ISSN 1514-3465
Trabalho pedagógico e formação de professores em Educação Física
Pedagogical Work and Teacher Education in Physical Education
Trabajo pedagógico y formación de profesores en Educación Física
Gislei José Scapin
gjscapin@gmail.com
Mestre em Educação Física
Universidade Federal de Santa Maria, UFSM
Professor de Educação Física da rede municipal de Panambi, RS
(Brasil)
Recepção: 15/03/2020 - Aceitação: 27/05/2020
1ª Revisão: 21/04/2020 - 2ª Revisão: 19/05/2020
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Citação sugerida
: Scapin, G.J. (2020). Trabalho pedagógico e formação de professores em Educação Física. Lecturas: Educación Física y Deportes, 25(269), 49-59. Recuperado de: https://doi.org/10.46642/efd.v25i269.2054
Resumo
O corrente estudo trata das dimensões do Trabalho Pedagógico e da Formação de Professores referente à área da Educação Física, objetivando conceituar a natureza e especificidade dessas categorias, bem como seus determinantes e contradições que emergem das suas relações com a sociedade capitalista e suas formas de abordar o conhecimento da Educação Física considerando o campo da didática, da educação e do trabalho. Metodologicamente segue uma abordagem qualitativa pautada por uma pesquisa de revisão teórica. Os resultados apresentam o entendimento e a constituição do Trabalho Pedagógico e da Formação de Professores diante das relações e dos desafios impostos pela sociedade e pelo modo de produzir a vida no capitalismo. Por fim, ambas categorias se relacionam de forma recíproca e interdependente, se materializando a partir das bases materiais de produção da existência da sociedade, vinculando os interesses hegemônicos da sociedade com os interesses das instituições de ensino.
Unitermos:
Educação Física. Trabalho pedagógico. Formação de professores.
Abstract
The current study deals with the dimensions of Pedagogical Work and Teacher Training in the area of Physical Education, aiming to conceptualize nature and specificity of these categories, as well as their determinants and contradictions that emerge from their relations with capitalist society and its ways of approaching the knowledge of Physical Education considering the field of didactics, education and work. Methodologically, it follows a qualitative approach based on a theoretical review research. The results show the understanding and constitution of Pedagogical Work and Teacher Training in view of the relationships and challenges imposed by society and the way of producing life under capitalism. Finally, both categories are related in a reciprocal and interdependent way, materializing from the material bases of production of the existence of society, linking the hegemonic interests of society with the interests of educational institutions.
Keywords
: Physical education. Pedagogical work. Teacher education.
Resumen
El presente estudio aborda las dimensiones del trabajo pedagógico y la formación del profesorado en el área de la Educación Física, con el objetivo de conceptualizarla naturaleza y especificidad de estas categorías, así como sus determinantes y contradicciones que surgen de sus relaciones con la sociedad capitalista y Sus formas de abordar el conocimiento de la Educación Física considerando el campo de la didáctica, la educación y el trabajo. Metodológicamente, sigue un enfoque cualitativo basado en una investigación de revisión teórica. Los resultados muestran la comprensión y la constitución del trabajo pedagógico y la formación del profesorado en vista de las relaciones y los desafíos impuestos por la sociedad y la forma de producir vida bajo el capitalismo. Finalmente, ambas categorías están relacionadas de manera recíproca e interdependiente, materializándose a partir de las bases materiales de producción de la existencia de la sociedad, vinculando los intereses hegemónicos de la sociedad con los intereses de las instituciones educativas.
Palabras clave:
Educación Física. Trabajo pedagógico. Formación de docentes.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 269, Oct. (2020)
Introdução
O corrente trabalho trata sobre as dimensões do Trabalho Pedagógico e da Formação de Professores referente à área da Educação Física. Delimitamos nosso terreno conceitual elucidando nosso entendimento de Trabalho Pedagógico nos referindo ao tempo/espaço do cenário escolar, isto é, da educação formal/institucionalizada ou, como diria Saviani (2013), a forma dominante de educação no seio da sociedade capitalista. Desse modo,de forma específica, trataremos sobre o trabalho realizado no interior da escola e da sala de aula, do professor e dos educandos, num contexto institucional de ensino-aprendizagem, apreciando suas relações com o modo de produção material da sociedade pautado pelo capital.
Possibilitando uma melhor compreensão dos conceitos e categorias postas em evidencia na sequência deste trabalho, sistematizamos nosso estudo em dois momentos. Para tratarmos da categoria Trabalho Pedagógico, iniciaremos com a contextualização sobre a categoria trabalho considerando suas dimensões ontológicas e históricas, destacando seu processo de constituição no movimento histórico de produção da existência humana e seus delineamentos gerados de forma específica no interior do Trabalho Pedagógico na Educação Física. Posteriormente, abordaremos sobre a categoria Formação de Professores encaminhando para algumas aproximações propositivas, ou seja, projetando algumas possibilidades de pensar/planejar a formação inicial e continuada de professores a partir de uma perspectiva inovadora, reflexiva e coletiva/colaborativa, vinculando a formação em Educação Física para atuação no contexto da educação básica.
Nosso objetivo, portanto, é conceituar, a partir de um referencial específico, a natureza e especificidade das duas categorias1 supracitadas, a saber: Trabalho Pedagógico e Formação de Professores em Educação Física; bem como seus determinantes e contradições que emergem de suas relações com a totalidade da sociedade capitalista e suas formas de abordar o conhecimento da Educação Física no plano da didática, da educação e do trabalho.
Metodologia
Nossos pressupostos metodológicos pautam-se por um estudo de revisão de literatura, lançando mão de algumas referências bibliográficas que julgamos relevantes para concretização deste estudo, a saber: Zimmermann, Ferrreira, & Ribas (2013), Antunes (2011), Ferreira (2018), Freitas (1995), Frizzo (2008), Nóvoa (2002). Além desses referenciais seguirem os mesmos pressupostos teóricos e epistemológicos de base materialista-histórica2, acreditamos que os autores/obras utilizados para essa construção teórica apresentam instrumentos filosóficos, educacionais, pedagógicos e conceituais que possibilitam a construção de um entendimento acerca das categorias do Trabalho Pedagógico e Formação de Professores, em especial, no campo da Educação Física e, ademais, por comporem o rol da literatura na qualidade de referência específica da área.
Resultados e discussões
Trabalho pedagógico e educação física
Tomamos como ponto de partida, para elaborarmos uma compreensão mais pontual e categórica do Trabalho Pedagógico em Educação Física, excepcionalmente sobre o trabalho desenvolvido no contexto escolar, dois aspectos: a concepção de Trabalho e a diferença entre Teoria Educacional e Teoria Pedagógica. Consideramos esses dois aspectos, pois entendemos que a construção e a organização do Trabalho Pedagógico nas diversas áreas de conhecimento se relacionam diretamente com a percepção do conceito da categoria Trabalho e suas manifestações no movimento de mudanças do processo de produção da sociedade, bem como das finalidades e orientações que pautam o desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem no interior da escola e como os professores e alunos versam pedagogicamente o conhecimento da Educação Física.
Expondo uma conceituação sobre a categoria trabalho, de antemão gostaríamos de elucidar que estaremos fazendo referência ao aspecto marxista do termo. O trabalho, em sua dimensão ontológica e histórica, é compreendido como atividade humana que produz bens e serviços, bem como elemento constitutivo em si da práxis humana no processo de produção da existência dos indivíduos e das coletividades no intercâmbio com a natureza. Desse modo, os indivíduos atuam enquanto agentes construtores das condições de sua existência e permanência vital, elaborando cultura e produzindo sua história. (Lechat, 2014; Mascarenhas, 2014; Fischer, 2008)
Nessa perspectiva, Marx (2010, p. 84) situa o trabalho como condição vital, isto é, como “atividade vital”. Para o autor, a atividade vital – manifestada pelo trabalho – aparece como meio para satisfação das necessidades e carências indispensáveis para manutenção da existência física do gênero humano e, ademais, corrobora para ação produtiva da sua própria consciência, transformando-se em “atividade vital consciente”. Em suma, o trabalho na qualidade de atividade vital, é uma categoria mediadora, isto é, síntese da objetivação e apropriação das relações humanas com seus pares e com a natureza para produzirem sua existência e sua consciência, estando diretamente vinculada e condicionada às transformações históricas e produtivas das sociedades no movimento dialético de síntese e criação de bens materiais e imateriais. (Duarte, 2013)
No movimento histórico de transformações sociais e de produção das bases materiais/imateriais e objetivas de existência humana, o trabalho assume, no modo capitalista de produção, uma feição opressora, envergando de uma posição produtor de vida para uma posição produtor de renda. É nessa conjuntura que o trabalho se caracteriza como alienado e explorado, minimizando a ação humana em produção de mercadorias e, consequentemente, em produção de mais-valia. Para Marx (2010), a organização da sociedade pautada pela propriedade privada e pela divisão em classes sociais propiciou às novas relações estabelecidas pelo e para o trabalho, isto é, as relações de exploração do homem pelo homem, a fragmentação do trabalho manual e intelectual, o estranhamento em relação ao produto do trabalho, entre outras.
As novas projeções assumidas pelo trabalho, no interior do capitalismo, são fundamentais para entendermos a organização da educação, da escola e, principalmente, do Trabalho Pedagógico3. Ao considerarmos o trabalho como princípio educativo (Saviani, 2013; Gasparin, 2009; Antunes, 2011; Frizzo, 2008), devemo-nos atentar para qual concepção de trabalho estamos nos referindo e a quem interessa tal perspectiva, ou seja, ao ponderarmos, como ponto de partida para projetar os caminhos educativos, a figura do trabalho em sua forma mais desenvolvida e/ou hegemônica da sociedade – lógica capitalista –, precisamos conhecer se esse se manifesta na perspectiva do capital ou do trabalhador. (Frizzo, 2013)
Outro elemento indispensável para refletirmos sobre o Trabalho Pedagógico é a distinção entre Teoria Educacional (TE) e Teoria Pedagógica (TP). Nesse esforço de caracterizar a TE e o TP lançamos mão do posicionamento de Freitas (1995, p. 93), pois, para o autor, a primeira se refere a uma “[...] concepção de educação apoiada em um projeto histórico e discute as relações entre educação e sociedade em seu desenvolvimento; que tipo de homem se quer formar; os fins da educação, entre outros aspectos”. Por sua vez, a segunda está diretamente vinculada ao trato com o Trabalho Pedagógico, pois, para Freitas, a TP formula os princípios norteadores que orientam e objetivam o trabalho do professor e da escola no processo de ensino-aprendizagem, não se simplificando apenas em didática geral, mas ressaltando de forma global o processo de condução do trabalho em sala de aula.
Situado os dois elementos que se imbricam para constituir o Trabalho Pedagógico, a saber: o trabalho e a Teoria Pedagógica, nossa preocupação, a partir deste momento, é contextualizar a relação que há entre esses elementos com a organização e produção do Trabalho Pedagógico no interior da escola e, por fim, indicar alguns conceitos de Trabalho Pedagógico inerente a essa relação.
Como pressuposto, compreendemos que a organização e sistematização do Trabalho Pedagógico estão pautadas pelas relações de trabalho que, como mencionamos anteriormente, se expressa em sua forma mais avançada seguindo a lógica capitalista. Desse modo, temos um Trabalho Pedagógico que reflete no interior da escola a organização da sociedade (capitalista). Nesse sentido, Frizzo (2008)4 citando Kuenzer (2002), evidência que numa sociedade como a nossa – dividida em classes e tendo sua existência com base na exploração do trabalho ou da força produtiva – o “[...] Trabalho Pedagógico desempenhará a função de desenvolver subjetividades tais como são demandadas pelo projeto hegemônico, ou seja, pelo capital”. Em suma, as relações estabelecidas entre trabalho e Teoria Pedagógica com o Trabalho Pedagógico não se desvinculam da organização estrutural mais ampla da sociedade, atuando numa estratégia de adequação e reprodução da ordem social vigente e as relações produtivas hegemônicas.
Convergindo com o posicionamento de Frizzo (2008), ao argumentar que nas condições objetivas do capital, o Trabalho Pedagógico se constitui como uma prática social que institui nos seres humanos as determinações políticas e ideológicas dominantes na sociedade com base de ordem econômica, Freitas (1995) reitera que relações de trabalho-sociedade-educação sinalizam uma ruptura de saberes no interior da escola em consonância com a fragmentação entre trabalho manual e trabalho intelectual manifestado na constituição da totalidade social. Para o referido autor, essa organização/divisão do trabalho corrobora para determinada organização escolar onde se admite a separação entre sujeito/objeto e teoria/prática, consequentemente acarretando em uma Organização do Trabalho Pedagógico da escola e da sala de aula desconexa da prática em razão da desvinculação com o trabalho material. Desse modo, há uma apropriação de conhecimento limitada, com trabalhos mecânicos e de razão instrumental, com a finalidade de valorização e a acumulação do capital. (Freitas, 1995; Antunes, 2011; Frizzo, 2013)
Em contraposição, numa estratégia de enfrentamento a lógica imposta pelo capital para organizar o Trabalho Pedagógico no interior da escola, Freitas (1995, p. 100) indica que o trabalho material é o elemento primordial para garantir a indissolubilidade entre a teoria e a prática social, proporcionando um terreno fértil para a interdisciplinaridade. Para o autor, a finalidade da Organização do Trabalho Pedagógico, considerando esses determinantes,
[...] deve ser a produção de conhecimento (não necessariamente original), por meio do trabalho com valor social (não do trabalho do faz de conta, artificial); a prática refletindo-se na forma de teoria que é devolvida à pratica, num circuito indissociável e interminável de aprimoramento. (Freitas, 1995, p. 100)
Partindo ao encontro com o exposto e evidenciando a área de conhecimento da Educação Física, Frizzo (2008, p.164) menciona que o Trabalho Pedagógico necessita possuir como ponto de partida a análise de problematizações de magnitude social para visar à conscientização de valores humanos e a constante recriação de conteúdos culturais de forma democrática no interior das relações sociais. Na perspectiva do autor, no Trabalho Pedagógico, “[...] o sujeito ativo e agente transformador é o professor e o objeto é a realidade ou o mundo concreto da necessidade”, abordando o conhecimento e a ciência enquanto um produto social e histórico, em contínua evolução/desenvolvimento, priorizando ações que oportunizem um processo de humanização plena dos indivíduos em sociedade.
Ampliando nosso entendimento sobre o Trabalho Pedagógico em Educação Física nos apropriamos dos conceitos de Ferreira (2018) e Zimmermann, Ferrreira, & Ribas (2013). A primeira autora desenvolve uma explicação acerca da categoria Trabalho Pedagógico considerando a descrição de: qual é e como ocorre o trabalho dos professores, resgatando os sentidos desse trabalho na escola; as outras autoras, por sua vez, analisam as relações entre as políticas educacionais e a reestruturação do Trabalho Pedagógico da Educação Física Escolar.
Ferreira (2018) elucida que o Trabalho Pedagógico coincide com o trabalho dos professores quando há, no interior da escola, espaços e tempos para a produção do conhecimento em movimentos dialéticos entre a proposta pedagógica de cada professor e o projeto pedagógico da escola, constituindo/concretizando, por conseguinte, a práxis pedagógica. A autora caracteriza o Trabalho Pedagógico – que se manifesta no interior da escola, na produção de conhecimento em aula tanto pelo professor quanto dos educandos – como uma dimensão do trabalho expressa e sistematizada de forma imaterial e improdutiva.
Tendo por base essa concepção geral, trabalho pedagógico é o trabalho de sujeitos que, ao realizá-lo, produzem historicidade e se autoproduzem. Objetiva elaborar meios para alcançar um fim, mas vai além: põe em interação, inter-relação, relação (esses termos não se substituem, por isso são citados) os sujeitos, com seus saberes, de modo sistemático, dialógico, produzindo conhecimentos a partir da interlocução acerca desses saberes. É um trabalho imaterial, por gerar bens imateriais relativos à criação de informações ou modos de divulgar e criar essas informações, de argumentos, de ideias, etc. É considerado, também, na perspectiva marxiana, como trabalho improdutivo, pois não contribui diretamente para o aumento da mais-valia. (Ferreira, 2018, p. 595)
Considerando as condições objetivas e concretas da realidade social capitalista para pensar o trabalho dos professores e o Trabalho Pedagógico, Ferreira (2018, p. 605) explica que:
Em suma, propõe-se que o trabalho dos professores, ao selecionar, organizar, planejar, realizar, avaliar continuamente, acompanhar, produzir conhecimento e estabelecer interações, só possa ser entendido como trabalho pedagógico, imerso em um contexto capitalista, no qual a força de trabalho dos professores é organizada pelas relações de emprego e no qual os sujeitos agem em condições sociais, políticas. Entretanto, ainda que esteja imerso nas relações capitalistas, o trabalho pedagógico, por suas características, apresenta possibilidades de o sujeito trabalhador ir além, projetar-se no seu trabalho de modo a confundir- se e movimentar-se humanamente com ele, uma vez que uma matéria-prima é a linguagem.
Zimmermann, Ferrreira, & Ribas (2013), por sua vez, abordam o Trabalho Pedagógico na perspectiva de Ferreira (2018), na qual entende esse como todo trabalho que possui suas bases relacionadas à Pedagogia, destacando os métodos, as técnicas e a avaliação, planejada para a produção de conhecimento a partir da interação entre sujeitos (aula); bem como a produção do conhecimento mediante a instrumentos teórico-metodológicos materializado em contextos sociais e políticos de forma intencional. As autoras, ao analisarem as políticas educacionais (LDB 9.394/96; PCNs, 1998), indicam que a Educação Física Escolar se encaminha para uma fase de precarização, o que, consequentemente, acarretará numa reestruturação do Trabalho Pedagógico.
As mudanças no mundo do trabalho e as reformas educacionais, as quais se relacionam de forma recíproca e interdependente, encaminham novos rumos para organização escolar e exige uma nova relação de trabalho dos professores. Nesse sentido e em particular, os professores de Educação Física devem priorizar a instrumentalização técnica e instrumental da área. Esse novo cenário, portanto, demanda uma reorganização do Trabalho Pedagógico, condicionando os professores ao domínio de novas práticas e saberes que constituem o exercício da profissão. (Zimmermann, Ferrreira, & Ribas, 2013)
Por fim, antes de direcionarmos nosso trabalho para o âmbito da Formação de Professores, destacamos o produto do Trabalho Pedagógico. Como mencionado anteriormente, o Trabalho Pedagógico se expressa de forma imaterial, isto é, sua finalidade é a produção de bens imateriais, intelectuais e espirituais. Noutras palavras, o processo educativo que trata pedagogicamente do conhecimento elaborado e acumulado historicamente, que se objetiva a partir da organização do Trabalho Pedagógico, imbricando a didática, as metodologias e técnicas de ensino na ação entre professor-educando, projeta como ponto final a produção de saberes. Noutras palavras, é um trabalho que produz, pois, bens imateriais, culturais, crenças e valores que, no caso da Educação Física, irá compor a corporeidade dos educandos, constituindo um acervo cultural, no plano da Cultura Corporal, indispensável para a existência humana.
Formação de professores e educação física: breves aproximações
Como mencionamos na introdução deste estudo, abordaremos a partir de agora alguns delineamentos sobre a categoria Formação de Professores, encaminhando algumas aproximações/incursões de aspecto propositivo, ou seja, projetando algumas possibilidades de pensar/planejar a formação (inicial e continuada) de professores a partir de uma perspectiva inovadora, reflexiva e coletiva/colaborativa, vinculando com a formação em Educação Física para atuação no contexto da educação básica.
Para essa tarefa, nos apropriaremos dos escritos de Nóvoa (2002). Entretanto, devemos considerar a especificidade da área da Educação Física para refletirmos sobre a formação de seus professores (Frizzo, 2008; Almeida, & Gomes, 2019). Nessa perspectiva, atentamo-nos para o objeto da Cultura Corporal e seus desdobramentos em formas de conteúdos (escolares) para projetar a formação dos educadores. Por conseguinte, a formação inicial em Educação Física demanda a apropriação, além das competências didáticas e metodológicas, dos segmentos da cultura e da produção corpórea humana como síntese do natural/biológico com o social/cultural, preservado ao longo da história. (Lima, 2013)
Nóvoa (2012), para pensar alguns delineamentos para Formação de Professores, considera a priori alguns pressupostos que implicam direta e indiretamente no processo formativo do “ser professor”. O ponto de partida está na realidade concreta que se manifesta atualmente com novas possibilidades de produzir e sistematizar os espaços públicos para educação, bem como o desenvolvimento de novos desafios para organizar a formação de professores.
O autor supracitado ressalta que embora a educação seja abordada numa dimensão pública e/ou privada, não devemos abrir não do processo de socialização e democratização do conhecimento, priorizando a intencionalidade e as finalidades para a educação e suas relações com a sociedade ou contexto social que está em torno das escolas. Para pensar as estratégias educativas, cada escola ou grupo escolar deve considerar a realidade e o contexto social que está inserido. É necessário, portanto, trabalhar com a realidade multipolar e construir novos espaços de conhecimento.
Diante disso, surgem alguns dilemas que refletem e implicam diretamente na profissão docente, pautando a constituição da identidade profissional a partir de três perspectivas situadas por Nóvoa (2002) como: saber relacionar (-se), saber organizar (-se), saber analisar (-se). Os dilemas da profissão docente se movimentam em torno da comunidade: sentido social do trabalho docente, a função social do professor na relação professor-educando-ensino, as contradições entre educação-sociedade e os novos sentidos do trabalho docente (intervenção técnica e política, debates sociais e culturais e um trabalho continuado nas comunidades locais); da autonomia: o trabalho docente numa lógica de projetos, uma nova organização das escolas e da profissão pautada pela autonomia, repensar o trabalho profissional; do conhecimento: conhecimento profissional a partir de uma reflexão prática, o conhecimento profissional nas dimensões teórica, prática e experiencial, bem como as relações entre o professor pesquisador e o professor reflexivo.
Esses pressupostos apresentam elementos relevantes para determinar a Formação de Professores, em especial de Educação Física, e, nesse sentido, Nóvoa (2002) argumenta que para consolidarmos uma formação efetiva, produzindo um professor/profissional que desempenhe uma função social significativa para o contexto social em que está inserido, é indispensável atentarmo-nos para a pessoa-professor e para a organização-escola, com isso, será possível suprir a necessidade de construir uma nova profissionalidade docente com ênfase no professor reflexivo:
[...] surge a necessidade construir uma visão dos professores como profissionais reflexivos, que rompa com determinações estritas ao nível da regulação da atividade docente e supere uma relação linear (e unívoca) entre o conhecimento científico-curricular e as práticas escolares. Os professores devem possuir capacidades de autodesenvolvimento reflexivo, que sirvam de suporte ao conjunto de decisões que são chamados a tomar no dia-a-dia, no interior da sala de aula e no contexto da organização escolar. (Nóvoa, 2002, p. 37)
Em consonância com a formação do professor reflexivo, há a produção de delineamentos sobre uma nova profissionalidade docente que estabelece aos professores um novo papel na tríade pedagógica, científica e institucional. Desse modo, aos professores cabe a incumbência de se apropriarem dos meios de controle do seu próprio trabalho, acarretando, consequentemente, em uma maior responsabilização profissional e uma vinculação autônoma com organização do contexto escolar. (Nóvoa, 2002; Almeida, & Gomes, 2019)
Projetar a Formação de Professores considerando a figura da pessoa-professor deve ponderar sua inserção num corpo profissional e numa organização escolar regida por políticas educacionais que imbricam os interesses da sociedade com as propostas institucionais. Para Nóvoa (2002), colocar a pessoa-professor no centro do processo de formação indica um terreno propício para fortalecer a autoformação participativa na qual evidencia a perspectiva crítico-reflexiva, o pensamento autônomo, um investimento na pessoa-professor de forma livre e criativa, em síntese, uma nova identidade profissional.
Por fim, como argumentam Almeida, & Gomes (2019), planejar a Formação de Professores, sobretudo de Educação Física, considerando a organização-escola e seu projeto educativo, possibilita uma referência essencial que contribui para qualificar a formação (contínua) desses profissionais da educação, pois os espaços coletivos são excelentes instrumentos para organizar e refletir sobre autoformação participada, bem como para elaborar projetos e espaços escolares de interesse comum e significativos para pautar a democratização dos elementos da Cultura Corporal.
Conclusões
Ao findar dessa construção teórica, pautada por um estudo de revisão bibliográfica, abordando alguns conceitos referente às categorias Trabalho Pedagógico e Formação de Professores encaminhando algumas relações com a área da Educação Física, compreendemos alguns conceitos mais pontuais sobre ambas a categorias, sinalizando uma relação mutua entre elas para um efetivo trato com o conhecimento e formação dos educandos no contexto da educação básica.
Para compreender as categorias Trabalho Pedagógico e Formação de Professores não basta simplesmente caracterizá-las de forma individualizada. Embora tenhamos organizado esse trabalho a partir da sistematização, de forma fragmentada, de cada categoria para uma melhor compreensão, reiteramos que ambas se relacionam de forma recíproca e interdependente, bem como se materializam a partir das bases materiais de produção da existência da sociedade, vinculando os interesses hegemônicos da sociedade com os interesses das instituições de ensino (escolas/universidades).
Por fim, pensar e conceituar o Trabalho Pedagógico e a Formação de Professores, em especial na Educação Física, desconectados da relação com a categoria trabalho é uma abstração vazia, pois não gera um produto final significativo e relevante para a existência humana. Elucidamos que nos referimos à categoria trabalho enquanto fonte de vida e humanização, rompendo com os processos de alienação e reificação (coisificação) da vida. Desse modo, em Educação Física ambas as categorias analisadas devem contribuir para a produção de instrumentos e caminhos de objetivação e apropriação dos elementos da Cultura Corporal enquanto patrimônio cultural da humanidade e elementos constituintes da corporeidade dos educandos para emancipação humana.
Notas
Trabalhamos com a acepção de categoria segundo a perspectiva de Freitas (1995). Para o autor, pautado por uma base epistemológica materialista, as categorias são consideradas como imagens ideais que se formam no processo de produção da consciência da realidade objetiva, refletindo os aspectos e as relações correspondentes das coisas materiais.
As referencias bibliográficas mencionadas do corpo do texto fizeram parte das leituras e discussões da disciplina: Trabalho Pedagógico e Formação de Professores, do curso de mestrado em Educação Física, CEFD/UFSM, no primeiro semestre de 2019. Ademais, somente o Nóvoa (2002) não segue os pressupostos de base materialista-histórico.
A título de exemplo, verificar a explicação de Saviani (2013) sobre a necessidade de generalização/universalização da escola básica a partir do modo da sociedade capitalista, uma vez que se exigia uma formação letrada e intelectual minimamente disposta a adequar os sujeitos ao modo de produção em voga.
O referido autor ao tratar sobre o Trabalho Pedagógico faz menção a uma noção ampliada do trabalho desenvolvido pelo professor na escola e suas possibilidades de articulação entre a macro-estrutura sócio-política e o cotidiano da docência nos espaços escolares. O autor também pondera que o Trabalho Pedagógico supera em amplitude e em complexidade o trabalho docente, pratica pedagógica e pratica docente; Sua amplitude está em possibilitar a concreticidade de seu desenvolvimento e em sua materialidade na práxis. (Frizzo, 2008, p. 159)
Referências
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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 269, Oct. (2020)