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ISSN 1514-3465

 

As políticas de esporte do Acre: análise dos 

planos plurianuais de governo (2000 a 2019)

Acre's Sports Policies: Analysis of the Government's Multi-Annual Plans (2000 to 2019)

Las políticas deportivas en Acre: análisis de los planes plurianuales de gobierno (2000 a 2019)

 

Eliane Elicker*

elielicker@gmail.com

Nadson Santana Reis**

nadsonsr@hotmail.com

Cláudia Catarino Pereira***

claudiacatarino_@hotmail.com

Fernando Mascarenhas****

fernando.masca@outlook.com

 

*Licenciada em Educação Física, mestre em Saúde Coletiva

Doutoranda do Programa de Pós Graduação da Universidade de Brasília (UnB)

Professora da Universidade Federal do Acre

Integrante do Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica

em Educação Física, Esporte e Lazer [Avante/Unb]

**Licenciado em Educação Física pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB)

Mestre em Políticas Públicas de Esporte e Lazer pela Universidade de Brasília (UnB)

e, atualmente, faz doutorado na mesma universidade

Integrante do Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica

em Educação Física, Esporte e Lazer [Avante/Unb]

***Graduação em Educação Física, mestra em Educação Física

Doutoranda em Educação Física pela Universidade Federal de Brasília (UnB)

Professora no Instituto Federal do Sul de Minas Gerais, Campus Pouso Alegre

Integrante do Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica

em Educação Física, Esporte e Lazer [Avante/Unb]

****Mestrado e Doutorado em Educação Física, pós-doutorado em Política Social

Professor na Pós Graduação em Educação Física da Universidade de Brasília (UnB)

Diretor da Faculdade de Educação Física da UnB

Integrante do Grupo de Pesquisa e Formação Sociocrítica

em Educação Física, Esporte e Lazer [Avante/Unb]

(Brasil)

 

Recepção: 21/04/2020 - Aceitação: 01/08/2020

1ª Revisão: 06/07/2020 - 2ª Revisão: 15/07/2020

 

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Citação sugerida: Elicker, E., Reis, N.S., Pereira, C.C., & Mascarenhas, F. (2020). As políticas de esporte do Acre: análise dos planos plurianuais de governo (2000 a 2019). Lecturas: Educación Física y Deportes, 25(269), 34-48. Recuperado de: https://doi.org/10.46642/efd.v25i269.2171

 

Resumo

    O presente estudo teve como objetivo analisar a configuração e abrangência das políticas de Esporte do Estado do Acre no que diz respeito à sua natureza e ao tipo dos direitos e benefícios previstos e/ou implementados. Para tanto, realizou-se uma pesquisa documental, tendo como base cinco Planos Plurianuais (PPAs) que compreendem o período de 2000 a 2019, período em que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve à frente do governo estadual. Para isso, utilizou-se o modelo de análise de políticas públicas proposto por Boschetti (2009). As considerações indicam a ausência de continuidade nas políticas de esporte. Ademais, observou-se que de 2000 a 2015 o principal foco das políticas foi a ampliação de espaços, havendo uma lacuna no que diz respeito a ações voltadas à prática do esporte como atividade-fim, principalmente no PPA 2000-2003. No que diz respeito ao esporte como direito, este esteve mais concretamente explícito no último PPA 2016-2019. O caráter universal no acesso às políticas de esporte esteve presente em alguns momentos, embora articulado a um projeto neoliberal que de certa forma utilizou o esporte para desenvolver e dinamizar a economia.

    Unitermos: Política pública. Esporte. Programas governamentais. Governo local.

 

Abstract

    The objective of this study was to analyze the configuration and scope of sports policies in the State of Acre, Brazil, concerning their nature and type of rights and benefits provided and/or implemented. To this end, a documentary survey was carried out, based on five Multi-year Plans (MYPs) that cover the period from 2000 to 2019, a period in which the Workers' Party (PT) was at the head of the state government. To this end, the public policy analysis model proposed by Boschetti (2009). The considerations indicate a lack of continuity in sports policies. Furthermore, it was observed that from 2000 to 2015 the main focus of the policies was the expansion of spaces, with a gap in what concerns actions aimed at the practice of sport as an end activity, especially in the MYP 2000-2003. About sport as a right, it was more specifically explicit in the last MYP 2016-2019. The universal nature of access to sports policies was present at times, although it was articulated with a neoliberal project that, to some extent, used sport to develop and boost the economy.

    Keywords: Public policy. Sport. Government programs. Local government.

 

Resumen

    Este estudio tuvo como objetivo analizar la configuración y alcance de las políticas deportivas en el estado de Acre en cuanto a su naturaleza y el tipo de derechos y beneficios otorgados y/o implementados. Para ello, se realizó una investigación documental, a partir de cinco Planes Plurianuales (PPAs) que cubren el período 2000-2019, período en el que el Partido dos Trabalhadores (PT) estuvo al frente del gobierno del Estado. Para ello se utilizó el modelo de análisis de políticas públicas propuesto por Boschetti (2009). Las consideraciones indican la falta de continuidad en las políticas deportivas. Además, se observó que de 2000 a 2015 el foco principal de las políticas fue la ampliación de espacios, con un desfase respecto a las acciones orientadas a la práctica del deporte como actividad final, principalmente en el PPA 2000-2003. En cuanto al deporte como derecho, esto se expresó más específicamente en el último PPA 2016-2019. El carácter universal en las políticas de acceso al deporte estuvo presente en algunos momentos, aunque vinculado a un proyecto neoliberal que de alguna manera utilizó el deporte para desarrollar y dinamizar la economía.

    Palabras clave: Política pública. Deporte. Programas de gobierno. Gobierno local.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 269, Oct. (2020)


 

Introdução 

 

    As políticas sociais referem-se à implementação de ações que são administradas pelo Estado e que buscam atender as necessidades da sociedade visando o bem-estar do cidadão. (Pereira, 2013). Os direitos sociais são, pois, objetos de políticas públicas com os quais elas se identificam, tendo em seu horizonte os direitos individuais que se guiam pelo princípio da igualdade e liberdade. (Pereira, 2008)

 

    Na área do esporte, esse direito passou a ser reconhecido a partir de 1988 com a Constituição Federal. Os estudos na área das políticas de esporte têm se intensificado significativamente, especialmente no que diz respeito à esfera federal. Autores como Athayde (2019, 2018, 2011), Carneiro (2018), Teixeira, Mascarenhas, & Matias (2017), Mascarenhas, Athayde, & Diaz (2017), Matias, & Mascarenhas (2018), Reis, Mascarenhas, Cruz, & Medeiros (2018), Ribeiro et al. (2017) entre outros, têm se dedicado a estudar aspectos que vão desde a concepção, passando pela gestão, avaliação/monitoramento até o financiamento de políticas relacionadas ao esporte, tendo como objetivo identificar seus determinantes sociais, políticos, econômicos e culturais que atravessam as relações de força na tomada de decisão, abrindo, assim, um campo importante de discussão.

 

    Em se tratando dos entes federados, ainda é possível afirmar que os estudos das políticas de esporte são um campo novo. Referindo-se especificamente ao Estado do Acre, por exemplo, não foram encontradas publicações nessa área, existindo, dessa forma, uma lacuna na produção científica.

 

    O Acre tem características muito peculiares. É uma área de fronteira com dois países, possui um clima árido e seu último Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), de 2010, divulgado pelo IBGE (2019), indica que o Estado possui um índice médio de desenvolvimento de 0,664, quando o Produto Interno Bruto (PIB) do Estado fica em 21º no ranking nacional (IBGE, 2019). Todos esses fatores podem interferir diretamente na tomada de decisão quanto às políticas de esporte.

 

    Dados do Relatório Nacional de Desenvolvimento Humano do Brasil (PNUD), de 2017, demonstram que apenas 36,2% da população do Acre pratica atividades físicas e esportivas (AFEs). Outra especificidade, no que diz respeito ao Estado do Acre são os 20 anos que o Partido dos Trabalhadores (PT) esteve à frente do governo, e nesses, 16 anos sob o comando dos irmãos Vianna1, o que sugere continuidade nas políticas e, igualmente, nas políticas de esporte.

 

    Uma importante fonte de informações sobre as políticas públicas são os Planos Plurianuais (PPAs), que são documentos legais, de planejamento e gestão, construídos de forma integrada, possibilitando o seu uso em todas as instâncias do governo, de maneira estratégica e atuante2.

 

    Por conseguinte, o presente estudo teve como objetivo analisar a configuração e abrangência das políticas de Esporte do Estado do Acre no que diz respeito à sua natureza e ao tipo dos direitos e benefícios previstos e/ou implementados.

 

Metodologia 

 

    O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa documental que tem como base cinco PPAs que compreendem o período de 2000 a 2019. O referido recorte tem o objetivo de analisar as políticas, programas e ações voltadas para o esporte no Estado do Acre durante os 20 anos da gestão PT no Governo.

 

    Para fins da sistematização e levantamento das informações foi realizada a busca nos PPAs de conteúdos relacionados a esportes e, em seguida, extraídas as informações referentes à proposição, objetivos e metas das políticas, programas, projetos e ações voltadas para o esporte.

 

    Para tanto, utilizou-se o modelo de análise de políticas públicas proposto por Boschetti (2009). Para o objeto deste estudo, optou-se por utilizar o aspecto 1 - configuração e abrangência dos direitos e benefícios e, especialmente, o indicador 1 que avalia a natureza e o tipo dos direitos e benefícios previstos e/ou implementados.

 

Resultados 

 

    Este estudo teve como objetivo analisar a configuração e abrangência das políticas de Esporte do Estado do Acre no que diz respeito à sua natureza e ao tipo dos direitos e benefícios previstos e/ou implementados. Assim, foram analisados políticas, programas, projetos e ações previstos nos PPAs, de modo a identificar suas prioridades e a possibilidade de responder à determinada situação social e contribuir para reduzir desigualdades sociais, bem como se as políticas de esporte são reconhecidas e implementadas sob a ótica do direito, se têm caráter universal ou seletivo, se têm continuidade ou são eventuais.

 

    A análise foi realizada a partir dos PPAs, elaborados durante a gestão dos governos do PT no Estado do Acre. Desse modo, foram analisados cinco PPAs compreendendo o período de 2000 a 2019. Os resultados referentes a cada PPA estão apresentados nos Quadros 1, 2, 3, 4 e 5.

 

    O PPA para o período 2000-2003 foi instituído através da Lei nº 1.307, de 24 de dezembro de 1999, na gestão do então governador Jorge Viana, do PT, que tinha como vice Édison Cadaxo, do PSDB. Nesse PPA o esporte só aparece na previsão orçamentária, dentro do tema Educação, Cultura e Desporto.

 

Quadro 1. PPA 2000-2003 (Políticas, projetos, programas e ações de esporte)

PPA

Tema/eixo

Política/

Programa/

projeto/ação

Meta/objetivo

2000-2003

Educação, cultura e desporto

Construção, ampliação, reforma de equipamento e espaços culturais e desportivos

Construir, ampliar, reformar e conservar centros culturais e

esportivos na área urbana e rural.

Educação, cultura e desporto

Capacitação em Cultura e Desporto

Desenvolver programas de capacitação em cultura e desporto, oficinas de cursos de agentes culturais e formação de público para artes.

Fonte: Lei nº 1.307 (1999)

 

    No quadriênio 2004-2007 o PPA foi aprovado através da Lei nº 1.521, de 29 de dezembro de 2003. Naquela ocasião, Jorge Viana havia sido reeleito governador, mas tendo como vice Arnóbio Marques, também do PT. Esse PPA é apresentado com uma nova estrutura e organização, as quais ampliaram a compreensão, uma vez que trazem uma contextualização de cada eixo com informações mais densas e mais elementos acerca das políticas.

 

Quadro 2. PPA 2004- 2007 (Políticas, projetos, programas e ações de esporte)

PPA

Tema/eixo

Política/

Programa/

projeto/ação

Meta/objetivo

2004- 2007

Cultura, Comunicação e Desporto

Sem referência

- Ampliar os investimentos na Lei de incentivo à cultura e ao desporto.

- Conclusão das obras do estádio de futebol e início das obras do complexo do centro olímpico.

- Aumentar para 20 mil o número de crianças atendidas pelo Programa Esporte Comunitário.

- Manter as Olimpíadas Escolares e o Torneio Intersecretarias.

- Executar a segunda etapa do Programa Esporte Comunitário.

- Manter as parcerias com o Governo Federal, garantindo a continuidade dos programas de cofinanciamento.

- Manter e ampliar os convênios com as federações esportivas.

Fonte: Lei nº 1.521 (2003).

 

    O PPA para o quadriênio 2008-2011 foi instituído sob a Lei nº 1.972, de 27 de dezembro de 2007. Nesse período, passa a ser governador Arnóbio Marques de Almeida Júnior que tem como seu vice Carlos César Correia de Messias do PP.

 

Quadro 3. PPA 2008- 2011 (Políticas, projetos, programas e ações de esporte)

PPA

Tema/eixo

Política/

Programa/

projeto/ação

Meta/objetivo

2008-2011

Desenvolvimento

Social

Esporte e Lazer

- Ampliação, manutenção e conservação do Complexo Esportivo Arena da Floresta em Rio Branco, bem como construção do Centro Olímpico em Cruzeiro do Sul.

- Estruturação, organização, agentes e competências – compreenderá o lazer, o esporte educacional, participação, alto rendimento.

- Recursos humanos e formação – será elaborada uma política de formação inicial e continuada nos níveis básico, médio, superior e pós-graduação.

- Gestão e controle social – possibilitará a melhoria na gestão democrática das políticas públicas para o esporte, a criação de Conselhos, Conferências, Fóruns e Câmaras Setoriais, garantindo participação popular.

Fonte: Lei nº 1.972 (2007)

 

    O PPA 2012-2015 foi instituído através da Lei nº 2.524, de 20 de dezembro de 2011, sob o Governo Tião Viana do PT e como vice César Messias do PP. Observa-se que se manteve a coligação com o PP dentro desses oito anos.

 

Quadro 4. PPA 2012- 2015 (Políticas, projetos, programas e ações de esporte)

PPA

Tema/eixo

Política/

Programa/

projeto/ação

Meta/objetivo

2012-2015

Eixo educação, saúde e segurança

Esporte e lazer

Ampliar a oferta de condições para a prática de esporte no Estado.

Fonte: Lei nº 2.524 (2011)

 

    No PPA 2016-2019 o esporte volta para o Eixo Desenvolvimento Social. Foi instituído pela Lei nº 3.100, de 29 de dezembro de 2015, tendo como Governador Tião Viana e vice Nazareth Araújo, também do PT.

 

Quadro 5. PPA 2016- 2019 (Políticas, projetos, programas e ações de esporte)

PPA

Tema/eixo

Política/programa/

projeto/ação

Meta/objetivo

2016-2019

Desenvolvimento social

Esporte e Lazer

- Realizar os jogos escolares em 04 etapas/ano (etapa municipal, regional, estadual e nacional), envolvendo uma média de 11.500 alunos atletas por ano.

- Realizar os Jogos da Floresta, envolvendo, até 2019, 1800 equipes dos 22 municípios do Estado.

- Realizar os Jogos Intersecretarias, nas modalidades de futebol society, futevôlei, e voleibol de praia, com a participação de 380 equipes.

- Realizar a Corrida Chico Mendes, num total de quatro eventos até 2019.

- Firmar 68 convênios com 16 Entidades esportivas e com a Federação de Futebol, visando garantir o bom desempenho dos Representantes acreanos em atividades de alto rendimento.

- Selecionar 220 atletas aptos a receber a Bolsa Atleta, cujas participações em atividades esportivas com índices e classificações sejam reconhecidas em competições estaduais, nacionais e/ou internacionais.

- Selecionar 1220 projetos, no Edital da Lei de Incentivo ao Esporte.

- Produzir e distribuir 1000 kits esportivos, compostos de bolas e redes.

Fonte: Lei nº 3.100 (2015).

 

Discussões 

 

PPA 2000-2003 

 

    Analisando os dados apresentados referentes a esse PPA, podemos perceber que o governo teve uma preocupação com a construção e ampliação de espaços e equipamentos para a prática do esporte, e com programas de capacitação em desporto, sendo esses a base para a prática de esportes.

 

    Os espaços e equipamentos são elementos importantes, garantem a estrutura mínima para o desenvolvimento das ações de esporte, são fundamentais para a democratização e universalização do direito ao esporte, sendo, portanto, importantes ao direito. No entanto, o PPA não apresenta nenhum programa ou política de atendimento à população nesses espaços, tampouco onde os agentes que serão capacitados irão atuar.

 

    Nesse sentido, percebemos uma fragilidade no PPA que pode se apresentar como uma barreira para o acesso às políticas de esporte, pois o mesmo não apresenta nenhuma ação concreta para a prática do esporte e, dessa forma, não apresenta o caráter de universalidade, nem de continuidade.

 

    O esporte é considerado uma prática satisfatória universal de direitos de cidadania e para que desempenhe um papel emancipatório, além de espaços e equipamentos, é necessário que o conteúdo das políticas públicas tenha um aspecto educativo e estimule a humanidade dos homens. (Athayde et al., 2016). Este fato pode estar relacionado à escolha da priorização de uma política econômica em detrimento das políticas sociais, nesse caso especificamente nas políticas de esporte, pois de acordo com o PPA:

    [...] o Estado foi duramente penalizado nos últimos anos por políticas que desconsideravam a vocação florestal do Acre, promovendo fechamento ou desativando setores tradicionais da economia, aumentando o êxodo rural e consequentemente provocando crescimento nos índices de desemprego. [...] para a reversão do processo explosivo do desemprego que assola o Estado do Acre e o País, são necessárias mudanças estruturais na política econômica nacional e no processo de globalização da economia. (Lei nº 1.307 - PPA, 1999, p. 3)

    O trecho acima, retirado do PPA, pode indicar traços de uma política neoliberal, através da qual os estados impõem restrições sociais e se concentram no desenvolvimento do pleno emprego e crescimento econômico (Harvey, 2008), nesse caso, através das políticas de esporte. Esse traço da política também foi apontado em estudo realizado por Carneiro (2018) que, ao analisar o gasto com infraestrutura pelo governo federal no período de 2005 a 2011, apontou para o papel interventor do Estado no âmbito esportivo, pois o esporte é colocado a serviço do desenvolvimento econômico, mobilizando diversos interesses do Poder Executivo e do Poder Legislativo, além do mercado ou de setores privatistas e privatizantes.

 

    Analisando a construção histórica das políticas sociais para o esporte, como direito, no Brasil, no período pós-constituição, levando em consideração a ampliação e democratização de seu acesso, pode-se dizer que as ações foram tímidas e fragmentadas. Nos governos Lula e Dilma, por exemplo, foram marcados pela perspectiva da realização de megaeventos esportivos a partir de uma visão do esporte voltada para o mercado de consumo. (Carneiro, 2019)

 

PPA 2004-2007 

 

    Nesse PPA, o esporte muda de Eixo, estando vinculado ao Eixo Cultura, Comunicação e Desporto, a ótica é “manter e ampliar” as políticas de esporte, o que subentende que se refere a ações já realizadas.

 

    O PPA aponta ações voltadas para o esporte participação, o esporte de alto rendimento, o esporte escolar e a infraestrutura. Analisando essas ações, pode-se dizer que apresentam um caráter mais democrático, já que atende às três dimensões do Esporte. No entanto, é importante ressaltar que apenas uma ação é voltada para o esporte escolar, as Olimpíadas Escolares, que têm a competitividade e o rendimento em sua essência.

 

    A Constituição Federal em seu art. 217 prevê a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para o desporto de alto rendimento (Constituição do Brasil, 1988). Dessa forma, entende-se que deveria haver uma atenção maior às ações previstas no PPA para o esporte educacional.

 

    A Lei nº 9.615 (1998) também afirma o esporte como direito individual, no entanto sua preocupação parece estar mais centrada na regulamentação do esporte profissional, o esporte educacional e de participação embora reconhecidos, pouco são explicitados e nada se estabelece em termos práticos como se dará sua materialização. (Canan, Santos, & Starepravo, 2017)

 

    Em termos, o esporte de rendimento ou esporte profissional é mais atrativo, por isso o esporte educacional e de participação ficam com menor volume de investimentos. Athayde (2011) afirma que o esporte enquanto direito social encontra algumas barreiras para se materializar, pois o seu forte potencial mercadológico, o tem tornado um produto altamente rentável e amplamente explorado pela indústria esportiva e midiática.

 

PPA 2008-2011 

 

    No PPA desse quadriênio, o Esporte muda novamente de eixo, passando a incorporar o Eixo Desenvolvimento Social. São mencionados três grandes programas: Esporte e lazer com oportunidade para todos; Gestão das políticas de esporte e lazer; e Apoio ao desenvolvimento do desporto comunitário. Desses, só encontramos ações dentro do programa denominado “Esporte e Lazer”, e essas são colocadas de uma forma muito vaga, não deixando explícito seus objetivos.

 

    As ações voltam-se novamente para a infraestrutura e formação. Um avanço importante e que merece destaque no que tange à questão da democratização do direito ao esporte é o aspecto da gestão democrática e participação popular que é proposto através da criação de conselhos, conferências, fóruns e câmaras setoriais. Esses espaços têm grande relevância, pois, é através deles que a sociedade se faz presente com poder de decisão e condições de exercer o controle sobre decisões e atos do governo. (Pereira, 2008)

 

    Segundo Coutinho (2008), uma das características da modernidade é a afirmação e expansão de uma nova concepção e de novas práticas de cidadania, isso envolve o protagonismo da sociedade civil nas decisões, acompanhamento e monitoramento das políticas.

 

PPA 2012-2015 

 

    Nesse PPA ocorre mudança de eixo novamente. O esporte e o lazer são apontados como condição para o desenvolvimento humano e social. Isso fica ainda mais explícito quando dito que o Governo desenvolve ações de promoção ao esporte e lazer como necessidade básica para a afirmação da cidadania e a melhoria da qualidade de vida da população e que, nesse aspecto, a manutenção, revitalização e adequação de espaços destinados à prática esportiva na capital e no interior, além da contratação de profissionais capacitados, são ações necessárias para a ocupação do tempo livre e educação integral do cidadão. Através do exposto é possível identificar a ótica do direito e do caráter universal do esporte.

 

    Entretanto, Athayde e Passos (2018) alertam que o potencial emancipatório do esporte é limitado, haja vista que a cidadania plena e a emancipação humana estão condicionadas à outra sociabilidade, sendo assim,não seria justo atribuir ao esporte a responsabilidade na consolidação desses projetos.

 

    Contudo, ainda segundo os autores para que o esporte assuma um potencial emancipatório é necessário resguardar suas particularidades e vicissitudes, já que se trata de um fenômeno social moderno.

    Neste contexto, uma primeira possibilidade seria associar o esporte a um bem social e cultural, construído pelos seres humanos em seu processo histórico e, sendo assim, um bem de todos. Para tanto, democratizar o esporte é algo determinante e este deveria ser o horizonte do poder público! Isto significa ampliar o acesso ao esporte por meio de vivências reais e autônomas e que relacionem trabalho e cultura de uma forma única, seja na escola, seja nas praças, seja em outros espaços possíveis no cotidiano de cada brasileiro. (Athayde, & Passos, 2018, p. 710)

    O aspecto ampliação de espaços e capacitação de profissionais nas políticas previstas nos PPAs está presente desde o primeiro PPA analisado, isso também é percebido no objetivo do Programa Esporte e Lazer desse PPA que é ampliar a oferta de condições para a prática do esporte no Estado.

 

    Tal postura pode estar relacionada à lógica adotada pelo Governo Federal que, segundo Pintos, Catarino, Salvador e Athayde (2016), tinha como perspectiva sediar os megaeventos esportivos, a construção de uma potência esportiva e uso do esporte como incentivador do desenvolvimento econômico do País.

 

    O governo do Estado do Acre colocou Rio Branco como candidata a uma das vagas para sediar os jogos da Copa do Mundo de 2014. O PPA destaca o investimento de 22 milhões na construção de um Centro Estadual de Treinamento Esportivo (CETE), que seria referência na Amazônia para seleções que iriam participar dos Jogos Mundiais de 2014 nas cidades selecionadas e que também funcionaria como um espaço de formação e educação de atletas.

 

    Nesse sentido, Carneiro (2019) analisou o direcionamento do gasto realizado pelo Ministério do Esporte (ME) no período de 2003 a 2018. Os resultados demonstram que no período houve grande oscilação dos valores gastos pelo ME, expressa no direcionamento para diferentes categorias de gastos. A maior parte foi com infraestrutura esportiva e megaeventos esportivos. Além disso, houve gastos para “esporte educação, lazer e inclusão social”, gestão e esporte de alto rendimento. Em um primeiro momento, o foco de gasto do ME foi com os programas sociais esportivos, contudo a prioridade passou a ser os megaeventos e o esporte de alto rendimento.

 

    A iniciativa do governo federal de sediar os megaeventos e também dos estados pode ser considerada uma medida neoliberal, uma política anticíclica para combater a crise e aquecer a economia fomentando ramos como a construção civil, o turismo, a hotelaria, entre outros, ou seja, aumentar o consumo e investimentos.

 

    O esporte atualmente é fruto das contradições da sociedade e da ordem vigente.Em decorrência disso, as políticas de esporte deveriam socializar este bem na busca da constituição de um cidadão pleno em todas as suas dimensões, ressignificando suas possibilidades e criar nos cidadãos condições reais para objetivar-se na luta pela cidadania. (Athayde & Passos, 2018)

 

    A neoliberalização, segundo Harvey (2008), busca dentro do plano teórico a reorganização do capitalismo e o restabelecimento do poder das elites econômicas. Para isso são utilizados discursos de legitimação e justificação, embora seja um plano da direita, essas características também estiveram presentes em alguns governos de esquerda, incluindo do PT. Por sua capacidade de mobilizar grandes agrupamentos humanos, o esporte passou a ser usado pelo seu potencial mercadológico. (Athayde et al., 2016)

 

    Não foi possível identificar uma continuidade nas políticas de esporte em relação aos outros PPAs. Existe ausência de ações, programas e projetos voltados para o esporte. Cabe apontar a maneira evasiva e esvaziada de proposições para a prática do esporte, sinalizando uma não prioridade ou ação.

 

PPA 2016-2019 

 

    De todos os PPAs analisados este parece ser o mais desenvolvido e que apresenta mais clareza em suas propostas, tendo ações para o esporte educacional, esporte participação e esporte de alto rendimento.

 

    A diretriz para o esporte é “cuidar da juventude na educação, no esporte e no lazer porque dela sairão os arquitetos do futuro” e dentro deste eixo ainda é colocado como desafio a construção de uma política voltada para a cidadania, assegurando oportunidades de trabalho, igualdade, inclusão social, lazer, cultura, garantia dos direitos humanos e proteção dos segmentos vulneráveis, tendo a multidiversidade e especificidade do povo acreano como bússola orientadora das políticas sociais. Nesse trecho, no plano teórico, é possível identificar a visão dos gestores para o esporte a partir da ótica do direito.

 

    O esporte é visto como direito humano fundamental e parte do processo de desenvolvimento social. Observamos alguns pontos que demonstram o amadurecimento no que concerne à concepção do esporte, o que pode ser visto no objetivo do Programa de Esporte que é “criar oportunidade e incentivar a prática esportiva de todos, fortalecendo a socialização, formação, saúde e qualidade de vida da população acreana, baseado em propostas que se adéquem à realidade de cada segmento social”. (Lei nº 3.100, 2015)

 

    O esporte em relação à inclusão social apresenta algumas contradições, pois, segundo Athayde et al. (2016), afora os discursos sobre o potencial do esporte como instrumento de inclusão social, algumas análises destacam barreiras tanto intrínsecas como extrínsecas para a efetivação deste como elemento de inclusão social, indicando a necessidade de que estas políticas estejam atreladas a outros bens e serviços sociais públicos disponíveis às classes subalternas. Em outras palavras, o esporte não será um instrumento de inclusão social se ao indivíduo não estiverem asseguradas condições básicas de sobrevivência como trabalho, saúde e educação.

 

    A assistencialização dos programas sociais esportivos relaciona-se à certa “Síndrome do Salvador da Pátria” atribuída ao esporte, que o coloca numa condição quase divina, de semideus, diferente dos demais fenômenos, capaz de combater toda sorte de mazelas sociais. Nesse cenário mítico, isoladamente o esporte seria capaz de garantir a ascensão e inclusão social; combater a criminalidade e a drogadição; e promover melhoria na qualidade de vida e saúde da população. (Athayde, 2011, p. 200)

 

    Para Behring (2009), esse tipo de política social apresenta um caráter seletivo e de focalização, uma política do mundo contemporâneo que perde o sentido de solidariedade, pacto social e reforma democrática e redistributiva.

 

    Ademais, a política de esporte parece participar da função integradora do Estado. Essa função, segundo Mandel (1982), está relacionada à integração das classes dominadas, garantindo que a ideologia da sociedade continue sendo a da classe dominante e que as classes dominadas aceitem e nem percebem sua exploração. Tal cenário também esteve presente nos governos Lula e Dilma, quando os investimentos no esporte olharam, preferencialmente, os investimentos em infraestrutura e megaeventos. (Carneiro, 2018)

 

    Quanto à democratização, está um pouco mais desenvolvida, se analisarmos a presença das três dimensões do esporte, no entanto, no esporte educacional a questão da competição continua presente como pode ser observado no objetivo: “Realizar os jogos escolares em quatro etapas/ano (etapa municipal, regional, estadual e nacional), envolvendo uma média de 11.500 alunos atletas por ano” (Lei nº 3.100, 2015, grifo nosso). A palavra atleta indica um direcionamento dos jogos para alunos atletas e não para os alunos como um todo. Segundo Athayde (2011), o esporte de alto rendimento tem conquistado uma hegemonia e tem recebido uma atenção especial em virtude de interesses opostos à perspectiva inclusiva e do esporte como direito social.

 

    Nas ações propostas, este PPA deixa fora a infraestrutura e capacitação e prioriza o esporte em sua atividade-fim, o que representa um avanço em relação aos PPAs anteriores.

 

Conclusões 

 

    Este estudo se propôs a analisar a configuração e abrangência dos direitos e benefícios das políticas de esporte do Estado do Acre através dos PPAs, levando em consideração os 20 anos dos governos PT (2000-2019). O PPA é um documento que define as diretrizes, objetivos e metas da administração pública e prevê os investimentos para que as ações se concretizem.

 

    Nesse sentido, os PPAs elaborados durante os governos do PT, no que se refere ao esporte, apresentam alguns avanços, mas também apresentam muitos limites e contradições, como pôde ser observado no PPA 2004-2007, que menciona continuidade de projetos e ações que não estavam presentes no PPA 2000-2003.

 

    A falta de clareza e algumas contradições marcam os PPAs que apresentam o que já foi desenvolvido e poucas informações quanto ao que se pretende realizar. O esporte muda de eixo em todos os PPAs, este pode ser um fator que dificulta a continuidade das políticas tendo em vista que mudam os atores envolvidos em seu planejamento e estes podem ter formação e ideários políticos diferenciados. Dessa forma, é possível que a figura do gestor e o direcionamento político possam interferir no planejamento e desenvolvimento das políticas de esporte.

Por se tratar de um estudo que analisou 20 anos de um mesmo partido no poder, a hipótese inicial era de que haveria continuidade nas políticas de esporte, no entanto, esta não se confirmou. Não foi possível identificar continuidade das políticas de esporte, observou-se, ainda, que de 2000 a 2015 o principal foco das políticas foi a ampliação de espaços, havendo uma ausência no que diz respeito a ações que proporcionassem a prática do esporte em sua atividade-fim, principalmente no PPA 2000-2003.

 

    No que diz respeito ao esporte como direito, este esteve mais concretamente explícito no último PPA 2016-2019, observando-se, assim, uma evolução quanto à concepção do esporte. Quanto ao caráter universal do acesso às políticas de esporte, as ações dos PPAs são importantes e caminham nessa direção, porém ainda são insuficientes para a democratização e universalização deste como direito.

 

Notas 

  1. Jorge Vianna foi prefeito de Rio Branco de 1993 a 1997, Governador do Estado de 1999 a 2007 e Senador pelo Acre de fevereiro de 2011 a janeiro de 2019. Sebastião Vianna, conhecido como Tião Vianna, irmão de Jorge Vianna, foi senador pelo Acre de 1999 a 2010, presidente do senado federal de 2005 a 2009 e governador do Acre de 2011 a 2019. (Recuperado de 18 de setembro de 2019 de https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_governadores_do_Acre).

  2. A Lei que trata do plano plurianual definirá as diretrizes, objetivos e metas da administração pública estadual, levando em consideração a região em que forem feitas as despesas de capital e outras despesas delas decorrentes e as relativas aos programas de duração continuada (Constituição Estadual, 1989).

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