Lecturas: Educación Física y Deportes | http://www.efdeportes.com

ISSN 1514-3465

 

Epistemologia da prática pedagógica na Educação Física e esporte. 

Mapeamento a partir de um instrumento metodológico

Epistemology of Pedagogical Practice in Physical Education and Sport. 

Mapping from a Methodological Instrument

Epistemología de la práctica pedagógica en Educación Física y deporte. 

Mapeo desde un instrumento metodológico

 

Luis Felipe Nogueira Silva*

luisfelipenogu@gmail.com

Lucas Leonardo**

lucasleo@gmail.com

Alcides José Scaglia***

alcides.scaglia@gmail.com

 

*Mestre em Educação Física e Sociedade

pela Faculdade de Educação Física (FEF)

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Bacharel em Ciências do Esporte pela Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA)

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Membro do LEPE (Laboratório de Estudos em Pedagogia do Esporte)

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo

**Mestre em Educação Física e Sociedade pela Faculdade de Educação Física (FEF)

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Licenciado e Bacharel Faculdade de Educação Física (FEF)

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Docente da Faculdade Unida de Campinas/Goiânia (FACUNICAMPS)

Diretor científico-pedagógico da Federação Paulista de Handebol (FPHB)

Membro do LEPE (Laboratório de Estudos em Pedagogia do Esporte)

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo

***Livre-docente em Pedagogia do Esporte e Pedagogia do Jogo

Docente da Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA)

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Professor pleno do programa de Mestrado e Doutorado

da Faculdade de Educação Física (FEF)

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

Co-coordenador do LEPE (Laboratório de Estudos em Pedagogia do Esporte)

da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), São Paulo

(Brasil)

 

Recepção: 16/06/2020 - Aceitação: 09/02/2021

1ª Revisão: 25/10/2020 - 2ª Revisão: 31/01/2021

 

Level A conformance,
            W3C WAI Web Content Accessibility Guidelines 2.0
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0

 

Creative Commons

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Silva, L.F.N., Leonardo, L., e Scaglia, A.J. (2021). Epistemologia da prática pedagógica na Educação Física e esporte. Mapeamento a partir de um instrumento metodológico. Lecturas: Educación Física y Deportes, 25(274), 145-163. https://doi.org/10.46642/efd.v25i274.2344

 

Resumo

    Ciência do conhecimento humano, a epistemologia, também sustentáculo da prática pedagógica e das teorias da aprendizagem,é amparada por três vertentes conceituais - a inatista ou apriorista, a empirista e a interacionista - que, por sua vez, dão luz à diferentes abordagens de ensino e saberes pedagógicos que sustentam o processo de aprendizagem e ação docente na Educação Física e no esporte. O objetivo do estudo, assim, passou por elucidar os procedimentos de construção de um instrumento metodológico que mapeie as bases epistemológicas de profissionais e futuros profissionais de Educação Física e esporte, materializado pela aplicação de um questionário fechado com estudantes de graduação e pós-graduação dos cursos de Educação Física e Ciências do Esporte. O estudo, desse modo, tem natureza quali-quantitativa e caráter descritivo-exploratório.Ainda que tenham denotado maior aproximação aos preceitos pedagógicos interacionistas, houve, em maior ou menor medida, relevante identificação dos estudantes com as outras teorias do conhecimento. Evoca-se, assim, a importância de se fomentar reflexões quanto às teorias pedagógicas e epistemológica que sustentam a prática de ensino esportivo, de modo a minimizar contradições na ação docente.

    Unitermos: Epistemologia. Pedagogia. Educação Física. Esportes.

 

Abstract

    Epistemology, as a science of human knowledge, is supported, as a mainstay of pedagogical practice by three fundamental theories - the innate or apriorist, the empiricist and the interactionist - which, in turn, give light to different teaching approaches and pedagogical knowledge that support the learning process and teaching action in Physical Education and sport. Therefore, the objective of the study is to elucidate the procedures for the construction of a methodological instrument, understood by a closed questionnaire, which maps the epistemological bases of undergraduate and graduate students of Physical Education and Sports Sciences courses. Although they have shown a closer approach to interactionist pedagogical precepts, there was, to a greater or lesser extent, relevant identification of students with other theories of knowledge. Thus, the importance of promoting reflections on the pedagogical theories that support the practice of sports education is evoked, in order to minimize contradictions in the teaching action.

    Keywords: Epistemology. Pedagogy. Physical Education. Sports.

 

Resumen

    Ciencia del conocimiento humano, la epistemología, también un pilar de la práctica pedagógica y las teorías del aprendizaje, se sustenta en tres vertientes conceptuales -la innata o apriorista, la empirista y la interaccionista- que, a su vez, dan luz a diferentes enfoques de enseñanza y conocimientos pedagógicos que sustentan el proceso de aprendizaje y acción docente en Educación Física y Deporte. El objetivo del estudio, por tanto, fue dilucidar los procedimientos para la construcción de un instrumento metodológico que mapee las bases epistemológicas de profesionales y futuros profesionales de la Educación Física y el deporte, materializado mediante la aplicación de un cuestionario cerrado con estudiantes de pregrado y posgrado de Educación Física. y cursos de Ciencias del Deporte. Por lo tanto, el estudio, tiene un carácter cualitativo y cuantitativo y un carácter descriptivo-exploratorio. Si bien han mostrado una mayor aproximación a los preceptos pedagógicos interaccionistas, hubo, en mayor o menor medida, una identificación relevante de los estudiantes con otras teorías del conocimiento. Así, se recuerda la importancia de promover reflexiones sobre las teorías pedagógicas y epistemológicas que sustentan la práctica de la educación deportiva, con el fin de minimizar las contradicciones en la acción docente.

    Palabras clave: Epistemología. Pedagogía. Educación Física. Deportes.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 274, Mar. (2021)


 

Introdução 

 

    Fenômenos plurais e socioculturais, a Educação Física e o esporte são tangenciados pela teorias do conhecimento e de aprendizagem, que permitem desvelar a origem e o processamento de informações a partir de teorias, crenças, conceitos e a resolução dos múltiplos problemas a que os indivíduos estão sujeitos enquanto seres que pensam e agem nos contextos de ensino, vivência, aprendizagem e treinamento (Scaglia, e Reverdito, 2016). São, portanto, objetos que requerem atenção epistemológica, na medida em que a crise de identidade pela qual Educação Física e prática docente passaram nas últimas duas décadas do Século XX, validou a aproximação os fenômenos à ciência que trata da natureza do conhecimento e da relação com os processos de aprendizagem: a epistemologia. (Dutra, 2002; Becker, 2003; Schommer-Aikins, 2004)

 

    A epistemologia da prática profissional contempla o estudo do conjunto dos saberes (conhecimentos, competências, habilidades e aptidões) utilizados por profissionais de educação física e esportivos em seu espaço de trabalho cotidiano para desempenhar tarefas. É plausível inferir, desse modo, que uma das prerrogativas conceituais da epistemologia da prática está em aludir saberes e compreender os produtos de suas integrações durante as tarefas profissionais (Tardif, 2014). Trata-se de investigar como um indivíduo lida, aplica, incorpora, produz e utiliza o conhecimento, bem como ajudar o quanto são preponderantes no discurso de sua identidade pedagógica e quais são suas naturezas.

 

    Evocam-se, assim, três tendências epistemológicas das teorias de aprendizagem que ditam a fundamentação às respostas da investigação: o Inatismo, o Empirismo e o Interacionismo. Aprofundaremos o debate sobre estas três teorias do conhecimento a partir das obras de Becker (2003), Aranha (2006; 2010), Mantovani de Assis (2010), Dutra (2010), Morin (2011; 2018), Behrens (2013), Scaglia et al. (2013; 2014), Scaglia, e Reverdito (2016), Pereira (2017) e Mizukami (2019), obras às quais serão a base teórica de nosso estudo.

 

Figura 1. Articulação das obras para definição da base teórica do estudo

Figura 1. Articulação das obras para definição da base teórica do estudo

Fonte: elaborado pelos autores (2021)

 

    As ideias do Inatismo ou Apriorismo procedem da corrente filosófica racionalista, que tem em René Descartes¹, um de seus grandes expoentes. As indagações de Descartes sobre a capacidade humana em conhecer a verdade assentam-se na ideia de que a formação da inteligência de um indivíduo está ligada à sua capacidade em manifestar conteúdos mentais (Aranha, 2010; Dutra, 2010). Ao pensar a separação entre mente e corpo, o pensamento cartesiano escancara a decomposição do pensamento e a dicotomia de mundo: são desagregados o ‘saber como’ e o ‘saber quê’, a teoria e a prática, a ciência pura e a ciência aplicada, o espírito e a matéria e os processos de aprendizagem. (Dutra, 2002; Becker, 2003; Aranha, 2010; Moraes, 2010)

 

    O indivíduo exterioriza um conhecimento, tido como presente divino, internalizado a priori, desconsiderando os elementos advindos da experiência sensível (Aranha, 2010). O ato de aprender, portanto, precede a experiência e é tido como produto da absorção de conhecimentos tomados como verdades absolutas da razão, por meio da intuição ou dedução, sem questionamentos ou problematizações acerca de suas justificativas. (Dutra, 2002; 2010; Lima, 2013)

 

    A teoria do conhecimento intitulada Empirismo nega, de maneira veemente, a herança genética como um fator determinante para a aprendizagem. Tal corrente busca explicar a aquisição do conhecimento por meio das experiências sensoriais vividas provindas do meio externo para ser transformado em conteúdo mental a posteriori (Freire, 1996). O conhecimento está impregnado a um objeto, restando ao indivíduo, enquanto receptor de conteúdos mentais, incorporá-lo por meio de técnicas que levem à descoberta ou manipule comportamentos comandados por alguém que passara, algum dia, pelo mesmo processo. (Aranha, 2010)

 

    O Empirismo põe-se, assim, numa posição diametralmente oposta à esboçada pelo Racionalismo cartesiano, que sustenta a teoria do conhecimento inatista. No campo pedagógico, Francis Bacon², um dos grandes críticos das ideias inatas, condicionou o desenvolvimento integral do indivíduo à vivência e contato concreto com o mundo (Pereira, 2017). O termo empirismo, inclusive, remete à palavra grega empeiría - em português, experiência, compreendida, nesse contexto, como sinônimo de vivência e motriz do Positivismo, corrente filosófica que, além de rejeitar a incerteza, reduzia os fatos ao palpável, ao real aos olhos e ao que só pode ser comprovado pela experimentação. (Aranha, 2010)

 

    John Locke³, notável teórico empirista, considerou a alma análoga à uma tabula rasa: vazia, sem impressões, que será escrita à medida em que o indivíduo adquirir experiências. Segundo esse filósofo, a sensação, enquanto modificação mental através dos sentidos, e a reflexão, entendida como percepção da alma sobre a realidade, sustentam a construção das ideias humanas. (Aranha, 2006)

 

    Ainda que conceitualmente estejam em lados diametralmente opostos, Inatismo e Empirismo carregam pressupostos arraigados ao paradigma da ciência tradicional, uma vez florescidas durante a Idade Moderna nos séculos XVI e XVII, denotados pela linearidade, previsibilidade, objetividade e na relação causa-efeito entre sujeito e mundo. (Vasconcellos, 2013)

 

    A teoria do conhecimento Interacionista, por sua vez, sublinha o intercâmbio do ser humano com o meio, de modo a considerar a interação social como fator preponderante para formulação do conhecimento e sustentação de abordagens de ensino que primem pela reflexão dos processos pedagógicos em detrimento do conhecimento engessado e verificado apenas a partir do produto final bruto entregue aos receptores. (Becker, 2003; 2008; Aranha, 2006; 2010; Mantovani de Assis, 2010; Morin, 2011; Kuhn, 2017; Mizukami, 2019)

 

    A concepção interacionista, ao superar a dicotomia entre transmissão e produção de saberes, induz o problematizar de ações para frisar a aprendizagem e enxerga o conhecimento como produto da interação sujeito-objeto (Becker, 2003). Logo, o conhecimento carece de prática social e jamais provém da solidão: sua essência advém da noção de complexidade, que unifica as naturezas física, biológica, psíquica, cultura e histórica do indivíduo. (Giusta, 2013)

 

    Assim, é plausível assumir que o Interacionismo, na medida em que considera o conhecimento como pessoal, não-linear, e dinâmico, não está fundado em características do Inatismo ou do Empirismo, representando, de fato, uma tentativa de superação de ambas as teorias epistemológicas (Aranha, 2010). Rompe com o paradigma da ciência tradicional, validado por crenças e valores admitidos pelo senso comum, em favor do paradigma emergente e complexo. (Kuhn, 2017; Morin, 2018)

 

    As relações entre sujeito-objeto, homem-mundo, professor-aluno e treinador-jogador passam por ressignificações, uma vez alinhados à lógica sistêmica, ao considerar a interação entre esses pólos como auto organizativa e móvel, suplantando a estrutura dicotômica e unilateral posta pela dicotomia entre inato e adquirido como pressupostos pedagógicos. (Becker, 2003; Aranha, 2010; Morin, 2011; Behrens, 2013; Mizukami, 2019)

 

As implicações das epistemologias com a prática pedagógica (em Educação Física) 

 

    Scaglia, e Reverdito (2016) fornecem uma instigante fotografia pedagógica ao relacionar as raízes epistemológicas que sustentam as ações didático-metodológicas às metodologias de ensino de esportes e teorias de aprendizagem. A partir dele foi elaborada uma figura que faz alusão às linhas e estações ferroviárias, de modo a representá-las pelas três grandes teorias do conhecimento e suas teorias pedagógicas adjacentes.

 

Figura 2. Das teorias do conhecimento às metodologias de ensino do esporte

Figura 2. Das teorias do conhecimento às metodologias de ensino do esporte

Fonte: Nogueira Silva (2020), adaptado de Scaglia, e Reverdito (2016)

 

    A teoria do conhecimento Inatista sustenta a abordagem pedagógica naturalista, cujos preceitos são congruentes ao pensamento filosófico racionalista, amparando-se, precipuamente, no determinismo (Aranha, 2006). Segundo essa corrente epistemológica, o amadurecimento biológico e a bagagem hereditária, bem como a aplicação de estímulos corretos nos momentos oportunos, valida a seleção natural que diferencia indivíduos talentosos de não talentosos. (Freire, 2000; 2010; Dalbosco, 2012; Peres, 2014)

 

    O pedagogo, no papel de professor ou treinador, como detentor máximo do saber, assume o papel de mero descobridor de talentos, cuja função passa por diferenciar os talentosos dos não talentosos (Scaglia et al., 2014). Ele é o responsável por promover lampejos intuitivos e enfatizar, por meio do verbalismo, cópias figurativas da realidade para o despertar do raciocinar dos alunos. (Franco, 1997)

 

    No esporte, os princípios empiristas são reverberados metodologicamente pela concepção analítico-sintética, que tem no aperfeiçoamento da técnica sua finalidade. São enfatizados durante o ensino, vivência e aprendizagem esportivas a repetição de tarefas a partir do isolamento de movimentos e habilidades, compreendidos como partes mecânicos que carecem, pouco a pouco, de anexação. (Scaglia et al., 2013; Vasconcellos, 2013; Galatti, et al., 2014)

 

    A partir das correntes interacionistas, professor e treinador deixam de ser meros transmissores de conhecimentos e modeladores de comportamentos para serem agentes ativos na criação de condições que orientem o ensino, tomando como base as experiências de seus alunos e jogadores, alçados ao centro do processo da aprendizagem, para elaboração de conteúdos e tarefas desafiadoras que evoquem dada criticidade. (Chow, 2006; Renshaw, 2009; Mizukami, 2019)

 

    Em suma, Inatismo e Empirismo englobam traços conceituais característicos do paradigma da ciência tradicional e mecanicista, enquanto o Interacionismo caracteriza a ruptura ao sistema científico vigente e ascensão do paradigma emergente e complexo, que neste estudo está à luz da Pedagogia do Esporte, disciplina das Ciências do Esporte que prima pelos processos de organização, sistematização, aplicação e avaliação das práticas esportivas. (Scaglia et al., 2013; Vasconcellos, 2013; Galatti et al., 2014; Kuhn, 2017; Morin, 2018)

 

    Considerando as características e exemplos de aplicação prática das teorias do conhecimento e aprendizagem na Educação Física e Ciências do Esporte, os processos de formação de profissionais nestas áreas tem o desafio de romper com paradigmas tradicionais no tocante às estratégias de ensino e aprendizagem no ensino superior. Sabe-se, entretanto, que a prevalência do viés disciplinar nos currículos de formação de institutos de ensino superior, tendo em vista a formação de grades por disciplinas isoladas, elucidam como a proposta de currículos sustentados nas características complexas e inter-relacionais das próprias disciplinas é ainda não é consenso. (Morin, 2011)

 

    O estabelecimento de interações entre os saberes abordados nas disciplinas - a partir de seus currículos - e o ponto de vista empírico dos alunos, pode, a cada nova turma de estudantes, ressignificar a escolha de recursos e mobilização de saberes em uma mesma disciplina. Logo, compreender quais teorias do conhecimento sustentam a visão pedagógica dos futuros profissionais de Educação Física e esportes ratifica o diálogo entre os saberes da área e as necessidades de formação destes profissionais.

 

    O objetivo do estudo, assim, passa por elucidar os procedimentos de construção de um instrumento metodológico, compreendido por um questionário fechado, que mapeie as bases epistemológicas de estudantes de graduação e pós-graduação dos cursos de Educação Física e Ciências do Esporte. Apresentaremos ainda um exemplo de aplicação deste questionário com graduandos e pós-graduandos dos cursos de Educação Física e Ciências do Esporte, que permitirá apresentar e problematizar possíveis contradições metodológicas e epistemológicas quanto à compreensão dos participantes acerca de suas práticas pedagógicas no contexto esportivo.

 

Métodos 

 

    O estudo foi elaborado com desenho quali-quantitativo adotando caráter descritivo e exploratório (Yin, 2016). Nele, foi proposta a elaboração de um instrumento metodológico em formato de questionário avaliativo das bases epistemológicas relacionadas com os saberes pedagógicos de alunos de graduação e pós-graduação em Educação Física e Ciências do Esporte (que tenham cursado, ao menos,um semestre completo de seus respectivos cursos). Ainda, com a finalidade de demonstrar sua aplicabilidade, serão apresentadas implicações práticas resultantes das respostas obtidas por meio de sua aplicação, chancelada pelo Comitê Ética em Pesquisa (CEP), da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob a identificação 00827818.9.0000.5404 pelo parecer de nº 3.113.178.

 

Elaboração do instrumento 

 

    Nosso ponto de partida é a base teórica apresentada mediante suas possibilidades de relação com a área da Educação Física e Ciências do Esporte (Figura 1), os quais nos forneceram subsídios para a elaboração do instrumento metodológico objeto deste estudo. O questionário desenvolvido possui 30 afirmações norteadas por termos-chaves que remeteram a características de cada uma das três grandes teorias do conhecimento: a inatista, a empirista e a interacionista. Foram formuladas 10 questões para cada uma dessas teorias epistemológicas, utilizando Escala Likert, método idealizado por Likert (1932) para mensurar a concordância de indivíduos a afirmações relacionadas a um determinado tema de estudo, bidirecional graduada em 5 (cinco) pontos, partindo de ‘discordo totalmente’ (1) a ‘concordo totalmente’ (5), com intuito de atestar os níveis de concordância com afirmações que remetiam às teorias do conhecimento inatista, empirista e interacionista. Cada questão correspondente às teorias possui um escore entre 0 e 4, de acordo com a identificação dos indivíduos às situações descritas nas questões. (Mafra, 1999; Aguiar et al., 2011)

 

    Para validar as perguntas elaboradas pelo primeiro pesquisador em sua relação com uma das epistemologias, tivemos a supervisão de um perito, doutor em pedagogia do movimento e docente do ensino superior na área de ciências do esporte, que debateu cada uma das afirmações até que chegássemos a um consenso sobre sua relação com uma das três teorias. Segundo Mayring (2014), este procedimento assegura rigor à construção do questionário.

 

Quadro 1. Termos-chave relacionados às teorias do conhecimento, exemplos de afirmações e modelo de escala utilizada

Teorias do Conhecimento

Termos-chave

Exemplos de afirmações constantes no questionário

Escala Likert

Inatismo

dom; talento; nato; inato; determinismo

- O treinador deve priorizar suas atenções aos atletas mais talentosos e que possuem os melhores rendimentos nos treinos e jogos.

- Um jogador sem talento nato, mesmo com muito esforço, nunca chegará ao máximo rendimento de um jogador que possui um talento nato.

- A genética determina o grande atleta.

0 – Discordo totalmente

1 – Discordo parcialmente

2 – Concordo e discordo em partes

3 – Concordo parcialmente

4 – Concordo totalmente

Empirismo

reprodução; transmissão; experiência; repetição; fundamentos técnicos; analítico

- O jogador terá mais vantagens de aprender se tiver como treinador um ex-atleta, pois assim além de aprender com ele os movimentos corretos e perfeitos poderá reproduzir as “manhas” e artimanhas do jogo.

- Nossa capacidade intelectual é compreendida como o somatório de experiências (vivências) que tivemos oportunidade de adquirir e do que internalizamos a partir da ação do meio sobre nós.

- Acerca da sabedoria popular “jogo é jogo, treino é treino”.

Interacionismo

construção; ambiente de aprendizagem; jogo; liberdade; criatividade; protagonismo; desafio; questionamento; respeito à individualidade

- O bom professor/treinador não precisa demonstrar movimentos, pois ensina aos alunos/atletas a pensar sobre o jogo, e assim construírem seus movimentos específicos a partir de suas possibilidades de ação.

- O bom treinador é aquele que aprende a criar ambientes de aprendizagem para que os alunos possam interagir e aprender a resolver problemas junto com os demais jogadores.

- A liberdade para brincar na infância foi um fator preponderante para que gerações aprendessem a jogar futebol muito melhor em relação aos que frequentaram assiduamente escolinhas tradicionais.

Fonte: Elaborado pelos autores (2021)

 

Interpretação das informações 

 

    A pontuação das questões relacionadas a cada uma das três teorias do conhecimento foi somada separadamente. Considerando o escore apontado acima, 40 (quarenta) é a pontuação máxima possível para cada teoria e 0 (zero) a mínima. Quando transformados em porcentagem os 40 pontos equivalem a 100% e 0 ponto, a 0%.

 

    Definimos que as porcentagens dos escores devem ser distribuídas em sete categorias que mostram o grau de identificação dos sujeitos participantes com cada uma das teorias do conhecimento. Estas categorias são: “convicto positivo” (100%), “fortíssimo” (80%-100%), “forte” (60%-80%), “transitório” (40%-60%), “fraco” (20%-40%), “fraquíssimo” (1%-20%) e “convicto negativo” (0%). As categorias fortíssimo, forte, transitório, fraco e fraquíssimo, por sua vez, tiveram suas parcelas de suas porcentagens equivalentes divididas em duas subcategorias, denominadas positivo e negativo conforme o Quadro 2.

 

Quadro 2. Categorias de identificação epistemológica

Categorias

Sub-categoria

Percentual

Convicto Positivo

-

100%

Fortíssimo

Positivo

90-99%

Negativo

80-89%

Forte

Positivo

70-79%

Negativo

60-69%

Transitório

Positivo

50-59%

Negativo

40-49%

Fraco

Negativo

30-39%

Positivo

20-29%

Fraquíssimo

Negativo

10-19%

Positivo

1-9%

Convicto Negativo

-

0%

Fonte: Elaborado pelos autores (2021)

 

    Os escores de questões relacionadas à determinada teoria do conhecimento não interferem diretamente no aumento ou diminuição das pontuações das questões atreladas a outras epistemologias. Desse modo, o questionário permite que participantes alcancem escores máximos ou mínimos para cada uma das teorias do conhecimento – o que denotaria significativa ausência de coerência aos princípios que regem cada uma delas – algo que não aconteceu.

 

    Embora Inatismo, Empirismo e o Interacionismo, enquanto teorias do conhecimento cujos valores e princípios que subjazem cada uma delas sejam profundamente distantes entre si (Becker, 2003; 2008), consideramos fundamental destacar que os saberes profissionais são ecléticos, sincréticos e organizados de maneira não-linear, de modo que contradições nas epistemologias da prática possam ser observadas na atuação docente (Tardif, 2014). Logo, seria um equívoco se o questionário impedisse que estas “incoerências” epistemológicas emergissem, caso necessário, durante sua aplicação.

 

    Desse modo, os escores de questões relacionadas à determinada teoria do conhecimento não interferem diretamente no aumento ou diminuição das pontuações das questões atreladas à outras epistemologias. Desse modo, o questionário permite que participantes alcancem escores máximos ou mínimos para cada uma das teorias do conhecimento.

 

Resultados e discussão 

 

    Para apresentar o instrumento elaborado, a aplicação do questionário se deu em dois grupos distintos de estudantes universitários: um grupo de graduandos e outro de pós-graduandos. Entre os acadêmicos de graduação, responderam ao questionário 190 indivíduos matriculados nas disciplinas de Pedagogia do Esporte e Metodologia de Ensino de Esportes Coletivos. As respostas foram coletadas durante o segundo semestre letivo do curso de Ciências do Esporte da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) em 2019, logo no início das disciplinas, com o intuito de mapear as teorias do conhecimento e aprendizagem predominantes entre os estudantes, de modo a obter uma espécie de diagnóstico epistemológico para otimizar a condução dos conteúdos e dinâmicas programadas às aulas sobre o tema. Dentre os pós-graduandos, 28 indivíduos, mestrandos e doutorandos em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), responderam ao questionário durante o segundo semestre letivo em 2019.

 

    O Quadro 3 apresenta a distribuição em dados percentuais dos alunos de graduação e o Quadro 4 dos alunos de pós-graduação, distribuindo os valores entre as categorias “convicto positivo” e “convicto negativo” em relação às afirmações inatistas, empiristas e interacionistas.

 

Quadro 3. Análise das respostas dadas pelos estudantes de graduação participantes

Categoria

Sub-Categoria

Faixas de Escores

Distribuição dos Acadêmicos em relação a(o):

Inatismo

Empirismo

Interacionismo

Convicto Positivo

-

100%

0,00%

0,28%

0,85%

Fortíssimo

Positivo

90-99%

0,28%

1,14%

7,67%

Negativo

80-89%

1,14%

10,51%

25,57%

Forte

Positivo

70-79%

5,40%

17,33%

30,97%

Negativo

60-69%

12,50%

19,32%

26,99%

Transitório

Positivo

50-59%

18,18%

11,36%

7,10%

Negativo

40-49%

19,60%

15,63%

0,85%

Fraco

Negativo

30-39%

14,77%

15,34%

0,00%

Positivo

20-29%

14,49%

6,82%

0,00%

Fraquíssimo

Negativo

10-19%

7,39%

2,27%

0,00%

Positivo

1-9%

6,25%

0,00%

0,00%

Convicto Negativo

-

0%

0,00%

0,00%

0,00%

Fonte: Elaborado pelos autores (2021)

 

    Os resultados dos alunos de graduação quanto às questões inatistas, a maior faixa esteve concentrada na categoria transitório (37,78%), anotando um escore equivalente entre 40 e 59% da pontuação máxima (40 pontos). Outros 29,26% dos estudantes marcaram entre 20% e 39% do escore máximo. Assim, pouco ais de dois terços dos participantes assentaram-se entre as categorias fraco e transitório.Uma parcela de 17,90% teve forte identificação com as questões relacionadas à teoria do conhecimento inatista, enquanto 13,64% dos participantes possuiu fraquíssimo reconhecimento. 62,50% dos estudantes não obtiveram pontuação equivalente a mais de 50% da pontuação máxima. Todos os estudantes espalharam-se em maior ou menor proporção por todas as categorias, com exceção do convicto negativo, isto é, nenhum deles assinalou a pontuação mínima.

 

    No que diz respeito às questões relacionadas à teoria do conhecimento empirista, a maior faixa de estudantes de graduação esteve concentrada na categoria forte (36,65%), anotando pontuações que equivaleram a 60% e 79% do escore máximo. 26,99% dos graduandos situaram-se na categoria transitório, 22,16% fixaram-se na categoria fraco e 11,64%, na categoria fortíssimo. 59,94% dos participantes obtiveram pontuação acima do equivalente a 50% da pontuação máxima. Não foram verificadas concentração de estudantes nas categorias convicto negativo e fraquíssimo negativo, o que significa que o menor percentual equivalente de escore foi de 10%, logo, os participantes não discordaram totalmente em pelo menos uma das 10 questões que aludiram a teoria do conhecimento empirista.

 

    A maior parcela dos estudantes também esteve concentrada na categoria forte nas questões relacionadas à teoria do conhecimento interacionista e tal faixa de concentração nessa categoria foi relativamente maior se comparada ao empirismo (57,95%). 33,24% dos participantes situaram-se na categoria fortíssimo e, de maneira predominante (99,15%), eles obtiveram pontuação acima do equivalente a 50% da pontuação máxima. Não houve concentração de estudantes nas categorias convicto negativo, fraquíssimo ou fraco.

 

    À vista disso, houve maior identificação dos estudantes à afirmações que contemplavam a teoria interacionista: 92,05% das respostas tiveram suas pontuações distribuídas entre as categorias forte, fortíssimo e convicto positivo, enquanto a concentração nessas mesmas categorias nas questões relacionadas à teoria empirista foi de 48,58% e de 19,32% nas questões inatistas.

 

Quadro 4. Análise das respostas dadas pelos estudantes de pós-graduação participantes

Categoria

Sub-Categoria

Faixas 

de Scores

Distribuição dos Acadêmicos em relação a(o):

Inatismo

Empirismo

Interacionismo

Convicto Positivo

-

100%

0,00%

0,00%

7,14%

Fortíssimo

Positivo

90-99%

0,00%

3,57%

17,86%

Negativo

80-89%

0,00%

3,57%

50,00%

Forte

Positivo

70-79%

3,57%

0,00%

21,43%

Negativo

60-69%

7,14%

0,00%

3,57%

Transitório

Positivo

50-59%

3,57%

10,71%

0,00%

Negativo

40-49%

3,57%

7,14%

0,00%

Fraco

Negativo

30-39%

21,43%

35,71%

0,00%

Positivo

20-29%

21,43%

25,00%

0,00%

Fraquíssimo

Negativo

10-19%

17,86%

10,71%

0,00%

Positivo

1-10%

14,29%

0,00%

0,00%

Convicto Positivo

-

0%

7,14%

3,57%

0,00%

Fonte: Elaborado pelos autores (2021)

 

    Entre os estudantes de pós-graduação, a maior faixa de identificação indivíduos esteve na categoria fraco no que diz respeito às questões relacionadas a teoria do conhecimento inatista (42,86%), seguida das categorias fraquíssimo (32,14%) e, em menor proporção, forte (10,71%) e convicto negativo (7,14%), que caracteriza os indivíduos que discordaram totalmente em todas as questões atreladas à perspectiva inatista. Três quartos dos pós-graduandos concentraram-se entre as categorias fraquíssimo e fraco. 85,71% dos sujeitos pontuaram o equivalente a 50% ou menos do escore total. Não houve sujeitos inseridos nas categorias fortíssimo e convicto positivo.

 

    No que concerne às questões empiristas, a maior parcela dos estudantes de pós-graduação concentrou-se na categoria fraco (60,71%), enquanto 17,85% fixaram-se na categoria transitório, 10,71% na categoria fraquíssimo e 7,14% na categoria fortíssimo. Nenhum dos pós-graduandos assentaram-se nas categorias forte e convicto positivo. 82,14% dos sujeitos dessa categoria tiveram pontuação equivalente a menos de 50% do escore total.

 

    Em relação às questões com teor interacionista, todos os pós-graduandos concentraram-se entre as categorias forte (25%), fortíssimo (67,86%) e convicto positivo (7,14%). Assim, a menor porcentagem equivalente ao escore máximo de identificação foi 60%, não havendo sujeitos inseridos nas categorias transitório, fraco, fraquíssimo e convicto negativo.

 

    Desse modo, houve maior identificação dos estudantes às afirmações que contemplavam a teoria interacionista: 100% das respostas tiveram suas pontuações distribuídas entre as categorias forte, fortíssimo e convicto positivo, porcentagem substancialmente maior em relação às questões que aludiam à teoria inatista (10,71%) e empirista (7,14%) nessas categorias.

 

    Tanto entre os estudantes de graduação quanto os de pós-graduação, houve maior identificação à teoria do conhecimento interacionista em relação às teorias do conhecimento empirista e inatista. A identificação com o interacionismo entre os pós-graduandos pareceu mais evidente pela junção da predominância de sujeitos nas categorias de identificação forte, fortíssimo e convicto nas questões relacionadas a essa epistemologia e nas categorias fraco e fraquíssimo nas questões que aludiam ao empirismo e inatismo.

 

    Entre os graduandos, a maior concentração de estudantes nas questões relacionadas às teorias do conhecimento interacionistas e empiristas esteve na categoria forte, enquanto nas questões relacionadas ao inatismo, existiu predominância maior na categoria transitório.

 

    É possível aferir que os pós-graduados demonstraram maior clareza e consciência quanto à sua epistemologia em relação aos graduandos que transitaram em maior proporção entre as três teorias do conhecimento com relativa alta identificação a cada uma delas. Não significa, porém, que os pós-graduandos não trafegaram por diferentes epistemologias, sintoma da pluralidade na constituição dos saberes profissionais, aventado por Tardif (2014). Condicionantes sócio-históricas,inferidas na trajetória de vida do docente, continuam a exercer influências na identidade pedagógica, cujas incongruências podem ser minimizadas e desconstruídas pelo processo reflexivo e o fator temporal (Schön, 1998; Tardif, 2014). Por isso, Mortimer (1995) e Cunha (2001) atentam que a presença de diferentes concepções epistemológicas e manutenção de preceitos diametralmente opostos em testes como o aplicado no estudo são intrínsecos à evolução cognitiva do ser humano e que a busca pela extinção de incoerências epistemológicas na prática docente costuma permear durante toda a vida profissional.

 

    Os resultados mostram que os traços das três grandes teorias de ensino entram em cena em maior ou menor proporção, sendo este um dos pressupostos de defesa ao apresentarmos os procedimentos de elaboração de nosso instrumento. Betti (2016, p.13) afirma que ‘nenhum paradigma ou metodologia é capaz de desvendar todos os mistérios das organização social humana’, o que não invalida a busca pela coerência epistemológica na relação teoria-prática, de modo a minimizar as contradições existentes nesta interação a partir da noção, estabelecida por Schön (1998; 2018), de profissional reflexivo: o indivíduo capaz de refletir na e sobre as próprias ações e intervenções docentes no campo da Educação Física e Esporte. (Nogueira Silva, 2020)

 

    Uma das concepções dos saberes profissionais docentes evocados por Tardif (2014) contempla a temporalidade, o processo de vida e suas mudanças inerentes, que, por sua vez, podem ressignificar o modo de socialização, gestão dos saberes profissionais e a própria natureza da aprendizagem (Yildizer, 2020). As trajetórias de vidas influenciam e são influenciadas por crenças e concepções pessoais, fomentadas pela relação entre professor-sociedade, professor-aluno, que formalizarão a identidade docente e organização dos saberes profissionais, mesmo que sustentadas por paradigmas epistemológicos divergentes. (Borges, 2004; Tardif, 2014; Wallhead, 2017)

 

    Professores e treinadores são produtores de saberes e suas epistemologias da prática devem ser investigadas para além da qualidade de reprodutores de conhecimentos – que se originam tanto da experiência individual concreta, quanto das teorias da aprendizagem e seu imbricar com os desafios do cotidiano. (Franco, 2008; Amade-Escot, 2015; Carneiro, 2019; Nogueira Silva, 2020; Pimenta, 2020)

 

    Estando a ação pedagógica na Educação Física e no esporte norteada por uma visão holística, que contempla a interlocução entre competências interpessoais, intrapessoais e profissionais (Sanchotene, 2006; Côté, e Gilbert, 2009), é importante que as percepções de professores e treinadores quanto aos seus próprios saberes sejam estimuladas. (Richards, 2018)

 

    Para Becker (2008), ‘um professor não poderá exercer uma abordagem construtivista, se continuar preso à abordagem aprioristas e empiristas’. Constata-se, assim, a necessidade de professores e treinadores efetivaram o que o autor chama de crítica epistemológica: refletir sobre a construção de seus conhecimentos a partir das próprias crenças pedagógicas e no modus operandi do processo de ensino e treinamento de esportes objetivando maior coerência epistemológica à prática profissional.

 

Conclusões 

 

    O estudo apresenta uma ferramenta metodológica, caracterizada por um questionário, com o objetivo de diagnosticar e mapear as teorias do conhecimento que regem as epistemologias de acadêmicos da Educação Física e Ciências do Esporte. Tal ferramenta visa identificar contradições, predominâncias epistemológicas e reforçar a necessidade de reflexão e problematização da prática pedagógica através da confluência entre discurso e prática.

 

    Os dois grupos investigados do estudo – graduandos e pós-graduandos dos cursos de Educação Física e Ciências do Esporte – apresentaram identificação com cada uma três grandes teorias do conhecimento que balizam a prática pedagógica, a Inatista, a Empirista e a Interacionista em maior ou menor medida. Ambos os grupos se reconheceram, majoritariamente, em questões que evocavam a teoria do conhecimento Interacionista. Todavia, a identificação do grupo de pós-graduandos foi substancialmente menor com as teorias do conhecimento Inatista e Empirista em relação ao grupo de graduandos.

 

    É válido ressaltar que as contradições epistemológicas são inerentes à ação pedagógica, justificadas pelo caráter plural, heterogêneo, multifacetado, temporal e personalizado dos saberes profissionais docentes, resultantes da trajetória de vida escolar e esportiva parte constituinte da identidade pedagógica - indissociável à identidade pessoal. Por trás de toda a prática pedagógica, há uma teoria sustentadora, que ganha sentido, apenas, se colocada em ação. Portanto, a utilização da ferramenta metodológica a que o estudo se debruçou não visa o emprego de rótulos epistêmicos, e sim, ampliar as possibilidades de compreensão da essência de ações e intervenções pedagógicas voltadas ao ensino de esportes.

 

    Assim, quanto mais consciente sobre as abordagens de ensino e teorias do conhecimento que alicerçam sua epistemologia, melhor desenvolvidas serão suas intencionalidades pedagógicas reverberadas pela prática. Posto isso, pretendemos, com esse estudo, contribuir com pesquisas sobre a formação profissional no campo da Educação Física e Ciências do Esporte, fomentar o diálogo entre a comunidade acadêmica e proporcionar a amplificação do debate epistemológico no campo pedagógico, evocar a relevância da práxis consciente e intencional sobre a ação docente e destacar o ensino como prática social complexa.

 

Notas 

  1. Renê Descartes (1596-1650) foi um filósofo e matemático francês. Criador do pensamento cartesiano, sistema filosófico que deu origem à Filosofia Moderna.

  2. Francis Bacon (1561-1626) foi político, filósofo, cientista, ensaísta inglês, tido como fundador da ciência moderna.

  3. John Locke (1632-1704) foi um filósofo inglês, icônico representante do empirismo britânico.

Referências 

 

Amade-Escot, C., Elandousi, S., e Verscheure, I. (2015). Physical education in Tunisia: teachers’ practical epistemology, students’ positioning and gender issues. Sport, Education and Society, 20(5), 656–675. https://doi.org/10.1080/13573322.2014.997694

 

Aguiar, B., Correia, W., e Campos, F. (2011). Uso da Escala Likert na Análise de Jogos. In: Anais do X Simpósio Brasileiro de Games e Entretenimento Digital, 07-09 de novembro. Salvador. http://www.sbgames.org/sbgames2011/proceedings/sbgames/papers/art/short/91952.pdf

 

Aranha, M.L.A. (2006). História da educação e da pedagogia: geral e Brasil (3ª ed. revista e ampliada). Editora Moderna.

 

Aranha, M.L.A. (2010). Filosofia da educação (3ª ed. revista e ampliada). Editora Moderna.

 

Becker, F. (2003). A origem do conhecimento e a aprendizagem escolar. Artmed Editora.

 

Becker, F. (2008). Aprendizagem: concepções contraditórias. Revista Eletrônica de Psicologia e Epistemologia Genética, 1(1), 53-73. https://doi.org/10.36311/1984-1655.2008.v1n1.p53-73

 

Behrens, M.A. (2013). O paradigma emergente e a prática pedagógica (6ª ed.). Petrópolis: Editora Vozes.

 

Betti, M. (2016). Perspectivas na formação profissional. In: W.W. Moreira (org.), Educação física e esportes: perspectivas para o século XXI (17ª ed.) (p. 239-254). Editora Papirus.

 

Borges, C.M.F. (2004). O professor de educação física e seus saberes profissionais. JM Editora.

 

Carneiro, K.T., Silva, B.A.R., e Santos, B.S.C. (2019). O debate científico na educação física e seus desdobramentos expressos nos Trabalhos de Conclusão de Curso em uma universidade no estado de Minas Gerais. Corpoconsciência, 23(1), 25-36. https://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.php/corpoconsciencia/article/view/7656

 

Chow, J.Y., Davids, K., Button, C., Shuttleworth, R., Renshaw, I., e Araújo, D. (2006). Nonlinear pedagogy: a constraints-led framework to understand emergence of game play and skills. Nonlinear Dynamics, Psychology and Life Sciences, 10(1), 71-104. https://psycnet.apa.org/record/2007-00570-004

 

Côté, J., e Gilbert, W. (2009). An integrative definition of coaching effectiveness and expertise. International Journal of Sports Science and Coaching, 4(3), 307-323. https://doi.org/10.1260/174795409789623892

 

Cunha, A.M.O. (2001). A mudança epistemológica de professores num contexto de educação continuada. Ciência & Educação, 7(2), 235-248. https://doi.org/10.1590/S1516-73132001000200007

 

Dalbosco, C.A. (2012). Educação e formas de conhecimento: do inatismo antigo (Platão) e da educação natural moderna (Rousseau). Educação (PUC-RS), 35(2), 268-276. https://revistaseletronicas.pucrs.br/index.php/faced/article/view/11640

 

Dutra, L.H.A. (2002). Epistemologia da aprendizagem. DP&A Editora.

 

Dutra, L.H.A. (2010). Introdução à epistemologia. Editora Unesp.

 

Franco, A. (1997). Metodologia de ensino: Didática. Editora Lê.

 

Franco, M.A.S. (2008). Pedagogia como ciência da educação (2ª ed.). Editora Cortez.

 

Freire, J.B.S. (1996). Esporte educacional. In: C.A.S. Barbieri (org.), Esporte educacional: uma proposta renovada. Universidade Federal de Pernambuco/UPE-ESEF/MEE/INDESP.

 

Freire, J.B.S. (2000). Pedagogia do esporte. In: W. W. Moreira, e R. Simões (orgs.), Fenômeno esportivo no início de um novo milênio. Editora UNIMEP.

 

Freire, J.B.S., e Scaglia A.J. (2010). Educação como prática corporal (2ª ed.). Editora Scipione.

 

Galatti, L.R., Scaglia, A.J., Reverdito, R.S., e Seoane, A.M. (2014). Pedagogia do esporte: tensão na ciência e o ensino dos esportes coletivos. Revista de Educação Física/UEM, 5(1), 153-162. http://dx.doi.org/10.4025/reveducfis.v25i1.21088

 

Giusta, A.S. (2013). Concepções de aprendizagem e práticas pedagógicas. Educação em Revista- UFMG, 29(1), 20-36. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-46982013000100003

 

Kuhn, T. (2017). A estrutura das revoluções científicas [trad. Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira] (13ª ed.). Editora Perspectiva.

 

Likert, R. (1932) A technique for the measurement of attitudes. Archives of Psychology. 22, 1-55. https://psycnet.apa.org/record/1933-01885-001

 

Lima, P.G. (2013). Fundamentos teóricos e práticas pedagógicas. Editora Unaspress.

 

Mafra, S.C.T. (1999). Elaboração de check list para desenvolvimento de projetos eficientes de cozinhas a partir de mapas mentais e escala Likert [Tese Doutorado em Engenharia de Produção. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis]. http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/81032

 

Mantovani de Assis, O.Z. (2010). A posição epistemológica de Jean Piaget. In: O. Z. Mantovani de Assis, e M. C. Assis, PROEPRE: fundamentos teóricos da educação infantil. Gráfica FE, IDB.

 

Mayring, P. (2014). Qualitative content analysis: theoretical foundation, basic procedures and software solution. Institute of Psychology and Center for Evaluation and Research.

 

Mizukami, M.G.N. (2019). Ensino: as abordagens do processo. Editora EPU.

 

Moraes, M.C. (2010). O paradigma educacional emergente (14ª ed.). Editora Papirus.

 

Morin, E. (2011). Os sete saberes necessários à educação do futuro [trad. Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya] (2ª ed.). Editora Cortez.

 

Morin, E. (2018). A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento [trad. Eloá Jacobina] (24ª ed.). Editora Bertrand Brasil.

 

Mortimer, E.F. (1995). Conceptual change or conceptual profile change? Science Education, 4, 267-285. https://doi.org/10.1007/BF00486624

 

Nogueira Silva, L.F. (2020). A epistemologia do professor: questões didático-metodológicas no ensino da educação física [Dissertação Mestrado em Educação Física. Universidade Estadual de Campinas, Campinas].

 

Pereira, M.C., e Lima, P.G. (2017). Sobre o racionalismo e o empirismo no campo pedagógico. Ensaios Pedagógicos, 1(1), 67-76. http://www.ensaiospedagogicos.ufscar.br/index.php/ENP/article/view/8

 

Peres, C.M., Vieira, M.N.C.M., Altafim, E.R.P., Mello, M.B., e Suen, K.S. (2014). Abordagens pedagógicas e sua relação com as teorias de aprendizagem. Medicina Ribeirão Preto (Online), 47(3), 249-255. https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/86611

 

Pimenta, S.G. (2020). Saberes pedagógicos e atividade docente (8ª ed.). Editora Cortez.

 

Renshaw, I., Davids, K., Shuttleworth, R., e Chow, J.Y. (2009). Insights from ecological psychology and dynamical systems theory can underpin a philosophy of coaching. International Journal of Sport Psychology, 40(4). 580-602. https://eprints.qut.edu.au/29406/

 

Richards, K.A.R, Gaudreault, K.L, e Starck, J.R. (2018). Physical education teachers’ perceptions of perceived mattering and marginalization. Physical Education and Sports Pedagogy, 23(4), 445-459. https://doi.org/10.1080/17408989.2018.1455820

 

Sanchotene, M.U., e Molina Neto, V. (2006). Habitus profissional, currículo oculto e cultura docente: perspectivas para a análise da prática pedagógica dos professores de educação física. Pensar a prática, 9(2), 267-280. http://hdl.handle.net/10183/87004

 

Scaglia, A.J., Reverdito, R.S., Leonardo, L., e Lizana, C.J.R. (2013). O ensino dos jogos esportivos coletivos: as competências essenciais e a lógica do jogo em meio ao processo organizacional sistêmico. Movimento, 19(4), 227-249. https://www.redalyc.org/articulo.oa?id=115328881011

 

Scaglia, A.J., Reverdito, R.S., e Galatti, L.R. (2014). A contribuição da Pedagogia do Esporte na escola: tensões e reflexões metodológicas. In: A. Marinho, J.V. Nascimento, e A.A.B. Oliveira (orgs.). Legados do esporte brasileiro (pp. 45-86). Editora UDESC.

 

Scaglia, A.J., e Reverdito, R.S. (2016). Perspectivas pedagógicas do Esporte no século XXI. In: W.W. Moreira (org.), Educação física e esporte no século XXI (17ª ed.). Editora Papirus.

 

Schommer-Aikins, M. (2004). Explaining the epistemological belief system: introducing the embedded systemic model and coordinated research approach. Educational Psychologist, 39(1), 19-29. https://doi.org/10.1207/s15326985ep3901_3

 

Schön, D.A. (1998). El profesional reflexivo: cómo piensan los profesionales cuando actúan [trad. Jose Bayo]. Editorial Paidós.

 

Schön, D.A. (2018). Educando o profissional reflexivo: um novo design para o ensino e aprendizagem. Editora Penso.

 

Tardif, M. (2014). Saberes docentes e formação profissional (17ª ed.). Editora Vozes.

 

Vasconcellos, M.J.E. (2013). Pensamento sistêmico: o novo paradigma da ciência (10ª ed.). Editora Papirus.

 

Wallhead, T., e Dyson, B. (2017) A didactic analysis of content development during cooperative learning in primary physical education. European Physical Education Review, 23(3), 311–326.https://doi.org/10.1177/1356336X16630221

 

Yildizer, G. (2020). Epistemological belief differences between prospective physical education teachers and coaches with and without coaching experience. Journal of Teaching, Research, and Media in Kinesiology, 6, 1–6. https://eric.ed.gov/?id=EJ1246784

 

Yin, R (2016). Pesquisa qualitativa do início ao fim. Editora Penso.


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 274, Mar. (2021)