carnal, ou seja, do corpo animado. Para Merleau-Ponty, o corpo é um modo de experiência, ou ainda uma forma de se viver. (Costa, 2012; Gonçalves, 1994; Hoel, e Carusi, 2018; Silveira, 2007)

 

    E, com a Educação Física não foi diferente. Desde sua oficialização no Brasil, em 1851, a área passou por diversas mudanças no país. Inicialmente pautada em uma visão higienista, se preocupando com a saúde e hábitos de higiene, ela foi se transformando ao longo das décadas. Desde então passou por várias abordagens, como a Desenvolvimentista, pautada no movimento; Construtivista-Interacionista, tendo o físico como ferramenta para a melhor do desempenho cognitivo; Crítico-Superadora, abordando questões como contestação, esforço e poder; Sistêmica, que busca incluir o aluno na cultura do movimento e entende que o mesmo influencia e é influenciado pela sociedade; Psicomotricidade, visa uma formação integral da criança, pensando nos processos psicomotores, afetivos e cognitivos; Crítico Emancipatória, que visa a superação das contradições e injustiças da sociedade; Cultural, que confronta a perspectiva biológica, considerando todos os corpos iguais, podendo assim, realizarem os mesmos tipos de atividades; Jogos Cooperativos, que, como o nome sugere, valoriza a cooperação no lugar da competição; Saúde Renovada, visando a promoção da saúde por meio de programas de exercícios físicos. (Castellani Filho et al., 2014; Darido, 2003)

 

    Porém, percebemos que, apesar das diferentes fases pelas quais a Educação Física passou, essa busca pela melhora do físico sempre esteve presente em nossa sociedade. E não apenas na nossa. Desde a Grécia e Roma antiga já se tem registros do culto à estética corporal e a grandes façanhas envolvendo as capacidades físicas. E muitos indivíduos acabam por buscar estes objetivos a qualquer custo. (Camargo et al., 2008; Kanayama, e Pope Jr, 2018; Mariño Vives, e Castro Castro, 2018)

 

Sociedade contemporânea 

 

    Por outro lado, a globalização e o advento das redes sociais parecem ter potencializado esse cenário. O ser humano parece ter cada vez mais necessidade de se mostrar, de ser visto de alguma forma. Sempre buscando elevar seu status quo, fazer parte da dita elite e ser conhecido pelas massas. E a maneira que muitos encontram é através do físico (Fanjul Peyró et al., 2019). Esse pensamento pode ser traduzido na canção “Sonho Médio” da banda capixaba Dead Fish, sobretudo no trecho “não importa se meus filhos não terão educação, eles têm é que ter dinheiro e visual; o sonho médio vai, vai te conquistar, mentalidade de plástico e uma imagem a zelar” (Lima, 1999). A canção faz uma crítica à classe média e sua busca pelo status e pela preocupação com a imagem. De encontro a isso, temos a clássica obra de Mills, “A Nova Classe Média”, onde aborda, dentre outras questões a busca pelo prestígio por parte das pessoas nesta classe inseridas (Mills, 1969). Tais questões ainda se mantém ativas no mundo contemporâneo, envolvendo ainda questões como consumo e adequação aos padrões impostos pela sociedade contemporânea. (Barreiro, 2017; da Silva, 2020; Mac-Clure et al., 2015)

 

    Nesse sentido, em outra obra, “A Imaginação Sociológica”, o mesmo autor utiliza este termo, que batiza o livro, para dar sentido a algo que capacita o indivíduo a compreender melhor o cenário histórico-cultural no qual está inserido. O autor ressalta que, por muitas vezes, os indivíduos acabam por te ruma falsa consciência de sua verdadeira posição social (Mills, 1965). Na temática aqui abordada, isto pode refletir-se no fato de o indivíduo, por ter um físico dentro do chamado padrão de beleza, pensar que ocupa determinada posição; sendo que, na verdade este pensamento está desconexo da realidade. O autor ressalta ainda que o indivíduo, ao mesmo tempo em que é condicionado pela sociedade, também condiciona a mesma, ajudando a perpetuar determinadas convenções sociais, e também autojulgamento por parte do próprio indivíduo.

 

    Uma série de fatores acabam por influenciar este autojulgamento. A mídia é certamente um deles, sobretudo na última década com o advento de redes sociais como o Facebook e o Instagram, onde influencers (uma espécie de “celebridades digitais”) cada vez ganham mais espaço. Alguns destes influencers estão no ramo fitness, onde literalmente ganham dinheiro para associar seus corpos atléticos à diversas marcas de suplementos, academias e etc. (Fanjul Peyró et al., 2019). Além disso, há a pressão da sociedade, às vezes velada, outras vezes explícita, no julgamento daqueles que não se enquadram no “padrão de beleza” por ela imposto. (Damasceno et al., 2005)

 

    E muitos estão dispostos a fazer o que for preciso para atingir esse padrão de corpos atléticos imposto pela sociedade. Dados dão conta de que cerca de 3,3% da população mundial faça ou tenha feito uso de esteroides anabolizantes, por exemplo. (Sagoe et al., 2014)

 

    No caso dos suplementos, a falta de instrução não é algo que possa justificar o uso indiscriminado desses produtos. Segundo Pacchioni (2019), a maior parte dos indivíduos possui nível de escolaridade suficiente para buscar informações confiáveis sobre os produtos utilizados. Porém, preferem se valer de fontes questionáveis para fundamentar o uso.

 

    Importante salientar que o núcleo familiar e social no qual estamos inseridos influencia de maneira bastante significativa a formação de nossa imagem corporal. Ou seja, no processo de elaboração da imagem corporal, nossas experiências nas relações sociais com pais, irmãos e colegas, por exemplo, são parte fundamental do processo. (Cortez et al., 2016; Gonçalves Câmara, e Bedin Tomasi, 2015; Silva et al., 2004).

 

    Diante de tantos desafios que envolvem essa questão, uma grande aliada pode ser a educação em saúde. Segundo o Ministério da Saúde, educação em saúde pode ser definida como sendo um processo educativo de criação de conhecimentos na área da saúde, objetivando a apropriação temática pela população (Falkenberg et al., 2014). Neste contexto específico, envolvendo a suplementação, seria interessante a ênfase na Educação Alimentar e Nutricional (EAN), que faz parte da educação em saúde. E EAN pode ser definida como “um campo de conhecimento e de prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional que visa promover a prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis” (Belik et al., 2012). Obviamente não deve ser utilizada como estratégia isolada. O trabalho multiprofissional, envolvendo, por exemplo, a psicologia e a medicina são também de suma importância.

 

Conclusões 

 

    Assim sendo, entende-se que a busca pelo dito padrão de beleza não é uma questão apenas estética. Muitas vezes essas metas podem tornarem-se patológicas, acarretando sérios riscos ao indivíduo. Ela envolve diversas questões biológicas, culturais e históricas e sociais. Comumente a abordagem desta temática é focada apenas nas questões fisiológicas e psicológicas, porém a abordagem sociológica é desejável para melhor compreender estas questões. Do ponto de vista clínico, a atuação multiprofissional é de extrema importância não só no tratamento, mas também na prevenção desses quadros.

 

Referências 

 

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