Lecturas: Educación Física y Deportes | http://www.efdeportes.com

ISSN 1514-3465

 

Migração no futebol brasileiro: a experiência de jogadores cariocas

Soccer Migration from Brazil: the Experience of Rio de Janeiro Players

Migración en el fútbol brasileño: la experiencia de los jugadores de Río de Janeiro

 

Diego Ramos do Nascimento*
personalnascimento@gmail.com
Carlos Henrique de Vasconcellos Ribeiro**
c.henriqueribeiro@gmail.com
Alexandre Palma***
palma_alexandre@yahoo.com.br
Erik Giuseppe Barbosa Pereira****

egiuseppe@eefd.ufrj.br

 

*Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Graduação em Educação Física (UniSuam); Mestrado em Educação Física (UFRJ); Doutorando em Educação Física (UFRJ)
**Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC-RJ)
Graduação em Educação Física (UFRJ

Mestrado em Educação Física (UGF); Doutor em Saúde Pública (FIOCRUZ)
***Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Graduação em Educação Física (UGF)

Mestrado em Educação Física (UGF)

Doutor em Saúde Pública (FIOCRUZ)
****Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Graduação em Educação Física (UFRJ)

Mestrado em Ciência da Motricidade Humana (UCB)

Doutor em Ciências do Exercício e do Esporte (UERJ)

(Brasil)

 

Recepção: 27/06/2020 - Aceitação: 05/11/2020

1ª Revisão: 18/09/2020 - 2ª Revisão: 02/11/2020

 

Level A conformance,
            W3C WAI Web Content Accessibility Guidelines 2.0
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0

 

Creative Commons

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Nascimento, D.R. do, Ribeiro, C.H. de V., Palma, A., & Pereira, E.G.B. (2020). Migração no futebol brasileiro: a experiência de jogadores cariocas. Lecturas: Educación Física y Deportes, 25(271), 2-21. Recuperado de: https://doi.org/10.46642/efd.v25i271.2378

 

Resumo

    Objetivo: O objetivo do estudo foi apresentar o panorama das migrações de atletas brasileiros de futebol, relacionando com as experiências de três atletas. Método: O estudo apresenta característica quali-quantitativa e caráter descritivo. Avaliou-se as transferências profissionais realizadas no inverno de 2018 contidas em portais da Federação Internacional de Futebol (FIFA) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), além de entrevistas com três atletas. Resultados e conclusão: Conclui-se que Portugal e Oriente Médio são os principais destinos. Das posições táticas, os atacantes são os mais presentes. O número de retorno de brasileiros representa menos de 10% do total das transferências.

    Unitermos: Esporte. Futebol. Migração. Brasil.

 

Abstract

    Objective: The aim of the study was to present the panorama of the migration of Brazilian soccer athletes, relating to the experiences of three athletes. Methods: The study has quali-quantitative characteristics and descriptive character. We evaluated the professional transfers made in the winter of 2018 contained in Federation International de Football Association (FIFA) and Brazilian Football Confederation(CBF) portals, as well as interviews with three athletes. Results and conclusion: It is concluded that Portugal and the Middle East are the main destinations. Of the tactical positions, the attackers are the most present. The return number of Brazilians represents less than 10% of total transfers.

    Keywords: Sport. Soccer. Migration. Brazil.

 

Resumen

    Objetivo: El objetivo del estudio fue presentar el panorama de la migración de los atletas de fútbol brasileños, en relación con las experiencias de tres atletas. Método: El estudio tiene una característica cualitativa y cuantitativa y un carácter descriptivo. Se evaluaron las transferencias profesionales realizadas en el invierno de 2018 contenidas en los portales de la Federación Internacional de Fútbol (FIFA) y la Confederación Brasileña de Fútbol (CBF), además de entrevistas con tres atletas. Resultados y conclusiones: Se concluye que Portugal y Medio Oriente son los principales destinos. De las posiciones tácticas, los atacantes son los más presentes. El número de brasileños que regresan representa menos del 10% de las transferencias totales.

    Palabras clave: Deporte. Fútbol. Migración. Brasil.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 271, Dic. (2020)


 

Introdução 

 

    As migrações humanas são fenômenos de mobilidade de grupos sociais que ocorrem desde a pré-história, com motivações que se modificaram de acordo com o período histórico e social (Manning, 2013). As migrações humanas modernas são temporalmente localizadas a partir de 1900 e estão pautadas através da visão Marxista que consiste na análise das condições geopolíticas e socioeconômicas do local de origem (Singer, 1980). Com a estruturação do Esporte moderno e com o aumento do processo de globalização no período, as modalidades esportivas sofreram mudanças na sua composição através da profissionalização e comercialização da sua mão de obra (Taylor, 2006). Segundo Taylor, essas modificações estruturais são a base das migrações esportivas modernas.

 

    Atualmente, os debates internacionais sobre o fenômeno da migração no Esporte se concentram no Reino Unido, com os sociólogos Joseph Maguire, Paul Dimeo e Paul Darby; em Portugal com a cientista política Nina Clara Tiesler e na América do Sul (Uruguai) com o professor Dante Soca. No Brasil, os destaques são a antropóloga Carmen Rial e os professores Carlos Henrique Ribeiro e Diego Nascimento.

 

    Para Maguire (2007), as migrações esportivas são as transições, nacionais e internacionais, que os atletas fazem durante a sua carreira em busca de novas experiências profissionais, podendo ser motivadas por questões técnicas ou econômicas. Já para Young (2016) há uma relação pós-colonial ligada às migrações esportivas, sugerindo que atletas de países desfavorecidos socioeconomicamente buscam se estabelecer em países com melhor estrutura esportiva e sistema econômico consolidado a nível mundial.

 

    Quando o objeto de estudo são os jogadores de futebol, o panorama migratório de atletas não brasileiros encontrado por Darby (2006) e Soca (2012) apresenta a ascensão socioeconômica como principal motivo para movimentação. Para além disso, Tiesler (2012) acrescenta a presença de relações diaspóricas que se dão por meio do caminho migratório que direciona atletas de antigas colônias para suas antigas colonizadoras.

 

    Os atletas brasileiros de futebol seguem a tendência socioeconômica como motivo principal de sua escolha (Dimeo, & Ribeiro, 2009). Entretanto, motivos ligados às características religiosas, de origem social e de similaridades culturais, incluem variáveis antropológicas como particularidades dos atletas brasileiros que embarcam nesse fluxo. (Rial, 2006; 2008)

 

    Estas questões antropológicas se ampliam quando as dificuldades são postas em questão. Rial (2008) apresenta, primeiramente, as barreiras culturais como uma das principais dificuldades vivenciadas pelos atletas. Em segundo lugar, para a autora, a identidade nacional e a naturalização são outras questões intervenientes no processo de migração, pois mesmo que em posição de um atleta global, mundialmente conhecido e legalmente pertencente a seu país de origem, a ligação às origens nacionais compromete sua inclusão às novas culturas. (Santarosa, & Ventura, 2010)

 

    Acreditamos que o aprofundamento nas questões acima podem contribuir nos debates sobre as migrações nos esportes, incluindo, além das questões socioeconômicas debatidas em estudos sociológicos e antropológicos, questões relacionadas aos padrões técnico-esportivos que podem influenciar ou serem influenciados por essas mobilidades.

 

    Após essa contextualização, esta pesquisa é orientada pelas seguintes questões: como se configura, sob o olhar técnico e socioeconômico, o panorama das migrações de atletas brasileiros de futebol masculino e como esse cenário se relaciona com as experiências de atletas profissionais?

 

    Para tanto, nosso objetivo é apresentar o panorama das migrações de atletas brasileiros de futebol masculino de acordo com as questões técnicas, sociais e econômicas da modalidade, relacionando com as experiências de atletas brasileiros de futebol de alto rendimento.

 

Métodos 

 

    Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob protocolo número 67523717.8.0000.5257. É de natureza quali-quantitativa e de caráter descritivo.

 

    As características qualitativas desse estudo se apresentam na utilização das perspectivas dos atletas para busca da compreensão sobre o fenômeno (Godoy, 1995). Já as características quantitativas se dão através da exposição das peculiaridades do fenômeno por meio da análise descritiva de dados (Dalfovo, Lana, & Silveira, 2008). A escolha por essa natureza de pesquisa se deu pois os métodos não se contradizem, nem se opõe. Considerando por um lado a característica quantitativa de análise de dados, de indicadores e de tendências e por outro as características qualitativas que se dirigem às representações, aos conceitos, aos credos e aos hábitos, a junção dos métodos minimiza as lacunas deixadas por cada uma isoladamente, enriquecendo metodologicamente a pesquisa. (Serapioni, 2000)

 

    Com relação ao caráter descritivo, Godoy (1995), acredita que essa característica se dá pela apresentação de uma compreensão dilatada sobre o assunto que, só é possível, através da preocupação constante com o processo que somente a pesquisa qualitativa permite.

 

    Foram utilizados 2 instrumentos para obtenção dos resultados. O primeiro dos instrumentos utilizados foram os dados das transferências internacionais ocorridas entre janeiro e abril de 2018 acessados pelos portais Transfer Matching System (TMS–FIFA) e GestãoWeb (GW-CBF). A escolha deste período de transferências se deu pela proximidade com a construção desse trabalho, trazendo assim os dados mais recentes. O segundo instrumento utilizado foi entrevistas semiestruturadas seguindo um roteiro de seis perguntas que versavam sobre o histórico pessoal e esportivo, relações com os países de destino/origem, dificuldades no processo de migração e visão sobre o mercado esportivo. Tais encontros ocorreram nos meses de fevereiro e abril de 2018 em uma sala reservada de uma academia de ginástica da capital do Rio de Janeiro, sem a presença de estímulos musicais e visuais que pudessem interferir no andamento da entrevista. A escolha desse local foi de comum acordo entre a autoria e seus entrevistados.

 

    Para seleção dos atletas, nos apoiamos na amostragem intencional sugerida por Fontanella, Ricas, & Turato (2008), seguindo quatro critérios: a) nacionalidade brasileira; b) experiência profissional em clubes no Brasil; c) experiências internacionais e; d) experiência migratória vivenciada após a maioridade. Com isto, selecionamos três atletas oriundos do Rio de Janeiro e utilizamos o primeiro contato para explanação abreviada dos objetivos da pesquisa.

 

    São eles: Allan dos Santos1 (AS), meia ofensivo, 25 anos, atuou em clubes como C.R. Vasco da Gama e Fluminense F.C. no país e internacionalmente em clubes como Real Madrid Castilla C.F. (Espanha) e S.C Beira Mar (Portugal). Leonardo Martins1 (LM), meia defensivo e lateral direito, 27 anos, atuou no Brasil no C.F. Zico e no C.R. Flamengo e internacionalmente destacamos sua presença no Légia de Varsóvia (Croácia). SV2, atacante, 32 anos, defendeu no Brasil clubes como Madureira E.C, S.D Juazeirense e internacionalmente clubes como Al Shabad F.C (Arábia Saudita) e Club Sport Marítimo (Portugal).

 

    A repetição dos dados encontrados nas entrevistas desses atletas nos levou ao fechamento amostral seguindo o processo de saturação teórica (Fontanella, Ricas, & Turato, 2008), contudo, considerando que os três entrevistados são oriundos do Rio de Janeiro, entendemos que atletas naturais de outros estados podem ter pontos de vista variados. Ainda assim, pela experiência intercontinental que nossos atores sociais tiveram, acreditamos que os conteúdos obtidos através do instrumento aplicado possuem o embasamento necessário para dialogar com os dados numéricos de forma consistente.

 

    Os encontros com esses atletas aconteceram pessoalmente, de forma individual, em uma sala reservada de uma academia de ginástica no Rio de Janeiro. Primeiramente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido para identificação do objetivo e das condutas éticas e posterior assinatura dos envolvidos. As durações das três entrevistas somaram 1hora 26 minutos, conduzida pela autoria da pesquisa. Com estas atitudes, cumprimos as recomendações éticas sugeridas pela Resolução 466/2012 (Brasil, 2012) e pela Resolução 510/2016 (Brasil, 2016).

 

    Os dados coletados nos portais foram exportados em relatórios que continham informações sobre a nacionalidade do atleta, sua idade, seu posicionamento tático, seu clube de origem e seu clube de destino, em um total de 560 atletas.

 

    A seguir, apoiados nas técnicas da análise documental (Gil, 2002), reelaboramos os dados de acordo com o objetivo proposto e realizamos duas reduções nos relatórios. A primeira redução ocorreu com a organização das transferências de acordo com os continentes de origem, de destino e de repatriação. A partir desta, os países foram classificados em ordem decrescente. Por fim, a terceira base surge com a separação dos clubes de cada país. Com os dados reorganizados, a análise percentual contida na estatística descritiva foi utilizada para apresentação dos resultados. (Chan, 2003)

 

    Para depurar os dados das entrevistas, utilizamos a Análise de Conteúdo (AC), respeitando as três etapas obrigatórias à luz de Laurence Bardin (2011): a) primeiras aproximações com as falas e criação dos indicadores; b) imersão do conteúdo encontrado em cada entrevista para codificação do material e; c) junção das falas comuns com o intuito de reagrupá-las em categorias e correlacioná-las com os dados.

 

Resultados 

 

    Considerando os dados relacionados aos destinos dos atletas brasileiros, percebemos um direcionamento de atletas brasileiros para quatro dos seis continentes. Os continentes de destino de brasileiros são a Europa (62%), Ásia (29%), Oceania (5%) e Américas (4%). Em tempo, alguns países como Egito, Chipre, Indonésia e Turquia, possuem duas porções continentais. Para agrupamento analítico, consideramos a faixa geográfica que o clube de atuação pertence.

 

    Aprofundando os locais de destino apresentamos os dez principais países que receberam o maior quantitativo de brasileiros durante a janela de inverno europeia de 2018 (Gráfico 1).

 

Gráfico 1. 10 países com maior número de entrada de jogadores brasileiros entre janeiro e abril de 2018

Gráfico 1. 10 países com maior número de entrada de jogadores brasileiros entre janeiro e abril de 2018

Fonte: os autores

 

    A análise seguinte foi referente ao nível competitivo de destino, ou seja, qual divisão nacional a equipe se enquadrava naquele ano. O nível competitivo está ligado diretamente ao nível técnico da competição, à exposição comercial dos profissionais envolvidos decorrente da cobertura midiática e aos valores econômicos circulantes na divisão. Com os dados organizados, encontramos a seguinte distribuição: Primeira Divisão (84%); Segunda Divisão (15%); e Terceira Divisão (1%).

 

    No que tange às análises das transferências por posicionamento técnico, encontramos o seguinte painel (Gráfico 2).

 

Gráfico 2. Número de atletas transferidos de acordo com seu posicionamento tático entre janeiro e abril de 2018

Gráfico 2. Número de atletas transferidos de acordo com seu posicionamento tático entre janeiro e abril de 2018

Fonte: os autores

 

    Avançando nos resultados, distribuímos as posições táticas de acordo com o continente de atuação. Os atacantes estavam presentes nos 4 continentes que tiveram transferências, ao passo que as demais posições se destinaram para dois ou três continentes, como demonstra o Gráfico 3 a seguir.

 

Gráfico 3. Distribuição continental de destino das demais posições táticas dos atletas transferidos entre janeiro e abril de 2018

Gráfico 3. Distribuição continental de destino das demais posições táticas dos atletas transferidos entre janeiro e abril de 2018

Fonte: os autores

 

    Para uma análise profunda do fluxo migratório esportivo, os locais de origem detêm a mesma importância que os locais de destino (Soca, 2012). Os atletas brasileiros se originaram do continente americano (50%), do continente europeu (38%), do continente asiático (10%) e da Oceania (2%).

 

    Quanto aos países que lideram as origens de atletas brasileiros, os 10 principais são os seguintes (Gráfico 4).

 

Gráfico 4. 10 principais países de origem de jogadores de futebol brasileiros na janela de transferência de janeiro a abril de 2018

Gráfico 4. 10 principais países de origem de jogadores de futebol brasileiros na janela de transferência de janeiro a abril de 2018

Fonte: os autores

 

    Ao analisarmos o nível competitivo de origem dos atletas, temos o seguinte painel: Primeira Divisão (60%); Segunda Divisão (20%); Terceira Divisão (3%), Quarta Divisão (2%); Divisões Inferiores (15%).

 

    Apresentaremos agora a representação continental da divisão competitiva na última atuação dos atletas brasileiros que retornaram de outras países (Gráfico 5).

 

Gráfico 5. Último continente de atuação dos repatriados da janela de transferência de janeiro a abril de 2018

Gráfico 5. Último continente de atuação dos repatriados da janela de transferência de janeiro a abril de 2018

Fonte: os autores

 

    Os dados a seguir são referentes ao posicionamento tático dos repatriados e trarão à tona algumas indicações posteriormente debatidas (Gráfico 6).

 

Gráfico 6. Repatriados por posicionamento tático dos atletas na janela de transferência entre janeiro e abril de 2018

Gráfico 6. Repatriados por posicionamento tático dos atletas na janela de transferência entre janeiro e abril de 2018

Fonte: os autores

 

Discussão 

 

    A janela de transferência chamada pela Federação Internacional de Futebol (FIFA) como Winter Transfer Window ocorre entre janeiro e abril. Esta janela situa-se durante a metade da temporada esportiva internacional e ao final da temporada nacional. As transferências de atletas profissionais ocorridas nesse período são registradas tanto no TMS-FIFA quanto no GW-CBF.

 

    Antes, nos interessa conceituar a visão dada pela FIFA para transferências profissionais. Uma transferência somente é classificada profissional quando um atleta se vincula, de forma legalmente empregatícia, com um clube institucionalizado baseado nas legislações trabalhistas regionais vigentes (FIFA, 2018). Pretendemos nos concentrar nesse contexto uma vez que transferências amadoras não registradas de atletas brasileiros de futebol são encontradas com facilidade em outros países. (Pisani, 2014)

 

    A presença da Europa como principal destino de atletas brasileiros nos faz considerar alguns pontos importantes. O primeiro, está relacionado à importância das ligas esportivas europeias, pois segundo a Federação Internacional de História e Estatística do Futebol (IFFHS, 2018), das dez primeiras posições no ranking, seis eram países europeus. Rial (2008) revela que alguns atletas ponderam o nível técnico da liga nacional como critério para migração. Ademais, a divulgação midiática e atuação dos principais ídolos do futebol brasileiro em alguns desses clubes, faz com que o sonho de atuar na Europa esteja presente desde as menores idades. (Brandão, Magnani, Tega, & Medina, 2013)

 

    O outro ponto se inclina sobre as questões econômicas europeias. O surgimento e adesão do euro pelos países da União Europeia (UE) gerou impactos na economia mundial e ramificou no mercado do futebol (Aguiar-Confraria, Alexandre, & Pinho, 2012). A soma dos altos salários contratuais, direitos de imagem e bônus por desempenho são os principais valores circulantes atualmente na Europa, que ultrapassam a casa dos 730 milhões de dólares e se transformam em um atrativo para os atletas que buscam essa região (Peters, 2017; Santarosa, & Ventura, 2010). Os valores secundários são formados pelos contratos publicitários e de patrocínio com marcas esportivas, entretanto, não discutiremos essas bases porque não é uma norma que todos os atletas detenham estes contratos.

 

    A segunda região de maior direcionamento de atletas brasileiros de futebol foi a Ásia. Dentre as suas subdivisões territoriais, nos ateremos a duas das nações que formam o Oriente Médio3 devido ao quantitativo de atletas que se destinaram para essa região. A relação dos profissionais brasileiros de futebol com o Oriente Médio se dá desde os anos de 1960, pois devido a uma missão diplomática capitaneada pelo Itamaraty, jogadores, treinadores e outros profissionais do futebol foram enviados para essa região e com isso estreitaram-se as relações entre as principais nações do Oriente Médio e o Brasil. (Gobo, 2007)

 

    Além dos 10 países apresentados no Gráfico 1, anteriormente, quarenta e sete outros países receberam atletas brasileiros. Com esse número, podemos afirmar que atletas brasileiros foram transferidos para 27% dos países filiados a FIFA, corroborando o conceito do brasileiro como cidadão global do futebol (Rial, 2008). Em sua obra, a autora afirma que os atletas brasileiros migrantes são profissionais com cidadania mundial devido a sua constante mudança geográfica em busca de novas condições de trabalho. Corroborando com essa informação, o Centro Internacional de Estudos do Esporte (CIES, 2018) afirma que, no ano de nossa investigação, existiam brasileiros atuando em 98 dos 193 países filiados à FIFA.

 

    Na primeira posição encontramos Portugal. No futebol, as relações históricas entre ex-colônia e colonizadora permanecem presentes. Essas relações hierárquicas entre as nações sugerem a presença do neocolonialismo, uma vez que Portugal ainda compreende o Brasil como local de extração de matéria prima, nesse caso, o atleta de futebol (Melo, & Rocha Junior, 2012; Barbosa, 2011). Para além dessa, as ligações e proximidades culturais se apresentam como facilitadores no processo de escolha e adaptação dos atletas, influenciando os locais de escolha dos atletas e direção dos fluxos migratórios (Darby, & Hassan, 2007). Contudo, Dimeo, & Ribeiro (2009) apresentam posicionamentos diferentes acerca das adaptações em Portugal, trazendo o discurso de atletas que encontraram dificuldades culturais de adaptação.

 

    Dos nossos atores com experiência em Portugal, AS encontrou facilidades acerca das questões culturais em sua adaptação:

    Cara, fui pra Portugal com 18 anos e assinei meu primeiro contrato internacional de 3 anos com o Beira Mar4 [pausa] minha mãe morava lá e isso facilitou minha adaptação, eu tinha lugar pra morar, alguém pra conversar [pausa] a facilidade de falar quase a mesma língua me ajudou pra caraca (sic) [pausa] a cidade era perto da praia, ai fica menos difícil de se adaptar.

    Notamos na fala de AS que a presença da família auxiliou sua ambientação, entretanto, SV, mesmo sem esse suporte, também encontrou facilidades e emergiu um novo ponto:

    Velho, em Portugal fica fácil né?! Cheguei lá com 22, já tinha estrada no futebol, já tinha aparecido no Globo Esporte [pausa] claro que deu um medo, mas cheguei lá e [pausa] pô! Encontrei um monte de brasileiros [pausa] fazia um calor danado, tinha praia na cidade do lado, velho! Podia ir na padaria, podia ir no açougue, o português é um pouco diferente né?! Mas dá pra chegar e viver rapidinho.

    A presença de compatriotas na praça de destino também foi encontrada por Rial (2006) como item facilitador no processo de adaptação de jogadores brasileiros na Europa. Notamos também na fala de SV a presença da temperatura e da proximidade linguística como facilitadores, itens também encontrados por Dimeo, & Ribeiro (2009).

 

    Outra questão relevante sobre Portugal se dá nas legislações que amparam os migrantes brasileiros. Atletas brasileiros conseguem a dupla nacionalidade atuando por três anos e a cidadania europeia atuando por quatro anos, um ano a menos que em qualquer outra nação europeia, com isso, a adequação legal para atuação livre na Europa parece ter seu melhor caminho por Portugal, fazendo com que o país se transforme em porta de entrada para a Europa (Maguire, 2007; Dimeo, & Ribeiro, 2009; Tiesler, 2012). AS reafirma o discurso da facilitação da entrada:

    Quando fui pra Portugal, eu estava pensando mesmo era na Espanha ou na Itália [pausa] eu queria ir pra lá! Eram lá que estavam os times que sempre quis jogar. Tanto é que depois de 2 anos, consegui a dupla cidadania e comecei a fazer minhas conexões.

    AS compreende que essa facilidade legal lhe ajudou em seu ingresso ao time B do Real Madrid, não sendo mais considerado estrangeiro: “[...] consegui essa brechinha porque eu não entrava mais na cota dos estrangeiros”.

 

    Os países que ocupam a segunda e a terceira posição no ranking são a Arábia Saudita e os Emirados Árabes. Junto ao Kuwait e ao Qatar, esses países foram os principais recebedores de mão de obra brasileira durante as missões diplomáticas dos anos 1960 e facilitando as indicações e aquisições atuais de jogadores e treinadores de futebol brasileiros (Nascimento, Ribeiro, & Pereira, 2019). Paralelo a isso, as questões econômicas oriundas da extração do Petróleo com o que Ibrahim Oweiss chama de “Petrodólares” adicionam uma motivação à escolha do atleta em migrar para essa região (Gobo, 2007; Nanni, 2011). A fala de SV sobre seu período no Oriente Médio ilustra essas questões:

    Ah velhão (sic) aquele lugar é uma loucura, uma doideira danada, mas quando fui eu pensei ‘preciso fazer meu pé de meia!’ Eu fui ganhar no Qatar quatro vezes mais do que eu ganhava na Madeira5. Sem falar né [pausa] que se eu fizesse gol eu ganhava ouro do Sheik, se desse assistência ganhava também [pausa] eu precisava fazer meu pé de meia, não sabia mais quanto tempo eu ia ficar lá.

    As questões financeiras indicam ser o fator decisório na escolha do destino, independente da região. Para LM, era “a chance de mudar de vida” e AS acreditava que “a oportunidade de dar uma vida melhor aos seus familiares” seria atuando fora do Brasil.

 

    A aparição de países do Leste Europeu no ranking é notada com países como a Turquia e a Croácia. LM experimentou a vivência nessa região:

    Então [pausa] eu tive a oportunidade de ir pra Croácia. Lá no NK Varsóvia6 da Croácia [pausa] e ai foi difícil a adaptação, porque além de não falar o idioma, e não falar o inglês, foi e outro atleta [pausa] nós ficamos numa casa sozinho onde o empresário também não falava o idioma [pausa] ficamos 3 meses, depois mais 3 meses [pausa] um período de adaptação [pausa] e ai voltamos de férias, acabou o campeonato e voltamos de férias.

    O semestre em que atuava no Croácia não foi suficiente para que LM se adaptasse ao clima e a língua:

    Olha, primeiramente, o clima é realmente complicado falar [pausa] você vive num país tropical, quente à beça (sic), chega lá e a temperatura baixíssima [pausa] foi uma dificuldade, pra correr é difícil, a bola fica pesada.

    Rial (2006) afirma que as condições climáticas são variáveis importantes para a adaptação positiva ou negativa dos atletas brasileiros, podendo influenciar seu rendimento esportivo. LM afirma que a temperatura era determinante para o agendamento dos treinos pois segundo ele eram: “no final da tarde, porque de manhãzinha tinha muita neblina e fazia muito frio, mesmo no verão europeu”.

 

    A análise rasa dos números referentes ao nível competitivo de destino pode nos dar uma compreensão incorreta da realidade. De todos os atletas que foram atuar na primeira divisão, apenas 8% se encontraram nas cinco principais ligas segundo a FIFA, conhecida como Big 5, à saber: Inglaterra, Espanha, França, Itália e Alemanha. Os demais atletas foram participar de campeonatos de primeira divisão de países com pouca expressão competitiva no futebol, contudo, suas transferências são economicamente importantes para seus clubes de origem. Considerando as demandas econômicas, 19 dos 20 clubes que atuaram no Campeonato Brasileiro da Série A em 2016 dependiam da venda de jogadores para obterem um balanço financeiro positivo. (Mataruna, Range, Guimarães, Carvalho, & Zardini Filho, 2018)

 

    No caso dos nossos entrevistados, não foi diferente. Durante suas experiências atuaram em clubes internacionais de primeira divisão, contudo, nenhum deles pertencia ao Big 5.

 

    Considerando que o objetivo principal do jogo de futebol é o gol e que os atletas que mais se aproximam da meta adversária são os atacantes, conforme Gráfico 2, poderíamos inferir que essa posição tática levaria uma vantagem natural perante as outras (Moraes, Cardoso, Vieira, & Oliveira¸ 2012). Entretanto a máxima histórica que envolve os atacantes brasileiros7 durante a história do futebol, faz com que o atleta brasileiro que atue nessa posição disponha de certo privilégio sobre as demais posições. (Helal, 2003)

 

    Dos nossos entrevistados, SV era o único que atuava nessa faixa de campo. Sua fala, ilustra bem a afirmação de Helal:

    Velho [pausa], você é brasileiro, atacante [pausa] eles acham que você faz mágica. Primeira semana eu fiz dois gols e o Sheik só me faltou levar pra morar com ele (sic). Fui fazendo gols e ganhando moral na cidade [pausa] almoçava de graça, lanchava de graça.

    Percebemos o domínio dos continentes americanos e europeus na origem dos atletas brasileiros. Porém, os 38% de atletas que se originaram na Europa nos traz à tona um conceito de Maguire (2007): os atletas “residentes permanentes”. Os atletas “residentes permanentes” são aqueles que migram para uma determinada região buscando consolidação profissional e pessoal, criando vínculos afetivos e culturais com a região (Maguire, 2007). Comparando os números de destino e origem de brasileiros nessa região, podemos afirmar que 1 em cada 2 brasileiros que tinham origem na Europa buscaram se manter no continente, o que nos mostra uma tentativa do atleta brasileiro em continuar atuando na região.

 

    Apesar de um quantitativo somado de 50% de atletas originados de fora do país (Gráfico 4), percebemos em números absolutos que a maioria se originou do Brasil (230 atletas). Os números de Portugal também são relevantes (61 atletas). Compreendemos melhor essa representatividade uma vez que Brasil e Portugal foram, somados, a origem de 62% dos atletas transferidos na janela de inverno de 2018.

 

    Esses números nos levam a três pontos. O primeiro se baseia na concepção de Maguire (2007), fortalecida por Soca (2012) de atletas “pioneiros”. Podemos classificar como pioneiros, todos os atletas que saem de seus países em busca de se estabelecer esportivamente e financeiramente em outra nação. Compreendemos assim, que o quantitativo de atletas que saem do Brasil a cada janela, e nessa não foi diferente, reflete esse conceito. Para o segundo ponto é importante compreendermos que os números de saída e de chegada de atletas brasileiros em Portugal é bem similar, 61 e 79 respectivamente. Sendo assim, nos debruçamos sob a ótica de Tiesler (2012) que considera Portugal um local de transição para atletas estrangeiros que buscam sua entrada na Europa, com isso, o fluxo de entrada de brasileiros tende a ter a mesma velocidade do fluxo de saída. Em outro pólo, o campeonato português de futebol (Liga NOS), apesar de não ser considerado uma das ligas Big 5 da FIFA, tem contrato de transmissão para mais de 150 países desde 2012, tendo maior alcance que os 120 países que assistem o campeonato brasileiro de futebol, proporcionando boa visibilidade aos atletas que nela atuam. (CBF, 2020)

 

    Ao utilizarmos o histórico de nossos entrevistados, percebemos a importância dessa informação. Tanto AS quanto SV tiveram sua primeira experiência internacional em Portugal e, a partir dela, buscaram outros caminhos internacionais, AS para a Espanha e SV para o Oriente Médio.

 

    O terceiro ponto de análise reforça o conceito de cidadão global que Rial (2006) dá aos nossos atletas migrantes. O Centro Internacional de Estudo do Esporte (CIES, 2018) afirma que há presença de atletas brasileiros em 88% das ligas de futebol filiadas à FIFA em todo mundo, o que credita ao atleta brasileiro o status dado por Rial. Contudo, um contraponto é posto por Alvito (2006) e Tostão (2016), pois segundo os autores, a saída de atletas brasileiros do país e a sua continuidade em terras internacionais gera a queda da qualidade de futebol praticado no Brasil, uma vez que, por questões comerciais, nossos melhores atletas tendem a embarcar no fluxo migratório por longos anos.

 

    Nossos atores entrevistados vivenciaram duas situações distintas quanto às suas origens. A primeira transferência internacional de todos teve o Brasil como país de origem, contudo, a segunda transferência internacional teve Portugal (AS e SV) e Croácia (LM) como pontos de origem. Para AS, ter se originado de Portugal tem impacto no seu clube de destino:

    Quando fui pra Espanha, saindo de Portugal, foi muito diferente [pausa] parece que teve outro peso, sabe?! Parece que foi mais profissional [pausa] desde o andamento da negociação até a chegada no Real (Madrid).

    SV compartilha opinião similar quanto a importância do destino:

    Cara (sic) quando eu saí de Portugal para a Arábia, a sensação que tive, foi que eu era um “superprofissional”. Totalmente diferente de quando eu saí daqui [pausa] quando saí daqui para Portugal foi tudo tratado de forma amadora, parecia que eu jogava na várzea aqui no Rio e me profissionalizei lá (em Portugal).

    Tais falas parecem apontar que o local de origem teve influência marcante na decisão sobre as transferências dos nossos entrevistados. Entretanto, a escassez de literatura não nos permitiu inferir se essa indicação é parte do contexto migratório e não podemos generalizar por se tratar apenas de dois relatos.

 

    Os números discernentes ao nível competitivo de origem indicam não haver uma restrição competitiva para a escolha do atleta brasileiro, uma vez que jogadores de todas as divisões se transferiram. O segundo dado é a quantidade de atletas a partir da quinta divisão ou não divisionados. Quando Alvito (2006, p. 452) afirma que “na nova ordem do futebol, a parte que cabe ao Brasil é a de formar ‘pés-de-obra’ para serem oferecidos ao mercado internacional”, podemos compreender que o mercado global do futebol parece se interessar mais pelo potencial do atleta, do que seu nível competitivo de atuação.

 

    Por fim, analisamos os atletas que retornaram para o Brasil, e que segundo Maguire (2007) passam a se chamar de repatriados (Gráfico 5). Para Soca (2012), a maior parte dos atletas que retorna ao seu país de origem já se encontra em declínio desportivo e agrega pouco ao futebol nacional. Além desta afirmação, o autor acredita que os altos salários recebidos por esses atletas em terras internacionais inflacionam o futebol de países economicamente desfavorecidos e em desenvolvimento, como o Uruguai, Colômbia, Argentina e Brasil.

 

    O quantitativo absoluto dos repatriados foi de apenas trinta e cinco atletas. Quando olhamos para o número total de transferência, percebemos que os atletas que retornaram ao Brasil correspondem à cerca de 6% das transferências totais. Fraga (2009) afirma que os salários oferecidos no exterior fazem com que os atletas brasileiros não tenham desejo de retornar rapidamente ao seu país de origem. Ao analisarmos a média de idade dos repatriados, encontramos em nosso grupo 26,2 anos, que vai em direção oposta a afirmação de Soca (2012) sobre os atletas repatriarem em idade elevada. Acreditamos que não haverá uma característica absoluta relacionada a idade dos repatriados, uma vez que esse dado terá variabilidade de acordo com a nação, com a janela de transferência e com as características econômicas do país de origem no período da análise.

 

    Do quantitativo total de repatriados, a maior fatia foi oriunda da Europa. Excetuando Portugal que facilita o processo de naturalização e dupla cidadania de brasileiros, aspectos ligados à falta de nacionalização e problemas relacionados à Lei Bosman8 são alguns indicadores para o retorno de atletas estrangeiros que atuam nos demais países que estão sob esse regime legal (Ruggi, 2008). SV considera essas questões importantes para a repatriação:

    Toda semana chegavam agentes com jogadores de todos os lugares [pausa] e pra piorar, vinha uma leva com dupla nacionalidade. Como é que compete? Fica muito difícil se manter, só quem é muito diferenciado.

    Os fatores que dificultam a adaptação no local de destino parecem ser itens que aceleram o processo de repatriação. Rial (2006, 2008) coloca entre esses fatores a cultura, o clima, a linguagem e a distância da família. Para os atletas entrevistados, o seio familiar foi o item ponderado no momento da decisão de retornar ao Brasil:

    Quando vai batendo assim, 2, 3 meses né [pausa] você sente falta [pausa] não só da sua família, como dos seus amigos [pausa] do seu convívio né! Então isso [pausa] às vezes no final de semana, vai batendo uma carência, isso influencia muito (LM).

 

    Você ficar longe dos seus amigos, da sua família [pausa] em Portugal, a Europa em si as pessoas são mais fechadas, mais reservadas [pausa] e eu senti muita falta disso, desse bate papo, bate papo de portão com seu vizinho [pausa] vai na casa do seu amigo [pausa] lá era totalmente diferente (AS).

    Mesmo considerando o advento da Internet nos dias atuais, o contato físico com os familiares e entes queridos são considerados itens de suporte à carreira de profissionais que buscam oportunidades longe de suas origens. (Marques, & Samulski, 2009)

 

    Inicialmente observamos a supremacia dos atacantes em relação às outras posições no que tange a repatriação dos atletas (Gráfico 6). Essa supremacia reflete a presença maciça dos atacantes brasileiros no fluxo migratório, independente se o movimento é de saída ou de retorno. Ademais, a relação entre saída e entrada de jogadores por posicionamento tático foi diretamente proporcional nessa janela de transferência.

 

    A única posição tática que não aparece nessa listagem são os goleiros. Historicamente, entre os anos de 1950 e 1980, os brasileiros desta posição não detinham prestígio internacional como as outras posições, decorrente de falhas que geraram algumas derrotas expressivas, sendo a final da Copa do Mundo de 1950 como a mais noticiada (Guilherme, 2014). Essa percepção sobre goleiros brasileiros se transforma a partir dos anos de 1990 com carreiras de sucesso construídas na Europa por atletas como Taffarel (1990 a 2003 - Parma Calcio, Calcio Reggiana e Galatasaray Spor), Dida (2003 a 2011 - A.C. Milan) e Júlio César (2005 a 2018 - F.C. Internazionale, A.C. Chievo Verona, Queens Park Rangers e S.L. Benfica) (Guilherme, 2014). O ponto mais alto da consolidação dos goleiros no mercado internacional se deu com a venda do atleta Alisson Becker, da Roma (Itália) para o Liverpool (Inglaterra) por, aproximadamente, R$ 322 milhões, a transferência mais valiosa da janela de transferência que analisamos (TMS-FIFA, 2018).

 

    Com este crédito na nova ordem mundial do futebol, a repatriação dos goleiros brasileiros é cada vez menor.

 

Conclusões 

 

    Podemos inferir que o panorama migratório de atletas de futebol brasileiro é constituído por algumas características que emergiram através da análise quantitativa e das experiências individuais, qualitativa e interpretativa de três atletas.

 

    Quanto ao destino, o desenho migratório parece definido em duas frentes. A primeira e maior frente se dirige para Portugal devido às relações históricas, as facilidades legais e similaridades culturais, linguísticas e climáticas. A segunda frente se move para o Oriente Médio motivada pela capacidade de ascensão econômica que a região possibilita. Os atacantes representam a maior parcela dos atletas que se destinam às novas nações, devido a sua vantagem tática relacionada ao objetivo do futebol e pela mística que o atacante brasileiro possuí no mercado do futebol.

 

    Sobre as origens de nossos atletas, percebemos a presença brasileira em 4 continentes, reforçando a teoria construída por Carmem Rial (2008) sobre a fomentação da “cidadania global” dos jogadores de futebol brasileiro em busca da consolidação de suas carreiras. A repatriação reflete o baixo número de retorno de atletas brasileiros, que buscam continuar se movendo entras as nações. Contudo, a dificuldade de obtenção da cidadania europeia e a distância familiar parecem ser os principais motivos para a definição do momento de repatriação.

 

    Os dados e os participantes analisados apresentam uma realidade diferente das que vimos nas migrações vivenciadas pelos grandes nomes da modalidade: o fluxo migratório dos atletas brasileiros de futebol é, em sua maioria, entre clubes de pequeno e médio porte e para regiões com pouca ou nenhuma tradição no futebol mundial.

 

    Algumas limitações ainda permeiam os estudos sobre migração nos esportes como a dificuldade da obtenção de informações sobre as transferências, pouca literatura que aborde outras perspectivas além da socioeconômica e a percepção de agentes, dirigentes e treinadores. Por tanto, sugerimos a realização de mais estudos sobre migração que possam aumentar a abrangência do fenômeno.

 

Notas 

  1. Allan dos Santos e Leonardo Martins concordaram com a divulgação de seus nomes por extenso.

  2. SV não autorizou a divulgação de seu nome por extenso. No entanto, utilizaremos suas iniciais no percurso do estudo, assim como os demais.

  3. Oriente Médio está localizado a oeste do continente asiático e é formado por 15 países, a saber: Afeganistão, Arábia Saudita, Bahrain, Catar, Emirados Árabes Unidos, Iêmen, Irã, Iraque, Israel, Jordânia, Kuwait, Líbano, Omã, Síria e Turquia. Tem sua economia baseada estritamente nas riquezas minerais e é considerado por geógrafos, historiadores e cartógrafos como o centro do mundo (Francisco, 2020)

  4. “Beira Mar” – Portugal, Pt.

  5. “Madeira” – Portugal, Pt.

  6. “NK Varsóvia” – Légia de Varsóvia, Croácia, Cro.

  7. Podemos exemplificar com Pelé (Tricampeão Mundial e maior artilheiro da história do futebol), Garrincha (Bicampeão Mundial), Careca (Tricampeão brasileiro e melhor do mundo em 1986, segundo a FIFA), Romário (Campeão Mundial, melhor do mundo em 1994, segundo a FIFA), Ronaldo Nazário (Bicampeão Mundial e três vezes melhor do mundo segundo a FIFA em 1996, 1997 e 2002).

  8. Entendemos por Lei Bosman uma emenda anexada à legislação trabalhista europeia em 1995, que limitou o número de atletas não pertencentes à comunidade europeia entendendo essa barreira como forma de proteger postos de trabalho de cidadãos europeus. Essa emenda foi anexada ao Tratado de Roma, assinado em 1957, que configurava a legislação de trabalho adotada pela Comunidade Econômica Europeia (futura UE). Não obstante, a União das Associações Europeias de Futebol (UEFA), por ser uma instituição subordinada legalmente a UE, teve de respeitar tais recomendações.

Referências 

 

Aguiar-Confraria, L.,Alexandre, F., & Pinho, M. (2012). O euro e o crescimento da economia portuguesa: uma análise contrafactual. Análise social, 203, 298-321. Recuperado de: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0003-25732012000200003

 

Alvito, M. (2006). «A parte que te cabe neste latifúndio»: o futebol brasileiro e a globalização. Análise Social, 179, 451-474. Recuperado de: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?pid=S0003-25732006000200007&script=sci_arttext&tlng=es

 

Barbosa, W. Do, N. (2011). Neocolonialismo: Um Conceito Atual? Sankofa. São Paulo, 4(8), 7-11. Recuperado de: http://www.periodicos.usp.br/sankofa/article/download/88803/91686

 

Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.

 

Brandão, M. R. F., Magnani, A., Tega, E., &Medina, J. P. (2013). Além da cultura nacional: o expatriado no futebol. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 21(2), 177-182. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.18511/0103-1716/rbcm.v21n2p177-182

 

Brasil (2012). Resolução nº 466, de 12 de Dezembro. Dispõe sobre as diretrizes e normas regulamentadoras das pesquisas envolvendo seres humanos e atualiza a resolução nº 196/96. Conselho Nacional de Saúde, Brasília, DF, Dez 2012. Recuperado de: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html

 

Brasil (2016). Resolução nº 510, de 07 de Abril. Dispõe sobre as normas aplicáveis a pesquisas em Ciências Humanas e Sociais cujos procedimentos metodológicos envolvam a utilização de dados diretamente com os participantes. Conselho Nacional de Saúde, Brasília, DF, Abr 2016. Recuperado de: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/reso510.pdf

 

Chan, Y. H. (2003). Biostatistics 101: data presentation. Singapore medical journal, 44(6), 280-285. Recuperado de: https://medicine.nus.edu.sg/rsu/wp-content/uploads/sites/15/2020/02/biostat101_resources3.pdf

 

Confederação Brasileira de Futebol - CBF (2020). CBF e Clubes concluem primeira fase da venda de direitos internacionais. Recuperado de https://www.cbf.com.br/futebol-brasileiro/noticias/campeonato-brasileiro-serie-a/cbf-e-cnc-concluem-primeira-fase-da-venda-de-direitos-internacionais

 

Dalfovo, M. S., Lana, R. A., & Silveira, A. (2008). Métodos quantitativos e qualitativos: um resgate teórico. Revista interdisciplinar científica aplicada, 2(3), 1-13. Recuperado de: https://es.scribd.com/document/150045762/

 

Darby, P. (2006). Migração para Portugal de jogadores de futebol africanos: recurso colonial e neocolonial. Análise social, 179, 417-433. Recuperado de: http://www.scielo.mec.pt/pdf/aso/n179/n179a05.pdf.

 

Darby, P., & Hassan, D. (2007). Locating sport in the study of the Irish diáspora. Sport in Society, 10(3), 333-346. Recuperado de: https://doi.org/10.4000/etnografica.1391

 

Dimeo, P., & Ribeiro, C. H. de V. (2009). ‘I Am Not A Foreigner Anymore’: A Micro-Sociological Study Of The Experiences Of Brazilian Futsal Players In European Leagues. Movimento, 15(2), 33-44. Recuperado de: https://doi.org/10.22456/1982-8918.3082

 

FIFA - Fédération Internationale de Football Association (2018). Associations – 2018. Recuperado de: https://www.fifa.com/associations/index.html

 

FIFA - Fédération Internationale de Football Association (2018). Transfer Matching System - TMS. Recuperado de: https://www.fifatms.com/data-reports/reports/

 

Fontanella, B.J.B., Ricas, J., & Turato, E. R. (2008). Amostragem por saturação em pesquisas qualitativas em saúde: contribuições teóricas. Cadernos de Saúde Pública, v. 24, p. 17-27. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003

 

Fraga, N. de O. (2009). Repatriando grandes jogadores de futebol ações de patrocínio. 41f. Monografia (Graduação). Faculdade de Tecnologia e Ciências Sociais Aplicadas – FATECS. Brasília. Recuperado de: https://repositorio.uniceub.br/jspui/handle/123456789/2188

 

Francisco, W. de C. (2020). Oriente Médio; Brasil Escola. Recuperado de: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/oriente-medio.htm

 

Gil, A. C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa (4ª ed.). São Paulo: Atlas.

 

Gobo, K. L. (2007). Década de 1970: a política externa e o papel do Itamaraty. 125f. Tese (Doutorado). Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. Recuperado de: https://doi.org/10.22456/1982-5269.74687

 

Godoy, A. S. (1995). Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de administração de empresas, 35(2), 57-63. Recuperado de: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rae/article/viewFile/38183/36927

 

Guilherme, P. (2014). Goleiros: heróis e anti-heróis da camisa 1. São Paulo: Alameda Casa Editorial.

 

 

Helal, R. (2003). A construção de narrativas de idolatria no futebol brasileiro. Revista Alceu, 4(7), 19-36. Recuperado de: https://www.ludopedio.com.br/v2/content/uploads/273423_a-construcao-de-narrativas-de-idolatria.pdf

 

International Federation Of Football History & Statistics – IFFHS (2018). The Strongest National Leagues in 2017. Recuperado de https://iffhs.com/dev/7292/the-strongest-national-league-of-the-world-spains-la-liga-again-number-1

 

Maguire, J. (2007). 'Política' o 'Ética': deporte, globalización, migración y políticas nacionales. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital, 12(111). Recuperado de: https://www.efdeportes.com/efd111/deporte-globalizacion-migracion-y-politicas-nacionales.htm

 

Manning, P. (2013). Migration in world history (2ª ed.). London: Routledge.

 

Marques, M. P., & Samulski, D. M. (2009). Análise da carreira esportiva de jovens atletas de futebol na transição da fase amadora para a fase profissional: escolaridade, iniciação, contexto sócio-familiar e planejamento da carreira. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 23(2), 103-119. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S1807-55092009000200002

 

Mataruna, L. J. dos S., Range, D., Guimaraes, A. L. P., Carvalho, L. A. V., & Zardini Filho, C. E. (2018). Football in Brazil in the perspective of business and management. In: Simon Chadwick, Daniel Parnell, Paul Widdop, & Christos Anagnostopoulos (Org.). Routledge Handbook of Football Business and Management (1st. ed.), v. 01, p. 558-578. London: Taylor & Francis Group.

 

Melo, V. A. de R., & Junior, C. P. da (2012). Esporte, pós-colonialismo, neocolonialismo: um debate a partir de Fintar o destino (1998). Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 34(1), 235-251. Recuperado de: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/968

 

Moraes, J. C., Cardoso, M. F. da S., Vieira, R., & Oliveira, L. (2012). Profile of characterizes goals football teams in high yield/Perfil caracterizador dos gols em equipes de futebol de elevado rendimento. Revista Brasileira de Futsal e Futebol, 4(12), 140-151. Recuperado de: http://www.rbff.com.br/index.php/rbff/article/view/144

 

Nanni, D. R. (2011). Investimento direto estrangeiro no setor bancário brasileiro entre os anos de 1990 e 2010. 48 f. Monografia (Graduação em Ciências Econômicas). Faculdade de Economia da Fundação Armando Alves Penteado.

 

Do Nascimento, D. R., Ribeiro, C. H. V., & Pereira, E. G. B. (2019). Futebol e migração: a perspectiva dos treinadores brasileiros no exterior. Motrivivência, 31(60). Recuperado de: https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e59846

 

Peters, V. R. (2017). Gol contra? Análise do desempenho econômico do futebol brasileiro em relação às dez principais ligas europeias (2010-2015). 80 f. Monografia (Graduação). Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Recuperado de: https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/180476

 

Pisani, M. da S. (2014). Migrações e deslocamentos de jogadoras de futebol: Mercadoria que ninguém compra. Esporte e Sociedade, 9(23), 1-11. Recuperado de: https://www.ludopedio.com.br/v2/content/uploads/042748_es2308.pdf

 

Poli, R., Ravenel, L., & Besson, R. (2018). Football Analytics: The CIES Football Observatory 2017/2018 Season. CIES Football Observatory. Recuperado de: https://football-observatory.com/IMG/pdf/cies_football_analytics_2018.pdf

 

Rial, C. (2006). Jogadores brasileiros na Espanha: emigrantes porém... Revista de dialectología y tradiciones populares, 61(2), 163-190. Recuperado de: https://doi.org/10.3989/rdtp.2006.v61.i2.20

 

Rial, C. (2008). Rodar: a circulação dos jogadores de futebol brasileiros no exterior. Horizontes antropológicos, 14(30), 21-65. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S0104-71832008000200002

 

Ruggi, L. (2008). Transformações legais nas transferências internacionais de jogadores de futebol. In: VI Congresso português de sociologia. Lisboa, p. 2-10. Recuperado de: https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=4560356

 

Santarosa, M., & Ventura, A. de F. (2010). A Transferência de jogadores de futebol brasileiros para a Europa. São Paulo: 8ª Mostra Acadêmica UNIMEP. Recuperado de: http://www.unimep.br/phpg/mostraacademica/anais/8mostra/4/171.pdf

 

Serapioni, M. (2000). Métodos qualitativos e quantitativos na pesquisa social em saúde: algumas estratégias para a integração. Ciência & Saúde Coletiva, 5(1), 187-192. Recuperado de: https://doi.org/10.1590/S1413-81232000000100016

 

Singer, P. (1980). O povo em movimento. São Paulo: Vozes.

 

Soca, D. W. S. (2012). Deporte y migración: aportes para su comprensión desde el caso uruguayo. Revista da ALESDE, 2(2), 33-43. Recuperado de: https://www.ludopedio.com.br/v2/content/uploads/022101_30791-113077-1-PB.pdf

 

Taylor, M. (2006). Global players?: Football, migration and globalization, c. 1930-2000. Historical social research, 31(1), 7-30. Recuperado de: https://www.jstor.org/stable/20762099

 

Tiesler, N. C. (2012). Diasbola: futebol e emigração portuguesa. Etnográfica. Revista do Centro em Rede de Investigação em Antropologia, 16(1), 77-96. Recuperado de: https://doi.org/10.4000/etnografica.1391

 

Tostão (2016). Tempos vividos, sonhados e perdidos: um olhar sobre o futebol. São Paulo: Companhia das Letras.

 

Young, R. (2016). Postcolonialism: an historical introduction. Chichester, Inglatera: John Wiley & Sons.


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 271, Dic. (2020)