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ISSN 1514-3465

 

Iniciação esportiva: o que pensam os professores de graduação em Educação Física

Sports Initiation: How Graduation Teachers Think in Physical Education

Iniciación deportiva: qué opinan los profesores de formación en Educación Física

 

Ueide Teixeira da Silva Filho*

ueide_filho@hotmail.com

Felipe Pinheiro de Araujo**

felipepinheirodearaujo@hotmail.com

Roberto Rocha Costa***

prof.betocosta@gmail.com

 

*Autor principal. Pós-graduado em Fisiologia do Exercício

pelo Centro Universitário Internacional (UNINTER)

Graduado em Bacharelado em Educação Física

pela Faculdade de Pindamonhangaba

Treinador CORE 360º, especializando em biomecânica

**Co-autor. Graduado em Educação Física (Bacharelado)

pela Centro Universitário UniFUNVIC

Especialista em Pedagogia do Esporte

pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU)

Educador do Instituto Profissional Salesianos de Pindamonhangaba, atuando

como professor de Educação Física e Esportes

***Orientador. Doutorando em Educação Física pela FEF-UNICAMP

Membro do LEPE (Laboratório de Estudos em Pedagogia do Esporte) 

da FCA-UNICAMP Mestre em Ciências Biológicas pela UNIVAP

Graduado em Educação Física (Bacharel em Treinamento Esportivo) pela FEF-UNICAMP 

Professor nos cursos de bacharelado e licenciatura em Educação Física da UNIVAP

e do UniFUNVIC - Centro Universitário

Autor do material didático de Educação Física para Sistema de Ensino Poliedro

Professor convidado em cursos de Pós-graduação da FMU e Estácio

Editor-chefe da Revista Eletrônica de Ciências Humanas

(Brasil)

 

Recepção: 13/10/2020 - Aceitação: 28/02/2022

1ª Revisão: 17/10/2021 - 2ª Revisão: 22/02/2022

 

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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Silva Filho, U.T. da, Araujo, F.P. de, e Costa, R.R. (2022). Iniciação esportiva: como pensam os professores de graduação em Educação Física. Lecturas: Educación Física y Deportes, 27(288), 63-79. https://doi.org/10.46642/efd.v27i288.2633

 

Resumo

    Diferentes métodos são utilizados na iniciação esportiva, entre eles o tradicional (tecnicismo) e as Novas Tendências em Pedagogia do Esporte (interacionismo). O objetivo dessa pesquisa é apresentar a visão de professores universitários, de cursos de Educação Física, sobre a iniciação esportiva, a idade ideal para a iniciar no esporte e os processos metodológicos de ensino, verificando relações com as metodologias tecnicistas ou interacionistas. Um questionário foi enviado para vinte e oito professores de Educação Física que lecionam no ensino superior. Os professores responderam ao questionário construído pelos pesquisadores, com questões abertas que buscavam identificar informações sobre o que esses professores pensam sobre as características metodológicas de ensino-aprendizagem na iniciação esportiva. Após a coleta dos dados, as respostas foram agrupadas, de acordo com os temas e similaridades, para que então fossem analisadas qualitativamente. Houve três definições diferentes para iniciação esportiva: simplista (visão estereotipada da iniciação esportiva), reduzida aos conteúdos ou a um significado (anteceder a especialização esportiva) e a visão complexa do fenômeno. Sobre a idade para se iniciar, as opiniões divergem entre a infância e a qualquer momento, abarcando a iniciação esportiva tardia. Todos os professores mencionaram o jogo como método de ensino ideal, porém, alguns ainda acreditam que a fragmentação dos conteúdos é necessária. Apresentar a visão dos professores dos cursos de Educação Física sobre iniciação esportiva fornece pistas de uma possível mudança nos métodos de ensino de esportes, pois verificou-se uma tendência a tratar da iniciação esportiva de forma complexa, privilegiando os métodos interacionistas de ensino.

    Unitermos: Ensino Superior. Professor universitário. Iniciação esportiva. Pedagogia do esporte.

 

Abstract

    Different methods are used in sports initiation, among them the traditional one (technicism) and the New Trends in Sport Pedagogy (interactionism). The objective of this research is to present the vision of university professors, of Physical Education courses, about sports initiation, the ideal age to start in sports and the methodological processes of teaching, verifying relationships with technicist or interactionist methodologies. A questionnaire was sent to twenty-eight Physical Education teachers who teach in higher education. The teachers answered the questionnaire constructed by the researchers, with open questions that sought to identify information about what these teachers think about the methodological characteristics of teaching and learning in sports initiation. After data collection, the responses were grouped according to themes and similarities, so that they could then be analyzed qualitatively. There were three different definitions for sports initiation: simplistic (stereotyped view of sports initiation), reduced to content or meaning (preceding sports specialization) and the complex view of the phenomenon. Regarding the age to start, opinions differ between childhood and at any time, covering late sports initiation. All teachers mentioned the game as the ideal teaching method, however, some still believe that the fragmentation of content is necessary. Presenting the view of teachers of Physical Education courses on sports initiation gives indications of a possible change in sports teaching methods, as there was a tendency to deal with sports initiation in a complex way, privileging interactionist teaching methods.

    Keywords: University Education. College professor. Sports initiation. Sport pedagogy.

 

Resumen

    En la iniciación deportiva se utilizan diferentes métodos, entre ellos el tradicional (tecnicismo) y las Nuevas Tendencias en la Pedagogía del Deporte (interaccionismo). El objetivo de esta investigación es presentar la visión de profesores universitarios, de cursos de Educación Física, sobre la iniciación deportiva, la edad ideal para iniciarse en el deporte y los procesos metodológicos de enseñanza, verificando relaciones con metodologías tecnicistas o interaccionistas. Se envió un cuestionario a veintiocho profesores de Educación Física que imparten docencia en enseñanza superior. Los docentes respondieron el cuestionario, con preguntas abiertas que buscaban identificar información sobre lo que estos docentes piensan sobre las características metodológicas de la enseñanza y el aprendizaje en la iniciación deportiva. Las respuestas fueron agrupadas según temas y similitudes, para luego ser analizadas cualitativamente. Existían tres definiciones diferentes de iniciación deportiva: simplista (visión estereotipada de la iniciación deportiva), reducida a contenido o significado (precedente a la especialización deportiva) y la visión compleja del fenómeno. En cuanto a la edad de inicio, las opiniones difieren entre la infancia y en cualquier época, abarcando la iniciación deportiva tardía. Todos los docentes mencionaron el juego como el método de enseñanza ideal, sin embargo, algunos todavía creen que la fragmentación de los contenidos es necesaria. Presentar la visión de los profesores de los cursos de Educación Física sobre la iniciación deportiva aporta indicios de un posible cambio en los métodos de enseñanza deportiva, ya que había una tendencia a tratar la iniciación deportiva de forma compleja, privilegiando los métodos de enseñanza interaccionistas.

    Palabras clave: Educación Superior. Profesor universitario. Iniciación deportiva. Pedagogía del deporte.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 27, Núm. 288, May. (2022)


 

Introdução 

 

    Paes, e Balbino (2009) apontam o esporte como um fenômeno sociocultural, com grande presença na vida cotidiana das pessoas, sendo manifestado em diferentes formas, seja na prática profissional, por atletas especializados, na iniciação esportiva em clubes e praças públicas, em centros de reabilitação, como forma de lazer, entre outros. A iniciação esportiva tem sido tema de interesse de pesquisadores, treinadores e professores de diversos cenários, desde a escola, projetos socioeducativos e clubes, inclusive com preocupações na formação de atletas. Mas, apesar de muitos interessados e diferentes propostas, sabemos que não há consenso em como ensinar os esportes.

 

    A iniciação esportiva é para Ramos, e Neves (2008) um “processo cronológico” de contato com novas experiências esportivas. Enquanto Galatti et al. (2017) consideram “o primeiro contato sistematizado com uma modalidade esportiva mediada por um professor-treinador responsável”, com objetivos de domínio e autonomia da prática esportiva. Já Bettega et al. (2015) caracterizam esse período como uma fase de experiências diversificadas e com objetivos formativos que envolvem o esporte, mas ao mesmo tempo vão além deste. Esse processo que já foi entendido como restrito à infância, hoje pode ser compreendido como possível também para iniciantes mais velhos, o que tem sido chamado de “iniciação esportiva tardia”. (Belli et al., 2017; Galatti et al., 2017; Silva, Galatti, e Paes, 2010)

 

Imagem 1. Para os futuros treinadores, o modelo técnico já não é o único 

conhecido, e já existem alternativas metodológicas para a iniciação esportiva

Imagem 1. Para os futuros treinadores, o modelo técnico já não é o único conhecido, e já existem alternativas metodológicas para a iniciação esportiva

Fonte: Pexels.com - Foto: Erik Santos

 

    A especialização precoce é entendida como um processo de treinamento com objetivos de rendimento e consequente participação em campeonatos em um momento em que a criança ainda não está preparada para essa demanda. Uma consequência relatada para esse fenômeno é o abandono da prática esportiva (Ramos, e Neves, 2008). Kunz (1994) vai além e indica também outros problemas como: formação escolar deficiente, a falta de diversidade no desenvolvimento que deveria ser plural, reduzida participação em atividades, brincadeiras e jogos do mundo infantil, indispensáveis para o desenvolvimento da personalidade na infância. Santana (2005) acrescenta mais alguns riscos da especialização precoce na criança: estresse de competição, saturação esportiva e lesões. Para que problemas como esses sejam evitados e/ou para que seja possível atingir os objetivos com mais qualidade, os professores de iniciação esportiva devem basear suas intervenções em conhecimentos científicos, evitando a especialização precoce.

 

    Durante o processo de iniciação esportiva diferentes métodos são utilizados. Entre eles um tradicional (tecnicista), consequência de um modelo analítico-sintético, que é construído sobre as bases do treinamento desportivo, “os professores focalizam seu trabalho no ensino de técnicas desportivas individuais e sistemas de jogos coletivos, em geral usando modelos que repetem e imitam os modelos de treinamento dos adultos com certas adaptações para as crianças” (Coutinho, e Silva, 2009, pp. 120-121). Este método apresenta algumas vantagens como: possibilita o domínio da técnica e as informações são diretas, facilitando a compreensão. Algumas desvantagens desse método são: os alunos não têm o desejo de jogar saciado, as aulas apresentam pouca motivação para alguns alunos e um alto grau de exigência para outros, as tarefas realizadas não se relacionam com a realidade do jogo (Guimarães, 2010), além de se observar que o método tecnicista “não acrescenta à criança a habilidade na solução de problemas durante o jogo”. (Borges, Santos, e Caregnato, 2016, p. 391)

 

    Em contrapartida às metodologias tradicionais, os métodos interacionistas são utilizados por professores de esportes. As propostas interacionistas apresentam como características o aluno ser o foco central das ações, o ensino além do esporte, a inclusão de todos, o jogo como método de ensino, a adaptação de materiais, regras e espaços, a resolução de problemas e a valorização do conhecimento prévio dos alunos (Hirama et al., 2014). Esses elementos estão presentes em métodos como o método Situacional, que procura desenvolver paralelamente os processos cognitivos inerentes à compreensão das táticas do jogo através de jogadas básicas baseadas em situações padrões de jogo. (Coutinho, e Silva, 2009; Guimarães, 2010)

 

    A Iniciação Esportiva Universal é um método de ensino que objetiva iniciar um processo de ensino-aprendizagem-treinamento com crianças que não têm bom conhecimento tático e ainda possuem pouco ou limitado repertório motor. Procura integrar conceitos advindos da psicologia educacional das teorias do desenvolvimento humano. Nesse método, o processo de ensino-aprendizagem-treinamento nos jogos esportivos coletivos deve ser embasado em conhecimentos teóricos (relacionados com a prática) que capacitem o aluno a melhorar seu rendimento, sendo capazes de compreender melhor o jogo, e adquirindo repertório motor necessário para jogar com qualidade. Esse desempenho ocorrerá através da compreensão e da vivência de atividades que apresentem situações do jogo que levem, tanto ao domínio dos elementos coordenativos geral-básicos (possibilitando a aquisição da técnica e servindo de apoio à decisão tática) como também ao domínio dos processos psicológicos cognitivos e sociais envolvidos tanto nas atividades que são oferecidas, quanto em processos de socialização com outras pessoas (professores, colegas de turma) e nas relações socioculturais. (Greco, e Benda, 1998; Guimarães, 2010)

 

    Esses métodos, assim como outros também fundamentados sobre as bases teóricas das teorias interacionistas, estão entre os chamados de Novas Tendências em Pedagogia do Esporte (Scaglia, Reverdito, e Galatti, 2014), que valorizam o jogo, metodologicamente partindo da concepção de que o esporte é nada mais do que um jogo em uma forma mais socializada. Nessas metodologias, prioriza-se o desenvolvimento de habilidades abertas, dando a devida importância ao contexto de jogo. Essas novas tendências procuram estimular a compreensão tática e cognitiva, bem como facilitar a tomada de decisão autônoma devido a vivência de situações o mais próximo possível da realidade do jogo. (Borges et al., 2016)

 

    Silva et al. (2020), compararam a aplicação de dois métodos diferentes em aulas de voleibol na Educação Física Escolar, um método tradicional e um método interacionista. Os autores destacaram que a tomada de decisão e o envolvimento no jogo foram mais estimulados, o que indicou que a compreensão da lógica do jogo foi sensível a mudanças, principalmente através do método interacionista.

 

    Essas teorias seguem em construção e muitos futuros professores e treinadores esportivos estão sendo formados com uma grande diversidade de informações, que muitas vezes divergem do que se é visto nos ambientes de ensino e treinamento esportivo. Assim, o objetivo dessa pesquisa é apresentar a visão dos professores universitários, de cursos de Educação Física, sobre a iniciação esportiva.

 

Pedagogia do esporte 

 

    Bento, Garcia, e Graça (1999) indicam que a Pedagogia do Esporte abarca todas as faixas etárias e envolve os diversos locais onde a prática está associada com o esporte, dessa forma, se apresenta como uma área do conhecimento que estuda o fenômeno esportivo a partir de todas as esferas em que está envolvido. Galatti et al. (2014) especificam mais o conceito ao indicar que essa disciplina está vinculada às Ciências do Esporte e pode estar relacionada a diversos objetivos que vão desde o processo de ensino até o treinamento, envolvendo não só as formas de ensinar, mas também a organização, aplicação e avaliação em diferentes contextos ou manifestações. Para Scaglia, Reverdito, e Galatti (2014) pedagogizar o esporte deve ser compreendido como um ato que, dentro do processo esportivo, leva em consideração o sujeito que aprende, estimulando a construção do conhecimento a partir do que o aluno já sabe, ampliando as possibilidades culturais e a inteligência de corpo inteiro a partir da mediação do pedagogo do esporte. Esses estudos demonstram que a Pedagogia do Esporte não discute somente sobre as metodologias de ensino dos esportes, apesar de que, segundo Costa et al. (2019), provavelmente é como essa disciplina é mais conhecida, principalmente pela quantidade de publicações que abordam o tema das metodologias de ensino.

 

    A metodologia utilizada no ensino do esporte possui grande relevância e deve apresentar relação de proximidade entre as teorias didático-pedagógicas e os objetivos do professor, resultando em uma abordagem reflexiva da forma de ensinar e alcançar essas metas. Não se trata apenas de reproduzir procedimentos, mas de estabelecer uma relação entre professor e aluno. (Scaglia, Reverdito, e Galatti, 2014)

 

    Galatti, Paes, e Darido (2010) mencionam que o esporte está ligado diretamente a duas questões, sendo elas, técnico-táticas e socioeducativas. E nenhuma delas pode ser desprezada. Paes, e Balbino (2005) propõem que deve ser cultivado um modo de pensar e agir comprometido com a condição humana das pessoas. Isso não exclui desenvolver as capacidades e ensinar as habilidades, mas vai além: a tarefa da pedagogia é favorecer o bem-estar das pessoas e a sua vida social. Ensinar e sobrecarregar o aluno apenas de conteúdos técnico-táticos, valorizando somente a destreza dos movimentos e o desempenho não permite o desenvolvimento da compreensão crítica sobre o conteúdo. Ensinar vai muito além de tornar a criança submissa às ordens e decisões do professor, é necessário tornar o ambiente esportivo democrático, onde atletas sejam formados para transformar os espaços em que estiverem inseridos, (Scaglia, Reverdito, e Galatti, 2014)

 

Metodologia 

 

    Essa pesquisa foi realizada por meio de um questionário, que segundo Marconi, e Lakatos (2017), é um instrumento utilizado para realizar a coleta de dados, constituído por perguntas que devem ser respondidas por escrito ou, no caso dessa pesquisa, sem a presença do pesquisador. O questionário poderia ser enviado e, após preenchido, deveria ser devolvido da mesma maneira, portanto, devido a maior probabilidade de retorno, foi escolhido o e-mail como forma de envio. Nesse estudo, 28 professores de Educação Física que lecionam no ensino superior no curso de Educação Física em disciplinas relacionadas ao ensino de esportes aceitaram participar, respondendo ao questionário. A Tabela 1 apresenta os dados que caracterizam a formação acadêmica dos voluntários participantes da pesquisa. A Tabela 2 apresenta a região e os estados em que os entrevistados viviam no momento da realização da pesquisa.

 

Tabela 1. Formação acadêmica dos pesquisados

Formação acadêmica

Quantidade

Pós-graduados

3

Mestrado

18

Doutorado

6

Pós-Doutorado

1

Total

28

Fonte: Autores

 

Tabela 2. Distribuição dos pesquisados por Região e Estados do Brasil

Região

Estado

Subtotal

Total

Sudeste

São Paulo

10

 

13

Rio de Janeiro

2

Espírito Santo

1

Sul

Rio Grande do Sul

3

4

Santa Catarina

1

Nordeste

Rio Grande do Norte

9

10

Alagoas

1

Centro Oeste

Mato Grosso do Sul

1

1

Total

28

Fonte: Autores

 

    Os pesquisadores enviaram um convite com o questionário via e-mail para os coordenadores dos cursos de Educação Física de todo o país e solicitaram que eles encaminhassem para os professores de seus cursos. No e-mail, todas as explicações sobre os procedimentos e objetivos da pesquisa foram fornecidas pelos pesquisadores, e nenhum dos participantes teve sua identidade divulgada, para prevenir de qualquer constrangimento, de maneira que procedimentos éticos foram seguidos durante o processo de realização da pesquisa. Todos os participantes estavam livres para aceitar ou recusar a participação, tanto no momento do envio do questionário, quanto após ter respondido.

 

    O roteiro, construído pelos pesquisadores, com questões abertas buscava identificar informações sobre a forma que os professores pensam as características metodológicas de ensino-aprendizagem na iniciação esportiva dos esportes coletivos. Dessa forma, inferindo que são esses os conhecimentos ensinados a seus alunos, futuros professores e treinadores na iniciação esportiva. Os dados do questionário foram tratados qualitativamente de forma descritiva. Todos os professores responderam a todas as perguntas, e após as análises, as respostas foram divididas em grupos a partir da similaridade dos seus conteúdos.

 

Resultados 

 

    Primeiramente, questionamos sobre o que é iniciação esportiva para os professores/voluntários que participaram desta pesquisa. Organizamos as 28 respostas em 3 grupos por características e similaridades.

 

    O primeiro grupo apresenta uma ideia identificada como Simplista sobre o processo de iniciação esportiva, tratando-a quase que de modo estereotipado, sem um sentido, como demostram as respostas: “apresentado os esportes” (Voluntário 3), “aproximação de indivíduos a determinados conhecimentos da cultura corporal” (Voluntário 21), “aprendizagem de um determinado esporte” (Voluntário 28) e “contatos da criança com o esporte” (Voluntário 2).

 

    O segundo grupo, identificado com o pensamento Reducionista, que segundo Paes, e Balbino (2005) “despreza dimensões sensíveis como a moralidade, a afetividade, a sociedade e privilegia a dimensão racional (avaliação e treinamento); tem uma tendência à especialização precoce; elege a competição como o principal referencial de avaliação”. Esses foram agrupados de duas formas: o Reducionista 1, este restringindo o fenômeno esporte a uma característica apenas (conteúdos), como “a iniciação esportiva é onde você desenvolve e amplia o Vocabulário motor” (Voluntário 9), “preparar a criança ou adolescente aos fundamentos” (Voluntário 10). Essas frases dos professores indicam que todo o processo está reduzido a uma característica (conteúdo). A segunda forma, Reducionista 2, é caracterizada assim pois reduz o processo a um único significado, por exemplo, escolher uma modalidade, ou “decisão pela prática de uma modalidade específica” (Voluntário 1). Neste grupo vemos que a ideia de iniciação esportiva é reduzida a um conteúdo, como aprender habilidades motoras, ou a um significado, apenas como sendo a fase que antecede a especialização esportiva.

 

    Já no terceiro grupo, identificado como sendo de pensamento Complexo, a ideia da iniciação esportiva é o início de um processo de aprendizagem que leva a pessoa a se relacionar com o esporte, possibilitando diferentes cenários, objetivos e/ou significados. Temos frases como “o entendimento e respeito a regras técnicas e táticas, assim como os princípios éticos, de cidadania e de coletividade.” (Voluntário 6), “é o princípio da base da prática esportiva com direcionamento para o aprendizado, lazer ou até mesmo futuras competições” (Voluntário 8). Todas essas são uma visão complexa da iniciação esportiva, entendendo o esporte como um fenômeno heterogêneo, sociocultural e plural. (Galatti et al., 2018)

 

    Para a segunda questão, dividimos as respostas em dois grupos, seguindo as características similares de cada resposta, onde questionamos os professores sobre qual o momento ou período ideal para a iniciação esportiva.

 

    O primeiro grupo entende que a iniciação esportiva deve ser iniciada na infância, eles compreendem que o período ou momento ideal da iniciação esportiva em esportes coletivos deve ser iniciado entre os 6 e 7 anos, mas com algumas divergências, pois alguns afirmam que este período deve-se começar em alguns esportes aos 4 ou 5 anos, e outros que se deve iniciar o quanto antes “quanto mais cedo melhor” (Voluntário 19), frase do voluntário. Entendemos que vários voluntários tomaram o cuidado para não expor seu real entendimento, contudo sua explicação reflete o pensamento de uma visão ao treinamento, performance e alto rendimento.

 

    Apesar de encontrarmos respostas que indicam que a idade para a iniciação esportiva de esportes coletivos não deve ser estipulada, como esta que diz “Estipular um momento ideal é controverso” e continua dizendo, “no entanto, o princípio da aprendizagem motora, cognitiva e sócio afetiva nos obriga a declarar que o quanto antes for iniciado o aluno, melhor será desenvolvido” (Voluntário 22), os voluntários, em momento algum mencionam a iniciação esportiva tardia – momento em que o acesso sistematizado a uma nova prática esportiva ocorre na idade adulta (Silva, Galatti, e Paes, 2010) – ou dão a entender que possa ser iniciada em qualquer idade.

 

    Já o segundo grupo entende que a iniciação esportiva pode ocorrer em qualquer momento. Neste, dos 28 professores apenas 3 mencionam e defendem a ideia de que o momento ou período ideal para a iniciação esportiva em esportes coletivos possa ser em qualquer momento/período ou faixa etária, não sendo controversos em suas explicações, como o exemplo anterior. Estes compreendem que qualquer um, a qualquer momento, pode sim, ser iniciado ao aprendizado de um esporte, citamos o exemplo “Temos experiências com pessoas com mais de 40 anos que se encontraram iniciando sua aproximação e adesão às práticas esportivas” (Voluntário 20).

 

    Na terceira questão encontramos que entre os 28 professores/voluntários desta pesquisa, quando perguntados sobre quais as características metodológicas para o ensino da iniciação esportiva de esportes coletivos que os mesmos compreendem como o melhor e/ou ideal, todos os pesquisados mencionam o jogo como método de ensino de alguma forma, seja como forma principal ou secundária de ensino. Foram citadas metodologias como: Iniciação Esportiva Universal de Greco, e Benda; Escola da Bola de Kroger, e Roth; Teaching Game For Understanding (TGFU).

 

    Agora, na quarta questão, perguntamos aos professores como eles consideram os aspectos táticos, técnicos, preparação física, psicológicos, emaciais e motivacionais no processo de iniciação esportiva de esportes coletivos. Analisando as respostas, percebemos que houve uma confusão entre iniciação esportiva e especialização esportiva, sendo que algumas respostas fugiram totalmente do contexto e foram descartadas, as demais foram divididas em dois grupos.

 

    O primeiro tem a ideia de desenvolver os aspectos apresentados de modo separado, fragmentado, os voluntários dizem que os aspectos mencionados devem ser trabalhados de forma separadas/individual, sendo que para cada aspecto deve haver um método de trabalho “envolve várias etapas, e todas elas têm que ser trabalhado individualmente” (Voluntário 14), todos concordam com a importância desses aspectos a serem trabalhos e não ignorados. Temos aqui uma contradição com as respostas apresentadas na questão 3, pois nenhum dos voluntários havia defendido ou citado a metodologia tecnicista, já nesta questão 4, quando perguntados sobre como considerar os aspectos citados, temos 5 voluntários dizendo para trabalhar cada aspecto de forma individual.

 

    O segundo grupo pensa o desenvolvimento dos aspectos apresentados de forma unida, contextualizada. Neste, os professores lidam com os aspectos que nós apresentamos a eles de maneira unida, integrada, “conjunta e simultânea” (Voluntário 6), as respostas apresentadas neste grupo utilizam o jogo como forma principal, trabalhando os aspectos citados durante o jogo, e são coerentes em suas respostas e afirmações.

 

    Na quinta questão, que colocamos de modo opcional aos professores/voluntários, sendo: “Se achar conveniente ou necessário mais alguma informação que não foi abordada nas questões anteriores, fique à vontade para apresentar essas ideias”, os professores que responderam a esta questão foram poucos, sendo a maioria das respostas a complementar com as anteriores. Dentre essas separamos duas para serem apresentadas, devido ao seu conteúdo ter acrescentados novas informações em relação as perguntas anteriores. A frase de Paulo Pimentel citado por um dos professores da pesquisa “Não forme apenas atletas, forme também homens consciente de seus direitos e deveres” (Voluntário 9). Por fim, um dos professores relatou o seguinte: “As dimensões humanas mais sensíveis perderam espaço na iniciação esportiva, provavelmente pelo desejo constante da descoberta de talentos ou da supervalorização da competição esportiva e todos os aspectos financeiros inerentes.” (Voluntário 6).

 

Discussão 

 

    O presente estudo teve como objetivo compreender as opiniões dos professores de graduação em Educação Física sobre a iniciação esportiva. As respostas dos voluntários foram variadas e até ambíguas, apresentando opiniões diferentes sobre os temas abordados pelas perguntas.

 

    Métodos de ensino que demonstravam tendências tanto para o tecnicismo, quanto para o interacionismo, foram citados pelos professores nesse estudo. Através de entrevista semiestruturada, Motato, e Quilindo (2021) analisaram a metodologia de ensino de treinadores de futebol na Colômbia. Os autores identificaram que métodos de ensino variados são aplicados, porém, o tecnicismo foi o mais observado, em conjunto com exercícios competitivos e de objetivos táticos. A adoção desse estilo de ensino misto teve relação com o interesse competitivo dos treinadores.

 

    Nesse estudo, nenhum dos pesquisados deu a entender ou defenderam que a metodologia tecnicista deva ser o modelo de ensino, e isto é um dado significativo, mostrando que o modelo tecnicista não é mais o único conhecido, que já existem alternativas metodológicas para a iniciação esportiva, sendo ensinados a futuros treinadores.

 

    Considerando que todos os pesquisados lecionam no ensino superior, é possível dizer que os futuros profissionais de Educação Física não terão somente o modelo tecnicista como referência para suas aulas, e sim metodologias que visam o jogo. Com isso, ao longo dos tempos as Novas Tendências em Pedagogia do Esporte podem ser cada vez mais disseminadas.

 

    Porém, os futuros treinadores não terão como referência somente as aulas de seus professores da graduação, pois suas experiências como alunos/jogadores antes de sua formação profissional também são relevantes nas suas escolhas metodológicas (Tardif, 2014). Não é possível afirmar que esse grupo de professores que participaram da pesquisa não ensinarão também o modelo tecnicista, mas é possível inferir que as propostas baseadas nas Novas Tendências em Pedagogia do Esporte provavelmente serão cada vez mais difundidas.

 

    Apesar de não considerarem como a melhor opção, alguns professores relataram estratégias tecnicistas. Ao pensar que o jogo é um todo, e que vamos fragmentar o mesmo para ensinar aspectos de forma individual e isolada, temos aqui uma das principais características do modelo tecnicista, onde se deve ensinar parte do jogo de forma separada. Segundo Scaglia (2011) fragmentar o todo em partes, ou seja, ensinar o jogo a partir de dos fundamentos técnicos é uma estratégia pedagógica de um professor tecnicista. Nesse caso, as partes são trabalhadas de forma descontextualizada, com o objetivo de automatizar o movimento.

 

    Os professores participantes dessa pesquisa apresentaram opiniões divididas sobre os objetivos da iniciação esportiva como algo superficial, reducionista ou complexo. Alertamos que considerar a iniciação esportiva a partir de uma visão superficial ou reducionista pode direcionar o processo para a especialização esportiva precoce.

 

    Com o objetivo de identificar as categorias ideais para a iniciação e especialização em categorias específicas no basquetebol, Vieira, dos Santos, e Menezes (2021) entrevistaram três treinadores. Os pesquisadores observaram que a especialização esportiva precoce é uma preocupação comum, e que a especialização deve levar em consideração os fatores morfológicos, biodinâmicos e pedagógicos, sendo o momento ideal, entre as categorias sub-16 e adulta.

 

    Reduzir a iniciação esportiva somente ao ensino-aprendizado de fundamentos ou de um único esporte pode arriscar que o processo tenda à especialização precoce. Essa prática especializada das habilidades de um determinado esporte quase sempre resulta no abandono da prática. Román, Pinillos, e Robles (2018) analisaram a carreira esportiva e as taxas de evasão de 10 melhores atletas de diferentes modalidades da Royal Spanish Athletics Federation. No estudo, todos os participantes tinham entre 14 e 19 anos em 2004, porém, 10 anos depois, houve uma redução significativa na quantidade de atletas nas classificações mais altas do ranking. De 1144 atletas verificados no início do estudo, 1100 haviam desistido em 2014, demonstrando como o sucesso na juventude não garante o alto desempenho na idade adulta, questionando a especialização esportiva precoce.

 

    Coté, Baker, e Abernethy (2007) demonstram como a diversificação nos anos de iniciação esportiva é importante para evitar o abandono da prática. Segundo os autores, experimentar uma iniciação diversificada entre os 6 a 12 anos, com volume considerável de jogo deliberado (atividades intrinsecamente motivadoras, que fornecem gratificação imediata e são especificamente projetadas para maximizar o prazer), redução de prática deliberada (qualquer atividade realizada com o propósito específico de melhorar o desempenho) e vivência de modalidades esportivas variadas mantêm o indivíduo engajado no esporte, podendo optar entre uma prática esportiva recreativa na adolescência e vida adulta ou por um processo de especialização esportiva, progredindo para a ênfase em uma modalidade, entre os 15 a 17 anos, com redução do jogo deliberado até o possível ingresso no alto rendimento. Esses dois caminhos, provenientes da diversificação na iniciação, levarão a benefícios psicossociais e físicos semelhantes.

 

    Entretanto, os mesmos autores advertem sobre o maior risco de evasão caso a especialização esportiva seja realizada de maneira precoce, com alto nível de prática deliberada já a partir dos 6 anos de idade, reduzindo a oportunidade de experienciar jogos e brincadeiras e concentrando o foco da criança em uma modalidade esportiva. Essa trajetória pode resultar em prejuízos para a saúde física (como lesões, por exemplo) e no prazer pelo esporte.

 

    O treinamento especializado também pode resultar em outros problemas, como: formação escolar deficiente, unilateralização de um desenvolvimento que deveria ser plural, reduzida participação em atividades da cultura infantil, estresse de competição, saturação esportiva e lesões. Esses efeitos podem não se manifestar diretamente, mas ao longo dos tempos. (Ramos, e Neves, 2008)

 

    Freire (2011) apresenta quatro princípios norteadores para a Pedagogia do Esporte, sendo: (1) Ensinar Esporte a todos: o professor deve possibilitar que todos seus alunos aprendam esporte, seja orientando aqueles que possuem fatores genéticos que favorecem a prática a jogar cada vez melhor, ou proporcionando aos menos habilidosos conhecimentos para jogar e ter acesso a prática esportiva; (2) Ensinar bem esporte a todos: o professor deve ensinar bem, de modo que o aluno seja capaz de expressar habilidades para praticar o esporte com qualidade; (3) Ensinar mais que esporte: o indivíduo que vivencia um meio esportivo aprende a conviver em grupos, a construir regras (e não somente construir, mas discutir e até a discordar dessas regras, podendo reconstruí-las), experimenta situações que contribuem para o seu desenvolvimento moral e social. O professor deve conversar com a criança sobre a aula, desafiá-la, estimular sua criatividade e inteligência; e (4) Ensinar a gostar do esporte: cabe ao professor tornar o processo de ensino-vivência-aprendizagem algo prazeroso, para que essas aprendizagens sejam transferidas para a vida dos alunos. Assim, compreendemos que o esporte é um fenômeno complexo e não se deve abrangê-lo de forma superficial, como se a iniciação esportiva fosse somente apresentar esportes a crianças.

 

    Sobre a idade de inserção na prática, as respostas também ficaram divididas entre aqueles que concordavam com a infância sendo o melhor momento e os professores que defendiam também a iniciação esportiva tardia. A inserção na prática esportiva pode ocorrer, tanto para crianças e adolescentes, quanto adultos e idosos (Belli, e Galatti, 2021). Sendo assim, não é ideal limitar uma idade para as pessoas iniciarem sua prática esportiva.

 

Conclusões 

 

    Saber o que pensam os professores universitários, formadores das próximas gerações de professores e treinadores esportivos, sobre o ensino dos esportes ajuda a refletir sobre a formação desses novos profissionais, assim, ao apresentar a visão dos professores dos cursos de Educação Física sobre iniciação esportiva pode-se observar indícios de uma possível mudança nos métodos de ensino de esportes.

 

    Mesmo que ainda seja notável uma visão simplista e/ou reducionista do processo de iniciação esportiva, há também uma visão complexa que se revela nas respostas. Além disso, de forma expressiva, nenhum dos sujeitos da pesquisa indicaram que defendem o modelo analítico ou metodologia tecnicista, pelo contrário, demonstraram que conhecem outros modelos e metodologias, o que, provavelmente, pode-se indicar que as Novas Tendências em Pedagogia do Esporte serão mais disseminadas entre os futuros professores de Educação Física.

 

    Contudo, apesar de demonstrarem compreender a iniciação esportiva e sua complexidade, poucos professores consideraram a iniciação esportiva tardia, um fator que não pode ser menosprezado entre os profissionais, visto que um indivíduo pode iniciar em uma prática esportiva quando adulto, fato que deveria ser discutido nos cursos de graduação em Educação Física.

 

    Uma limitação em nossa pesquisa, foi não termos verificado como são as aulas, ou as ementas das disciplinas nos cursos em que esses professores lecionam, possibilitando que as respostas tenham sido relacionadas ao que acham que os pesquisadores gostariam de ouvir e não o que realmente fazem. Apesar disso, as respostas apontam para um conhecimento que eles têm, mesmo que não seja essas suas práxis.

 

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