Migração
no futebol brasileiro: a experiência de jogadores cariocas
Soccer
Migration from Brazil: the Experience of Rio de Janeiro Players
Migración
en el fútbol brasileño: la experiencia de los jugadores de Río de Janeiro
Diego
Ramos do Nascimento*
personalnascimento@gmail.com Carlos Henrique de Vasconcellos Ribeiro**
c.henriqueribeiro@gmail.com Alexandre Palma***
palma_alexandre@yahoo.com.br Erik Giuseppe Barbosa Pereira****
egiuseppe@eefd.ufrj.br
*Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Graduação em Educação Física (UniSuam); Mestrado em Educação Física
(UFRJ); Doutorando em Educação Física (UFRJ)
**Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC-RJ)
Graduação em Educação Física (UFRJ
Mestrado
em Educação Física (UGF); Doutor em Saúde Pública (FIOCRUZ)
***Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Graduação em Educação Física (UGF)
Mestrado
em Educação Física (UGF)
Doutor
em Saúde Pública (FIOCRUZ)
****Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Graduação em Educação Física (UFRJ)
Mestrado
em Ciência da Motricidade Humana (UCB)
Doutor
em Ciências do Exercício e do Esporte (UERJ)
(Brasil)
Recepção:
27/06/2020 - Aceitação: 05/11/2020
1ª
Revisão: 18/09/2020 - 2ª Revisão: 02/11/2020
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este
trabalho está sob uma licença Creative Commons
Atribuição-NãoComercial-SemDerivações
4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)
: Nascimento, D.R. do,
Ribeiro, C.H. de V., Palma, A., & Pereira, E.G.B. (2020). Migração no
futebol brasileiro: a experiência de jogadores cariocas. Lecturas:
Educación Física y Deportes, 25(271), 2-21. Recuperado de: https://doi.org/10.46642/efd.v25i271.2378
Resumo
Objetivo: O objetivo do estudo foi apresentar o panorama das migrações de
atletas brasileiros de futebol, relacionando com as experiências de três
atletas. Método: O estudo apresenta característica quali-quantitativa e
caráter descritivo. Avaliou-se as transferências profissionais realizadas
no inverno de 2018 contidas em portais da Federação Internacional de
Futebol (FIFA) e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), além de
entrevistas com três atletas. Resultados e conclusão: Conclui-se que
Portugal e Oriente Médio são os principais destinos. Das posições
táticas, os atacantes são os mais presentes. O número de retorno de
brasileiros representa menos de 10% do total das transferências.
Unitermos
: Esporte. Futebol.
Migração. Brasil.
Abstract
Objective: The aim of the study was to present the panorama of the migration
of Brazilian soccer athletes, relating to the experiences of three athletes.
Methods: The study has quali-quantitative characteristics and descriptive
character. We evaluated the professional transfers made in the winter of
2018 contained in Federation International de Football Association (FIFA)
and Brazilian Football Confederation(CBF) portals, as well as interviews
with three athletes. Results and conclusion: It is concluded that Portugal
and the Middle East are the main destinations. Of the tactical positions,
the attackers are the most present. The return number of Brazilians
represents less than 10% of total transfers.
Keywords
: Sport. Soccer. Migration.
Brazil.
Resumen
Objetivo: El objetivo del estudio fue presentar el panorama de la migración
de los atletas de fútbol brasileños, en relación con las experiencias de
tres atletas. Método: El estudio tiene una característica cualitativa y
cuantitativa y un carácter descriptivo. Se evaluaron las transferencias
profesionales realizadas en el invierno de 2018 contenidas en los portales
de la Federación Internacional de Fútbol (FIFA) y la Confederación
Brasileña de Fútbol (CBF), además de entrevistas con tres atletas.
Resultados y conclusiones: Se concluye que Portugal y Medio Oriente son los
principales destinos. De las posiciones tácticas, los atacantes son los
más presentes. El número de brasileños que regresan representa menos del
10% de las transferencias totales.
As migrações humanas são fenômenos de mobilidade de grupos sociais que
ocorrem desde a pré-história, com motivações que se modificaram de acordo
com o período histórico e social (Manning, 2013). As migrações humanas
modernas são temporalmente localizadas a partir de 1900 e estão pautadas
através da visão Marxista que consiste na análise das condições
geopolíticas e socioeconômicas do local de origem (Singer, 1980). Com a
estruturação do Esporte moderno e com o aumento do processo de globalização
no período, as modalidades esportivas sofreram mudanças na sua composição
através da profissionalização e comercialização da sua mão de obra
(Taylor, 2006). Segundo Taylor, essas modificações estruturais são a base das
migrações esportivas modernas.
Atualmente, os debates internacionais sobre o fenômeno da migração no Esporte
se concentram no Reino Unido, com os sociólogos Joseph Maguire, Paul Dimeo e
Paul Darby; em Portugal com a cientista política Nina Clara Tiesler e na
América do Sul (Uruguai) com o professor Dante Soca. No Brasil, os destaques
são a antropóloga Carmen Rial e os professores Carlos Henrique Ribeiro e Diego
Nascimento.
Para Maguire (2007), as migrações esportivas são as transições, nacionais e
internacionais, que os atletas fazem durante a sua carreira em busca de novas
experiências profissionais, podendo ser motivadas por questões técnicas ou
econômicas. Já para Young (2016) há uma relação pós-colonial ligada às
migrações esportivas, sugerindo que atletas de países desfavorecidos
socioeconomicamente buscam se estabelecer em países com melhor estrutura
esportiva e sistema econômico consolidado a nível mundial.
Quando o objeto de estudo são os jogadores de futebol, o panorama migratório
de atletas não brasileiros encontrado por Darby (2006) e Soca (2012) apresenta
a ascensão socioeconômica como principal motivo para movimentação. Para
além disso, Tiesler (2012) acrescenta a presença de relações diaspóricas
que se dão por meio do caminho migratório que direciona atletas de antigas
colônias para suas antigas colonizadoras.
Os atletas brasileiros de futebol seguem a tendência socioeconômica como
motivo principal de sua escolha (Dimeo, & Ribeiro, 2009). Entretanto,
motivos ligados às características religiosas, de origem social e de
similaridades culturais, incluem variáveis antropológicas como
particularidades dos atletas brasileiros que embarcam nesse fluxo. (Rial, 2006;
2008)
Estas questões antropológicas se ampliam quando as dificuldades são postas em
questão. Rial (2008) apresenta, primeiramente, as barreiras culturais como uma
das principais dificuldades vivenciadas pelos atletas. Em segundo lugar, para a
autora, a identidade nacional e a naturalização são outras questões
intervenientes no processo de migração, pois mesmo que em posição de um
atleta global, mundialmente conhecido e legalmente pertencente a seu país de
origem, a ligação às origens nacionais compromete sua inclusão às novas
culturas. (Santarosa, & Ventura, 2010)
Acreditamos que o aprofundamento nas questões acima podem
contribuir nos debates sobre as migrações nos esportes, incluindo, além das
questões socioeconômicas debatidas em estudos sociológicos e antropológicos,
questões relacionadas aos padrões técnico-esportivos que podem influenciar ou
serem influenciados por essas mobilidades.
Após essa contextualização, esta pesquisa é orientada pelas seguintes
questões: como se configura, sob o olhar técnico e socioeconômico, o panorama
das migrações de atletas brasileiros de futebol masculino e como esse cenário
se relaciona com as experiências de atletas profissionais?
Para tanto, nosso objetivo é apresentar o panorama das migrações de atletas
brasileiros de futebol masculino de acordo com as questões técnicas, sociais e
econômicas da modalidade, relacionando com as experiências de atletas
brasileiros de futebol de alto rendimento.
Métodos
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital
Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro,
sob protocolo número 67523717.8.0000.5257. É de natureza quali-quantitativa e
de caráter descritivo.
As
características qualitativas desse estudo se apresentam na utilização das
perspectivas dos atletas para busca da compreensão sobre o fenômeno (Godoy,
1995). Já as características quantitativas se dão através da exposição das
peculiaridades do fenômeno por meio da análise descritiva de dados (Dalfovo,
Lana, & Silveira, 2008). A escolha por essa natureza de pesquisa se
deu pois os métodos não se contradizem, nem se opõe. Considerando por um lado
a característica quantitativa de análise de dados, de indicadores e de
tendências e por outro as características qualitativas que se dirigem às
representações, aos conceitos, aos credos e aos hábitos, a junção dos
métodos minimiza as lacunas deixadas por cada uma isoladamente, enriquecendo
metodologicamente a pesquisa. (Serapioni, 2000)
Com relação ao caráter descritivo, Godoy (1995), acredita que essa
característica se dá pela apresentação de uma compreensão dilatada sobre o
assunto que, só é possível, através da preocupação constante com o
processo que somente a pesquisa qualitativa permite.
Foram utilizados 2 instrumentos para obtenção dos resultados. O primeiro dos
instrumentos utilizados foram os dados das transferências internacionais
ocorridas entre janeiro e abril de 2018 acessados pelos portais Transfer
Matching System (TMS–FIFA) e GestãoWeb (GW-CBF). A escolha deste
período de transferências se deu pela proximidade com a construção desse
trabalho, trazendo assim os dados mais recentes. O segundo instrumento utilizado
foi entrevistas semiestruturadas seguindo um roteiro de seis perguntas que
versavam sobre o histórico pessoal e esportivo, relações com os países de
destino/origem, dificuldades no processo de migração e visão sobre o mercado
esportivo. Tais encontros ocorreram nos meses de fevereiro e abril de 2018 em
uma sala reservada de uma academia de ginástica da capital do Rio de Janeiro,
sem a presença de estímulos musicais e visuais que pudessem interferir no
andamento da entrevista. A escolha desse local foi de comum acordo entre a
autoria e seus entrevistados.
Para seleção dos atletas, nos apoiamos na amostragem intencional sugerida por
Fontanella, Ricas, & Turato (2008), seguindo quatro critérios: a)
nacionalidade brasileira; b) experiência profissional em clubes no Brasil; c)
experiências internacionais e; d) experiência migratória vivenciada após a
maioridade. Com isto, selecionamos três atletas oriundos do Rio de Janeiro e
utilizamos o primeiro contato para explanação abreviada dos objetivos da
pesquisa.
São eles: Allan dos Santos1 (AS), meia ofensivo, 25 anos, atuou em
clubes como C.R. Vasco da Gama e Fluminense F.C. no país e internacionalmente
em clubes como Real Madrid Castilla C.F. (Espanha) e S.C Beira Mar (Portugal). Leonardo
Martins1 (LM), meia defensivo e lateral direito, 27 anos, atuou no Brasil
no C.F. Zico e no C.R. Flamengo e internacionalmente destacamos sua presença no
Légia de Varsóvia (Croácia). SV2, atacante, 32 anos, defendeu no
Brasil clubes como Madureira E.C, S.D Juazeirense e internacionalmente clubes
como Al Shabad F.C (Arábia Saudita) e Club Sport Marítimo (Portugal).
A repetição dos dados encontrados nas entrevistas desses atletas nos levou ao
fechamento amostral seguindo o processo de saturação teórica (Fontanella,
Ricas, & Turato, 2008), contudo, considerando que os três entrevistados
são oriundos do Rio de Janeiro, entendemos que atletas naturais de outros
estados podem ter pontos de vista variados. Ainda assim, pela experiência
intercontinental que nossos atores sociais tiveram, acreditamos que os
conteúdos obtidos através do instrumento aplicado possuem o embasamento
necessário para dialogar com os dados numéricos de forma consistente.
Os encontros com esses atletas aconteceram pessoalmente, de forma individual, em
uma sala reservada de uma academia de ginástica no Rio de Janeiro.
Primeiramente, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido para
identificação do objetivo e das condutas éticas e posterior assinatura dos
envolvidos. As durações das três entrevistas somaram 1hora 26 minutos,
conduzida pela autoria da pesquisa. Com estas atitudes, cumprimos as
recomendações éticas sugeridas pela Resolução 466/2012 (Brasil, 2012) e
pela Resolução 510/2016 (Brasil, 2016).
Os dados coletados nos portais foram exportados em relatórios que continham
informações sobre a nacionalidade do atleta, sua idade, seu posicionamento
tático, seu clube de origem e seu clube de destino, em um total de 560 atletas.
A seguir, apoiados nas técnicas da análise documental (Gil, 2002),
reelaboramos os dados de acordo com o objetivo proposto e realizamos duas
reduções nos relatórios. A primeira redução ocorreu com a organização das
transferências de acordo com os continentes de origem, de destino
e de repatriação. A partir desta, os países foram classificados em
ordem decrescente. Por fim, a terceira base surge com a separação dos clubes
de cada país. Com os dados reorganizados, a análise percentual contida na
estatística descritiva foi utilizada para apresentação dos resultados. (Chan,
2003)
Para depurar os dados das entrevistas, utilizamos a Análise de Conteúdo (AC),
respeitando as três etapas obrigatórias à luz de Laurence Bardin (2011): a)
primeiras aproximações com as falas e criação dos indicadores; b) imersão
do conteúdo encontrado em cada entrevista para codificação do material e; c)
junção das falas comuns com o intuito de reagrupá-las em categorias e
correlacioná-las com os dados.
Resultados
Considerando os dados relacionados aos destinos dos atletas brasileiros,
percebemos um direcionamento de atletas brasileiros para quatro dos seis
continentes. Os continentes de destino de brasileiros são a Europa (62%), Ásia
(29%), Oceania (5%) e Américas (4%). Em tempo, alguns países como Egito,
Chipre, Indonésia e Turquia, possuem duas porções continentais. Para
agrupamento analítico, consideramos a faixa geográfica que o clube de
atuação pertence.
Aprofundando os locais de destino apresentamos os dez principais países que
receberam o maior quantitativo de brasileiros durante a janela de inverno
europeia de 2018 (Gráfico 1).
A análise seguinte foi referente ao nível competitivo de destino, ou seja,
qual divisão nacional a equipe se enquadrava naquele ano. O nível competitivo
está ligado diretamente ao nível técnico da competição, à exposição
comercial dos profissionais envolvidos decorrente da cobertura midiática e aos
valores econômicos circulantes na divisão. Com os dados organizados,
encontramos a seguinte distribuição: Primeira Divisão (84%); Segunda Divisão
(15%); e Terceira Divisão (1%).
No que tange às análises das transferências por posicionamento técnico,
encontramos o seguinte painel (Gráfico 2).
Avançando nos resultados, distribuímos as posições táticas de acordo com o
continente de atuação. Os atacantes estavam presentes nos 4 continentes que
tiveram transferências, ao passo que as demais posições se destinaram para
dois ou três continentes, como demonstra o Gráfico 3 a seguir.
Para uma análise profunda do fluxo migratório esportivo, os locais de origem
detêm a mesma importância que os locais de destino (Soca, 2012). Os atletas
brasileiros se originaram do continente americano (50%), do continente europeu
(38%), do continente asiático (10%) e da Oceania (2%).
Quanto aos países que lideram as origens de atletas brasileiros, os 10
principais são os seguintes (Gráfico 4).
Ao analisarmos o nível competitivo de origem dos atletas, temos o seguinte
painel: Primeira Divisão (60%); Segunda Divisão (20%); Terceira Divisão (3%),
Quarta Divisão (2%); Divisões Inferiores (15%).
Apresentaremos agora a representação continental da divisão competitiva na
última atuação dos atletas brasileiros que retornaram de outras países
(Gráfico 5).