O histórico das teorias tradicional e crítica do currículo. Subsídios teóricos para práticas mais politizadas

The history of the traditional and critical theories of the curriculum. Theoretical subsidies for more politized practices

Historia de las teorías tradicional y crítica del currículo. Insumos teóricos para prácticas más politizadas

 

Camila Lopes Cravo de Lacerda

cravokta@gmail.com

 

Pedagoga / UFJF. Mestre em Literatura PUC/CES/MG - Juiz de Fora

Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais

Doutoranda na Pontifícia Universidade Católica - Rio de Janeiro

Bolsista CAPES

(Brasil)

 

Recepção: 20/11/2017 - Aceitação: 23/08/2018

1ª Revisão: 11/12/2017 - 2ª Revisão: 21/08/2018

 

Resumo

    Este ensaio busca refletir sobre um referencial textual capaz de corporificar um breve apanhado do histórico de debates e reflexões sobre as discussões concernentes à temática do Currículo e seus desdobramentos. Trata da gênese das reflexões sobre a necessidade sistemática de se pensar sobre o currículo escolar, busca modelar a estrutura dos desdobramentos críticos contrapondo-se às preposições tradicionais e encerra as análises demonstrando as incompletudes familiares de uma teoria curricular intérmina e complexa.

    Unitermos: Histórico das teorias curriculares. Curriculistas. Evolução das teorias de currículo.

 

Abstract

    This essay seeks to reflect on a textual reference able to embody a brief overview of the history of debates and reflections on the discussions concerning the theme of Curriculum and its consequences. Deals with the genesis of reflections on the systematic need to think about the school curriculum, seeks to model the structure of the critical developments in opposition to the traditional prepositions and closes analyzes demonstrating the incompleteness of a family without end and complex curriculum theory.

    Keywords: History of curriculum theories. Curriculistas. Evolving curriculum theories.

 

Resumen

    Este ensayo intenta reflexionar sobre un referencial textual capaz de corporificar un breve repaso de la historia de debates y reflexiones sobre las discusiones concernientes a la temática del Currículo y sus disputas. Se trata de la génesis de las reflexiones sobre la necesidad sistemática de pensar sobre el currículo escolar, que busca modelar la estructura de los debates críticos contraponiéndose a las preposiciones tradicionales y encierra los análisis demostrando las incompletudes reconocidas de una teoría curricular inacabada y compleja.

    Palabras clave: Historia de las teorías curriculares. Curriculistas. Evolución de las teorías del currículo.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 243, Ago. (2018)


 

Introdução

 

    Este ensaio nasce da inquietação vivenciada na disciplina de doutorado: ‘Formação de professores, Currículo e Cotidiano Escolar’ onde estive matriculada no período de 2016, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, podendo debruçar nas reflexões sistematizadas proporcionadas pela professora DCs. Maria Inês Marcondes. Foi durante esse período que a referida professora nos apresentou um panorama das principais perspectivas sobre currículo.

 

    Foi através de uma revisão bibliográfica detalhada acerca das teorias dos mais renomados curriculistas que construímos nosso percurso discursivo, onde apresentamos as vertentes dessa teoria curricular em dois aspectos; aqueles que se referem à teoria tradicional e aos que tratam das teorias críticas.

 

    Temos como objetivo base demonstrar as duas vertentes, tradicional e crítica, de pensamento sobre o currículo, e seus desdobramentos nas práticas escolares através daqueles profissionais que vivificam as escolas e as fazem detentoras de sentido, os professores.

 

A gênese de um pensamento sistematizado sobre o currículo escolar

 

    Encontramos em Tomaz T. Silva (2015a) uma grande contribuição para nossas reflexões sobre a gênese dos estudos sobre currículo e seus desdobramentos, e, é esse autor que nos diz ter sido nos Estados Unidos, na década de 20, a iniciativa de se efetuarem as primeiras pesquisas tendo como objeto de estudo o currículo. Aponta para a iniciativa dos administradores da educação de então, em consonância com a demanda do processo de industrialização e massificação da escolarização, em racionalizar o “processo de construção, desenvolvimento e testagem e currículos” (p.12). As idéias desses administradores acabam por se corporificar na obra de Bobbitt, The curriculum (1918), e a tônica apregoada é a do processo fabril, o currículo é percebido como um meio de racionalização de resultados educacionais. E Bobbit influência ferozmente as mentalidades de seu tempo, por desenvolver em torno da educação uma aura de cientificidade, já que a finalidade percebida da educação era a ocupação adulta, o que se fazia necessário era mapear as habilidades necessárias às diversas ocupações e então proceder à organização de um currículo que facilitasse essas aprendizagens (Silva, 2015b; Kliebard, 1999).

 

    O modelo encontrado em Bobbitt é ratificado na obra de Ralph Tyler publicada em 1949, Princípios Básicos de Currículo e Ensino, Tyler reitera a necessidade de se construir um currículo focado nas ideias de organização e desenvolvimento. No modelo proposto pelo autor o currículo é visualizado como um componente técnico, que deve responder a quatro perguntas: a escola deve buscar quais objetivos educacionais; quais atividades educacionais levariam os educandos a alcançar esses objetivos; como organizar com eficácia essas práticas, e, por fim, como saber quais os resultados que foram alcançados.

 

    E Tyler (1974) trabalha basicamente na construção de um modelo de currículo eficaz em termos técnicos e organizacionais, debruça-se em construir as fontes de onde se derivariam os objetivos da educação, que diz ser: os estudos sobre as peculiaridades dos estudantes; conhecimento da vida, para além da educação, e, as recomendações dos especialistas das mais diversas áreas do conhecimento, seriam nessas fontes que os estudiosos e construtores de currículos deveriam embasar suas proposições.

 

    As fontes dos objetivos elencadas por Tyler (Op. cit.) deveriam ser submetidas a duas outras bases de saber, a filosofia social e a psicologia da aprendizagem, para que pudessem ser claramente definidos e construídos na condição de obter-se um comportamento evidente do aluno. Seu modelo intenciona precisar as experiências a serem elencadas pelo currículo, estabelece padrões de referência e dedica-se: “... muito tempo ao estabelecimento e formulação de objetivos porque esses são os critérios mais decisivos para orientar todas as demais atividades do elaborador de currículo” (p.56).

 

    O que destacamos foi a pretensa neutralidade que se apresentou a corrente de estudos, que hoje se denomina teoria tradicional de estudos do currículo, seus representantes, em especial Ralph Tyler, se ocuparam em buscar as respostas do ‘como’ se ensinar eficazmente, na medida em que consideravam os saberes socialmente legitimados como dados, não atentaram para a idéia de se pensar ‘quais’ os conteúdos deveriam ser transmitidos, se ocuparam da roupagem que deveria vestir esse ensinamento de maneira organizada e metódica. Estudos posteriores, datados da década de 70, intencionam questionar a construção dos currículos, perguntam os por quês dos conhecimentos legitimados como científicos e escolares, buscam entender o porquê de uns e não outros saberes fazerem parte da pretensa naturalidade curricular, há quais interesses servem tais aprendizados, desloca a visão dos aspectos exclusivamente pedagógicos do ensino para perspectivas mais alargadas, que englobam discussões no âmbito do saber, da ideologia e do poder (Kliebard, 1999).

 

Crítica à tradição e apontamentos

 

    Em 1979, Michael Apple publica seu primeiro livro Ideologia e Currículo, ao contrário das proposições e modelo idealizado por Tyler, Apple entra em choque com a ideologia embutida na neutralidade proposta nos estudos tradicionais de currículo, para ele o currículo não é um corpo de conhecimento dado, neutro ou natural, é antes de tudo o fruto de escolhas direcionadas em função de interesses que devem ser desvelados, importa saber os aspectos ideológicos que perpassam as escolhas dos conteúdos promovidos como saberes oficiais (Silva, 2015b).

 

    Estudioso dotado de uma perspectiva crítica neomarxista às teorias tradicionais, propõe uma visão diretamente envolvida com a dimensão da prática, faz esforços de compreensão dos aspectos que se relacionam com as escolhas curriculares dentro de uma universalidade ainda não percebida, elenca outros eixos de diálogo como ímpares, trata da questão da hegemonia consensual, convencimento ideológico, currículo deflagrado e currículo oculto (se ocupando mais desse), o conflito nas sociedades e nas ciências, tradição seletiva, poder... Mediante suas observações acredita em ações que possam impactar verdadeiramente o currículo dos estudantes, promovendo a desestabilização da hegemonia na mente das gentes (Apple, 1982, p.156).

 

    Apple politiza as discussões sobre currículo, vale pensar mais nos ‘aspectos que legitimam’ os conhecimentos como sendo verdadeiros, do que saber se realmente o são. No modelo tradicional o conhecimento é considerado algo estático, dado, pronto, as questões em torno deles referem-se somente aos aspectos didático-práticos, Apple em sua perspectiva política organiza suas questões em torno dos por quês uns, em detrimento de outros (ideologia), e entende ser importante também questionar os interesses que estão guiando as escolhas curriculares e descortiná-los (relações de poder) (Apple, 2010a; 2010b).

 

    É importante verificar em sua obra Ideologia e Currículo (Apple, 1982), o tratamento que dá ao conceito de ‘hegemonia’ (preservação e controle de algumas ideologias) para uma compreensão mais lúcida de suas proposições, sinteticamente pode-se dizer que eleva o conceito a nível social generalizado, e percebe que os arranjos sociais existem para evocar o convencimento ideológico, mas, sem a falsa idéia da negação das resistências, principalmente no que se refere à hegemonia cultural perpetrada nas escolas.

 

    Observa que os parâmetros e medidas que são consubstanciados para a organização do currículo são os mesmos que se utilizam as organizações para os arranjos da economia, mas, que o meio de pôr a descoberto esse esquema, seria o debruçar-se por sob os estudos acerca do conflito do currículo oculto. Como oculto, entende as normas e valores que são implicitamente transmitidos nas escolas sem serem mencionados abertamente (Jackson apud Apple, 1982). Fala que o currículo oculto serve para reforças as regras que cercam o uso do conflito e como suposições epistemológicas e ideológicas ocultas que acabam por reforçar e projetar as tradições.

 

    O currículo oculto possibilita a negação, através do ensino, do conflito nas comunidades acadêmico-científicas, das competições entre subáreas do saber, nega o ceticismo lógico comum aos cientistas de todos os ramos, escamoteia os antagonismos históricos entre teorias contrárias, apesar da ciência não ser necessariamente cumulativa regulamentando-se e dirigindo-se por revoluções conceituais, reorganizações e reconceituações. Ignora o conflito como sendo funcional, e é ocultado aos estudantes diante do medo, as instituições o rejeitam e ignoram sua eficácia subversiva nas transformações sociais (Apple, 1982).

 

    Indica que a visão do consenso ratificada no currículo coloca o homem no papel de receptor e transmissor de valores e não como sendo o produtor dos mesmos, a lógica social é replicada em sala de aula, nessa perspectiva o conflito é percebido e indicado como algo nefasto e devastador, sem o validar como sendo uma via de transformação e reflexão legítima, que não deve ser desconsiderado pelos estudos curriculares (Op. cit.).

 

    Como proposições práticas, Apple (1982) ressalta a importância de se alterar o atual modelo de reprodução das categorias hegemônicas nas crianças, e a necessidade de um avivamento da percepção tácita na perspectiva do consenso pelos educadores. Propõe que os currículos devam ser construídos de maneira a apresentar as ciências num formato mais equilibrado, com as revoluções conceituais que lhe são próprias, apontando seus dilemas éticos e morais. Fala também da necessidade da priorização dos estudos das comunidades, movimentos sociais e a história da classe operária, proclamando o combate à tradição seletiva nos currículos, dentro do pressuposto que conhecimento é poder (Op. cit.).

 

    Outro autor de grande relevância para o desenvolvimento de um pensamento crítico em torno do currículo é Henry Giroux (1997a; 1997b; 2001), que após Apple inicia seus trabalhos enfatizando aspectos, em seus primeiros estudos, bem próximos deste. Na perspectiva de Giroux as proposições tradicionais davam demasiada ênfase à eficiência e à racionalidade técnica e burocrática, não dando relevo aos aspectos relacionados ao conhecimento, desconsiderando historicidade, ética e o caráter político das relações humanas, propiciando um clima de reprodução das desigualdades e injustiças perpetradas socialmente (Silva, 2015c.).

 

    Giroux tem seus esforços concentrados no conceito de resistência, advindo desse local de reflexão para o desenvolvimento de uma crítica ativa e alternativa sobre a pedagogia e o currículo, ele oferece a ideia de mediações e ações possíveis no campo escolar e do currículo, fugindo da lógica do absolutismo proposto pelas teorias da reprodução, preconiza as possibilidades de oposição e resistência em relação ao poder e ao controle (Giroux, 1997b; 2001).

 

    Acredita na capacidade de resistência dos atores envolvidos na dinâmica escolar e impregnado da concepção de pedagogia libertadora de Paulo Freire aponta na direção de ações culturais, o que resulta na percepção de currículo como sendo um instrumento de políticas culturais (Op. cit.).

 

    Em seu texto Professores como Intelectuais Transformadores (1997a), pode-se notar bem claro a tendência de se proclamar os sentidos de resistência com relação ao local do professor na engenharia escolar e do papel que esse sujeito deveria encenar. Enfatiza a importância desse profissional enquanto intelectual capaz de promover reais transformações e denuncia as reformas educacionais levadas a efeito nos Estados Unidos, acusando-as de tirarem as possibilidades de o professor desempenhar seu papel de protagonista, demonstrando pouca confiança no profissional, reduzindo-os a simples executores dos planejamentos de especialistas afastados das realidades escolares.

 

    Conclama a necessidade de uma renovação no treinamento para o trabalho professoral e reconhece o enfraquecimento dos professores, sua perda de poder e as grandes mudanças que se operam nas sociedades, com relação às percepções das gentes entorno do trabalho do professor. Como proposição de ação, cita uma questão que deveria ser melhorada para um acréscimo de qualidade da atividade docente, denuncia a proletarização do trabalho docente com a incidência de técnicos e administradores implementando os programas curriculares, e, para reversão do quadro exposto, vai na defesa dos professores como intelectuais transformadores capazes de teorizar e trabalhar essa teoria ensinando seus alunos a fazerem mesmo (Giroux, 1997a).

 

    Os professores “deveriam ser vistos como homens e mulheres livres, com uma dedicação especial aos valores do intelecto e ao fomento da capacidade crítica dos jovens” (Giroux, 1997a, p. 161), é com esse discurso que critica ferozmente as concepções tecnocráticas e instrumentais inerentes à teoria curricular e educacional vigentes, difundindo o ideal de que os professores deveriam lutar para criar condições de trabalho que permitam incutir nos estudantes a cidadania plena, que os dessem coragem e esperança para a luta social transformadora. Discurso bem aproximado ao de Freire para o mundo dos adultos estudantes.

 

    No tópico do texto explicitado anteriormente, que trata da desvalorização e desabilitação do trabalho docente (Giroux, 1997a), revela a formação dos professores dentro de ideologias instrumentais de mesma ênfase tecnocrática e pragmática do cotidiano escolar, que realça a racionalidade instrumental com a desvalorização do intelecto, primando pelas ações práticas. Destaca a formação dos docentes baseada nas concepções behavioristas e na exaltação às metodologias que negam o pensamento crítico em detrimento aos aspectos estruturantes da escola e da sala de aula. O enfoque recai no ‘como fazer’, e no ‘que funciona’, denuncia também os pacotes curriculares ‘a prova de professor’, dizendo haver o predomínio pela Pedagogia do gerenciamento, pensamento que exalta o controle do comportamento, a comparação e a previsibilidade da atuação professor.

 

    Existe em sua crítica uma clara idéia de noção de importância das subjetividades coletivas e particulares e uma consideração às múltiplas sociedades e culturas que o leva a ver a educação e o currículo como local de contestação ativa ao pragmatismo técnico e da estagnação improdutiva das teorias da reprodução (Bourdieu, 1999).

 

    Buscando caracteres de interlocução com mais um estudioso que deu bases às criticas iniciais à tradição curricular, caminhamos com Paulo Freire, educador que não trata diretamente do Currículo, mas, faz inferências e proposições sobre o mesmo, que influenciam vários autores diretamente ligados à temática, como já pudemos ver no caso de Henry Giroux.

 

    A teorização proposta em Freire é essencialmente pedagógica, na medida em que estabelece elaborações de como a educação e a pedagogia deveriam ser ao invés de se ater às análises de como elas simplesmente são (Silva, 2015d).

 

    Com a idéia de ‘educação bancária’ estabelece uma crítica ao currículo existente, para Freire esse conceito sintetiza a idéia de depósito bancário feito entre o conhecimento e os alunos. Investe contra o traço verbalista, explanatório e dissertativo do currículo tradicional, e, como contraponto, desenvolve o argumento da necessidade de uma ‘educação problematizadora’. Através da noção de ‘educação problematizadora’ propõe uma compreensão fenomenológica do que seja conhecer, intencionado, diz que para se conhecer, necessário se faz que seja num coletivo envolvendo intercomunicação e intersubjetividade. Propõe um conhecimento desenvolvido através da educação posta na intercomunicação feita entre os homens, concebendo o ato pedagógico como um ato dialógico, nessa perspectiva, educador e educando vão construindo significados aos aprendizados através da dialogicidade (Bowles & Gintis, 1981).

 

    Em sua obra Pedagogia do Oprimido (Freire, 2005), onde encontramos os conceitos propostos, desenvolve uma metodologia que possibilita a construção de um currículo dentro da concepção de ‘educação problematizadora’. Estabelece as bases para o encetamento do diálogo, os princípios se concretizam em atos de esperança, fé, amor e humildade, essas são as bases que norteiam a possibilidade de uma educação dialógica, onde a nascença do pensar crítico pode ser fecundada. Na medida em que essas bases estão firmadas, é através do diálogo que o educador vai absorver as necessidades de seu alunado, e poder construir de maneira estruturada um currículo capaz de atender as reais necessidades de seu público. Vale ressaltar que o corpo de alunos a que Freire se referia era de adultos analfabetos e semi-analfabetos populares, e entender a dialogicidade de maneira tão completa em um público repleto de experiências já vivenciadas, deve ser também, material de análise para possíveis propostas direcionadas a públicos infantis e jovens.

 

    Na visão de Freire são as experiências dos alunos que serão as fontes de inspiração para a construção dos ‘temas geradores’, que, por sua vez, serão o corpo substancial para se constituir os ‘conteúdos programáticos’. Esses conteúdos deverão sofrer uma sistematização pelos especialistas, pois, o retorno aos alunos deve ser feito de forma estruturada e organizada de idéias. No desenrolar do desenvolvimento da metodologia que propõe levar-se a efeito, pode-se perceber sua preocupação em não se impor enquanto busca em território alheio, isto é, pressupõe uma investigação temática que se expresse como uma ação cultural, entendendo cultura como sendo todo trabalho humano. Coloca um dos motes de investigação para construção dos temas geradores, o debate do tema cultura, percebendo o conceito de maneira antropológica, sendo assim, percebe a cultura popular como sendo legítima e devendo ser legitimada no currículo e, dessa maneira, percebemos a uma antecipação aos estudos culturais de currículo (Freire, 2005, p. 100).

 

    Ao mesmo tempo em que se faziam as críticas referidas ao currículo nos Estados Unidos e Brasil, o movimento encontrava ressonância também na Inglaterra, só que por outros vieses, nesse país o que se materializa é uma crítica do currículo que nasce dentro da Sociologia da Educação e são os estudiosos dessa área que serão seus protagonistas.

 

    O livro Knowledge and control (1971) organizado por Michael Young, foi vanguardista dessa crítica ao currículo, que se tornou conhecida posteriormente como a ‘Nova Sociologia da Educação’. As críticas enfatizadas se referiam à sociologia da educação inglesa, que era posta em vigor seguindo uma tradição de pesquisa empírica que se debruçava por sob as desigualdades de resultados alcançados pelos sistemas educacionais dando maior relevância aos resultados das crianças e jovens populares. Vale ressaltar que o relevo dado nessa perspectiva incidia nas variáveis de entrada (aspectos socioeconômicos) e saída (avaliações) dos alunos nos sistemas escolares, não se preocupando com outros aspectos que interferiam diretamente para construção daquelas variáveis e seus resultados (Silva, 2015e.).

 

    E é nessa lacuna que a NSE (Nova Sociologia da Educação) vai fazer recair sua crítica, principalmente nos aspectos que se referem à aceitação de um currículo neutro, dado, tomado a priori como aceitável e não questionável. Os reformadores críticos da NSE pensavam no desenvolvimento de uma sociologia do conhecimento centrada nos aspectos sociais que viabilizavam certas formas de se pensar, e suas relações com as diversas estruturas sócias, econômicas e institucionais. O que Young pretendia era pensar uma sociologia do currículo que pudesse pôr as categorias curriculares, pedagógicas e avaliativas em questão, mostrando assim, seus caracteres históricos construídos e suas arbitrariedades, vale saber o que conta como conhecimento (Young, 2000; 2003).

 

    Em resumo as questões que se ocupavam a NSE eram a: crítica sociológica e histórica aos currículos existentes, as conexões estabelecidas entre currículo e poder e entre a organização do conhecimento e poder, analisar as estratificações e as integrações que delineiam a construção do currículo e as mudanças de currículo que protagonizavam as mudanças de poder. Apesar de uma pretensa análise estrutural sem afetações nos aspectos pedagógicos, torna-se inviável se pensar nessas críticas sem alterações de significado pedagógicos.

 

    Esse movimento apesar de sua força acaba por ir se multifacetando, e se reconfigurando em outras vertentes analíticas a partir da década de 80, como por exemplo, o feminismo, estudos de gênero, raça e etnia, pós-estruturalismo... O próprio Young acaba por abandonar gradualmente essa vertente da NSE, representada inicialmente como idéia de construção social e passa a ter uma perspectiva mais técnica e burocrática (Op. cit.).

 

    E com uma postura muito mais propositiva podemos encontrar Michael Young (2007) ainda em uma postura crítica, elencando conceitos que podem, de certa maneira, categorizar a função da escola e do conhecimento, mantendo-se estreitamente vinculado à questão dual saber e poder. Ele elege a questão central ‘para que servem as escolas’ como argumento mais importante em seu texto, de mesmo nome, buscando responder a essa indagação, parece que de certa maneira justifica sua mudança de lugar de análise, ao avaliar os críticos das décadas de 70 e 80 tomando-os como pouco práticos e sem proposições para as dificuldades que denunciavam. Descrimina que na virada das políticas neoliberais inglesas e norte-americanas os intelectuais não poderiam ser ouvidos nas decisões políticas, na medida em que, não tinham muito a dizer sobre as escolas em termos práticos, pois somente dialogavam em termos de seus pares.

 

    Ao questionar ‘para que servem as escolas’, busca as respostas dadas e critica a ‘vigilância’ de Foucault, a empregabilidade para do partido trabalhista (New Labour) e a felicidade e bem estar em John With, ele elenca a argumentação de que até nos sistemas mais opressivos, pode-se buscar a escola como meio de libertação. Questiona-se também sobre ‘quem recebe escolaridade’ e ‘o que os indivíduos na verdade recebem’, chega a concluir que a escola é um agente de transmissão cultural e enxerga nessa transmissão aspectos de interatividade positivos entre aluno e professor. A partir de então, busca inferir sobre que tipo de conhecimento se oferta nas escolas, e é nesse momento que alcança as reflexões mais importantes de seu trabalho, distingue o conhecimento dos poderosos e o conhecimento poderoso, dando ênfase ao segundo (Young, 2007).

 

    O ‘conhecimento poderoso’ refere-se ao que o conhecimento pode fazer nas vidas das pessoas com relação às maneiras de se pensar o mundo, e, descrimina-o como sendo a tipologia do saber dos especialistas. Elege a escola como lugar de transmissão desse conhecimento e elenca a questão de autoridade, a partir do domínio desses conhecimentos, como legítimas e necessárias. Também trata do conhecimento escolar e não-escolar e descreve as teorias generalistas como sendo a essência do conhecimento poderoso, que deveria ser disponibilizado a todos os alunos através de um currículo estruturado em bases de conhecimento, permitindo assim uma igualdade social entre os alunos populares e os das elites.

 

    O que Young (2007) propõe é que o currículo viabilize o ‘conhecimento poderoso’ às crianças e jovens numa perspectiva emancipatória, independente do contexto cultural, promovendo a igualdade social, não desconsidera o conhecimento local e cotidiano, mas, não acredita serem essas as bases que se deva dar ao currículo, indica que os conhecimentos locais devam ser utilizados para servirem de âncora, mas não como princípios generalizáveis.

 

    Pode-se observar, através das várias perspectivas demonstradas, que entre a Teoria Tradicional de Currículo e mesmo nas Teorias Críticas do Currículo, encontramos divergências conceituais relevantes entre os autores estudados. Ralf Tyler, Michael Apple, Henry Giroux, Paulo Freire e Michael Young, constroem suas proposições a seus modos, baseados em suas configurações de mundo e importa-nos que tenhamos uma postura de reflexão crítica diante dessas mesmas proposições, sabendo que as idéias não deverão se configurar como um monobloco em nossos pensamentos, mas sim, servirem de base para entendimentos mais alargados acerca do Currículo e suas aplicabilidades.

 

Breve balanço...

 

    O currículo sempre esteve presente na vida escolar, desde o advento dos grupos escolares, mas, foram alguns estudiosos que se aperceberam desse instrumento como sendo de grande relevância para a experiência dos processos de ensinar e aprender. Pensou-se em um currículo asséptico, neutro e capaz de efetivar uma escolarização uniformizada e eficaz, mas, após esse primeiro sopro de inspiração deu-se a nascença de uma variedade grande de pesquisadores capazes de entrever nas entrelinhas do currículo, aquilo que se fazia de rogado em se mostrar, e, por conta desse desvelar assentaram-se as seguintes análises: para que servia o instrumento curricular, a qual senhor ele servia, e eis que nascem as digressões em torno do currículo e do poder, o que mais tarde iria se desdobrar sob outros aspectos, nos estudos com ênfase na identidade, subjetividade, cultura... Mas nossa fala se interrompe e finda momentaneamente antes de adentrarmos nas questões colocadas pelas teorias pós-críticas.

 

Referências

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 243, Ago. (2018)