ISSN 1514-3465
Processos cognitivos e atividade física: uma análise
do desempenho acadêmico na educação básica
Cognitive Processes and Physical Activity: an Analysis of Academic Performance in Basic Education
Procesos cognitivos y actividad física: un análisis del rendimiento académico en educación básica
Celso Machado*
mestrado58@gmail.com
Valdecir Soligo**
valdecir_soligo@yahoo.com.br
Rose Meire Costa***
rosecb@gmail.com
*Graduado em Educação Física, Unioeste
Professor PN III, Seed, concursado de 1993
Especialização em Administração e Planejamento
de Sistemas Educacionais, Unipar
Concluiu o PDE, Governo do Paraná
Mestrando em Educação, Unioeste
**Doutor em Educação
pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS
Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo - UPF
Graduado em História pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná
e Graduado em Pedagogia pela Universidade Paulista - UNIP
Professor adjunto no colegiado de Pedagogia e Professor do Programa
de Pós-Graduação em Educação - Mestrado e Doutorado
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE campus de Cascavel
***Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Maringá
Mestra em Ciências Biológicas (Biologia Celular)
pela Universidade Estadual de Maringá
Doutora em Zoologia pela Universidade Federal do Paraná
e Case Western Reverse University (Cleveland, Ohio, EUA)
Pós-doutora em Biologia Celular pela Universidade Estadual de Maringá
Atualmente é professor associado nível C da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
atua na graduação, cursos de Medicina, Ciências Biológicas, Farmácia e Fisioterapia
e na pós-graduação, mestrado e doutorado em Biociências e Saúde
(Brasil)
Recepção: 25/04/2020 - Aceitação: 27/09/2021
1ª Revisão: 05/09/2021 - 2ª Revisão: 14/09/2021
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida
: Machado, C., Soligo, V., e Costa, R.M. (2021), 159-176. Processos cognitivos e atividade física: uma análise do desempenho acadêmico na educação básica. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(283), 159-176. https://doi.org/10.46642/efd.v26i283.2195
Resumo
A atividade física (AF) propicia inúmeros benefícios à saúde integral, física e mental, do indivíduo e se verificou um declínio na sua prática em jovens de idade escolar, grandemente influenciado pelo estilo de vida contemporâneo que cultua o sedentarismo. Neste sentido, objetivou-se revisar estudos da associação entre AF e desempenho acadêmico (DA) em crianças e adolescentes da educação básica. O método utilizado foi da revisão integrativa e os resultados foram discutidos explorando aspectos da neurociência cognitiva, de forma a possibilitar análises amplas do tema. Na maioria dos estudos a AF exerceu efeitos positivos no DA de estudantes, devido a melhora em funções cognitivas, como atenção, concentração e memória, essenciais ao aprendizado. Cabe destacar que variáveis neuromotoras de força, cardiorrespiratórias, de frequência e intensidade da AF, sexo, entre outras, devem ser consideradas para que se possam estabelecer associações válidas AF e DA. A AF aumenta o metabolismo cerebral e estimula a produção de neurotransmissores e fatores neurotróficos, que favorecem a neuroplasticidade, essenciais na formação de conexões nervosas da memória. Ainda, a AF atua de forma positiva em aspectos psicológicos e comportamentais dos alunos. O conjunto destas ações mostraram o potencial da AF na melhoria do DA de alunos, especialmente os que apresentavam dificuldade de aprendizado. Assim, a AF se apresenta como uma estratégia valiosa na busca do sucesso acadêmico e os conhecimentos fornecem subsídios aos gestores educacionais para reflexões sobre as políticas educacionais da AF nas escolas.
Unitermos:
Domínio cognitivo. Atividade física. Desempenho acadêmico. Neuroeducação. Aprendizagem. Memória.
Abstract
Physical activity (PA) provides numerous benefits to integral physical and mental health of the individual and there has been a decline in its practice in school-age youth, greatly influenced by the contemporary lifestyle that cultivates sedentary lifestyles. In this sense, this study aimed to review studies of the association of PA with academic performance (AD) of children and adolescents in basic education. The method used was an integrative review and the results were discussed exploring aspects of cognitive neuroscience, in order to allow broad analysis of the theme. In most studies, PA had positive effects on the AD of students, due to improvements in cognitive functions such as attention, concentration, and memory, essential for learning. It is worth mentioning that neuromotor variables of strength, cardiorespiratory, frequency and intensity of PA, gender, among others, should be considered in order to establish valid associations between PA and AD. Exercise increases brain metabolism and stimulates the production of neurotransmitters and neurotrophic factors, which favor neuroplasticity, essential in the formation of memory nerve connections. Furthermore, PA acts in a positive way in psychological and behavioral aspects of the students. All these actions have shown the potential of PA to improve the AD of students, especially those who had learning difficulties. Thus, PA presents itself as a valuable strategy in the search for academic success and the knowledge provides subsidies for educational managers to reflect on the educational policies of PA in schools.
Keywords
: Cognitive domain. Physical activity. Academic achievement. Neuroeducation. Learning. Memory.
Resumen
La actividad física (AF) proporciona numerosos beneficios a la salud integral del individuo y se verifica un caída en su práctica en escolares, muy influenciados por el modo de vida contemporáneo que se orienta a estilos de vida sedentarios. En este sentido, el objetivo fue revisar estudios sobre asociación entre AF y rendimiento académico (RA) en niños y adolescentes de educación básica. El método utilizado fue la revisión integradora y los resultados se discutieron explorando aspectos de la neurociencia cognitiva, para permitir un análisis amplio del tema. En la mayoría de los estudios, la AF tuvo efectos positivos en el RA de estudiantes, debido a mejoras en funciones cognitivas, como atención, concentración y memoria, fundamentales para el aprendizaje. Cabe señalar que se deben considerar variables neuromotoras de fuerza, cardiorrespiratorias, de frecuencia e intensidad de AF, sexo, entre otras, para que se puedan establecer asociaciones válidas entre AF y RA. La AF aumenta el metabolismo cerebral y estimula la producción de neurotransmisores y factores neurotróficos, que favorecen la neuroplasticidad, fundamental para formar conexiones nerviosas en la memoria. De esta manera, la AF actúa positivamente en los aspectos psicológicos y conductuales de los estudiantes. El conjunto de estas acciones mostró el potencial de la AF para mejorar el RA de los estudiantes, especialmente aquellos con dificultades de aprendizaje. Así, la AF se presenta como una valiosa estrategia buscando del éxito académico y el conocimiento brinda recursos a gestores educativos para que reflexionen sobre políticas educativas de AF en las escuelas.
Palabras clave
: Dominio cognitivo. Actividad física. Rendimiento académico. Neuroeducación. Aprendizaje. Memoria.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 283, Dic. (2021)
Introdução
A atividade física (AF) sempre existiu na história da humanidade, onde de forma inata, as pessoas praticavam atividade física, natural e utilitária. A evolução da AF aconteceu de forma gradativa à evolução cultural dos povos, integrada aos sistemas políticos, sociais, econômicos e científicos das sociedades (Bagnara et al., 2010). O Século XXI, uma era de intenso desenvolvimento científico e tecnológico, tem propiciado inúmeros benefícios e confortos; entretanto, estes mesmos avanços fazem com que o homem contemporâneo utilize menos suas capacidades corporais, construindo um estilo de vida moderno que o tem distanciado de tarefas físicas e que também gera grande pressão econômica, política e social, com o consumismo, o desemprego, a informatização, a deterioração dos espaços públicos de lazer, a violência crescente, entre outros. Tais fatores têm levado as pessoas ao sedentarismo, à alimentação inadequada e ao estresse. O crescente número de horas diante da televisão e do computador, especialmente por parte das crianças e adolescentes, diminui a atividade motora, leva ao abandono da cultura de jogos infantis. (Antunes et al., 2006)
Os níveis de AF estão em declínio, com redução acentuada no tempo e intensidade, mostrando prevalência no sedentarismo nos jovens (Carrara et al., 2015). Um estilo de vida ativo na fase escolar pode propiciar inúmeros benefícios e levar a uma melhora do desempenho acadêmico (DA), aumento de frequência às aulas, diminuição de comportamentos inadequados, melhora nos relacionamentos familiares e aumento da responsabilidade. E, mesmo considerando os avanços científicos dos benefícios da AF na melhora do DA, o relatório elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) revelaram que 81% dos adolescentes e jovens entre 11 e 17 anos não praticavam o montante diário de AF recomendada e apenas 0,55% apresentavam nível pleno e avançado de AF. (PNUD, 2016)
AF é, assim, de fundamental importância para a saúde integral do indivíduo. Na infância e adolescência influencia fortemente no desenvolvimento físico e na manutenção da saúde, atuando na prevenção da incidência dos fatores de risco para doenças crônicas, redução da adiposidade total e abdominal, e aumento do DA. (Pereira e Moreira, 2013; PNUD, 2016; Singh et al., 2012)
Dados do Censo Escolar 2019, segundo o Portal do QEdu das 181.939 escolas de educação básica do Brasil, apenas 63.820 (35%) possuem quadra de esportes. Se considerarmos que a escola é um local propicio para o desenvolvimento da cultura da AF pelas crianças e adolescentes, nosso sistema de ensino vai na contramão das recomendações, pois não oferece a estrutura fundamental para o seu incentivo. (Fundação Lemann e Meritt, 2018)
Entretanto, mesmo considerando este caráter sistêmico e holístico da AF, a base de evidências sobre se o seu aumento afeta o DA, ainda é limitada e, neste sentido, novos estudos são necessários para se compreender à luz da neurociência como a AF conduz a um melhor DA de jovens em idade escolar. Assim, o presente trabalho objetivou revisar estudos relativos à associação entre AF e DA em crianças e adolescentes da educação básica.
Método
O desenvolvimento do estudo seguiu a lógica dialética, fornecendo interpretações amplas e dinâmicas da realidade e o método empregado foi de revisão integrativa, que possibilita levantar os conhecimentos científicos relativos ao tema, analisando-os de forma crítica e reflexiva, com aplicação potencial no desenvolvimento de ações e políticas que possam impactar a vida (Souza et al., 2010). Na revisão integrativa são levantados trabalhos com abordagens metodológicas diversas, como revisões, estudos experimentais e não experimentais (Souza et al., 2010, p. 103); e, conforme o autor, “a ampla amostra, em conjunto com a multiplicidade de propostas, deve gerar um panorama consistente e compreensível de conceitos complexos”. Com isso, a pesquisa integrativa possibilita análise crítica da literatura teórica, empírica e metodológica, e chama a atenção para necessidade de pesquisas futuras.
O período de seguimento abrangeu tanto estudos longitudinais como transversais, analisando-se a associação ou relação da AF com o DA de jovens, em idade escolar, educação básica. Os descritores utilizados foram obtidos no DECs e no Mesh, com as palavras chaves “atividade física” ou “exercício físico”, “aptidão física”, “desempenho acadêmico” e “capacidade cognitiva”, em português, inglês e espanhol. As bases de dados utilizadas foram Medline, Periódicos Capes, SciELO, Google Acadêmico e PubMed. A pesquisa das referências envolveu o período de 2015 a julho de 2021, tendo sido levantados 115 artigos e, após a leitura dos resumos e metodologias, foram excluídos os que não estavam relacionados ao objeto do estudo e que apresentavam metodologias imprecisas, totalizando 54. Os demais foram lidos integralmente, sendo selecionados 20 que atendiam aos parâmetros do estudo. Os resultados obtidos foram discutidos frente aos conhecimentos da neurociência.
Resultados
Os resultados da AF na escola foram variados desde um efeito positivo a nenhum no DA (Tabela 01). De forma consistente foi a observação de que o aumento da AF na escola aparentemente não exerceu efeito negativo no DA dos alunos. No entanto, a maioria dos estudos apresentou certos fatores limitantes, incluindo necessidade de melhor definição na randomização, baixo poder estatístico e mensuração subjetiva da AF. Mesmo considerando estas limitações metodológicas, os estudos convergiram para os aspectos neurológicos positivos da AF com efeitos antidepressivos, comportamentais, melhora no humor, diminuição da ansiedade e aumento da autoestima, que no conjunto contribuem para um melhor DA.
Tabela 1. Artigos Científicos pesquisados na relação atividade ou aptidão física e desempenho acadêmico ou cognitivo
Autor, ano |
Amostra |
Idade ou série |
Local |
Método |
Objetivo |
Resultados
principais e/ou conclusão |
Donnelly
et al. 2016 |
- |
5 a 13 |
Estados
Unidos da América, China, Nova Zelândia |
Revisão
Sistemática |
Verificar se AF e aptidão física influenciam na
cognição, aprendizagem, estrutura e função cerebral, e se a EF e
programas desportivos influenciam no desempenho de teste de
aproveitamento e concentração |
AF tem influência positiva sobrecognição,
estrutura e função cerebral; contudo, são necessárias mais investigações
para se determinar os mecanismos e os impactos a longo prazo, bem como
estratégias para traduzir os resultados laboratoriais para o ambiente
escolar |
Olivares,
e García-Rubio 2016 |
18.
746 |
8ª
serie |
Chile |
Dados de aptidão, gordura e DA foram obtidos do
sistema chileno de avaliação. Associação
estatística entre as variáveis do estudo |
Analisar as associações entre diferentes
componentes de aptidão e gordura com o DA, ajustando a análise por
sexo, idade, status socioeconômico, região e escola |
A aptidão física e a gordura estão associadas ao
DA. A relação cintura/altura e a força estão mais relacionadas com o
DA do que o Índice de Massa Corporal e a capacidade cardiorrespiratória
|
Resaland
et al. 2016 |
1.129 |
10 |
Noruega |
Ensaio controlado randomizado, com três programas de
intervenção de AF na escola e em casa.
O DA foi medido por meio de testes e a AF por acelerômetro |
Investigar efeitos da AF no DA em
leitura, matemática e inglês de crianças em idade escolar |
A intervenção não teve efeito no DA em análises
primárias para matemática, leitura e inglês. Entretanto, as análises
de subgrupos, revelaram um efeito favorável nas crianças que tinham
notas abaixo da média |
Sardinha
et al. 2016 |
1.286 |
11 a 14 |
Portugal |
Aptidão cardiorrespiratória avaliada pelo teste Progressive
Aerobic Cardiovascular Endurance Run. DA avaliado pelas notas em
português, matemática, língua estrangeira e ciências |
Examinar as possíveis associações entre a aptidão
cardiorrespiratória e DA na juventude |
Aptidão cardiorrespiratória está associada com
melhor DA, especialmente na língua materna e no idioma estrangeiro |
Oliveira et al. 2017 |
640 |
10 a
18 |
Portugal |
Aptidão cardiorrespiratória avaliada pelo teste de
corrida de 20 metros; AF medida com acelerômetro. O DA medido pelas
notas em matemática e língua nativa |
Examinar as associações de aptidão
cardiorrespiratória e AF com DA |
A aptidão cardiorrespiratória está
positivamente associada a AF moderada a vigorosa e níveis mais altos de
aptidão cardiorrespiratória podem influenciar DA |
Barrigas et
al. 2018 |
93 |
14 a
18 |
Portugal |
Notas das disciplinas do currículo,
nas áreas de ciências humanas, sociais e expressões, e os resultados
obtidos em testes de AF foram analisados para verificar diferenças
entre os sexos, entre os resultados obtidos pelos alunos nas três áreas
disciplinares e na AF |
Verificar se os resultados obtidos
na disciplina de EF e em alguns fatores da AF, se encontram associados
aos resultados escolares nas disciplinas do 9º ano de escolaridade |
Os meninos têm resultados mais
elevados em EF e nas provas de AF e os que obtiveram níveis mais
elevados em EF têm, também, DA mais elevados. Nas meninas não se
encontraram diferenças nas três áreas disciplinares |
Bugge
et al. 2018 |
1.881 |
8,4 (média) |
Dinamarca |
Estudo quase experimental, intervenção nas aulas de
educação física: de duas a seis aulas
por semana. O grupo de intervenção consistiu de seis escolas e o
controle quatro escolas. O DA em matemática e dinamarquês foi obtido
do sistema nacional |
Investigar a influência de uma
intervenção escolar com um triplo de aulas de AF sobre o DA |
Não foram observadas diferenças
significativas entre as escolas de intervenção e controle para o DA.
Destaca-se que não houve efeitos negativos da AF suplementar sobre o
DA, mesmo considerando o aumento na AF e dias letivos mais longos para
crianças da intervenção |
López
de los Mozos-Huertas 2018 |
507 |
13,59 (média) |
Espanha |
Estudo transversal.Três testes de aptidão física
foram usados para medir habilidades físicas básicas. DA obtido pelas médias
dos resultados de todas as matérias no
ano letivo |
Analisar a relação entre o nível de aptidão física
e o DA dos alunos do ensino médio |
Relações positivas substanciais
entre o DA e a aptidão física |
2018 |
- |
6 a 18 |
- |
Revisão
sistemática |
Revisar as evidências da associação diferencial
entre AF objetiva e autorrelatada e aptidão cardiorrespiratória sobre
o DA |
Uma melhor aptidão cardiorrespiratória
pode ser importante para melhorar a saúde de crianças e adolescentes
e, adicionalmente, o DA. Devido à falta de consenso entre os estudos,
questões metodológicas associadas à avaliação da AF devem ser
consideradas ao investigar a AF e o DA |
Owen
et al. 2018 |
2.194 |
13,4
(média) |
Austrália |
Estudo longitudinal, ambos os sexos, onde a AF
moderada e vigorosa foi medida com acelerômetro. O
DA foi obtido via teste administrado nacionalmente |
Determinar associação AF e os resultados
educacionais |
Meninos que eram mais ativos
fisicamente tinham melhores resultados educacionais do que seus pares
menos ativos, e meninas que aumentavam sua AF regular mostraram
melhorias no DA |
Syväoja
et al. 2018 |
970 |
9 a 15 |
Finlândia |
DA obtido pela média de notas; comportamento sedentário,
tempo de tela (Internet, TV, etc.) e hora de dormir foram autorrelatos.
AF medida por acelerômetro e aptidão aeróbica, avaliada com teste de
corrida. Composição
corporal, avaliada pela análise de bioimpedância. |
Investigar as associações da AF e o comportamento
sedentário com o DA. Examinar, ainda, se a aptidão física aeróbica,
a obesidade e a hora de dormir mediam essas associações |
Jovens com níveis mais elevados de
AF autorreferida apresentaram melhor aptidão aeróbia e DA. Maior tempo
de tela autorrelatado, tiveram horários de dormir mais tarde, menor
aptidão aeróbica e DA pior. Conclui-se que a participação em AF,
evitando o tempo excessivo de tela, e ir para a cama mais cedo pode
beneficiar o DA |
Fraile-García
et al. 2019 |
1.452 |
10 e 18 |
Espanha |
Pesquisa ex-post-facto
com uso das escalas de PACES (Balança de AF), E-AEM (Escala de Autoeficácia
Motriz) e PAQ-A (Questionário de AF para Adolescentes). DA
foi autodeclarado |
Analisar a relação entre o prazer da AF, a
capacidade motora, o nível de AF e o DA em EF |
O DA em EF estava significativamente relacionado a
AF, a capacidade motora e nível de AF realizada; estudantes com baixos
níveis da AF, baixa capacidade motora eram mais propensos a falhar no
DA em EF |
Kyan
et al. 2019 |
608 |
7ª série |
Japão |
AF autodeclarada foi avaliada pelo questionário de
Avaliação e Aconselhamento de Exercício e Nutrição Centrado no
Paciente. AF, determinado por teste de corrida. DA avaliado pela média
geral de pontos de disciplinas |
Examinar o papel potencial da ginástica aeróbica
como mediador da associação entre a AF e o DA entre os estudantes
japoneses do ensino médio |
A ginástica aeróbica pode mediar a relação entre
AF e DA para os meninos. A ginástica aeróbica, como resultado do
envolvimento com a AF pode influenciar positivamente o DA
particularmente nos meninos, não se verificando relação para as
meninas |
Lima
et al. 2019 |
2.094 |
12 a 19 |
Chile |
AF foi mensurada por questionário e
o DA por meio das notas finais nas disciplinas de matemática, biologia,
EF, inglês e castelhano |
Analisar a associação entre AF e o
DA de estudantes do ensino fundamental e médio |
Estudantes do sexo masculino com
maior score de AF têm melhor DA na disciplina de matemática, mas não
em biologia, EF, inglês e castelhano.Relação ausente para as meninas |
Jiménez Vaquerizo 2019 |
1.955 |
7 a 18 |
- |
Revisão
de literatura |
Apresentar dados do efeito de
intervenções de AF na capacidade cognitiva e no DA de crianças |
Relação positiva entre AF e DA na
área da matemática, e mais horas de EF aumentam o DA, confirmando a
influência da AF sobre a atividade neuronal, associada aos processos de
atenção e memória |
Chacón-Cuberos
et al. 2020 |
7.160 |
7 a 15 |
- |
Revisão
sistemática |
Revisar estudos que abordem a relação entre a AF e
o DA de crianças em idade escolar |
AF ou exercício físico devem ser prescritos com parâmetros
adequados de volume e intensidade, uma vez que uma carga insuficiente não
está relacionada ao DA e/ou desempenho cognitivo. Atividades motoras de
alto impacto e esportes de equipe são mais eficazes, pois envolvem
maiores demandas cognitivas. |
Pulido,
e Ortega 2020 |
635 |
7 a 19,3 (média) |
- |
Revisão sistemática. Pesquisa realizada com base
nos dados consultados e identificados da relação entre atividade
cerebral e AF, cognição ou DA em crianças ou jovens saudáveis |
Descrever os efeitos que a AF tem no DA de crianças
em idade escolar do ponto de vista da neurociência |
A AF melhora a regulação da neurogênese e angiogênese
através de fatores neurotrópicos que afetam regiões e estruturas
específicas do cérebro, o que, por sua vez, melhora a saúde e o
desempenho cognitivo em crianças |
Rodriguez
et al. 2020 |
- |
12 a 18 |
- |
Revisão sistemática com aplicação dos
procedimentos metodológicos do PRISMA, sendo incluídos estudos empíricos,
de natureza quantitativa |
Sintetizar as evidências disponíveis acerca da relação
entre os componentes da AF, da aptidão física e do DA |
AF e aptidão física estão positivamente associadas
ao DA de adolescentes. O componente da aptidão física mais
frequentemente associado ao DA foi a aptidão cardiorrespiratória |
Vedøy et
al. 2021 |
599 |
12 a
16 |
Noruega |
AF medida com acelerômetro, variáveis sobre saúde
mental foram avaliadas via questionário online e o DA pela média de
notas dos registros escolares. Associações
entre variáveis avaliadas por estatística |
Descrever associações entre AF, saúde mental e DA
em uma coorte de adolescentes noruegueses |
Os resultados não mostraram associações
significativas entre AF total ou AF moderada a vigorosa e DA. AF foi
associada ao bem-estar mental e à autoestima, embora o significado
causal da associação requeira investigação adicional |
Visier-Alfonso et
al. 2021 |
186 |
9 a 11 |
Espanha |
Foram medidas variáveis sociodemográficas e
antropométricas, DA e função executiva (inibição, flexibilidade
cognitiva e memória de trabalho), aptidão cardiorrespiratória e AF
(por acelerômetro) |
Avaliar se a aptidão cardiorrespiratória e a função
executiva atuam como mediadores da associação entre a AF moderada a
vigorosa e o DA |
A relação entre a AF moderada a vigorosa e o DA
pode não ser direta, mas mediada pela aptidão cardiorrespiratória
entre outros. As intervenções de AF para melhorar o DA devem ser
focalizadas em melhorias na aptidão cardiorrespiratória e na função
executiva |
Legenda: AF, atividade física; DA, desempenho acadêmico; EF, educação física
Fonte: Elaborada pelos autores
Discussão
Os estudos bibliográficos, de revisões sistemáticas e empíricos, com metodologias diversificadas, como de intervenção física na escola, revelaram em sua maioria a associação positiva entre a AF e o DA de alunos da educação básica, ensinos fundamental e médio. Os dados foram obtidos de pesquisas desenvolvidas em diversos países, com grande número de estudantes e idades que variaram de 5 a 19 anos, abrangendo as etapas da vida de criança e adolescência (Barrigas et al., 2018; Chacón-Cuberos et al., 2020; Fraile-García et al., 2019; Lima et al., 2019, 2015; Owen et al., 2018; Pulido, e Ortega, 2020; Resaland et al., 2016; Rodriguez et al., 2020; Syväoja et al., 2018; Jiménez Vaquerizo, 2019; Visier-Alfonso et al., 2021). As evidências confirmam a relação AF e DA e sugerem que os efeitos benéficos da AF se devem a funções cognitivas aprimoradas, como atenção, concentração e memória. (Chacón-Cuberos et al., 2020; Donnelly et al., 2016; Pulido. e Ortega, 2020; Jiménez Vaquerizo, 2019; Visier-Alfonso et al., 2021)
A integração da AF com a neurociência contribui para melhorar a função e estrutura cerebral e a saúde mental, induz aumento do fluxo sanguíneo cerebral, permitindo uma maior disponibilidade de oxigênio e nutrientes, necessários aos processos metabólicos da neurotransmissão, de forma a favorecer o desempenho cognitivo. A aquisição de habilidades motoras, obtidas na AF, propicia o surgimento de novos capilares cerebrais, neurogênese, neuroplasticidade e alterações nos neurotransmissores, como serotonina, noradrenalina e dopamina, essenciais na otimização das funções executivas. A função executiva é considerada especialmente importante para o DA dos jovens. Dados de neuroimagem em crianças, registraram um volume do hipocampo maior, o que pode mediar a relação entre nível de condicionamento físico e resultados na memória. (Pulido, e Ortega., 2020)
Os benefícios da AF na saúde física e psicológica estariam relacionados a presença de fatores neurotróficos derivados do cérebro (brain derived neurotrophic fator – BDNF), fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1) e fator de crescimento derivado do endotélio vascular (VEGF) que aumentam com o exercício. O BDNF melhora o metabolismo, reduz a neurodegeneração, atua na medula espinal e reduz a frequência cardíaca, reduz as taxas de obesidade e diabetes tipo 2 em ratos, estimula o metabolismo oxidativo mitocondrial no cérebro e aumenta as conexões nervosas, crucial para alguns aspectos da memória (Pulido, e Ortega, 2020). Vedøy et al. (2021) reconhecem a associação da AF e fatores psicológicos, como bem-estar mental e autoestima, salientam que o significado causal desta associação requer investigação adicional e reforçam a necessidade de mais estudos relativos ao tema.
Parâmetros de intensidade e frequênciada AF ou exercício físico devem ser considerados nas aulas de EF para que resulte em efeitos positivos na cognição e no sucesso acadêmico,e o aumento de sua prática na escola melhora o nível de atenção, concentração dos alunos, de forma a contribuir para o DA (Chacón-Cuberos et al., 2020; Oliveira et al., 2017; Syväoja et al., 2018; Jiménez Vaquerizo, 2019). Chacón-Cuberos et al. (2020), acrescentaram que atividades motoras de maior intensidade e os esportes em equipe são mais eficazes, uma vez que envolvem maiores demandas cognitivas. No contraponto, Bugge et al. (2018), Kyan et al. (2019), Marques et al. (2018) e Vedøy et al. (2021) não verificaram associação entre a AF, independente da intensidade, e DA, cabe destacar que não houveram efeitos negativos entre as variáveis. Kyan et al. (2019) e Visier-Alfonso et al. (2021) colocaram que o efeito da AF sobre DA de alunos ocorreria via aptidão física.
Com isso, a aptidão física, com o uso de variáveis neuromotoras de força, resistência, velocidade e cardiorrespiratórias, especialmente, está associada a resultados positivos no DA em disciplinas do currículo escolar (Chacón-Cuberos et al., 2020; Fraile-García et al., 2019; López de los Mozos-Huertas, 2018; Kyan et al., 2019; Marques et al., 2018; Olivares, e García-Rubio, 2016; Oliveira et al., 2017; Rodriguez et al., 2020; Sardinha et al., 2016; Syväoja et al., 2018; Visier-Alfonso et al., 2021), relacionando-se, inclusive, a funções cognitivas executivas (Sardinha et al., 2016). Marques et al. (2018) discutem que uma melhor aptidão cardiorrespiratória pode ser importante para melhoria na saúde de crianças e adolescentes, com consequências no DA e, conforme sugerem Oliveira et al. (2017) e Jiménez Vaquerizo (2019) é necessário aumentar a intensidade das aulas de educação física, com reflexos importantes na aprendizagem. Ainda, outros comportamentos, como tempo em tela (televisão, internet, celular, etc.) e hora de dormir, influenciam no desenvolvimento de um estilo de vida mais ativo, com níveis mais elevados de AF e, como consequência, melhor aptidão aeróbica e DA. (Syväoja et al., 2018)
As notas das disciplinas de matemática, línguas (nativa e estrangeira), ciências e biologia foram as mais utilizadas como métrica para a avaliação do DA; sendo que,em alguns estudos, a relação AF e DA variou conforme a disciplina em análise (Lima et al., 2019; Jiménez Vaquerizo, 2019). Neste sentido, Lima et al. (2019) mostraram associação positiva entre a AF e DA para matemática, mas não em biologia, educação física, inglês e castelhano. Este resultado foi obtido para os meninos e não para as meninas, que se apresentou neutro, revelando também diferenças entre os sexos. Resultados positivos para os estudantes do sexo masculino e sem evidências de associação para as meninas também foram relatados em outros estudos (Barrigas et al., 2018; Kyan et al., 2019; Owen et al., 2018). Owen et al. (2018) destacaram que resultados semelhantes aos das meninas foram observados para meninos fisicamente menos ativos. Reforça-se, assim, a necessidade de se implementar estratégias de inclusão, envolvimento e melhorias em intensidade, frequência e volume da AF nas aulas de educação física nas escolas, com reflexos na saúde e educação.
Resaland et al. (2016) investigaram os efeitos da AF no DA de crianças em idade escolar, no condado de Sognog Fjordane, Noruega. Os resultados não revelaram efeitos significativos em análise primária para matemática, leitura e inglês; mas na análise por subgrupo, revelou um efeito favorável nas crianças que tiveram notas abaixo da média. Os autores discutem que a combinação de AF e aprendizado parece um modelo viável para estimular o aprendizado de crianças que apresentaram desempenho inferior à média e concluem sobre a necessidade de mais estudos da relação aumento da AF na escola, conhecimento e melhora no DA em todas as crianças.
As escolas são o cenário ideal para se implementar programas de AF direcionados ao aprendizado e habilidades intelectuais de crianças e adolescentes. A grande maioria dos estudos mostrou a eficácia das intervenções de AF no DA e, acima de tudo, nas habilidades cognitivas dos jovens. Algumas descobertas interessantes vêm de estudos que avaliaram alterações funcionais do cérebro e intervenções direcionadas a amostras culturalmente diversas. A integração da AF com a neurociência compreende fundamentalmente um conjunto complexo de reações metabólicas no cérebro, que culminam na formação de memórias necessárias a construção de um conhecimento significativo, que culmina no aprendizado do aluno. Aprender modifica a estrutura cerebral, o que se aprende age em nível celular, impondo novos padrões de organização do cérebro, a cada aprendizagem novas memórias ocorrem. Estímulos e estratégias didáticas adequadas, coordenadas pelo professor, aumentam as chances de se alcançar o aprendizado, que, fundamentalmente, pode ter reflexos no DA. (Jiménez Vaquerizo, 2019; Chacón-Cuberos et al., 2020; Pulido, e Ortega, 2020)
Conclusão
Os autores compactuam sobre os benefícios da AF no desenvolvimento corporal, mental e psicológico, um papel que vai além da automatização mecânica da prática em si, o que requer o domínio do conhecimento historicamente produzido. Neste sentido, revela-se a necessidade premente de ressignificação da cultura atual, amplamente difundida nos meios educacionais, do caráter restrito da AF, enquanto uma mera conduta de cultura corporal.
Articula-se a AF, como coparticipe no desenvolvimento integral do ser humano, contrapondo a visão unilateral e fragmentada, que domina a educação como um todo. O conhecimento se articula nas diferentes especialidades, assumindo um caráter interdisciplinar.
Dados científicos evidenciam os benefícios da AF na função cognitiva, sua ação pode ser direta, pelo aumento na velocidade do processamento cognitivo, via melhora na circulação cerebral e alteração na síntese e degradação de neurotransmissores, ou indireta pelo efeito que exerce na melhora da capacidade funcional do corpo em geral, refletindo numa melhor qualidade de vida e, no seu conjunto, influenciam o desenvolvimento cognitivo, memória, atenção e aprendizagem, com reflexos no DA.
A AF estimula o interesse dos alunos em aprender, afeta a concentração, o humor e o comportamento. Muito ainda deve ser estudado e experimentado sobre a relação AF e DA; mas, considerando o potencial que representa a prática de AF no processo ensino e aprendizagem, deve-se buscar o equilíbrio entre o tempo dedicado à educação na escola e o tempo para a participação em AF.
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