Sociologia do Esporte na Argentina, Brasil e Chile:
perspectivas preliminares para um diagnóstico da área
Sociology of Sport in Argentina, Brazil and Chile:
Preliminary Perspectives for a Diagnosis of the Area
Sociología del Deporte em Argentina, Brasil y Chile:
perspectivas preliminares para un diagnóstico del área
Laura Ganzert Geraldo*
lauraganzert@hotmail.com
Wanderley Marchi Júnior**
marchijr@ufpr.br
Andressa Caroline Portes da Cunha***
andressa.cpcunha@hotmail.com
Cielle Amanda de Sousa e Silva****
cielleamanda@hotmail.com
*Mestrado em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná
**Doutorado em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas
***Mestrado em Educação Física pela Universidade Federal do Paraná
****Universidade Federal do Paraná
(Brasil)
Recepção: 16/08/2019 - Aceitação: 01/12/2019
1ª Revisão: 17/09/2020 - 2ª Revisão: 30/11/2019
Esta obra está bajo licencia Creative Commons Atribución-NoComercial-SinDerivadas 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.es |
Resumo
A Sociologia do Esporte (SoS) vem se consolidando gradativamente como um campo científico-acadêmico e, visando contribuir nesse sentido, este trabalho tem por objetivo apresentar algumas notas e perspectivas preliminares acerca da SoS na Argentina, Brasil e Chile, bem como discutir possíveis aproximações e distanciamentos existentes entre os estudos da SoS nestes três países. O estudo tem caráter qualitativo e caracteriza-se por uma revisão bibliográfica. Teve como base a leitura de três capítulos específicos do livro Sociology of Sport: A Global Subdiscipline in Review (2016). Distintos fatores peculiares levaram à atual configuração dos estudos da SoS em cada país, proporcionando diferentes aspectos de aproximações e distanciamentos. De uma forma geral, os estudos sobre SoS avançaram nos países analisados.
Unitermos: Sociologia do esporte. Argentina. Brasil. Chile.
Abstract
The Sociology of Sport (SoS) has been consolidating gradually as a scientific-academic field and, aiming to contribute in this sense, this work aims to present some notes and preliminary perspectives about SoS in Argentina, Brazil and Chile, as well as to discuss possible approximations and distances between SoS studies in these three countries. The study has a qualitative character and is characterized by a bibliographical review. It was based on the reading of three specific chapters of the book Sociology of Sport: The Global Subdiscipline in Review (2016). Different peculiar factors led to the current configuration of SoS studies in each country, providing different aspects of approaches and distances. In general, studies on SoS have advanced in the countries analyzed.
Keywords: Sociology of sport. Argentina. Brazil. Chile.
Resumen
La Sociología del Deportes (SdD) se ha consolidado gradualmente como un campo científico-académico y, con el objetivo de contribuir en este sentido, este trabajo tiene como objetivo presentar algunas notas preliminares y perspectivas sobre SdD en Argentina, Brasil y Chile, así como discutir posibles enfoques y diferencias entre los estudios de SdD en estos tres países. El estudio tiene un carácter cualitativo y se caracteriza por una revisión bibliográfica. Se basó en la lectura de tres capítulos específicos del libro Sociology of Sport: A Global Subdiscipline in Review (2016). Diferentes factores peculiares condujeron a la configuración actual de los estudios de SdD en cada país, proporcionando diferentes aspectos de aproximaciones y diferencias. En general, los estudios sobre SdD han avanzado en los países analizados.
Palabras clave: Sociología del Deporte. Argentina. Brasil. Chile.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 24, Núm. 262, Mar. (2020)
Introdução
O Esporte como objeto de estudo tem se tornado cada vez mais presente em diferentes áreas do conhecimento. Pesquisadores e estudiosos dedicam-se a estudá-lo nos mais diversos campos – antropólogos, economistas, historiadores, cientistas políticos, psicólogos, entre outros. Como instituição o esporte se insere à diferentes contextos: da economia à educação, da política a mídias sociais.
Neste sentido, entender o que é esporte na contemporaneidade nos parece fundamental para compreendermos o crescente interesse e a consequente produção acadêmico-científico relacionados a ele. E justamente nesta tarefa ainda se encontram dificuldades e limitações que perpassam pelos profissionais que trabalham com o esporte diretamente no que se refere à “determinismos acadêmicos” no “sentido demarcatório de áreas de atuação e de saberes a serem apropriados”. (Marchi Júnior, 2015, p. 47)
Marchi Júnior em seu artigo “O Esporte 'em cena': perspectivas históricas e interpretações conceituais para a construção de um Modelo Analítico” (2015) delineia diferentes concepções e definições acerca do esporte ao longo do tempo - desde a etimologia da palavra francesa “deport” cujo significado remetia à ideia de prazer e recreação e que, incorporado ao termo inglês assume um sentido de uso atlético, submetido à regras; perpassando pela modernidade remetendo o esporte à práticas aristocráticas na Inglaterra no século XIX, atribuindo perspectivas culturais e de distinção social e se desenrolando para um cenário mais atual com o crescente processo de expansão e internacionalização das práticas esportivas que traz à tona algumas definições tanto oficiais como por exemplo a Constituição Federal e o Conselho Federal da Educação Física, quanto contribuições de pesquisadores no meio acadêmico agregando ao termo outras interpretações com um pretenso sentido científico.
Coakley em sua obra “Sports in Society: issues and controversies” (2014) apresenta também algumas definições amplamente aceitas em um cenário mundial acerca do esporte de acordo com a maioria das pessoas nos Estados Unidos, Canadá e um número crescente de outras sociedades, esportes envolvem regras, competição, pontuação, vencedores e perdedores, horários e temporadas, recordes, treinadores, árbitros e órgãos que estabelecem regras e patrocinam campeonatos. (Coakley, 2014, 8, tradução nossa)
A partir deste cenário, ainda dentro desta perspectiva, alguns estudiosos preocuparam-se em conceituá-lo através de diferentes óticas. Marchi Júnior (2015) nos situa em algumas contribuições importantes por parte destes pesquisadores na atribuição de novas e mais amplas interpretações do termo esporte.
Umberto Eco (1984) aborda a perspectiva da indústria cultural e sua influência no que o autor chama de “falação esportiva” através dos meios de comunicação de massa, com o intuito de incorporar “verdades” a respeito do esporte. George Magnane (1964), apresenta-o como lazer, com predominância de esforço físico, apresentando regulamentos e instituições específicas suscetíveis à transformações profissionais. Pierre Bourdieu (1983, 1990) trata o esporte como um espaço estrutural de práticas sociais (“campo”) em que ocorrem concorrências e disputas por elementos de distinção social que estabelecem posições dos agentes sociais. Bourdieu traz também a ideia da mercantilização das práticas, definindo relações de oferta e demanda nos esportes. Norbert Elias (1995) discorre sobre o “descontrole controlado” e o “processo civilizador” do esporte como um catalizador de emoções e um meio de compensação das tensões cotidianas e do autocontrole dos praticantes. Jean-Marie Brohm (1976) definiu-o como uma atividade física típica de uma sociedade industrial fundamentada na organização científica do trabalho e no progresso humano infinito em um processo polissêmico. (Marchi Júnior, 2015, p. 47-50)
Marchi Júnior (2015) também propõe um novo olhar sobre o esporte através do modelo baseado na polissemia dimensional, o “Modelo Analítico dos 5 E’s”, construindo uma análise em 5 dimensões – emoção, estética, ética, espetáculo e educacional. O objetivo do modelo em questão é analisar e compreender minimamente o esporte no contexto em que está inserido, desse modo, visualizando a possibilidade de entende-lo na contemporaneidade como uma atividade física polissêmica, institucionalizada, regrada e competitiva, um fenômeno histórico da humanidade construído e determinado a partir de contextos socioculturais diversificados, em constante desenvolvimento, e em franco processo de profissionalização, mercantilização e espetacularização.
Estes novos olhares sobre o esporte em diferentes perspectivas possibilitaram que o fenômeno pudesse ser estudado cada vez mais por pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento, e não mais partindo somente de abordagens metodológicas das hard sciences1.
Jay Coakley (2014, 8) expõe ainda um ponto fundamental para compreendermos os estudos do esporte por parte de outras áreas, em especial pelas Ciências Sociais – é preciso entender o esporte como uma construção social, feito pela e para as pessoas que interagem entre si dentro de um meio social, sob condições políticas e econômicas particulares. O esporte por si só é capaz de representar e reforçar valores, crenças, estigmas e ideais de uma sociedade integrando diferentes esferas sociais.
De fato os estudos sociais sobre o esporte representam um campo relativamente jovem. Este campo inclui, de acordo com Gastaldo (2010, p. 8) “trabalhos científicos alocados nas áreas de educação física, comunicação, antropologia, sociologia, história, educação, geografia, psicologia e muitas outras”.
Algumas dificuldades apontadas no campo dos estudos sociais do esporte dizem respeito à rigidez acadêmica dentro da própria Educação Física. Gastaldo afirma que,“fatores que acrescentam complexidade a esta situação são a sua dimensão interdisciplinar – dentro de um campo acadêmico cada vez mais rigidamente demarcado por fronteiras entre disciplinas, apesar da popularidade dos discursos ‘inter’ ou ‘transdisciplinares’” (Gastaldo, 2010, p. 7).
Quando tratamos especificamente do esporte analisado sob o viés da Sociologia, Bourdieu (1993 apud Amestica, 2016, p. 411) sugere que a demora para a consolidação de uma Sociologia do Esporte (Sociology of Sport - SoS) se justifica porque o esporte “não foi considerado um grave problema social pelos fundadores da sociologia” por um longo período de tempo.
Além disso, Souza e Marchi Júnior (2010) apontam outros embates que envolvem instituições científicas e pesquisadores, seja na legitimação de objetos de estudos seja nas metodologias e teorias que balizam as produções. Para os autores existe ainda tensões dentro do próprio campo científico, a saber
o embate típico entre as disciplinas que compõem o núcleo das chamadas Ciências Sociais e, no caso específico do campo sociológico, as lutas entre sociologia contemporânea versus sociologia clássica, entre as áreas de especialidade sociológica e, principalmente, entre os mais distintos paradigmas e teorias que constituem epistemologicamente o referido locus social de produção e circulação dos bens científicos. (Souza e Marchi Jr, 2010, p. 46)
O significado da palavra passou a designar uma diversidade de práticas, as quais já não atendem mais aos critérios clássicos da Sociologia do Esporte que definiam o que é esporte. O fenômeno linguístico da polissemia, ampliou o seu significado. (Betti, 1987 apud Betti, 2006)
Atualmente a SoS vem se consolidando como um campo acadêmico-científico graças à preocupação e esforços dos agentes envolvidos em legitimá-la como um campo de fato. Diante deste cenário exposto até aqui, podemos citar alguns trabalhos que vêm sendo realizados no intuito de sistematizar e estruturar um panorama histórico-sociológico do que tem sido produzido na área acadêmico científica no campo da Sociologia do Esporte como trabalhos de Souza e Marchi Júnior (2010) e Ferreira (2009). Tais trabalhos através do estado da arte mapeiam o campo no cenário internacional, brasileiro e de alguns países latino-americanos, demonstrando a produção desde as pesquisas pioneiras na área.
Neste sentido, o volume mais recente do livro organizado por Kevin Young, Sociology of Sport: A Global Subdiscipline in Review (2016) buscou fazer um balanço global da sociologia do esporte no momento em que a subdisciplina “Sociologia do Esporte” celebrou meio século de existência (Young, 2016). São 23 capítulos que discorrem sobre a Sociologia do Esporte (SoS) em países de 5 continentes: África (África do Sul), Ásia (China, Índia, Japão, Coréia do Sul), Oceania (Nova Zelândia, Austrália), Europa (República Tcheca, Finlândia, Bélgica, França, Alemanha, Suíça, Hungria, Itália, Holanda, Suécia, Dinamarca, Espanha, Reino Unido), América do Norte (Canadá, Caribe, Estados Unidos) e América do Sul (Argentina, Brasil, Chile). Possivelmente é o conjunto mais abrangente de resumos de subcampos já compilados em uma única fonte. (Young, 2016)
Para a presente discussão, nos atemos à leitura dos capítulos: “Sociology of Sport: Argentina”; “Sociology of Sport: Brasil” e “Sociology of Sport: Chile”. As discussões acerca da sociologia do esporte na Argentina, Brasil e Chile foram sintetizadas respectivamente por Raúl Cadaa2, Wanderley Marchi Júnior3 e Miguel Cornejo Amestica4.
Visando contribuir nesse sentido, este trabalho tem por objetivo apresentar algumas perspectivas preliminares acerca da Sociologia do Esporte na América do Sul, considerando de modo especial Argentina, Brasil e Chile, e discutir possíveis aproximações e distanciamentos existentes entre os estudos da SoS nestes três países. O estudo, de caráter qualitativo, caracterizado por uma revisão bibliográfica, teve como base a leitura de três capítulos específicos da obra, Sociology of Sport: A Global Subdiscipline in Review (2016).
A sociologia do esporte na Argentina
No capítulo desenvolvido por Raúl Cadaa é possível verificarmos análises relacionadas à SoS do seu início até um recorte mais recente. O autor defende que as contribuições de Arbena (1989, 1999, 2000) e de Duke e Crolley (2002) são importantes para a compreensão das origens de seu estudo na Argentina, mas o destaque feito por Cadaa (2016) é voltado ao antropólogo e sociólogo argentino Eduardo Archetti.
Segundo Cadaa (2016), o personagem é referência indiscutível no estudo das ciências sociais e do esporte argentino. Archetti não somente investigou questões locais, mas também explorou contextos internacionais. Publicou em diferentes idiomas e em coautoria com nomes internacionalmente relevantes.
A Argentina foi o país latino-americano pioneiro a sediar o evento mundial mais importante da sociologia do esporte – o Congresso Mundial de Sociologia do Esporte, no ano de 2005. (Cadaa, 2016)
Contextualizando a SoS na Argentina
Nesta seção apresentamos as diferentes áreas de investigação desenvolvidas na Argentina e as publicações produzidas não só localmente, mas também trabalhos traduzidos de outros idiomas e trabalhos em espanhol que foram publicados em outros países, relatados com base em Cadaa (2016). Ao futebol é dedicada uma subseção exclusiva, apresentada a seguir.
Outras temáticas constantes (além do futebol) relatadas por Cadaa (2016) são peronismo5, direitos humanos, política e políticas públicas (totalizando 15 publicações). Também foram abordadas temáticas relacionadas ao lazer, jogos e tempo livre, às questões indígenas e à deficiência. Algumas publicações se estendem até à literatura popular – histórias, romances e outros gêneros. A educação física e educação relacionada ao esporte também se mostram significativas em termos de quantidades de publicações. Algumas publicações se estendem até à literatura popular – histórias, romances e outros gêneros.
Ainda são citados estudos de jornalismo e meios de comunicação de massa (8 publicações); marketing, relações públicas e economia (2 publicações); história e história social (4 publicações); estudos de gênero relacionados ao esporte (8 publicações), estes últimos destacados por Cadaa (2016) como “muito importantes”.
De acordo com Cadaa (2016), a filosofia do esporte representa uma das áreas das ciências sociais e do esporte que melhor representa a Argentina, devido ao trabalho que realiza no país e fora dele. Como principais nomes, o autor cita Claudio Tamburrini e Cesar Torres.
Com relação à base teórica da sociologia do esporte e análise de desporto, Cadaa (2016) destaca os seguintes autores: Brohm (1982), Elias e Dunning (1986), Jeu (1988), Thomas, Haumont e Levet (1988), Barbero (1993), Huizinga (2008), García Ferrando, Puig e Lagardera (2009), Torres (2008), Sassatelli (2012), Molina (2013) e Signorini (2014).
À época da escrita do documento, havia cerca de 100 pesquisadores dedicando seus estudos às ciências sociais e ao esporte argentino, distribuídos em cerca de uma dúzia de grupos de estudo. A Associação Argentina de Sociologia do Esporte (ASSA) foi formalmente instituída no ano de 2015, ficando responsável pela organização de um congresso público semestral. Ao invés de focalizar apenas na sociologia do esporte, a associação abrange outras disciplinas ao contexto de suas pesquisas, tais como antropologia, história, políticas públicas, economia, educação e história social. (Cadaa, 2016)
Outros movimentos em favor da consolidação da SoS na Argentina que se destacam são: criação do Instituto Argentino de Sociologia do Esporte por Levinsky6; grupo de trabalho sobre “Esporte e Sociedade” dentro do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO), vinculado à Universidade de Buenos Aires; implementação da revista digital “Lecturas: Educación Física y Deportes”, dedicada a publicações em nível mundial acerca de educação física e esportes. (Arbena, 2000 apud Cadaa, 2016, 382)
As medidas são consideráveis para proporcionar a troca de experiências e conhecimentos entre os pesquisadores, bem como possibilitar que as pesquisas sobre a SoS se tornem conhecidas por meio da publicação na revista digital. (Ferreira, 2009)
O futebol
Duck e Crolley (2002 apud Cadaa, 2016, 381) enfatizam que em toda a América do Sul o futebol é o esporte mais popular, com exceção da Venezuela. A cultura do futebol está intrinsecamente relacionada com as características econômicas, sociais, políticas e históricas de uma sociedade. No caso argentino, a ligação do esporte com a política é profunda, havendo motivos para afirmar que o futebol é o modelo social em torno do qual o sistema político argentino se construiu. (Duck; Crolley, 2002 apud Cadaa, 2016, 381)
Com relação à modalidade como campo de pesquisa, a presença da temática se dá em peso. Cadaa (2016) levanta 34 trabalhos que exemplificam pesquisas acerca de identidade, violência e vandalismo.
Uma crítica exposta por Arbena (2000 apud Cadaa, 2016, 381) se faz no sentido de que a América Latina possui pouca produção sobre análise do esporte e da sociedade em termos acadêmicos – é possível encontrar outros tipos de escritos como relatos jornalísticos, históricos de clubes e biografias populares. Ainda, o que é feito com foco no futebol geralmente abrange apenas o país do autor e raramente está disponível em inglês.
O mesmo sinaliza que a Argentina se destaca neste contexto limitado, apresentado trabalhos que abordam questões referentes ao futebol como uma expressão do caráter social de um povo e o medo com relação à perda do caráter lúdico da modalidade por conta do apelo popular; o futebol como produto da industrialização e fator alienador e manipulador. (Arbena, 2000 apud Cadaa, 2016, 381)
Algumas outras pesquisas citadas por Arbena (2000 apud Cadaa, 2016, 381) que se destacam na SoS com relação ao futebol são: aumento de torcedores violentos; discurso masculino e uso da modalidade como forma de afirmação da masculinidade; análises do jogador Diego Maradona e a forma com que seus comportamentos implicaram na crise do futebol argentino.
Em síntese: SoS na Argentina
Para Cadaa (2006), a SoS na Argentina vem amadurecendo, mas ainda há muito a ser feito em termos de adotar mais referenciais teóricos da SoS, bem como dedicar-se mais à metodologia das pesquisas. Uma das possibilidades propostas por Cadaa (2006) consiste nos intercâmbios com profissionais da área no continente, fazendo proveito de momentos como os congressos da Associação Latino-Americana de Estudos Socioculturais do Esporte (ALESDE).
Contudo, a falta de recursos figura como um dos empecilhos aos avanços do país. Isto implica em problemáticas como deficiência em termos de trabalhos traduzidos para outras línguas (como inglês), dificuldades para aquisição de livros, nas pesquisas e em participações em conferências. (Cadaa, 2016)
A sociologia do esporte no Brasil
Atualmente a Sociologia do Esporte no Brasil caminha para um estágio de consolidação e reconhecimento acadêmico, destituindo-se de uma condição inicial de “disciplina secundária”. Este campo de conhecimento apresenta algumas razões específicas que justificam seu desenvolvimento tardio, começando pelo ainda pequeno número de cursos e programas em que a sociologia do esporte esteja inclusa em níveis de graduação e pós-graduação.
De acordo com Betti (2010, apud Marchi Jr, 2016), a SoS como uma disciplina acadêmica surge por volta da década de 1970 com esforços isolados de alguns professores da Educação Física que começam a trazer reflexões e questionamentos voltados às ciências sociais e humanas para seus alunos de graduação. Este processo, porém, apresentou resistência, não só por parte dos alunos, mas, principalmente, por questões de paradigmas curriculares que até então eram quase que exclusivamente voltados às ciências biológicas e da saúde.
Podemos elencar alguns fatores cruciais que não necessariamente se encaixam em uma linha cronológica, mas que foram fundamentais para o desenvolvimento gradual da SoS no Brasil.
Em primeiro lugar, a qualificação dos professores do ensino superior voltada às ciências sociais e humanas, distanciando-se das áreas exclusivamente biofisiológicas bem como a inserção destes professores em programas de pós-graduação em sociologia, história e educação, por exemplo, representam um importante elemento para o crescimento da área.
Outro fato importante que marcou a história do país e mudou o cenário da SoS no Brasil foram os megaeventos sediados pelo país (Copa do Mundo FIFA 2014 e Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016 no Rio de Janeiro) os quais intensificaram a forma de se pensar o esporte na sociedade.
Com este cenário delineado, profissionais das ciências humanas e sociais e da Educação Física que tinham o esporte como objeto de estudo passaram a se organizar gradativamente em grupos institucionais, científicos e representativos. Atualmente é possível destacar no cenário nacional as principais instituições e fóruns que reúnem pesquisadores brasileiros para o debate sobre essas temáticas. São eles: Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE) e seu congresso (Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte – Conbrace), Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e Educação Física (CHELEF), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), a Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e a Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
Contextualizando a SoS no Brasil
Considerando o vasto território do país torna-se difícil concentrar professores e pesquisadores da SoS, ou de qualquer outra área acadêmica, apenas em grupos específicos de pesquisa. Mas em linhas gerais, os pesquisadores e professores da SoS trabalham em universidades públicas de diferentes estados do país. Geograficamente, é possível perceber que tais agentes estão majoritariamente concentrados nas regiões Sul e Sudeste do país.
Em termos de representatividade nacional e internacional Marchi Júnior (2016, 395) destaca alguns grupos de pesquisa na sociologia do esporte do país, tais como: Centro de Pesquisa em Esporte, Lazer e Sociedade, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), grupos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), na Universidade de São Paulo (USP), com campi nas cidades de São Paulo e Ribeirão Preto, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e na Universidade Federal do Pernambuco (UFPE).
No Brasil, para os programas de pós-graduação, existe um sistema de classificação avaliativo implementado por um sistema público federal chamado Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que emprega uma nota de 1 a 7 através da avaliação de um conjunto de variáveis.
Atualmente, por conta de uma significativa expansão mundial, o esporte passou a despertar maior interesse de investigação científica, como destacado nas palavras iniciais deste artigo. Isto fica claro no cenário brasileiro quando se avalia as publicações de dissertações de pós-graduação, teses e artigos em periódicos. Para tanto existem instituições de financiamento no âmbito nacional (a CAPES e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)) para o desenvolvimento de projetos de pesquisas. Existem também algumas fundações públicas que apoiam e financiam o desenvolvimento da ciência e tecnologia a nível estadual.
Apesar de existirem várias formas de financiamento para o desenvolvimento de pesquisas no país, o nível de produtividade ainda é baixo, principalmente quando comparado a outros países da Europa Ocidental e da América do Norte.
Nessa esteira de análise, alguns autores e obras são fundamentais para compreender o desenvolvimento da SoS no Brasil. O livro “Educação Física e Sociologia: Obra Social da Educação Física”, escrito por Inezil Penna Marinho, publicado em 1942, é considerado a obra fundadora da área no Brasil. Outro estudo importante foi a “Introdução à Sociologia dos Desportos”, de João Lyra Filho, publicada em 1973.
Também nomes importantes no início desse processo de desenvolvimento da SoS no Brasil são: Mauro Betti, Ronaldo Helal, Valter Bracht, Ademir Gebara, Lamartine Pereira da Costa, Hugo Lovisolo, Sebastião Votre, Mauricio Murad, Henrique Toledo, Simoni Guedes e Luís Carlos Ribeiro, entre outros.
No século XXI, as publicações de Heloísa B. Reis, Victor A. Melo, Antônio J. Soares, Ricardo Lucena; Marcelo W. Proni, Wanderley Marchi Júnior e Arlei Damo, entre outros autores, tornaram-se relevantes ao sistematizarem teórica e metodologicamente questões sociológicas relacionadas ao esporte.
Principais temáticas e a importância do futebol
É possível apontar alguns “tópicos de direção” dos estudos sociológicos no Brasil, principalmente após a década de 1980 quando houve uma incorporação dos estudos socioculturais no esporte pelos programas acadêmicos no Brasil.
O primeiro deles trata-se do “esporte sociológico” que trazia a discussão das práticas esportivas de aceitação em massa. Entre os primeiros pesquisadores do esporte nas ciências humanas e sociais o tema que mais emergiu foi o futebol brasileiro. No final do século XX a principal temática continuou em torno do futebol, tratando de temas emergentes como seus aspectos constituintes (torcedores organizados) e seus aspectos estruturais (esportistas, mídia e ídolos-atletas). Os estudos da capoeira também tiveram destaque nesta época.
Já no século XXI surgem debates que envolvem a mercantilização, espetacularização e as políticas de investimento, financiamento, além dos legados de megaeventos. Não obstante, outros tópicos como análises de modalidades esportivas específicas baseadas em teorias sociológicas eurocêntricas; a inserção das mulheres no esporte; e a violência social derivada e inerente do esporte surgem como abordagens recorrentes.
Temas como doping, artes marciais, esportes em contato com a natureza, por exemplo, que tem destaque em pesquisas internacionais parecem não ter a mesma representatividade ou intensidade no país, muito embora haja um novo movimento impulsionador na área. Em contrapartida o futebol continua como tópico que, aparentemente, ainda tem maior visibilidade e interesse em termos de acolhimento nacional e internacional na sociologia do esporte.
Em síntese: SoS no Brasil
A SoS no Brasil avançou na construção de um campo de conhecimento reconhecido e estabelecido institucional e internacionalmente. Apesar de ainda não representar uma escola abrangente no cenário mundial, em termos de pesquisa e produção científica, possui uma área estabelecida no contexto acadêmico.
Quanto ao que se tem produzido na área do país, sugere-se que abordagens eurocêntricas e norte-americanas ainda pautam grande parte das publicações. Algumas barreiras apontadas pelo autor referem-se ao
baixo nível de compreensão e produção em inglês por uma maioria da comunidade científica brasileira; a ausência de uma “teoria geral do esporte”, reticências e resistências ainda estão presentes em estudiosos que não compreendem completamente ou aceitam a complexidade do esporte como um tópico de estudo, melhores condições de trabalho para intelectuais que precisam superar ou propor alternativas para superar esses obstáculos enquanto supervisiona uma nova geração de pesquisadores nesse meio tempo. (Marchi Júnior, 2016, 401)
Para além das barreiras apontadas pelo autor, acredita-se que o futuro da SoS no Brasil e, em toda a América Latina, é potencialmente favorável e estimulante, apontando para um possível futuro promissor.
A sociologia do esporte no Chile
O esporte moderno chegou a cidades portuárias do Chile através de imigrantes Europeus, especialmente ingleses, por volta da segunda metade do século XIX. O início das práticas esportivas foi marcado por divisões de gênero e classe – tão logo as práticas se instalaram, foram adotadas pela elite local favorecendo a formação de clubes exclusivos e círculos sociais dedicados ao esporte. (Modiano, 1997 apud Amestica, 2016, 406)
O acesso ao processo de desenvolvimento esportivo no Chile se deu às classes média e baixa apenas no final do século XIX, momento em que a cultura do esporte (especialmente o futebol) foi incorporada à cultura popular chilena. Surgiram clubes de classe média, geralmente associados a sindicatos de trabalhadores, consistindo em formas de representar a identidade urbana ou de bairro (Santa Cruz, 1996 apud Amestica, 2016, 406). A propagação do esporte na cultura popular também contou com o apoio de filantropos da elite chilena, cujo apoio às associações esportivas se deu no sentido de promover os princípios da moral. (Matus, 2015 apud Amestica, 2016, 406)
Na década de 1950, estudos com enfoque na população chilena conduzidos por cientistas sociais do Instituto Latino-Americano de Ciências Sociais (FLASCO) não destacaram o desenvolvimento do esporte chileno como resultante de processos sociais e culturais. Os estudos mantiveram uma perspectiva de classes sociais e de políticas sociais, fortemente influenciados pelo liberalismo e marxismo. (Amestica, 2016)
O estudo do esporte como ciência social foi e é um assunto que pouco desperta interesse em pesquisadores do Chile (Dunning, 2003 apud Amestica, 2016, 407). Uma movimentação favorável foi motivada através do 22º Congresso da Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS) realizada na Universidade de Concepción (Concepción, Chile), em 1999. Sob a liderança de Miguel Amestica, profissionais de educação física que estudaram em universidades do Brasil e Europa apresentaram cinco trabalhos sobre a sociologia do esporte, o que pode ser considerado o marco inicial dos estudos da SoS no Chile (Amestica, 2016).
Dando sequência ao seu trabalho, o grupo continuou a promover a parceria entre os acadêmicos latino-americanos, culminando na criação da Associação Latino-Americana de Estudos Socioculturais em Esportes (ALESDE) durante o 26º Congresso da ALAS em 2007, na cidade de Guadalajara, México. (Almeida; Marchi; Cornejo, 2012)
Contextualizando a SoS no Chile
Amestica (2016) relata alguns grupos criados com o intuito de analisar o esporte a partir de uma perspectiva sociológica no Chile. Como exemplo, podemos citar o GEOSDE (Grupo de Estudos Olímpicos e Sociais do Esporte; Universidade de Concepción) – que tem por objetivo refletir sobre o esporte e conscientizar as pessoas nas esferas acadêmica e política sobre sua importância no desenvolvimento da sociedade democrática; a Rede Chilena de Estudos Sociais do Esporte – organização multidisciplinar que inclui sociólogos, antropólogos e historiadores, e tem como objetivo principal a divulgação, análise e estudo do esporte no contexto social chileno; e o Observatório de Esportes (Universidade de Los Lagos) – que visa desenvolver e compartilhar informações sobre os fatores que influenciam o esporte voltados a formulação de políticas esportivas públicas bem-sucedidas e sustentáveis.
As pesquisas de campo realizadas no contexto chileno embasaram a atualização da política esportiva e a tomada de decisões do governo deste país. Ao contrário do que acontece na Europa e em alguns países latino-americanos (como o Brasil), o governo chileno é obrigado a fornecer o mesmo nível de apoio que oferece a outras ciências à pesquisa social esportiva. Isto ocorre através do financiamento da Comissão de Ciência e Tecnologia (CONICYT) e do Fundo Nacional para o Desenvolvimento do Esporte (Fondeporte). (Amestica, 2016)
Contudo, segundo Amestica (2016), uma provável justificativa para este investimento consiste no fato de que o campo do esporte no Chile está atrás de outras ciências no sentido de possuir uma massa crítica de pesquisadores capazes de produzir estudos e publicações. Uma pesquisa realizada por Oliva et al. (2009 apud Amestica, 2016, 409) sugere que a precariedade da pesquisa científica na área da atividade física e esporte chilenos está relacionada ao baixo número de doutorados obtidos na disciplina correlata. Além disso, a maioria dos títulos de doutor obtidos foi concedida fora do país – Europa (Espanha, França e Reino Unido) e Brasil. O primeiro programa de doutorado na área de Ciência e Atividade Física do país fora criado na Universidade Católica de Maule, o que gera uma expectativa no sentido de que os estudos de sociologia voltados ao campo do esporte se desenvolvam nos próximos anos no Chile. (Amestica, 2016)
Ainda assim, Amestica (2016) relata alguns estudos que se destacaram no contexto da SoS chilena, fornecendo subsídios para tomada de ação por parte do governo. Como exemplo, podemos citar: “Eventos de Mega Esporte no Chile: O Legado dos Jogos da América do Sul 2014 em Santiago; Impacto Social e Esportivo: O Caso da Cidade de Peñalolén” e “Serviços Municipais e seu Impacto nas Práticas Esportivas e na Atividade Física: O Caso da Região Bio-Bio”. (Cornejo; Matus; Tello, 2015)
Através do Ministério do Esporte, o governo chileno financiou estudos sobre oferta e demanda de serviços esportivos, considerando, por exemplo, os hábitos esportivos e de atividade física dos chilenos, a disponibilidade de serviços esportivos municipais e os serviços esportivos para a população deficiente. (Amestica, 2016)
Devido à inexistência de um quadro teórico claro para estudar o esporte a partir de uma perspectiva sociológica no Chile, abordagens teóricas tradicionais da sociologia são aplicadas ao estudo do esporte neste país, a saber: estrutural-funcionalismo, funcionalismo, estruturalismo, interacionismo simbólico, figuracionismo, marxismo e feminismo (Amestica, 2016).
O futebol
A popularidade do futebol faz com que a modalidade seja a mais estudada não somente no Chile, mas na América Latina como um todo (afirmação corroborada pelos estudos apresentados aqui, acerca da Argentina e do Brasil). A vantagem é que, recebendo o respaldo da esfera acadêmica chilena e reunindo estudantes e professores de sociologia e antropologia de todas as regiões do país chileno, tornou-se possível analisar o desporto por meio de uma variedade de perspectivas, especialmente como objeto que desempenha um papel fundamental na identidade social (Amestica, 2016).
De acordo com Alabarces (2003 apud Amestica, 2016, 410), mesmo com a tamanha popularidade do futebol, não existem quadros teóricos claros para embasar os estudos do futebol na América Latina, ainda que geralmente o considere como um ritual comunitário, um drama social ou uma arena pública. O mesmo autor defende que as esferas do futebol e da academia estão desconectadas não somente na América Latina, mas em um contexto global. Com relação especificamente ao Chile, o futebol vem sendo comumente analisado através de perspectivas antropológicas e etnográficas, uma vez que é considerado um fenômeno cultural (Amestica, 2016).
Para Santa Cruz (1996 apud Amestica, 2016, 411), o futebol é melhor compreendido em uma perspectiva de apropriação cultural, “um processo ativo através do qual elementos estrangeiros são internalizados e apropriados por meios locais ou decodificados através de um sistema que é distinto para cada cultura”.
Em síntese: SoS no Chile
A SoS chilena teve seus primeiros movimentos inspirados no 22º Congresso da ALAS, no ano de 1999, com a apresentação de cinco trabalhos sobre a temática. Ainda que haja um esforço no sentido de utilizar referenciais teóricos da sociologia, a pesquisa sobre esporte em uma perspectiva sociológica no Chile é escassa, conforme Amestica (2016) enfatiza ao longo do estudo aqui analisado. O mesmo autor aponta que, apesar da relevância de perspectivas utilizadas (como estrutural-funcionalismo, funcionalismo, interacionismo simbólico, figuracionismo), não é possível realizar uma análise comparativa sobre a SoS no Chile.
Alguns tópicos vêm atraindo o interesse de pesquisadores chilenos, como o significado do esporte, a estrutura social do esporte (hábitos, comportamento e atitudes), o esporte como elemento de socialização, o esporte no âmbito da educação física, o sistema de organização e o marketing do esporte (Amestica, 2016).
Contudo, além de abranger o foco dos estudos para estas outras possibilidades, é necessário que os pesquisadores chilenos dêem atenção também às demais modalidades além do futebol. Fatores como a criação recente de um programa de doutorado no país, bem como o financiamento promovido pelo poder público chileno devem servir como incentivo à pesquisa na SoS.
Amestica (2016) destaca alguns aspectos fundamentais para o avanço da sociologia do esporte no Chile, a saber, uma maior participação em congressos acadêmicos que abordem a SoS; o aumento na quantidade de publicações em revistas internacionais de SoS; a integração do grupo de trabalho da ALAS com a ALESDE. Além disso, reforça o autor, é importante e necessário reconhecer o esporte como um objeto de estudo tão relevante quanto os demais campos sociais.
Aproximações e distanciamentos entre os estudos analisados
O financiamento público é um dos fatores que distancia a pesquisa da SoS nos três países analisados. O Chile possui uma vantagem que o coloca numa condição mais favorável: o fato de o governo chileno ser obrigado a fornecer o mesmo nível de apoio que oferece a outras ciências à pesquisa social esportiva por meio do financiamento da CONICYT e Fondeporte. No Brasil, o apoio se dá através da CAPES e do CNPq, havendo ainda a possibilidade de apoios estaduais, com fundações públicas que financiam e apoiam o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, aceitando também submissões relacionadas à sociologia do esporte. Já na Argentina, a situação é crítica, pois a dificuldade no país está desde a compra de livros quanto a remuneração dos professores e pesquisadores.
Entre os três países, o Brasil possui maior número de organizações e núcleos de pesquisa vinculados à sociologia do esporte, apresentando assim uma maior produtividade. Podemos citar pelo menos 05 congressos ou associações em nível nacional que estejam relacionadas a produção na SoS. Já o Chile possui um menor número de redes, grupos e observatório que se dedicam a pesquisa nessa área, enquanto na Argentina, a criação da única associação a nível nacional, a ASSA, se deu apenas em 2015.
Pensando em aproximações, podemos citar como pontos em comum entre os três países o desenvolvimento lento e gradativo da sociologia do esporte, fato este que pode estar atrelado a pouca estrutura científica para o desenvolvimento de pesquisas. Outro dado evidente é a forte presença do futebol como tema de pesquisa que marca o campo de produção e desenvolvimento de pesquisa sociológica nesses países.
O futebol como objeto de estudo na sociologia, ou em qualquer outra ciência social, não deve ser descontextualizado do seu potencial relacional pelo qual as interconexões que o mesmo compartilha com as esferas política, econômica, cultural e social, bem como o próprio sentido lato do esporte, devem ser considerados (Bourdieu, 1988 apud Amestica, 2016, 410). Observamos uma preocupação nos três países estudados em considerar estes aspectos externos nos estudos da SoS que envolvem o futebol. Como exemplos, nos estudos sobre a violência das torcidas organizadas no Chile, temáticas estas também observadas em pesquisas argentinas (sobre violência) e brasileiras (também sobre torcidas organizadas); as problematizações relacionadas à deficiência, gênero e racismo na Argentina; e o papel alienador do futebol em determinados contextos históricos na Argentina e no Brasil.
Uma similaridade entre o Brasil e o Chile está no desenvolvimento de estudos com perspectivas marxistas e estruturalistas. Raúl Cadaa não citou as abordagens teóricas que balizam com mais contundência os estudos da SoS na Argentina.
Uma barreira clara relatada especialmente na Argentina e no Brasil é a linguística, fato que acaba determinando a condição de que a produção científica e acadêmica desses países não seja veiculada, ou melhor, conhecida em outros níveis continentais, como em países norte-americanos e europeus, por exemplo. Para Gastaldo (2010), a produção acadêmica sobre esportes no Brasil ainda é voltada predominantemente para nossos próprios compatriotas, em congressos, periódicos ou livros que circulam quase que exclusivamente em território nacional, e entre grupos disciplinarmente delimitados.
Ainda que a publicação de artigos em língua estrangeira (especialmente o inglês) proporcione uma alavanca em relação à visibilidade das produções e possibilite um aumento de parcerias internacionais (Brasil, 2016), existe uma problemática relacionada às dificuldades em se publicar esse tipo de pesquisa em revistas internacionais. O fato é que os estudos relacionados à SoS muitas vezes dizem respeito à localidades e meios sociais e culturais específicos que não podem ser replicados em outros contextos e nem mesmo serem comparados com outras pesquisas. Ou seja, não possuem um caráter universal que possa favorecer a publicação internacional (Rigo; Ribeiro; Hallal, 2011).
Conclusões
A sociologia do esporte representa uma área recente de estudo e, se Ferreira (2009) não apresentava um diagnóstico animador com relação à carência de estudos na área à época de sua pesquisa, pode-se dizer, pautado em argumentos apresentados pelos autores referência desse artigo, que quase uma década depois alguns avanços são consideráveis e esperados, especialmente em se tratando da América Latina.
Esta análise de caráter preliminar (uma vez que nos baseamos objetivamente nos relatos contidos nos capítulos específicos do livro Sociology of Sport: A Global Subdiscipline in Review) acerca dos estudos sobre a sociologia do esporte na Argentina, Chile e Brasil nos permitiu constatar que fatores como construção históricas e peculiaridades de cada um dos países estudados influenciaram e ainda influenciam a forma com que se configuram os estudos da SoS em cada nação.
Os autores aqui analisados, levando em conta os possíveis avanços que já foram obtidos em cada país, apresentam minimamente uma perspectiva otimista com relação ao futuro dos estudos relacionados à sociologia do esporte na Argentina, Brasil e Chile. Defendemos que possibilidades de intercâmbios entre autores de países latino-americanos é um forte indicador desse suposto argumento, e que essas interações devem ser valorizadas, especialmente favorecendo-se de encontros promovidos pela ALESDE, por exemplo, associação esta que se consolidou ao longo dos últimos anos como um promissor e democrático espaço de debates acerca da SoS latino-americana.
Notas
Ciências com abordagens bio-fisiológicas.
Atualmente é secretário de Desenvolvimento Social da cidade de La Plata na Argentina. Disponível em: http://app.eeferp.usp.br/ocs/index.php/alesde2018/index/search/authors/view?firstName=Raul&middleName=M&lastName=Cadaa&affiliation=Universidad%20Nacional%20de%20La%20Plata&country=AR. Acesso em: 11 jun. 2018.
Doutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas, professor titular na Universidade Federal do Paraná atuando na graduação e nos programas de pós-graduação em Educação Física e Sociologia. É presidente da Associação Latino-Americana de Estudos Socioculturais do Esporte (ALESDE). Disponível em: http://lattes.cnpq.br/5253611850382694. Acesso em: 13 jun. 2018.
Doutor em Ciência da Atividade Física pela Universidade de Grenoble (França); filiado a Universidade de Concepción, no Chile. Suas linhas de pesquisa estão voltadas a práticas do corpo urbano, sociologia do esporte e esportes, cultura e políticas públicas. Disponível em: http://w1.conicyt.cl/bases/fondecyt/personas/3/4/34811.html. Acesso em: 13 jun. 2018.
Outro nome relevante no contexto dos estudos sobre SoS argentina é Eduardo Galeano, jornalista e escritor uruguaio, autor de mais de 40 livros. Entre suas obras está a anticapitalista “As Veias Abertas da América Latina”. Este autor não foi citado no capítulo escrito por Raúl Cadaa. Disponível em: https://www.ebiografia.com/eduardo_galeano/. Acesso em: 30 jul. 2018.
O Peronismo consistiu em um conjunto de ideias políticas populistas e nacionalistas de Juan Perón, militar eleito presidente da Argentina em 1946, 1951 e 1973. Disponível em: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/peronismo. Acesso em: 9 jun. 2018.
Jornalista e sociólogo argentino. Atuou no jornalismo nacional e internacional, passando por importantes jornais e revistas, rádio e televisão. Como sociólogo, formou-se na Universidade de Buenos Aires (1989) e completou seu PhD em Filosofia e Ciências do Esporte na Universidade de Barcelona (1999). Pertence à ISSA e à Associação Espanhola de Sociólogos do Desporto. Disponível em: http://www.librosenred.com/autores/sergiolevinsky.html. Acesso em: 14 set. 2018.
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