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ISSN 1514-3465

 

A pandemia da COVID-19 e a educação na Bahia, Brasil

COVID’s-19 Pandemic and Education in Bahia, Brazil

La pandemia de COVID-19 y la educación en Bahía, Brasil

 

Roberto Gondim Pires*

gondim.robeto@gmail.com

Aline Gomes Machado**

liumaxado@hotmail.com

 

*Possui graduação em Educação Física

pela Universidade Federal da Bahia

Especialista em Metodologia do ensino da Educação Física pela UESB

Mestre em Educação: História, Política, Sociedade

pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Doutor em Educação: Gestão e Política da Educação pela UFBA

Autor do livro na área de História de Educação Física na Bahia

Avaliador Institucional do INEP para avaliação

in loco de Cursos e de Instituição de Ensino Superior

Professor Pleno da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, instituição

que exerceu por três vezes o cargo de Coordenador do Colegiado

do Curso de Educação Física e de Diretor do Departamento de Saúde

Membro do grupo de pesquisa CORPORHIS: Corpo, história e cultura, cadastrado

no diretório de grupos de pesquisa do CNPQ

**Doutoranda em Educação pela Universidade Federal da Bahia

Mestra em Educação pela Universidade Federal da Bahia

Licenciada em Educação Física pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Membro pesquisador do Grupo CORPO/UFBA

(Brasil)

 

Recepção: 06/10/2020 - Aceitação: 27/09/2021

1ª Revisão: 06/05/2021 - 2ª Revisão: 13/09/2021

 

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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Pires, R.G., e Machado, A.G. (2021). A pandemia da COVID-19 e a educação na Bahia, Brasil. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(283), 193-203. https://doi.org/10.46642/efd.v26i283.2623

 

Resumo

    Este estudo objetiva avaliar as movimentações educacionais frente à quarentena social em razão da COVID-19 no Brasil e seus impactos observados no Estado da Bahia, refletindo sobre a complexidade que os achados nos revelam. Trata-se de um estudo descritivo, onde se combina a sistematização das informações descritas pelas normativas educacionais com debates entre entidades e profissionais da educação. As informações foram coletadas por meio de acesso eletrônico e cotejadas também em espaços normativos como Conselho Estadual de Educação e Fórum Estadual de Educação. Elegemos iniciativas educacionais aleatoriamente para análise dos dados gerais. Os resultados revelaram uma crescente desorganização das redes e escolas frentes às normativas, sobretudo pela ausência de uma coordenação nacional que imprimisse uma lógica de funcionamento para esse período.

    Unitermos: Educação. Ensino. Pandemia.

 

Abstract 

    This study aims to evaluate educational movements in the face of social quarantine due to COVID-19 in Brazil and its impacts observed in the State of Bahia, reflecting on the complexity that the findings reveal to us. It is a descriptive study, which combines the systematization of the information described by the educational standards with debates between educational entities and professionals. The information was collected through electronic access and also contained in normative spaces such as the State Education Council and the State Education Forum. We chose educational initiatives at random to analyze the general data. The results revealed an increasing disorganization of the networks and schools facing the norms, mainly due to the absence of a national coordination that would print a logic of functioning for that period.

    Keywords: Education. Teaching. Pandemic.

 

Resumen

    Este estudio tiene como objetivo evaluar los movimientos educativos frente a la cuarentena social por COVID-19 en Brasil y sus impactos observados en el Estado de Bahía, reflexionando sobre la complejidad que revelan los hallazgos. Se trata de un estudio descriptivo, que combina la sistematización de la información descrita por la normativa educativa con debates entre entidades educativas y profesionales. La información fue recolectada a través del acceso electrónico y también cotejada en espacios normativos como el Consejo Estatal de Educación y el Foro Estatal de Educación. Elegimos iniciativas educativas al azar para el análisis de datos generales. Los resultados revelaron una creciente desorganización de las redes y las escuelas frente a la normativa, principalmente por la ausencia de una coordinación nacional que señalara una lógica de funcionamiento para ese período.

    Palabras clave: Educación. Enseñanza. Pandemia.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 283, Dic. (2021)


 

Introdução 

 

    Renato Janine Ribeiro (2017), ex-ministro da Educação do Brasil, em palestra proferida no município de Jequié-BA, vaticinou: “ignorância, diferente da doença, não provoca dor”. Talvez estejam aí os atrasos e eternos recomeços, muitas vezes sem protocolos e distantes das realidades, de muitas políticas em Educação em nosso país. Claro que é preciso com coragem descortinar algumas certezas e imprimir debates que produzam efeitos e se constituam políticas educacionais. Dados dispostos pelo INEP (2018), a respeito no censo escolar anual, indicam que as matrículas da rede pública estadual da Bahia reduziram de 1.356.940 alunos, em 2007, para 834.936 em 2018, correspondendo a uma queda percentual de 38%. Já nos municípios baianos a situação não é diferente, ou seja, uma redução de 20%. Os números são alarmantes, a Bahia perdeu mais de um milhão de estudantes no espaço temporal de doze anos. É imperioso encontrar as raízes, razões e respostas para tamanho fenômeno. Olhar esses dados com naturalidade talvez seja condenar mais adolescentes, jovens, adultos e idosos ao mesmo destino. As questões que ficam são: para onde eles foram? Por que evadiram? Quais estratégias são necessárias para modificar essa realidade? Qual modelo de escola seria necessário para garantir a sua continuidade nos estudos?

 

    Estes dados recentes sobre a evasão escolar na Bahia apenas compõe um cenário objetivo que revela uma teia de problemas complexos a serem enfrentados. A pandemia da COVID-19 está permitindo conjugar aspectos históricos da educação com questões ainda não enfrentadas com a profundidade que deveria: ensino remoto; conectividade do estudante; formação do professor para esse novo tempo. Enfim, o estudante enquanto pessoa e não só como um número nas matriculas, apenas. Certamente teremos muito mais efetividade na implementação das políticas educacionais na medida em que conhecermos a realidade vivida por nossos estudantes.

 

    Inevitável, neste instante, recorrer a uma reflexão extraída de 1935, do patrono da Educação baiana, Anísio Teixeira, para situar o que considerava ser a função da escola:

    [...] só existirá uma democracia no Brasil no dia em que se montar, no Brasil, a máquina que prepara as democracias. Essa máquina é a da escola pública. Mas, não a escola pública sem prédios, sem asseio, sem higiene e sem mestres devidamente preparados e, por conseguinte, sem eficiência e sem resultados. (Teixeira, 1997, p. 230)

    Barros (2019, p. 02) nos apresenta outra questão central, neste momento de intenso debate sobre a realidade da educação nacional: “sabemos o que nossos estudantes estão aprendendo?”. Estas e diversas outras questões precisam ocupar nossas tarefas, falar de transparência, coletividade, regime de colaboração devem ser práticas cotidianas verdadeiras. Se assim for, recomeçaremos bem e esse procedimento nos fará vislumbrar outra prática que seja capaz de nos trazer na subjetividade e no espírito um ânimo, um entusiasmo.

 

O cenário é preocupante 

 

    A Organização das Nações Unidas (O Globo, 2020) aponta que estamos diante de uma catástrofe geracional. São mais de 1 bilhão de estudantes fora da escola em todo o mundo. Certamente muitos ficarão para trás. Este parece ser o grande dever de casa: criar estratégia para que nem aluno fique “desconectado” da escola. O coração de todo docente deve/deveria estar sentindo-se constrangido ao pensar nos milhares de estudantes na ociosidade, sem informação e orientação, excluídos completamente dos processos, para que não ocorra o que Paulo Freire (2014) afirma ser a exclusão total dos brasileiros que apenas tem a obrigação de contar seus dias de vida. Precisamos com o vigor que o momento merece, demarcar a importância da resistência da educação e apontar para a necessidade de defender a qualidade com equidade e isto tem muito a ver com as formas de acesso, levando a sério as alternativas, mesmo que reconhecidamente imperfeitas, sem dúvidas na perspectiva de redução de danos.

 

    A pandemia por COVID-19 abre, sim, uma oportunidade única de nos repensarmos enquanto humanidade, isso inclui pensar que tipo de educação queremos. Neste sentido, é imperativo concordar com Paulo Freire (2004), quando defende que “educar exige bom senso”, entre outras coisas. Se a pandemia nos leva ao óbvio da crise sanitária, nos expõe às problemáticas objetivas da educação e da sociedade, também tem evidenciado problemas tangenciais(acesso à Internet, disponibilidade de dispositivos eletrônicos; local adequado para o estudo, acompanhamento familiar, dentre tantos outros que afetam diretamente o desenvolvimento educativo. Assim, Maia, e Dias (2020, p. 546) asseveram que

    ...não podemos esquecer que saúde física e saúde mental andam juntas. A duração prolongada do confinamento, a falta de contato pessoal com os colegas de classe, o medo de ser infectado, a falta de espaço em casa – torna o estudante menos ativo fisicamente do que se estivesse na escola e a falta de merenda para os alunos menos privilegiados são fatores de estresse que atingem a saúde mental de boa parte dos estudantes da Educação Básica e das suas famílias.

    É uma pena a interrupção do caráter socializante da escola, e o pior, é observarmos tratamentos de normalidades em um período de excepcionalidade. O desafio de implementar alternativas pedagógicas nesse período pandêmico, deveria ser pedagógico no sentido da necessidade de uma ruptura com essa educação de práticas em sua maioria instrucionistas. Fala-se quase exclusivamente do ensino dos conteúdos, ensino lamentavelmente quase sempre entendido como transferência do saber. Avaliamos que uma das razões que explicam esse descaso em torno do que ocorre no espaço-tempo da escola [...] vem sendo uma compreensão estreita do que é educação e do que é aprender. (Freire, 2004, p 17)

 

    Neste sentido, temos diversos fatores que têm contribuído e muito para as dificuldades em encontrar e construir novos caminhos para a educação, sobretudo a da rede pública. Enquanto os filhos e filhas daqueles que controlam os meios de produção seguem firmes em seus estudos nos grandes conglomerados de escolas privadas, os filhos e filhas da classe popular e trabalhadora, sofrem com as limitações impostas pelo contexto e por um sistema educacional desestruturado. A falta de coordenação nacional da educação, com ausência de políticas que pudessem ao menos amenizar parte dos desafios impostos pelo atual contexto, expõe as fragilidades do tão propagado regime de colaboração. Apesar dos inúmeros esforços que estão sendo realizados pelos municípios, suas escolas, professores e professoras, estudantes e seus familiares, a ausência de políticas emergenciais de apoio financeiro para os investimentos necessários em conectividade, compra de equipamentos e materiais, reforma e adequação dos espaços escolares, e apoio para desenvolvimento de programas de formação continuada e de aprendizagem, contribui ainda mais para o agravamento das desigualdades socioeducacionais.

 

    Neste contexto, compreendemos que a pandemia da COVID-19 nos revelou muito mais do que as dificuldades de conectividades digitais nas escolas e nas comunidades, isso era possível supor, o dramático é perceber a distância abissal de relacionamentos entre as escolas e as famílias. Construído o cenário, este estudo objetiva avaliar as movimentações educacionais no Estado da Bahia frente à quarentena social em razão da pandemia por COVID-19, refletindo sobre a complexidade da efetivação do processo educativo, que acumula problemas históricos e soma-se com as restrições impostas para o momento. Trata-se de uma pesquisa com abordagem de cunho descritivo. Os estudos descritivos indicam fatos e fenômenos de determinada realidade. A maioria das análises realizadas no campo da educação é descritiva, tendo como foco essencial o desejo de conhecer as escolas, as reformas curriculares, os métodos de ensino, os professores, a educação para o trabalho e os problemas escolares (Triviños, 1987). Como procedimento, combinamos a sistematização das informações descritas pelas normativas educacionais com debates entre entidades e profissionais da educação.

 

Lá vem o Brasil descendo a ladeira: diagnóstico da realidade das fragilidades “revelada” no âmbito da Educação 

 

    O contexto pandêmico tem apontado que o maior desafio da educação nesse período, sobretudo na rede pública, está em fazer as escolas chegarem aos estudantes, seja via tecnológica, seja por outros meios, como: entrega de apostilas com conteúdo/atividades aos estudantes; utilização de rádios comunitárias; utilização de canais públicos de televisão, dentre outros. Portanto, advogamos a permanência do vínculo das escolas com os estudantes, impedindo que a inatividade das atividades pedagógicas possam agravar dois problemas que se complementam: o retrocesso da aprendizagem dos estudantes e a ampliação da evasão escolar. A busca de alternativas educacionais, neste momento, não pode ser entendida como abrir mão da defesa do ensino presencial como prioritário, portanto, pensar na continuidade das atividades pedagógicas, na medida do possível, está longe de pensar necessariamente em validação de carga horária por meio de atividades remotas.

 

    Como aponta Gadelha (2017), a crise que hoje se abate sobre a educação não é recente. É fruto de uma política deliberada de desmonte, implementada desde os acordos MEC-USAID, cujo ideário a favor dos mercados foi sendo gradativamente implantado no país a partir de 1965. Deste modo, lidamos com problemas atuais devido à crise sanitárias, mas também com problemas enraizados no sistema educacional. A continuidade é vislumbrada como forma de conservar, se é que existia de fato, o pertencimento do estudante com a escola. Talvez essa aí seja a grande oportunidade de estabelecer uma efetiva comunicação com as famílias e isso, por certo, permitirá conhecer a nossa, às vezes, difícil realidade que não conhecíamos ou considerávamos melhor não conhecer. Reconhecemos a Educação como a atividade mais humana que existe, a sua prática permite aos povos apropriação e compartilhamentos de cultura e isso nos favorece viver em comunidade.

 

    A reflexão possível até aqui é que estamos experimentando o preço da desigualdade e na educação essa realidade é muito mais desafiadora. Demonstrando de forma visível o que não se podia observar na agenda da política educacional. Vejamos, o que nos mostra a pesquisa TIC Educação realizada em 2019: 39% dos estudantes de escola pública urbanas não têm computador ou tablete 26% dos estudantes de escolas públicas só tem acesso à internet pelo celular. Mais da metade dos Estados brasileiros têm domicílios com menos de 60% de acesso à conexão digital, via banda larga, e tantas outras disparidades (Educação, 2019). Se toda essa problemática cria inúmeras dificuldades para segmentos com percursos educativos regulares, podemos dimensionar que estes desafios se amplificam se pensarmos programas especiais, como é o caso da educação de jovens e adultos (EJA) ou educação do campo.

 

    O critério de verdade revelado nos indicadores educacionais mostram que grande parte de nossos estudantes já não estava aprendendo antes dessa tragédia na saúde. As provas Brasil,que compõe o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) produzem diagnóstico, em larga escala, desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP/MEC). Têm o objetivo de avaliar a qualidade do ensino oferecido pelo sistema educacional brasileiro a partir de testes padronizados e questionários socioeconômicos revelam sobre conteúdos e, pelas assimetrias sociais, deduzimos que nem as dimensões socioemocionais, também. A verdade é que estávamos operando o que dizíamos combater, ou seja, com uma escola que não deixou claro a sua luta pela justiça social. A pandemia só escancarou e, verdadeiramente, ela permitiu visualizar o que antes parecia não ser tão nítido, a diferença social abissal que temos em nossas escolas. Vimos com mais nitidez a tamanha desigualdade local/regional/nacional.

 

    Os índices educacionais da Bahia, segundo INEP (2017), são reveladores: estamos entre os piores IDEB do Brasil; a proficiência média nas escolas municipais e estaduais é de apenas 24% em 2017. Em uma progressão do mesmo estudo (INEP, 2018) na rede estadual a nossa distorção idade/ano, em 2018, era de 32% nos anos iniciais do Ensino Fundamental (EF), 50% nos anos finais do EF e 48% no Ensino Médio (EM); na rede Municipal os números também não são animadores, 25% nos anos iniciais (EF), 44% nos anos finais (EF) e 48% no EM; em 2018, o abandono médio na rede estadual foi de 5,6% e na rede municipal de 7,1%.

 

    Por outro lado, observamos que os problemas da educação brasileira não reside só na esfera pública, revelada em seus indicadores e nas suas estruturas. Barros (2019), constata que mesmo as melhores escolas privadas do Brasil comparadas com as melhores escolas privadas do mundo na avaliação do exame interacional do PISA (da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, OCDE), fica no último pelotão, 60ª posição. A conclusão que podemos fazer é que “até a elite no Brasil aprende pouco na escola” (p. 10).

 

    A lógica da professora Macaé Evaristo, em conferência realizada para o Conselho Estadual de Educação da Bahia em 2020, é incômoda: “se não pode para todos, não temos alternativas”. É ético proceder de forma diferente? Não considerar esse quadro só reforçaríamos a lógica de ampliar o poço da desigualdade, afinal, continuamos compreendendo que nenhuma mudança é espontânea. Precisamos demarcar a importância da resistência da educação e apontar para a necessidade de defender a qualidade com equidade e isto tem muito a ver com as formas de acesso, pois “qualidade para poucos não é qualidade, é privilégio”. (Gentilli, 1995, p. 177)

 

Legislação brasileira e a pandemia da COVID-19 

 

    No que tange à educação à distância (EAD), importante sinalizar que existem regramentos específico, disciplinado na Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) indicando o uso dessa modalidade no Ensino Fundamental, como “complementação da aprendizagem ou em situações emergenciais” (ver Artigo nº 32, § 4º). Quatro artigos da Lei citam as possibilidades para o ensino formal e particularmente o artigo nº. 80 institui normativa definindo que as três esferas de governo (Federal, Estaduais e Municipais) ficarão responsáveis por promover a EaD. Caracterizando a proposta atual, o Decreto nº 9.057/2017 prevê como “[...] modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatível, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos” (LDB, 2016)

 

    No sentido de compreender e refletir sobre a EaD, Martins, e Mill (2016) ressaltam que EaD foi criada com a intenção de promover o ensino e a formação continuada, almejando a democratização e o acesso ao conhecimento para todos, em todos os lugares. Há que se considerar, contudo, que, em um país de dimensões continentais como é o caso do Brasil, ainda há regiões que carecem de estruturas mínimas necessárias, como, por exemplo, luz elétrica, internet banda larga, entre outros suportes necessários à EaD. Desse modo, as políticas públicas ainda têm um longo caminho a percorrer para garantir a efetivação da proposta veiculada ao ensino a distância.

 

    No Brasil, a EaD passou por vários momentos históricos, desde os cursos oferecidos por correspondência até chegar o momento atual, cujos cursos são mediados através das tecnologias da informação e comunicação (TICs), principalmente, a Internet. Nesse percurso histórico, a EaD passou por cinco gerações, estando na quinta geração, que envolve o ensino e o aprendizado on-line, baseados em tecnologias da internet. Esse momento também é conhecido como Período Moderno da EaD. (Da Costa, 2017)

 

    Contudo, a realidade depõe a nosso desfavor no que se refere à efetivação de políticas públicas voltadas para a inclusão digital, sobretudo, para nossos estudantes. Segundo dados apresentados pela Rede Brasil Atual no dia 12 de abril (2020), 42% dos domicílios ainda não possuem computador, colocando em questionamento a aplicação eficiente e inclusiva da EaD. Essa modalidade prevê um planejamento muito mais estruturado e acessível a todos os estudantes, o que não se aplica nesse caso.

 

    O que tem de novo nesse cenário da pandemia da COVID-19 é uma possibilidade de deslocamento deste entendimento que ensino remoto só pode ser efetivado por meio do ensino a distância que depende do uso de tecnologias. Tanto o Conselho Nacional de Educação (CNE), quanto o Conselho Estadual de Educação da Bahia (CEE/BA), disciplinaram normativas especiais, instituindo o que passou a ser chamado de regime especial de atividade curricular. O referido regime está caracterizado na Resolução CEE/BA nº 027/2020 no Art. 2º, §1º:

    III) Forma de inclusão de múltiplas possibilidades de ferramentas de ensino, de suporte digital ou não digital, contendo ementa correspondente às finalidades, nexos didáticos que assinalem o propósito das atividades e seus desdobramentos em aprendizagens previstas, importância para patamares sucessivos de crescimento na apropriação e estruturação dos diversos saberes e possíveis elos que estruturem dois ou mais componentes curriculares legalmente instituídos.

 

    IV) Descaracterização institucional da substituição do ensino presencial por educação a distância, resguardada a cota percentual máxima, legalmente prevista para o ensino médio e para o ensino superior, e para o ensino fundamental, conforme estabelece o Art. 32, § 4º da LDB.

    Essa normatização permite a adesão das unidades escolares e redes de ensino, assim como as Universidades do Estado para fins de cômputo de carga horária letiva. Independente da introdução de novos termos, que não o EaD, como “Ensino Remoto” ou “Ensino Híbrido” e seus limites, essas novas discussões demonstram uma fragilidade na compreensão conceitual em fazer o enfrentamento aos que defendem o ensino público. No Estado da Bahia são muitas iniciativas. Depois de um ano e três meses de suspensão das aulas presenciais, um ponto foi alcançado de quase esgotamento da criatividade pedagógica para tentar ressignificar as atividades impressas, que acabaram sendo a principal estratégia para se chegar a todos os estudantes na Educação Básica.

 

    Neste momento histórico se ressente a ausência de um Sistema Nacional de Educação (SNE). É difícil conviver com sistemas se sobrepondo a outros, estabelecendo disfunções, por vezes, dramáticas. As áreas da saúde, assistência social, financeira, segurança pública constituíram seus sistemas nacionais e a da Educação ainda se encontra organizada em três sistemas.

O CNE recomenda, mas cabem aos sistemas estaduais e municipais definirem e aprovarem normativas, e essas podem ter sentidos opostos e provocar descompassos. Pode-se ver o que pode acontecer agora com o transporte escolar, por exemplo: em vários estados, inclusive na Bahia, quem transporta estudantes da rede estadual são os municípios. Muitos desses municípios continuam suas atividades de forma remota e o estado, até o final do ano 2020, ainda não havia aderido ao ensino remoto. Isto aponta para um descompasso temporal entre os currículos estaduais e municipais. Imediatamente vem a pergunta: quem transportará os estudantes da rede estadual, no período pós-pandemia? Já que existirá desencontro nos calendários. Esta é apenas uma das situações a se pensar, neste contexto.

 

    Estes impactos do descompasso, claro, rebatem também no cotidiano dos profissionais de Educação, de forma diferente, é bem verdade. Somos testemunhas de municípios cancelando contrato de professores temporários, antecipando férias sem diálogos coletivos; já assistimos docentes preocupados com a capacidade de financiamento do Estado quanto ao pagamento dos salários. Defendemos que socializar angústia, também é dividir esperança e, tomara que nós, os angustiados, revertamo-nos de esperança plena para atravessar com coragem esse grave momento que estamos passando.

 

Novo normal para educação? 

 

    Sustentamos a lógica da defesa da vida, o conteúdo escolar pode ser recuperado depois. Estamos sendo convocados para um novo tempo que vai exigir de nós um processo de auto-organização, com firmeza de propósitos, em torno de um projeto de nação mais cristalino, onde caibam todos. O pior é que estamos tendo que lutar contra o vírus e sem uma coordenação nacional que dê norte de colaboração entre os sistemas. Em um cenário pandêmico era de se esperar uma coordenação do governo federal em todas as áreas, especialmente as sociais, e a educação que não possui sistema articulado, ainda maior, mas procuraram desestruturar aquilo que existia e que permitia um maior vínculo do estudante com a escola e com a comunidade.

 

    Destacamos os Programas Mais Educação, Segundo Tempo, Saúde na Escola e os anúncios sucessivos do fim da TV Escola (podia ser de grande alcance neste período), justamente os programas com ações de abordagem de outras dimensões para além da cognitiva.

 

    Pois bem, até agora, não existem consensos nem protocolos que nos ajudem a uma orientação mais efetiva e generalizada, ponderamos nossos raciocínios analíticos com exemplos de outros lugares. Países da Europa, da Ásia e mesmo das Américas, pararam completamente as suas atividades, alguns cancelaram o ano letivo, outros apontaram para retornos graduais. No Brasil, com ausência de coordenação nacional, as indicações foram as mais variadas possíveis.

 

    Nesse cenário precisamos focar para a segurança de todos, que não dá para pensar em retorno às atividades com os números de casos de infectados subindo, ou mesmo com a manutenção de uma alta taxa de contágio. A orientação para um planejamento de retorno precisa ser observando rigorosamente os protocolos sanitários, e isso pode ser penoso, não será simples, sem abraços, sem toques, de máscaras etc. A lógica de redução de danos não pode significar o “liberou geral” para EaD ou para o exagero das atividades remotas. Precisamos entender que esse cuidado deve permear sempre, precisamos passar com clareza e assumir uma linha clara, que essa alternativa é para esse período excepcional, pois, senão, instituiremos alternativas que podem virar contra todo o processo educativo que defendemos, há muito tempo.

 

    Estamos em tempos de guerra semiótica, precisamos tomar todos os cuidados, estamos diante do perigo de validar uma lógica que pode ser usada contra todos no futuro e, sobre isso, defendemos a seguinte lógica: entender que o calendário e o ano letivo têm de ser de acordo com a pandemia. O calendário tem de ser pensado a partir da definição do retorno. Não caberá currículo escolar, nem 800 horas, nem 200 dias. Caberá apenas a excepcionalidade. Articular 2020 a 2021, olhando para 2020 e 2021 na prática, como um ano letivo só. Daí, concordamos com quem defende que é o momento de se pensar um currículo mais enxuto (flexibilizado), em que haja espaço para outras dimensões para além das cognitivas. A LDB coloca claro, nos seus artigos 29, 32 e 35 o que se deve fazer, ou ainda, como a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio devam cumprir seus papéis. Talvez seja a oportunidade para a boa transição desse nosso currículo.

 

    Nesta direção, os cuidados precisam ser redobrados na busca da garantia do direito de aprender do estudante, no sentido de reorganizarmos o nosso planejamento pedagógico curricular pelos próximos períodos letivos. Inevitavelmente o ato de viver já é gerador de aprendizagens, por isso nossa defesa pela vida em primeiro lugar neste contexto, também é uma defesa pela aprendizagem. Assim, não há que se falarem não aprendizagem neste período de realização de atividades não presenciais. Os saberes continuam sendo diferentes e não hierárquicos. Claro que, quanto ao acesso aos conhecimentos historicamente produzidos e sistematizados e quanto às aprendizagens fortalecidas pelas atividades de socialização, temos sim que ter muita atenção.

 

Conclusões 

 

    A educação, assim como inúmeros outros setores da sociedade, foi surpreendida em função da pandemia por COVID-19. Nessa travessia com muitas incertezas no percurso, foi ficando perceptível, que em que pese as adversidades, este momento apresentou diversas alternativas educativas. O Estado da Bahia que já acumulava problemas históricos: com financiamento da política educacional; com o desempenho nos indicadores educacionais dos estudantes, entre tantos outros, se viu obrigado a se movimentar para fugir de experiências repetitivas, desprovidas de significados sociais no objetivo claro de garantir o acesso à educação de seus estudantes, o ensino remoto se revelou como extremamente necessário neste contexto.

 

    Registra-se que este não é um movimento simples, alterar essa cultura representa uma reflexão que deriva da compreensão de que a educação é uma forma de intervenção no mundo, e que é preciso disputar por dentro, conscientes dos desafios. Continua sendo imperioso retirar o distanciamento com as famílias, criar mecanismos de vínculos, seja com a utilização de mecanismos tecnológicos ou outros possíveis, como a utilização de canais públicos de televisão, rádios comunitárias ou apostilas com conteúdos e tarefas entregues aos estudantes, verdadeiramente seria inconcebível minimizar e mesmo naturalizar este momento.

 

    Este deslocar de visão e de ação indica para a necessidade de uma avaliação diagnóstica como forma de melhor acolher os estudantes, sobretudo porque os estudantes não estarão retornando de período de férias e a intensidade da convivência, da realidade pode ter agregado conhecimentos, valores e atitudes. Essa leitura possível do contexto em que se encontra a educação baiana diante da pandemia da COVID-19, permite sinalizar questões que devem ser discutidas com mais profundidades, trabalhadas para que se desenvolvam estratégias de superação das dificuldades que se encontra a educação na Bahia, tanto as questões emergentes, quanto os problemas sistêmicos e históricos.

 

    A Secretária Municipal de Educação de Belo Horizonte, Ângela Dalben, vaticinou quase que um referendo ao dizer que não acha que vai ser um ano perdido, se soubermos entender e interpretar o que está acontecendo.

 

    Que a pandemia acabe logo, que voltemos com todos os nossos estudantes sedentos de saber para as salas de aulas, e assim retomemos a normalidade, ou como alguns dizem, voltemos ao “novo normal”, como se algo estivesse normal antes da pandemia na escola pública brasileira.

 

Referência 

 

Barros, D. (2019). País mal educado: porque se aprende tão pouco nas escolas brasileiras? Grupo Editorial Record.

 

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Da Costa, A.R. (2017). A educação à distância no Brasil: concepções, histórico e bases legais. Rios Eletrônica, UniRios, 12. https://www.unirios.edu.br/revistarios/internas/conteudo/resumo.php?id=217

 

Dias, E., e Pinto, F.C.F. (2020). A educação e a COVID-19. Ensaio: avaliação política pública educação, 28(108), 545-554. https://revistas.cesgranrio.org.br/index.php/ensaio/article/view/2985

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 283, Dic. (2021)