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ISSN 1514-3465

 

Fatores associados à insatisfação com a imagem corporal

em estudantes durante a pandemia de COVID-19

Factors Associated with Body Image Dissatisfaction in Students During the COVID-19 Pandemic

Factores asociados a la insatisfacción con la imagen corporal en estudiantes durante la pandemia de COVID-19

 

Ana Carla Leocadio de Magalhães*

ana.magalhaes@ifrj.edu.br

Guilherme Gonçalves Baptista**

guilherme.baptista@ifrj.edu.br

 

*Mestre em Nutrição pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

do Rio de Janeiro (IFRJ), campus Nilópolis

**Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Docente do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia

do Rio de Janeiro (IFRJ), campus Rio de Janeiro

(Brasil)

 

Recepção: 19/10/2020 - Aceitação: 20/05/2021

1ª Revisão: 31/03/2021 - 2ª Revisão: 13/05/2021

 

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Citação sugerida: Magalhães, A.C.L. de, e Baptista, G.G. (2021). Fatores associados à insatisfação com a imagem corporal em estudantes durante a Pandemia de COVID-19. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(279), 64-79. https://doi.org/10.46642/efd.v26i279.2663

 

Resumo

    O objetivo do presente estudo foi avaliar a relação entre redes sociais e fatores associados à insatisfação com a imagem corporal, em estudantes durante o período de isolamento social causado pela pandemia de COVID-19. Realizou-se um estudo observacional, do tipo transversal, cuja amostra foi constituída por estudantes do ensino médio, de ambos os sexos, de uma escola pública do município de Pinheiral, Rio de Janeiro. A coleta de dados foi realizada nos meses de Junho e Julho de 2020 e utilizou-se como instrumento um questionário online, constituído por perguntas abertas e fechadas. Foram avaliadas características demográficas, prática de exercícios físicos, práticas alimentares, utilização das redes sociais e nível de satisfação com a imagem corporal, pela escala de silhuetas de adolescentes. Participaram do estudo 69 estudantes, dentre os quais 79,7% (n=55) declararam insatisfação com a imagem corporal, 47,8% (n=33) praticavam exercícios físicos regularmente, 29% (n=20) realizavam dietas restritivas, 33,3% (n=23) apresentavam sintomas de transtornos alimentares e 98,6% (n=68) utilizavam, frequentemente, as redes sociais. Dentre os insatisfeitos com a imagem corporal, 75% (n=39) do sexo feminino e 46,2% (n=7) do sexo masculino afirmaram que as redes sociais influenciam a autopercepção corporal (p=0,04). Concluiu-se que as redes sociais influenciaram negativamente a percepção da imagem corporal, em adolescentes de ambos os sexos, durante o isolamento social devido à pandemia por COVID-19.

    Unitermos: Imagem corporal. Redes Sociais. Adolescente. COVID-19.

 

Abstract

    The aim of the present study was to evaluate the relationship between social networks and factors associated with dissatisfaction body image in adolescents of public school during the social isolation period caused by the pandemic of COVID-19. It was performed an observational and cross-sectional study in which a sample was high school students of both sexes from a public school from Pinheiral, Rio de Janeiro. Data collection was performed on June and July 2020 and online questionnaire with open and closed questions was used as collection instrument. Demographic characteristics, physical exercise, eating habits, use of social networks and level of satisfaction with body image were reevaluated using the adolescent scale silhouettes. 69 students participated in the study, among which 79.7% (n=55) declared dissatisfaction with their body image, 47.8% (n=33) practiced physical exercises regularly, 29% (n=20) were on restrictive diets, 33.3% (n=23) had symptoms of eating disorders and 98.6% (n=68) frequently used social networks. Among dissatisfied people with body image, 75% (n =39) of females and 46.2% (n=7) of males reported that social networks influenced their body self-perception (p=0.04). It was concluded that social networks had a negative effect in the perception of body image in adolescents of both sexes during social isolation due to the COVID-19 pandemic.

    Keywords: Body image. Social Networking. Adolescent. COVID-19.

 

Resumen

    El objetivo del presente estudio fue evaluar la relación entre las redes sociales y los factores asociados a la insatisfacción con la imagen corporal en estudiantes durante el período de aislamiento social provocado por la pandemia de COVID-19. Se realizó un estudio observacional, transversal, cuya muestra estuvo conformada por estudiantes de secundaria, de ambos sexos, de una escuela pública de la ciudad de Pinheiral, Rio de Janeiro. La recolección de datos se realizó en junio y julio de 2020 y se utilizó como instrumento un cuestionario en línea, compuesto por preguntas abiertas y cerradas. Las características demográficas, la práctica de ejercicio físico, los hábitos alimentarios, el uso de las redes sociales y el nivel de satisfacción con la imagen corporal se evaluaron mediante la escala de silueta de adolescentes. Participaron del estudio 69 estudiantes, de los cuales el 79,7% (n =55) declaró estar descontento con su imagen corporal, el 47,8% (n =33) practicaba ejercicio físico de forma habitual, el 29% (n=20) realizaba dietas restrictivas, el 33,3% (n=23) presentaba síntomas de trastornos alimentarios y el 98,6% (n=68) utilizaba con frecuencia las redes sociales. Entre los insatisfechos con su imagen corporal, el 75% (n=39) de las mujeres y el 46,2% (n=7) de los hombres afirmó que las redes sociales influyen en la autopercepción corporal (p=0,04). Se concluyó que las redes sociales influyeron negativamente en la percepción de la imagen corporal, en adolescentes de ambos sexos, durante el aislamiento social debido a la pandemia COVID-19.

    Palabras clave: Imagen corporal. Redes sociales. Adolescente. COVID-19.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 279, Ago. (2021)


 

Introdução 

 

    As infecções por Síndrome Respiratória Aguda Grave, causadas pelo novo Coronavírus (SARS-CoV-2), foram identificadas, primeiramente, em Dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China. No Brasil, o primeiro caso confirmado da Doença Coronavírus (COVID-19) foi na cidade de São Paulo, em 26 de Fevereiro de 2020 (Bezerra et al., 2020; Enumo et al., 2020). Devido ao rápido avanço dos casos de COVID-19, em diferentes continentes, em Março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) classificou a doença como uma pandemia mundial. (Enumo et al., 2020; Acter et al., 2020)

 

    Para o controle da propagação de COVID-19, a OMS recomendou aos representantes de cada país que fechassem escolas, comércio não essencial, áreas públicas de lazer e adotassem o isolamento social. Isso se deu porque a transmissão da doença ocorre, principalmente, pelo contato com demais indivíduos, por meio da emissão de gotículas respiratórias (Bezerra et al., 2020; Cavalcante, e Abreu, 2020; Deslandes, e Coutinha, 2020). O isolamento social, caracterizado como o confinamento dos sujeitos em suas residências e o distanciamento de pessoas contaminadas das não contaminadas, embora necessário para redução da curva epidêmica de COVID-19, fez com que os indivíduos experimentassem mudanças em seus hábitos diários, o que pode ocasionar sérios prejuízos à saúde mental. (Faro et al., 2020; Wang et al., 2020)

 

    Na população de adolescentes, as modificações nas rotinas diárias podem ser ainda mais evidentes, sobretudo, no que se refere à prática de exercícios físicos, ao cultivo de atividades sedentárias e ao uso das mídias digitais. Cabe ressaltar que este público se mantém fisicamente ativo, principalmente, no ambiente escolar e são fruto da geração de “nativos digitais”, imersos na cultura da Internet e das redes sociais. (Ammar et al., 2020; Deslandes, e Coutinha, 2020; Faro et al., 2020; Ruiz-Roso et al., 2020; Wang et al., 2020; Palfrey, 2011)

 

    Nesta fase da vida, em que ocorrem mudanças físicas e psicossociais, devido à puberdade, as mídias sociais possuem grande influência sobre a percepção da imagem corporal, uma vez que, a todo o momento, são expostos e estabelecidos padrões estéticos, que variam de acordo com os sexos (Lira et al., 2017; Lima et al., 2018). Esta persuasão por parte dos meios de comunicação faz com que muitos adolescentes se sintam insatisfeitos com a própria imagem corporal e busquem alternativas para se adequarem ao padrão e serem socialmente aceitos, tais como uso de laxantes e esteróides anabolizantes. Além disso, em nome dessa busca, podem desenvolver transtornos alimentares, como anorexia e bulimia. (Carvalho et al., 2020; Santana et al., 2020)

 

    Durante o período de isolamento social, brincadeiras relacionadas ao ganho de massa corporal têm sido frequentes nas mídias sociais (Rodgers et al., 2020). Além disso, a constante exposição às videoconferências, a necessidade de se manter visível no “mundo virtual” e o hábito de colocar selfies nas redes sociais podem potencializar a insatisfação com a imagem corporal. (Deslandes, e Coutinha, 2020; Rodgers et al., 2020)

 

    Deste modo, o objetivo do presente estudo é avaliar a relação entre redes sociais, a prevalência e os fatores associados à insatisfação com a imagem corporal, em adolescentes estudantes de uma escola pública, durante o período de isolamento social causado pela pandemia de COVID-19, pois, até o momento, não há estudos disponíveis na literatura científica sobre este tema.

 

Métodos 

 

Tipo de estudo e caracterização da amostra 

 

    Trata-se de um estudo observacional, do tipo transversal, cuja amostra foi constituída por estudantes do ensino médio, de ambos os sexos, de uma escola pública, do município de Pinheiral, Rio de Janeiro. Todos os estudantes deste segmento de ensino foram convidados a participar do estudo. Entretanto, dos 480 elegíveis, somente 69 concordaram em integrar a amostra. Para participação no estudo, os indivíduos obedeceram aos seguintes critérios de inclusão: a) estar na faixa etária entre 14 e 19 anos; e, b) ter matrícula ativa na instituição de ensino. Os critérios de exclusão foram: a) estar gestante; e, b) apresentar deficiências que prejudicassem a compreensão do questionário.

 

    Todos os estudantes receberam o termo de consentimento (para autorização dos responsáveis, caso fossem menores de idade, e, para própria concordância, se tivessem mais de 18 anos) e termo de assentimento (para concordância dos estudantes menores de idade). O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, sob o número do Parecer 3.684.518.

 

Coleta de dados 

 

    A coleta de dados foi realizada entre 30 de Junho e 15 de Julho de 2020, utilizando, como instrumento um questionário de autoria própria, versão online, elaborado na plataforma Google Forms. O instrumento foi dividido nas seguintes partes: a) características demográficas, b) prática de exercício físico durante o isolamento social pela pandemia de COVID-19, c) utilização das redes sociais durante o isolamento social pela pandemia de COVID-19, d) práticas alimentares durante o isolamento social pela pandemia de COVID-19, e) avaliação da imagem corporal, de acordo com uma Escala de Silhuetas (Kakeshita et al., 2009) específica para adolescentes.

 

    Optou-se pela elaboração de perguntas abertas e fechadas para avaliação da prática de exercícios físicos, da utilização das redes sociais e práticas alimentares, especificamente durante o isolamento social pela pandemia de COVID-19, uma vez que não foram encontrados instrumentos validados, considerando este período específico, para análise dessas variáveis. A validação dessas questões foi realizada por professores de educação física e estudantes de iniciação científica da instituição de ensino, envolvidos em projeto de pesquisa sobre a temática deste estudo.

 

    A Escala de Silhuetas proposta por Kakeshita (Kakeshita et al., 2009), para avaliação da satisfação com a imagem corporal em adolescentes, é constituída por onze cartões, para cada sexo, com 12,5 cm de altura e 6,5 de largura, com figura branca, centralizada ao fundo negro, com 10,5 cm de altura e 4,5 cm de largura. Para cada figura, é determinada uma média do Índice de massa corporal (IMC), que varia de 12,5 a 47,5, com intervalo de 2,5 pontos entre cada uma. Foi solicitado que o participante da pesquisa informasse, primeiramente, qual silhueta que melhor correspondia a seu corpo atual e, em seguida, qual figura melhor representaria a silhueta que gostaria de ter (ideal). Considerou-se insatisfação com a imagem corporal quando houve distinção entre a silhueta atual e a desejada.

 

Análise estatística 

 

    Para análise estatística, os estudantes foram estratificados de acordo com o sexo. A normalidade da distribuição amostral foi avaliada pelo teste de Shapiro-Wilk. Para comparação entre variáveis contínuas, foi utilizado o teste Mann-Whitney. A associação entre variáveis categóricas, de acordo com o sexo dos estudantes, foi avaliada utilizando-se o teste qui-quadrado de Pearson ou Teste exato de Fisher, em casos de baixa frequência (n≤5) em qualquer um dos grupos. As análises foram realizadas no programa SPSS, versão 21.0. O nível de significância estatística foi de p<0,05.

 

Resultados 

 

    A amostra foi constituída por 69 adolescentes, com média de idade 16,43 ± 1.10 anos, sendo 75,4% (n=54) do sexo feminino e 24,6% (n=17) do sexo masculino. Durante o atual período de isolamento social, verificou-se que 47,8% (n=33) praticam exercícios físicos regularmente, 29,0% (n=20) realizam dietas restritivas para controle de peso corporal, 33,3% (n=23) apresentam sintomas de transtornos alimentares e 98,6% (n=68) utilizam, frequentemente, as redes sociais (Tabela 1). A prevalência de insatisfação com a imagem corporal foi elevada entre a amostra total (79,7%, n=55), sendo que 72,7% (n=40) dos adolescentes desejam uma silhueta menor, enquanto 27,3% (n=15) almejam uma silhueta maior (Tabela 2).

 

    Observou-se que 58.8% (n=10) dos adolescentes do sexo masculino têm praticado exercícios físicos. No sexo feminino, esta frequência é de 44,2% (n=23) (p=0.29). A prevalência de identificação de sintomas de transtornos alimentares foi maior entre o sexo feminino (40,4%, n=21) quando comparada ao sexo masculino (11.8%, n=2), com diferença estatisticamente significativa entre os grupos (p=0.03). No que se refere à relação entre redes sociais e imagem corporal, 75,0% (n=39) e 41,2% (n=7) dos sexos feminino e masculino, respectivamente, percebem a influência das mídias sociais na autopercepção da imagem corporal (p=0.01) (Tabela 1).

 

Tabela 1. Características dos adolescentes na amostra total e de acordo com os sexos

 

Total

Feminino

Masculino

p-valor*

(n=69)

(75,4% n=52)

(24,6% n=17)

Idade (anos) (média ± DP)

16.43 ± 1.10

16.33 ± 1.09

16.76 ± 1.09

0.15a

Prática de EF (%)

 

Sim

47.8 (n=33)

44.2 (n=23)

58.8 (n=10)

0.29b

Não

52.2 (n=36)

55.8 (n=29)

41.2 (n=7)

Uso das RS (%)

 

Sim

98.6 (n=68)

98.1 (n=51)

100.0 (n=17)

1.00c

Não

1.4 (n=1)

1.9 (n=1)

0.0 (n=0)

Influência das RS (%)

 

Sim

66.7 (n=46)

75.0 (n=39)

41.2 (n=7)

0.01b

Não

33.3 (n=23)

25.0 (n=13)

58.8 (n=10)

Realização de dietas (%)

 

Sim

29.0 (n=20)

30.8 (n=16)

23.5 (n=4)

0.76c

Não

71.0 (n=49)

69.2 (n=36)

76.5 (n=13)

Transtorno alimentar (%)

 

Sim

33.3 (n=23)

40.4 (n=21)

11.8 (n=2)

0.03c

Não

66.7 (n=46)

59.6 (n=31)

88.2 (n=15)

Insatisfação IC (%)

 

Sim

79.7 (n=55)

76.9 (n=40)

88.2 (n=15)

0.49c

Não

20.3 (n=14)

23.1 (n=12)

11.8 (n=2)

*Valores com significância estatística (p<0.05) relacionados à comparação entre sexo feminino e masculino. 

a =Teste Mann-Whitney; b = Teste qui-quadrado (x²); c = Teste exato de Fisher. 

EF: exercício físico; RS: redes sociais; IC: imagem corporal.

Fonte: Elaboração própria

 

Tabela 2. Prevalência de insatisfação com a IC e tipo de insatisfação de acordo com a silhueta desejada

 

%

n

Insatisfeitos com a IC

79.7

55

Tipo de insatisfação com a IC

Silhueta menor

58.0

40

Silhueta maior

21.7

15

Dados apresentados em percentual (%) e valores absolutos (n). IC: imagem corporal.

Fonte: Elaboração própria

 

    O Gráfico 1 demonstra a distribuição dos adolescentes conforme as redes sociais utilizadas no período de isolamento social. Observou-se que o Instagram é a rede social mais acessada durante a pandemia por COVID-19 (72,3%, n=47), seguida de outras mídias sociais (63,1%, n=41), Youtube (55.4%, n=36) e Facebook (16.9%, n=11). Entretanto, 35,9% (n=23) e 31.3% (n=20) dos adolescentes utilizam duas e mais que duas mídias sociais, respectivamente.

 

Gráfico 1. Distribuição dos participantes (n=69) conforme as 

redes sociais utilizadas durante o período de isolamento social

Gráfico 1. Distribuição dos participantes (n=69) conforme as redes sociais utilizadas durante o período de isolamento social

Fonte: Elaboração própria

 

    Ao avaliar as características dos adolescentes insatisfeitos com a imagem corporal, de acordo com os sexos, verificou-se que o exercício aeróbico foi o mais realizado por ambos os grupos (feminino: 22,5%, n=9; masculino: 33,3%, n=5), seguido do exercício de resistência para o sexo feminino (15%, n=6) e a combinação de ambas modalidades de exercício para o sexo masculino (20%, n=3) (p=0,47). Em relação à influência das redes sociais sob a percepção corporal, 75% (n=30) do sexo feminino e 46,7% (n=7) do masculino declararam que estas mídias influenciam a autopercepção da imagem corporal, com diferença estatisticamente significativa entre os ambos (p=0,04). Ressalta-se, ainda, que, neste contexto, 69,8% (n=38) dos insatisfeitos com a IC afirmaram utilizar as redes sociais mais que três horas por dia, sendo 70% (n=28) entre o sexo feminino e 66,7% (n=10) entre o masculino (p=0.18). No que se refere à presença de transtornos alimentares durante o atual período de isolamento social, 35% (n=14) do sexo feminino e 6,7% (n=1) do masculino declararam estar com sintomas de compulsão alimentar enquanto 12,5% (n=5) e 6,7% (n=1) dos sexos feminino e masculino, respectivamente, afirmaram estar com sintomas de anorexia (p=0,09) (Tabela 3).

 

Tabela 3. Características dos adolescentes insatisfeitos com a IC de acordo com os sexos

 

 

Feminino

Masculino

p- valor*

72,7% (n=40)

27,3% (n=15)

Tipo de Insatisfação

 

Silhueta menor

75% (n=30)

66,7% (n=10)

 

Silhueta maior

15% (n=15)

33,3% (n=5)

0.53ª

Prática de EF (%)

 

Sim

50% (n=20)

66,7% (n=10)

0.26ª

Não

50% (n=20)

33,3% (n=5)

Tipo de EF (%)

 

Não pratica

50% (n=20)

33,3% (n=5)

 

Resistência

15% (n=6)

13,3% (n=2)

0.47ª

Aeróbico

22,5% (n=9)

33,3% (n=5)

Resistência + aeróbico

7,5% (n=3)

20% (n=3)

Outro

5% (n=2)

0% (n=0)

Tempo diário EF (%)

 

Não pratica

50% (n=20)

33,3% (n=5)

0.46ª

Menos que 1 h/dia

30% (n=12)

33,3% (n=5)

Entre 1 e 2 h/dia

20% (n=8)

33,3% (n=5)

Influência RS

 

Sim

75% (n=30)

46,7% (n=7)

0.04ª

Não

25% (n=10)

53,3% (n=8)

Tempo diário RS (%)

 

Menos que 1 h/dia

7,5% (n=3)

0% (n=0)

0.18ª

Entre 1 e 2 h/dia

7,5% (n=3)

26,7% (n=4)

Entre 2 e 3 h/dia

15% (n=6)

6,7% (n=1)

Mais que 3 h/dia

70% (n=28)

66,7% (n=10)

Realização de dietas (%)

 

Sim

40% (n=16)

26,7% (n=4)

0.36ª

Não

60% (n=24)

73,3% (n=11)

Transtorno Alimentar

 

Não apresenta

50% (n=20)

86,7% (n=13)

0.09ª

Anorexia

12,5% (n=5)

6,7% (n=1)

Bulimia

2,5% (n=1)

0% (n=0)

Compulsão alimentar

35% (n=14)

6,7% (n=1)

* Valores com significância estatística (p<0.05). a = Teste qui-quadrado (x²). EF: exercício físico; RS: redes sociais; IC: imagem corporal.

Fonte: Elaboração própria

 

Discussão 

 

    Embora a insatisfação com a imagem corporal entre adolescentes seja amplamente investigada na literatura científica, até o momento não foram encontrados estudos que relacionem esta temática com o período de isolamento social pela pandemia de COVID-19. Neste sentido, os dados encontrados no presente trabalho podem contribuir significativamente para reflexões acerca do impacto deste período específico na vida do público em questão.

 

    Dentre os principais achados do presente estudo, destaca-se a elevada prevalência de insatisfação com a imagem corporal, em ambos os sexos, e a excessiva utilização das redes sociais durante o período de isolamento social. No que tange ao primeiro, estes dados estão de acordo com estudos anteriormente publicados que demonstram o quão adolescentes sentem-se insatisfeitos com o próprio corpo (Carvalho et al., 2020; Santana et al., 2020). Ao considerar que os cuidados com o corpo e a própria aparência corporal respondem às tentativas do sujeito de se apresentar e representar ao mundo a partir de determinados valores e normas prestigiadas na cultura (Le Breton, 2011), é representativa a distância ainda existente entre o corpo idealizado e o corpo presente em grande parte dos sujeitos consultados.

 

    Ressalta-se que houve uma tendência a desejar um corpo cada vez mais magro entre o sexo feminino. Por outro lado, no sexo masculino, evidenciou-se o desejo por um corpo mais robusto. Esses achados estão de acordo com estudo realizado por Carvalho et al. (2020) que identificou maior chance em desejar uma silhueta menor, entre o sexo feminino, e maior, entre o masculino. De forma similar, Soares Filho (2021) observaram maior desejo por uma silhueta menor entre adolescentes do sexo feminino e por uma maior entre o sexo masculino. A partir destes dados, evidencia-se que o desejo por determinados tipos de corpos não se limita a apenas um dos sexos. Ambos convivem com a pressão de aumentar os níveis de satisfação consigo, na qual a promoção do corpo é simultaneamente o principal aliado e o maior inimigo (Sant’anna, 2014). Assim, os achados vão ao encontro da análise de Bourdieu (2012), que aponta a distinção desses desejos entre os sexos como produto das relações de dominação presentes ainda na sociedade contemporânea, que se perpetuam também simbolicamente no e pelo corpo.

As diferentes motivações para insatisfação com a imagem corporal também foram demonstradas por Iepsen, e Silva (2014), em estudo com adolescentes estudantes do ensino médio. Contudo, diferentemente do estudo atual, houve maior prevalência de insatisfação corporal entre adolescentes do sexo feminino. Embora, culturalmente, este grupo esteja mais suscetível à insatisfação corporal, a constante exibição de corpos masculinos musculosos e definidos, em diversas mídias, tem sido associada à elevada insatisfação com a imagem corporal entre o sexo masculino. (Fortes et al., 2015)

 

    No contexto do isolamento social devido à pandemia de COVID-19, questões relacionadas ao corpo tornam-se ainda mais importantes, sobretudo entre adolescentes, que parecem ter a necessidade de permanecer visível no mundo virtual, além de manter e aumentar seus laços de sociabilidade neste ambiente (Deslandes, e Coutinha, 2020). De acordo com Goldenberg (2007), na sociedade brasileira, o corpo é considerado uma riqueza e um veículo fundamental para a ascensão social, para o mercado de trabalho e para as relações pessoais.

 

    Com isso, uma das maneiras de buscar o corpo socialmente desejado é pela imitação prestigiosa, em que ações bem-sucedidas, realizadas por indivíduos de confiança, são reproduzidas por outras pessoas (Mauss, 2003). Deste modo, as redes sociais assumem um importante papel para divulgação de diferentes atributos e comportamentos corporais.

 

    É relevante ainda ressaltar que os sujeitos do estudo são “nativos digitais” (Prensky, 2001). Portanto, já nasceram inseridos no contexto digital e, frequentemente, buscam respostas para seus descontentamentos nas mídias sociais, sobretudo em um momento de restrição de diferentes tipos de contatos presenciais por conta do isolamento social devido à pandemia atual. Isso fica explícito ao analisar que quase a totalidade dos sujeitos (98,6%) utiliza diferentes tipos de mídias sociais, além de utilizarem-nas por um excessivo período de horas por dia.

 

    Embora a ideia de padrões de beleza não seja limitada aos tempos modernos, a ideia de busca pela beleza como uma responsabilidade individual ganha força nesses tempos. Com a proliferação de formas para “esculpir o corpo” e atingir determinadas normas, propaga-se o juízo de que só não é bonito quem não quer. Com isso, o distanciamento de determinados padrões passa a ser encarado como um fracasso individual, ou seja, há uma questão moral sobre as aparências. (Sant’anna, 2014)

 

    Além disso, na era das mídias sociais, com a facilidade de engajamento e a formação de vínculos a partir de determinados interesses em comum, a viralização de formatos e normas torna-se mais evidentes (Jacob, 2014). Afinal, se há a reprodução recorrente de determinados perfis estéticos nas redes sociais, começa-se a crer que é uma versão da realidade, e o distanciamento desse “ideal” é motivo de frustração e insatisfação (Lira et al., 2017). Não à toa, no presente estudo, 69,8% dos adolescentes que permanecem mais tempo nas redes sociais declararam ser mais insatisfeitos corporalmente.

 

    Conforme demonstrado neste trabalho, a principal mídia social utilizada durante o período de isolamento social é o Instagram. Neste sentido, é válido destacar que esta rede social possui como foco a divulgação e compartilhamento de vídeos e fotos com seus seguidores, ou seja, a imagem é considerada um artifício importante para se mostrar ao mundo. Para Jacob (2014), a ideia basilar dessa mídia se constituiu na percepção de que ser feliz é possível. No entanto, em conjunto com essa ideia e dos discursos motivacionais que a acompanham, esconde-se a vigilância e controle constante, onde quem segue monitora aqueles que segue e é monitorado por quem é seguido. (Jacob, 2014)

 

    Ademais, o uso de outras redes também esteve associado com a insatisfação corporal, evidenciando um impacto significativo no desejo de mudar a aparência corporal com o uso de diferentes mídias sociais. Há evidências, portanto, sobre o impacto das mídias sociais na percepção da imagem corporal dos adolescentes, uma vez que são ambientes com a exposição de determinadas estereotipias corporais que contribuem para a formação de um ideal de beleza.

 

    Por conta dessas insatisfações e frustrações, muitas vezes, há procura por diferentes meios para alcançar ou diminuir a distância para determinadas estereotipias corporais. Com isso, lança-se mão de inúmeros instrumentos e comportamentos voltados aos cuidados com o corpo, representados, principalmente, pela adesão aos exercícios físicos, dietas para o controle do peso corporal e o próprio uso de redes sociais, conforme observado neste estudo.

 

    De fato, na sociedade brasileira, os ideais de beleza e saúde estão associados a um padrão de consumo, em que se acredita que para obter o corpo perfeito é necessário modificar o estilo de vida e adotar como lema a frase “comer pouco e malhar muito”. (Santos et al., 2019)

 

    Assim, torna-se inegável o risco do desenvolvimento de problemas associados à insatisfação com a imagem corporal, como transtornos alimentares, sobretudo em um momento único como o de isolamento social devido à pandemia de COVID-19. (Rodgers et al., 2020)

 

    Dados deste estudo demonstram que, apesar de grande parte dos adolescentes terem declarado não apresentar sintomas relacionados aos transtornos alimentares, dentre os que apresentaram, a compulsão alimentar foi o mais prevalente, principalmente entre o sexo feminino. De acordo com Moraes et al. (2016), esse grupo é mais suscetível ao desenvolvimento de transtornos alimentares, sobretudo, quando mais jovens e quando omitem refeições ao longo do dia. Assim, destaca-se que a falta de rotina alimentar, anteriormente associada aos intervalos dos momentos de estudo e trabalho, pode contribuir para maior ocorrência de transtornos alimentares durante o isolamento social devido à Pandemia de COVID-19 (Rodgers et al., 2020). Além disso, situações estressantes e ansiedade, intensamente vivenciadas no momento atual, também são fatores que predispõem o aparecimento deste transtorno. (Garcia et al., 2018)

 

    No que se refere à prática recreativa de exercícios físicos, evidências demonstram que indivíduos fisicamente ativos apresentam maior insatisfação com a imagem corporal (Iepsen, e Silva, 2014). Esses dados estão de acordo com os achados do presente estudo em que foi verificada maior prevalência de insatisfação com a imagem corporal, em indivíduos do sexo masculino, que, por sua vez, dedicavam maior tempo à prática de exercícios físicos do que o sexo feminino.

 

    Tendo em vista as características extraordinárias do momento de isolamento social pela pandemia de COVID-19, em que indivíduos necessitaram modificar suas rotinas, permanecer em suas residências e adotar medidas de distanciamento de pessoas possivelmente infectadas como forma de controlar a propagação da doença, os dados apresentados tornam-se relevantes no que se refere à insatisfação com a imagem corporal em adolescentes e fatores associados, visto que, até o momento, não foram encontrados estudos que considerem o período atual. Entretanto, este trabalho apresenta como limitações o modelo transversal, que não permite que sejam estabelecidas relações de causalidade; a amostra reduzida e não probabilística, que impede que os dados sejam extrapolados para outras populações; a aplicação do questionário por versão online, que propicia que um público específico participe da pesquisa, o que pode enviesar nossos achados; e a análise do nível de satisfação com a imagem corporal, pela Escala de Silhuetas, de forma remota uma vez que este instrumento é validado para aplicação presencial. Contudo, esta limitação justifica-se pela especificidade do momento de isolamento social e se assemelha ao método utilizado por Castro et al. (2021) em estudo que avaliou o impacto do isolamento social na imagem corporal em praticantes de exercícios de resistência. Apesar dessas limitações, acredita-se que o presente trabalho pode contribuir significativamente para reflexões e discussões acerca desta temática.

 

Conclusão 

 

    As redes sociais influenciam negativamente a percepção da imagem corporal, em adolescentes de ambos os sexos, durante o período de isolamento social causado pela pandemia de COVID-19 (p-valor=0.01). Recomenda-se a elaboração de outros estudos acerca desta temática a fim de esclarecer a relação entre prática de exercícios físicos e hábitos alimentares com os níveis de satisfação com a imagem corporal, em adolescentes, durante o período específico de isolamento e distanciamento social.

 

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