ISSN 1514-3465
Atividades Curriculares Desportivas: iniciação esportiva no ambiente escolar
Sports Curricular Activities: Sports Initiation in the School Environment
Actividades Curriculares Deportivas: iniciación deportiva en el ámbito escolar
Cleiton Cesar Guizzardi*
cleitonguiz@hotmail.com
Artur Lamesa Silva**
artmaniajau@gmail.com
Evandro Antonio Corrêa***
prof.evandrocorrea@gmail.com
*Graduação em Educação Física - Bacharelado e Licenciatura
pela Fundação Barra Bonita de Ensino.
**Graduação em Educação Física - Licenciatura
pela Fundação Barra Bonita de Ensino
Bacharelado pela Fundação Barra Bonita de Ensino
***Doutor em Ciências da Motricidade UNESP
Licenciatura Plena em Educação Física
pela Escola Superior de Educação Física de Avaré
Professor Faculdades Integradas de Jahu (FIJ)
Membro do Grupo de estudos e pesquisas históricas, sociológicas e pedagógicas
em Educação Física (GEsPEFi - Unesp-Bauru)
Membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Formação Profissional
no Campo da Educação Física (NEPEF - Unesp-Rio Claro)
Membro pesquisador Associação Brasileira de Pesquisa e Pós Graduação
em Estudos do Lazer (ANPEL)
Membro Núcleo de Estudos e Pesquisa das Abordagens Táticas
nos Esportes Coletivos (NEPATEC) - Unesp-Bauru
(Brasil)
Recepção: 13/08/2020 - Aceitação: 20/07/2021
1ª Revisão: 25/05/2021 - 2ª Revisão: 28/05/2021
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida
: Guizzardi, C.C., Silva, A.L., e Corrêa, E.A. (2021). Atividades Curriculares Desportivas: iniciação esportiva no ambiente escolar. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(282), 202-218. https://doi.org/10.46642/efd.v26i282.2531
Resumo
Este estudo objetivou identificar a relevância das Atividades Curriculares Desportivas no ambiente escolar e as relações com a Educação Física. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, utilizou-se da pesquisa documental e da técnica de revisão de literatura exploratória, com base nos bancos de dados do Scielo, Catálogo de Teses e Dissertações CAPES, Portal de Periódicos CAPES e Google Acadêmico, com levantamento quantitativo e de análise qualitativa de trabalhos acadêmicos referente a “atividade(s) curricular(s) desportiva(s)”, no período dos anos de 2000 a 2020, publicados em língua portuguesa. A partir dos dados levantados pode-se observar a promoção das Atividades Curriculares Desportivas em escolas públicas do Estado de São Paulo. Nas Atividades Curriculares Desportivas o trabalho ocorre de maneira interativa, além de vivenciar e ampliar o repertório de modalidades esportivas dos alunos, compreendendo suas regras numa perspectiva individual e coletiva, para formação integral e a preparação para o exercício da cidadania. Conclui-se que o esporte pode ser positivo na escola como conteúdo da aula de Educação Física e como modalidade das Atividades Curriculares Desportivas.
Unitermos:
Educação Física. Escola. Esporte.
Abstract
This study aimed to identify the relevance of Sports Curricular Activities in the school environment and the relationship with Physical Education. This is a qualitative research, using documentary research and exploratory literature review technique, based on Scielo's databases, CAPES Thesis and Dissertations Catalog, CAPES Journal Portal and Google Scholar, with quantitative survey and qualitative analysis of academic works referring to “sports curricular activity(ies)”, in the period from 2000 to 2020, published in Portuguese. From the data collected, it is possible to observe the promotion of Sports Curriculum Activities in public schools in the State of São Paulo. In Sports Curricular Activities, work occurs in an interactive way, in addition to experiencing and expanding the repertoire of sports modalities of students, understanding their rules in an individual and collective perspective, for the integral education and the preparation for the exercise of citizenship. It is concluded that sport can be positive in school as a content of Physical Education class and as a modality of Sports Curricular Activities.
Keywords
: Physical Education. School. Sport.
Resumen
Este estudio tuvo como objetivo identificar la relevancia de las Actividades Curriculares Deportivas en el ámbito escolar y las relaciones con la Educación Física. Se trata de una investigación de enfoque cualitativo, utilizando la técnica de investigación documental y revisión exploratoria de la literatura, basada en las bases de datos Scielo, Catálogo de Tesis y Disertaciones CAPES, Portal de Revistas CAPES y Google Académico, con relevamiento cuantitativo y análisis cualitativo de trabajos académicos relacionados con la “actividad(es) curricular(es) deportiva(s)”, en el período de 2000 a 2020, publicados en portugués. A partir de los datos recolectados, es posible observar la promoción de Actividades Curriculares Deportivas en las escuelas públicas del Estado de São Paulo. En las Actividades Curriculares Deportivas, el trabajo se desarrolla de manera interactiva, además de experimentar y ampliar el repertorio de modalidades deportivas de los estudiantes, entendiendo sus reglas en una perspectiva individual y colectiva, para la formación integral y preparación para el ejercicio de la ciudadanía. Se concluye que el deporte puede ser positivo en la escuela como contenido de la clase de Educación Física y como modalidad de las Actividades Curriculares Deportivas.
Palabras clave
: Educación Física. Escuela. Deporte.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 282, Nov. (2021)
Introdução
A Educação Física, em sua trajetória histórica, se tornou integrante do currículo escolar como um componente curricular obrigatório, passando por transformações. O cenário escolar atual, segundo Amaral, Oliveira, e Anacleto (2018, p. 175), “vem se estruturando de forma que as relações de ensino aprendizagem, palco desse cenário, propiciem um diálogo entre seus principais atores: os professores e os alunos”.
Nessa relação, a escola, seria um dos principais locais onde acontecem os primeiros contatos das crianças e adolescentes com as variadas práticas da “cultura corporal de movimento” (Betti, 1998), entre elas o esporte.
Mas deve-se evitar que a prática em determinada modalidade esportiva não se torne traumatizante e excludente e, para Rosa (2016), é necessário que a área da Educação Física amplie a discussão sobre quais valores devem balizar a prática desportiva em seus diversos contextos, principalmente no âmbito escolar e que o fenômeno esporte não seja uma ferramenta de controle e alienação do Estado ou uma fábrica de símbolos lucrativos do mercado.
Para Ferreira (2018, p. 7) pensar “o ensino do conteúdo esporte na Educação Física escolar implica em reconhecer uma intrincada teia de relações que envolve vários aspectos”. A escola, por sua vez, pode promover e ser um espaço para o fomento dos projetos de iniciação esportiva.
Assim, o Estado de São Paulo instituiu na rede pública estadual de educação, como complemento das aulas de Educação Física, no contraturno escolar, as Atividades Curriculares Desportivas (ACD), por meio da Resolução SE nº 142/2001 (São Paulo, 2001), promovida pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, em substituição das chamadas “turmas de treinamento” destinadas à prática das diferentes modalidades desportivas.
Nesse sentido, esse estudo objetivou identificar a relevância das Atividades Curriculares Desportivas (ACD) no ambiente escolar e as relações com a Educação Física.
Metodologia
O trabalho desenvolvido se caracteriza pela abordagem qualitativa, utilizando-se da pesquisa documental e da técnica de revisão de literatura exploratória, com base nos bancos de dados do Scielo, Catalogo de Teses e Dissertações CAPES, Portal de Periódicos CAPES e Google Acadêmico com levantamento para aferir o quantitativo de trabalhos acadêmicos referentes, especificamente, ao termo “atividade(s) curricular(s) desportiva(s)”, no período dos anos de 2000 a 2020, publicados em língua portuguesa.
Houve a incidência de 58 trabalhos acadêmicos (artigos, dissertações e teses), contudo, 38 desses trabalhos foram descartados, por apenas citar o termo pesquisado, sem relação direta com o objetivo dessa investigação. Os demais trabalhos (20) foram lidos na integra. E de acordo com a proposta dessa pesquisa selecionou-se 11 trabalhos acadêmicos, sendo 6 dissertações de mestrado e 5 artigos, que tratam diretamente o assunto abordado na construção do estudo sobre as ACD (Quadro 1). Cabe lembrar que 9 trabalhos descartados, nessa etapa, mencionavam as ACD com outras propostas que não cabem, nesse momento, no debate.
Quadro 1. Levantamento dos trabalhos acadêmicos
Autor(es)/ano |
Título |
Tipo |
Andreani, Moraes, Cavalieri, e Ferreira 2019 |
Os esportes coletivos na escola: reflexões sobre as
atividades curriculares desportivas. |
Artigo |
Carone
Soares 2010 |
Realidade da olimpíada colegial do estado de São
Paulo (OCESP) em relação ao discurso presente na educação física
acerca da competição escolar - estudo da região leste de Campinas. |
Dissertação
Mestrado |
Kocian 2009 |
Concentração nas olimpíadas colegiais do estado de
São Paulo: estudo de caso sobre a reclusão esportiva à luz da
psicologia do esporte. |
Dissertação
Mestrado |
Luguetti 2010 |
Práticas esportivas escolares no ensino fundamental
no município de Santos-SP. |
Dissertação
Mestrado |
Luguetti, Bastos, e Böhme 2011 |
Gestão de práticas esportivas escolares no ensino
fundamental no município de Santos. |
Artigo |
Luguetti, Dantas, Nunomura, e Böhme 2013 |
Práticas esportivas escolares na cidade de
Santos-SP: o ponto de vista dos professores/treinadores. |
Artigo |
Luguetti, Ferraz, Nunomura, e Böhme 2015 |
O planejamento das práticas esportivas escolares no
ensino fundamental na cidade de Santos-SP. |
Artigo |
Mozardo Jr. 2020 |
Atividades curriculares desportivas: o esporte
educacional e as inferências do esporte competição na legislação e
na visão dos professores e gestores. |
Dissertação
Mestrado |
Nunes 2015 |
Esporte no contexto escolar: estudo do perfil dos
professores de Educação Física que atuam como técnicos nas Olimpíadas
Estudantis do município de São Paulo. |
Dissertação
Mestrado |
Rosa 2016 |
Atividades curriculares desportivas: relações entre
o currículo oficial do Estado de São Paulo para a Educação Física e
as turmas de basquete. |
Dissertação
Mestrado |
Tani, Basso, e Silveira, Correia, e Corrêa 2013 |
O ensino de habilidades motoras esportivas na escola
e o esporte de alto rendimento: discurso, realidade e possibilidades. |
Artigo |
Fonte: Elaborado pelos autores (2020)
Para compor as reflexões dessa investigação utilizou-se de outros trabalhos com temáticas que versam sobre a Educação Física escolar, turma de treinamento e iniciação esportiva.
As Atividades Curriculares Desportivas na Escola
As práticas esportivas, segundo Andreani et al. (2019, p. 187), “realizadas fora das atividades diretamente vinculadas ao componente curricular Educação Física não são recentes nas escolas. Na década de 1970 já existiam as chamadas Turmas de Treinamento que eram voltadas para a participação em competições escolares”. Essas atividades esportivas “se estabeleceram durante o período da ditadura militar, tinham como foco o desenvolvimento da aptidão física e a descoberta de talentos esportivos, envolvendo a conquista de boas colocações nas competições nacionais e, posteriormente, internacionais”. (Andreani et al., 2019, p. 187)
Apesar dessas possibilidades para Educação Física em romper com modelos biológicos ou tecnicistas, o Estado de São Paulo com as Resoluções SE nº 14, de 18 de fevereiro de 1971 e nº 11, de 18 de novembro de 1980 trataram “da criação e regulamentação das ‘turmas de treinamento’ na Educação Física das escolas públicas estaduais de ensino fundamental e médio” (Vidal, Souza Neto, e Hunger, 2004, p. 1). De acordo com os autores, esta proposta visava “a participação dos alunos em campeonatos oficiais, olimpíadas estudantis, intercâmbios esportivos e outras formas de competição na rede escolar” (Vidal, Souza Neto, e Hunger, 2004, p. 1)
Contudo, Ferreira (2018, p. 8) chama atenção em “reconhecer que sua matriz esportiva atual, assentada no esporte de rendimento e espetáculo, precisa ser discutida e problematizada, de modo que seja possível colocar em ação uma dinâmica democrática e em defesa de valores em prol das relações humanas”. Nesse sentido, Kocian (2009) em sua pesquisa objetivou auxiliar o trabalho de professores/técnicos nas Olimpíadas Colegiais, bem como qualquer outra competição escolar esportiva, buscando uma visão mais humana do esporte da escola.
Luguetti (2010) relata que o esporte pode ser desenvolvido como um dos conteúdos da Educação Física escolar, e que tem aumentado o número de escolas que oferecem no contraturno modalidades esportivas, chamadas de práticas esportivas escolares.
Sobre o esporte na escola, segundo Ferreira (2018, p. 12), a Educação Física escolar ao ensinar esse conteúdo
[...] precisa potencializar dinâmicas que se ampliem para além da aprendizagem da realização do movimento, envolvendo debates sobre os aspectos históricos destes conteúdos, suas mudanças ao longo do tempo, questionamentos acerca de sua prática e suas implicações para a qualidade da vida das pessoas, dentre tantos outros temas. E ainda, reflexões sobre a não participação dos alunos em determinadas aulas, do respeito às dificuldades de um colega para jogar um esporte, da preocupação em incluir os estudantes nas atividades.
Esse e outros fatores devem ser considerados ao trabalhar com o esporte na escola, seja como conteúdo da Educação Física seja nas ACD. Luguetti, Bastos, e Böhme (2011, p. 244), destacam que “sendo a escola o local em que todas as crianças devem frequentar, nela, além das atividades escolares curriculares normais, outras atividades extracurriculares, artísticas e esportivas, deveriam ser desenvolvidas”.
A partir da Resolução SE nº 142/2001, estipulada pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, substituiu as anteriormente conhecidas “turmas de treinamento”, e na Resolução SE nº 4/2016 as turmas de ACD são constituídas de, no mínimo, 20 (vinte) alunos, organizadas por modalidade, categoria e gênero, e suas atividades são desenvolvidas em turno diverso ao do horário regular de aulas dos alunos envolvidos, em, no mínimo, 2 (duas) e, no máximo, 3 (três) aulas semanais, podendo acontecer no período noturno e aos sábados sem comprometimento da dinâmica das atividades previstas pela proposta pedagógica escolar.
No quesito modalidades esportivas as turmas de ACD são organizadas da seguinte maneira: a) Modalidades de Esporte: Atletismo, Basquetebol, Badminton, Damas, Futsal, Handebol, Natação, Rugby, Tênis de Mesa, Voleibol, Vôlei de Praia e Xadrez. b) Modalidades de Luta: Capoeira, Judô e Karatê. c) Modalidades de Ginástica: Ginástica Artística, Ginástica Geral e Ginástica Rítmica. As turmas são divididas por categorias: Pré-mirim (de alunos com até 12). Mirim (até 14 anos). Infantil (até 17 anos). d) Juvenil (até 18 anos). (São Paulo, 2016)
Nos termos da Resolução SE nº 4/2016 as principais propostas dessas atividades são:
a importância da prática do esporte nas escolas, como espaço de vivência de relações interpessoais que contribuem para a ampliação das oportunidades de exercício de uma cidadania ampla e consciente.
a necessidade de se promover a integração e a socialização dos alunos em atividades esportivas competitivas e/ou recreativas, com vistas à futura participação de suas escolas em campeonatos e competições de esfera estadual, nacional e internacional. (São Paulo, 2016)
Para Scaglia, Medeiros, e Sadi (2003, p. 5) o esporte escolar, praticado no contraturno da Educação Física, “significa planejar e executar uma educação esportiva de qualidade, garantindo o acesso de todos os estudantes à prática e ao conhecimento do esporte”.
Todavia, torna-se necessário compreender e tomar os devidos cuidados relacionados a essa educação de qualidade e evitar uma especialização esportiva precoce. Fato este apresentado por Wilhelm, Choi, e Deitch (2017), pois há uma diversidade de debates sobre quando e se a especialização esportiva pode ser prejudicial.
Outro ponto destacado por Wilhelm, Choi, e Deitch (2017, p. 3) está relacionado “a idade exata em que se especializar em um único esporte e o tempo necessário para adquirir o conjunto de habilidades necessárias para atingir o nível profissional estão longe de ser estabelecidos e provavelmente são diferentes para cada jogador”.
Para além da especialização precoce, Jiménez Herranz, Manrique Arribas, e López-Pastor (2019) apresentam o Programa Integral de Deporte Escolar del Municipio de Segovia (PIDEMSG), Espanha, como uma alternativa do esporte federado competitivo aberto a meninos e meninas, independentemente do seu nível de habilidade motora, e utiliza como modelo de iniciação esportiva abrangente baseado no Teaching Games for Understanding.
Já para Andreani et al. (2019, p. 197) “se o ensino e a aprendizagem das ACDs derem relevo à competitividade, voltada exclusivamente para obtenção de resultados nos jogos escolares, é possível que haja seletividade e exclusão dos menos habilidosos”. De acordo com Finck (1995, 2010) o professor deve ter claro a diferença e não confundir esporte como conteúdo nas aulas de Educação Física com a equipe escolar de treinamento esportivo. Pois, “entende-se que no primeiro momento o Esporte é conteúdo curricular da Educação Física, e no segundo passa a ser instrumento alternativo educacional e de ‘marketing’”. (Finck, 1995, p. 46; 2010, p. 91)
Estudo realizado por Skowroński et al. (2019, p. 142), na Polônia, consideram que há uma forte influência positiva das aulas extracurriculares de Educação Física no nível de habilidades motoras grossas em crianças da primeira série do ensino fundamental, as quais obtiveram uma maior taxa de aumento no nível dessas habilidades comparadas aos alunos dos Estados Unidos.
Jones et al. (2019, p. 2) ponderam, por exemplo, que nos Estados Unidos da América, “as políticas que orientam o esporte no ensino médio nem sempre se alinham às necessidades de desenvolvimento do início da adolescência e podem criar culturas de ‘vitória a todo custo’ que comprometam os supostos benefícios de desenvolvimento da participação”.
A competição esportiva pode desenvolver a autonomia do praticante, no caso o aluno, bem como superar seus próprios limites, vencendo obstáculos, não apenas no meio esportivo, mas também para a vida, aprendendo a enfrentar desafios para atingir objetivos desejados de forma crítica, ética e solidária. Dessa forma, os professores de Educação Física devem promover oportunidades de vivência nas modalidades de esportes e o desenvolvimento de situações de ensino-aprendizagem relevantes e significativas para os alunos.
Educação Física e as ACD: possibilidades e desafios
Nesse contexto da Educação Física escolar e das ACD, em muitos momentos o mesmo professor atua nessas duas esferas. Sobre o assunto Andreani et al. (2019, p. 198) consideram que
Mesmo compondo outra instância não diretamente vinculada as aulas regulares de Educação Física, defendemos a necessidade de um estreitamento de vínculo entre a escola e a proposta das ACDs. Tal aproximação poderia envolver desde orientações que estivessem presentes no Currículo Oficial Estadual de São Paulo até mais autonomia para as escolas para definirem as estruturas e dinâmicas das atividades e das competições, pois como mostrado neste estudo, muitas situações evidenciam um desalinhamento entre o objetivo das ACDs e o modo como ela é estruturada na própria legislação.
Já no que se refere as atividades promovidas nas escolas, Silva, e Guizzardi (2016) ao realizarem a pesquisa com 10 professores de Educação Física da rede pública estadual de educação do Estado de São Paulo sobre as modalidades de ACD, verificaram que esses docentes trabalhavam com as modalidades: Futsal (8), Atletismo (2), Basquete (2), Handebol (1), Tênis de Mesa (2), Vôlei (1) e Xadrez (1). Os autores observaram o destaque dado ao futsal, com 8 indicações, já que o futebol está entre os esportes mais praticado no Brasil e considerado “paixão” nacional, seria o mais popular nas escolas e de interesse dos alunos.
Nos resultados identificados por Andreani et al. (2019) houve, também, a prevalência da modalidade de futsal, que representou mais da metade das turmas de ACD de esportes coletivos. E, talvez, por ser elemento cultural brasileiro pode ser uma das justificativas de sua popularidade na Educação Física escolar e nas turmas de ACD.
A vista disso, as ACD podem representar, dentro da escola, um momento relevante de debate sobre o esporte e como um meio de socialização. Isso pode ser observado a partir dos padrões comportamentais adquiridos por meio das modalidades coletivas, que proporcionam a integração entre alunos, escola e professor de Educação Física. Para Girard, e Chalvin (2001), a socialização é um conjunto de processos por meio do qual a criança se torna um membro da sociedade e ao mesmo tempo autônomo e capaz de atender as expectativas de outrem.
O professor, nesse cenário, torna-se agente importante na construção biopsicossocial da criança ligada ao esporte e no desenvolvimento de estratégias para resolver desafios surgidos antes, durante e depois da prática esportiva ou uma competição.
Por conseguinte, ao refletir sobre as relações existentes no contexto escolar e o papel do docente na formação do aluno na ACD o esporte visa, também, a competição. Silva, e Guizzardi (2016) relatam que os professores participantes de sua pesquisa concordam que o esporte competitivo, praticado na ACD e no Jogos Escolares dos Estado de São Paulo (JEESP), é positivo na formação do aluno.
Para Tani et al. (2013) embora as ACD e os JEESP estejam relacionados as importantes finalidades como, por exemplo, o desenvolvimento de relações interpessoais, o exercício da cidadania e a aquisição de hábitos saudáveis, o foco dos jogos escolares está na competição esportiva implicando no envolvimento de uma pequena parcela de alunos.
Isso talvez implique na seleção dos mais habilidosos, a qual não deveria ser a intencionalidade das ACD. De acordo com Kocian (2009, p. 139) “a impressão passada é de que as Olimpíadas Escolares são organizadas como uma obrigação do Estado, em oferecer um campeonato escolar, que sirva como divulgação de um projeto esportivo ligado à área educacional”.
Nesse ínterim, os desafios para que as ACD sejam promovidas nas escolas, haveria a necessidade de investimentos em material esportivo, equipamentos e espaços para a prática da modalidade trabalhada pelo professor de Educação Física, ou seja, de acordo com Kocian (2009) são necessários investimentos na área esportiva escolar.
Esse fator de investimentos pode ser observado nas últimas décadas, segundo Carone Soares (2010, p. 112) os resultados do estudo que realizou sobre a realidade da Olimpíada Colegial do Estado de São Paulo (OCESP) “sugerem rever formas de motivar os alunos, professores e o próprio Estado a investir nesse tipo de evento esportivo, para que haja ganho na Educação Física escolar”. Talvez essa realidade não tenha mudado nos últimos 10 anos, ou seja, pouca coisa mudou em relação aos investimentos financeiros, de material e equipamento, de pessoal etc., por parte do poder público e de ações políticas públicas em relação ao esporte na escola e aos jogos escolares. Fator esse que carece de pesquisas que possam analisar essas possibilidades.
Nunes (2015, p. 163) pontua que para desenvolver os projetos esportivos, é necessário minimamente
[...] que a escola disponibilize materiais esportivos, organize os horários e os espaços para que o professor desenvolva o seu trabalho em condições adequadas. Ao analisar os 30 professores que desenvolvem projetos esportivos, oito afirmam que a escola não fornece materiais esportivos, 15 não conseguem utilizar a quadra porque muitas vezes coincide com o horário das aulas regulares de Educação Física e/ou possuem problemas estruturais, 17 trabalham com insuficiência de materiais esportivos e 15 utilizam materiais esportivos inadequados. Esta informação indica que aproximadamente a metade dos professores-técnicos finalistas das OE, trabalha de forma precária.
Esses e outros fatores são observados na investigação de Mozardo (2020) ao apresentar que os professores mostraram suas insatisfações em forma de mudanças nas ACD, relacionadas a diversos aspectos como, por exemplo, a redução da quantidade mínima de alunos, maior número de aulas, maior investimento público (materiais, estrutura, alimentação, campeonatos).
Em estudo realizado por Luguetti et al. (2013) os professores/treinadores sobre os recursos materiais e financeiros consideram as instalações satisfatórias ou boas, contudo, 26,9% e 22,2% das escolas municipais e estaduais, respectivamente, foram classificadas como instituições com instalações precárias. Resultados esses também verificados por Krug (2004) e Silva, e Guizzardi (2016) ao pontuarem que a indisponibilidade de materiais interfere negativamente e gera dificuldades na prática pedagógica dos professores de Educação Física prejudicando a realização das atividades. Ou seja, a escassez de materiais é um fator negativo evidente para a prática das ACD.
Outra dificuldade seria o desinteresse dos alunos pela prática de atividades físicas, nesse caso os alunos precisariam
gostar dos esportes praticados e demonstrar interesse em desenvolver as competências relacionadas aos valores esportivos universais (compromisso/frequência, disciplina, respeito, determinação, dedicação, atitude cooperativa e atitude competitiva), ao desempenho físico, técnico e tático e ao rendimento escolar. (Nunes, 2015, p. 165)
Sobre esse assunto, Burnett (2020) menciona, em seu estudo na África do Sul, que surgiram três barreiras principais que apresentam uma imagem inter-relacionada e confusa de restrição, sendo elas relacionadas: as questões contextuais e a falta de envolvimento das partes interessadas apresentando barreiras subjetivas e estruturais. Outro ponto está ligado as questões de estruturas políticas e estratégia nacional ineficaz encontradas nas práticas locais. E, por fim, implica a falta de recursos diferentes: físicos, financeiros e humanos.
Segundo Moraes (2017) os professores devem se atentar às expectativas dos alunos e para não reproduzir as situações que possam afastá-los da prática esportiva, bem como os alunos participantes, da pesquisa, mostraram que o gosto pela prática do esporte é mais significativa do que a participação nos jogos escolares.
Assim, um fator relevante nesse contexto seria a de pertencimento e de acordo com Jones et al. (2019, p. 9) “o esporte escolar deve ser realizado por meio de uma mistura de programas esportivos interescolásticos e intramurais que equilibram atividades desafiadoras com uma base mais ampla de pontos de venda participativos”.
Todavia, é necessária uma contínua reflexão sobre o esporte nas aulas de Educação Física por parte dos professores, da mesma forma a necessidade de uma formação continuada, leitura crítica e apurada da realidade (Ganzer, e Ribeiro, 2020). Consequentemente, ao promover “políticas integradas que oferecem uma ampla variedade de atividades esportivas atraem uma proporção mais ampla do corpo estudantil geral e permitem que os administradores atendam às principais necessidades de desenvolvimento do maior número de estudantes”. (Jones et al., 2019, p. 9)
Ao retomar as dificuldades que podem atrapalhar o desenvolvimento das ACD, um ponto identificado na pesquisa de Silva, e Guizzardi (2016) foi a falta de transporte para o aluno retornar à escola, o que pode dificultar a sua locomoção e como consequência a falta de regularidade nas aulas de ACD e o abandono dos treinamentos.
Outra questão abordada por Silva, e Guizzardi (2016) foi a crença dos professores de Educação Física referente ao resultado da ADC e objetivos, previstos na Resolução SE nº 4/2016, como a formação do cidadão e preparar jovens para competições. Os resultados apresentaram que 90% dos professores participantes da pesquisa tem alcançado os objetivos propostos pela ACD.
Nesse ínterim, Galatti et al. (2008, p. 49), o esporte apresenta “um forte potencial de vivência de princípios e valores, que deve ser potencializado pelo profissional de educação física” e vale mencionar que a iniciação da criança no esporte significa “adequar o esporte à criança e não a criança no esporte”. Para que isso ocorra devem ser elaboradas “sequências didáticas [...] selecionando estratégias e procedimentos pedagógicos tendo como critério as necessidades da infância- como o lúdico, a espontaneidade e a capacidade de adaptar-se a novos conteúdos”. (Galatti et al., 2008, p. 49)
Burnett (2020, p. 1758), destaca que para alguns professores, a filosofia abrangente do esporte escolar permanece incerta, e como exemplo, menciona o questionamento de um diretor esportivo que diz:
Antes de tudo, acho que eles [DBE] precisam estabelecer por que praticamos esportes. É para alimentar nossas equipes nacionais? É para desenvolver holisticamente os alunos? É para dar aos alunos a oportunidade de se livrar da energia física e de tonificar seus corpos? Qual é o motivo? Por que praticamos esportes?
Nesse sentido, e longe de responder esses questionamentos, Yilmaz, e Güven (2019) destacam que atividades artísticas, culturais e esportivas são importantes no desenvolvimento da personalidade, contudo, essas atividades são dadas na educação formal dentro do escopo de planos e programas específicos, elas não oferecem oportunidades suficientes para os alunos e podem ser oferecidas mais funcionalmente como atividades extracurriculares.
De acordo com a UNESCO (2015) os programas extracurriculares, por um lado, podem atuar como uma fonte adicional de aprendizagem e, por outro lado, as ligações com organizações esportivas comunitárias podem ampliar as oportunidades de atividade física dos jovens.
Para a UNESCO (2015, p. 50) deve haver
[...] um compromisso financeiro, relativo à mobilização de recursos para um currículo responsável – não necessariamente avaliativo – de educação física, deve proporcionar espaços, instalações e equipamentos para as atividades, que sejam adequados, acessíveis, interiores e exteriores, incluindo espaços de armazenamento do material de apoio. Além disso, deve prover materiais de ensino e aprendizagem, incluindo manuais e textos com diretrizes, quando for necessário.
Esse processo de mobilização em prol da Educação Física e do esporte como atividades extracurriculares, no caso das ACD no Estado de São Paulo, não ocorre do dia para a noite. Isso leva tempo, interesse e vontade política e econômica. A exemplo disso na Europa, conforme relatam Naul, e Scheuer (2020), a década de 2010 foi alicerçada por diferentes programas da Comissão Europeia que, apoiados por algumas reformas escolares nacionais, levou a reorientar o apoio às atividades físicas com Educação Física e esporte de base. Isso causou, segundo esses autores, alguns desenvolvimentos nacionais únicos com horas adicionais de Educação Física e novos programas extracurriculares na escola com nova parceria de redes em nível comunitário.
Como possibilidade extracurricular, a Resolução SE nº 4/2016 (São Paulo, 2016), especifica a importância da prática do esporte nas escolas, como espaço de vivência de relações interpessoais que contribuem para a ampliação das oportunidades de exercício da cidadania, e ainda, a necessidade de se promover a integração e a socialização dos alunos em atividades esportivas competitivas e/ou recreativas.
Por fim, esses fatores podem ser promovidos nas ACD de maneira interativa, além de vivenciar e ampliar o repertório de modalidades esportivas, compreendendo suas regras numa perspectiva individual e coletiva para formação integral do aluno, a preparação para o exercício da cidadania, não ser somente uma extensão do esporte de rendimento/performance para a escola ou, ainda, como “salvador da pátria”.
Conclusões
O presente estudo reconhece a importância do trabalho realizado pelos professores de Educação Física em relação à iniciação esportiva na escola, com base nas Atividades Curriculares Desportivas (ACD). Em razão da escassez de obras referentes, especificamente, as ACD, esse trabalho apresentou alguns indicativos sobre a relevância do tema no ambiente escolar e com a Educação Física.
Nas ACD, como possibilidade da prática esportiva na escola, o professor de Educação Física e os alunos devem fazer uma leitura crítica da eficácia do esporte na escola, promover sua autonomia para poder escolher e participar ativamente de várias modalidades, bem como melhoria da qualidade de vida e saúde. Devem compreender o papel do esporte não apenas na execução técnica de movimentos, mas em questões importantes como fatores emocionais, culturais, sociais, ou seja, o desenvolvimento humano do indivíduo como um todo, bem como permitir a integração entre alunos, conforme observado nas pesquisas relacionados a ACD e estudos referentes a iniciação esportiva em outros países.
A Educação Física, tendo como conteúdo o esporte, seja na aula no currículo regular ou como modalidade das ACD estão relacionadas a competição, a qualidade e quantidade de instalações, aos equipamentos, ao transporte e recursos, muitas vezes, aspectos limitados e fora do alcance da maioria das escolas públicas, por falta de investimentos e gestão por parte do poder público.
É necessário atentar para as armadilhas que o esporte de rendimento pode oferecer, como a exclusão dos menos habilidosos, ao consumo de produtos esportivos de forma alienada ou somente o ensino da técnica. Almeja-se com este estudo promover e desenvolver novas pesquisas nas diferentes áreas (Educação Física, Ciências do Esporte, Sociologia...) com intuito de compreender os possíveis impactos do esporte na escola e na vida dos alunos, seja nas aulas de Educação Física ou nas atividades extracurriculares, como as ACD.
Nesse cenário torna-se compreender os limites para o desenvolvimento e prática das ACD colocados pela gestão governamental e das políticas públicas estaduais do não incentivo ou falta de apoio a estas atividades, seja na escassez de material e equipamentos, financiamento das viagens e alimentação dos alunos nas competições, entre outros. Cabe, portanto, enfrentar os desafios postos para as ACD, professores e alunos, tendo em vista o ensino do esporte na escola, a estrutura das competições, a oferta de diferentes modalidades, a formação continuada do professor, cuidado com a esportivização precoce, assim, esses e outros fatores devem atender as demandas de uma escola emancipatória, democrática e inclusiva para uma formação cidadã do aluno.
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