ISSN 1514-3465
Ginástica na escola: uma discussão sobre os
conhecimentos ginásticos e seus métodos de ensino
Gymnastics’ Classes at School: a Discussion about Gymnastics’ Knowledge and its Teaching Methods
Gimnasia en la escuela: una discusión sobre los conocimientos gimnásticos y sus métodos de enseñanza
Marina Aggio Murbach*
marinaggio@hotmail.com
Letícia Bartholomeu de Queiroz Lima**
leticia_queiroz@hotmail.com
Eliana Ayoub***
ayoub@unicamp.br
Laurita Marconi Schiavon****
lauritas@fef.unicamp.br
*Licenciada em Educação Física
Mestra em Ciências da Motricidade
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário de Araras “Edmundo Ulson”
Doutoranda em Educação Física e Sociedade
pela Faculdade de Educação Física da Universidade de Campinas
Professora de Educação Física na Prefeitura Municipal de Rio Claro/SP
**Graduada em Esporte pela Escola de Educação Física e Esporte
da Universidade de São Paulo com período sanduíche
na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (Portugal)
Mestrado em Ciências da Motricidade
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
Doutorado em Educação Física e Sociedade
pela Faculdade de Educação Física da Universidade de Campinas
Professora do curso de Educação Física
do Centro Universitário Herminio Ometto - Uniararas
***Docente da Faculdade de Educação
da Universidade Estadual de Campinas
Licenciada e Bacharel em Educação Física pela Unicamp
Mestre em Educação Física pela Unicamp
Doutora em Educação Física pela Unicamp
Livre-Docente em Educação pela Unicamp
Líder do Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação (Laborarte)
da FE/Unicamp e membro do Grupo de Pesquisa
em Ginástica da FEF/Unicamp, ambos certificados pelo CNPq
Docente do Programa de Pós-graduação em Educação
da Faculdade de Educação da Unicamp
****Docente da Faculdade de Educação Física
da Unicamp/Campinas-SP na área de Ginástica
Licenciada em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas
Mestre em Educação Física/Estudos da Ginástica
e Doutora em Educação Física /Pedagogia do Esporte
pela Universidade Estadual de Campinas
Colíder do Grupo de Pesquisa em Ginástica da FEF/Unicamp, certificado pelo CNPq
Docente do Programa de Pós-graduação em Educação Física
da Faculdade de Educação Física da Unicamp (Área: Educação Física e Sociedade)
com ênfase em estudos sobre a Ginástica
(Brasil)
Recepção: 07/02/2020 - Aceitação: 23/06/2021
1ª Revisão: 12/06/2021 - 2ª Revisão: 19/06/2021
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida
: Murbach, M.A., Lima, L.B. de Q., Ayoub, E., e Schiavon, L.M. (2021). Ginástica na escola: uma discussão sobre os conhecimentos ginásticos e seus métodos de ensino. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(279), 49-63. https://doi.org/10.46642/efd.v26i279.1982
Resumo
O presente artigo teve como objetivo analisar a perspectiva dos(as) alunos(as) do Ensino Fundamental sobre as aulas de Ginástica desenvolvidas na Educação Física escolar no contexto do projeto “A Ginástica vai à escola”, desenvolvido em escolas estaduais e municipais da cidade de Rio Claro/SP. O instrumento utilizado para coleta de dados foi um questionário, organizado com questões fechadas sobre temas da Ginástica, disponibilizando um espaço em aberto para justificativa das respostas assinaladas. Participaram desta pesquisa 124 alunos do Ensino Fundamental I e II e a análise dos dados quantitativos foi organizada por meio de estatística descritiva. Foi possível constatar que os alunos gostaram das aulas de ginástica e se identificaram mais com a Ginástica Artística, Ginástica Rítmica, Ginástica Acrobática e Ginástica para Todos, respectivamente. Os resultados da investigação mostraram, ainda, que métodos de ensino-aprendizado apropriados, além de um conhecimento mais amplo sobre o tema por parte dos(as) docentes, podem ter contribuído significativamente para a construção de olhares positivos dos(as) alunos(as) sobre as aulas de ginástica.
Unitermos
: Ginástica. Educação Física. Escola. Educação Básica.
Abstract
This article aimed to analyze the perspective of elementary school students about gymnastics` classes during Physical Education in the context of the project “Gymnastics goes to school”, developed in state and municipal schools in the city of Rio Claro/SP. For data collection we used a questionnaire, organized with closed questions about gymnastics themes, providing an open space to justify the answers given. 124 elementary school students participated in this research and the analysis of quantitative data was organized by descriptive statistics. It was found that the students liked the gymnastics` classes and identified more with Artistic Gymnastics, Rhythmic Gymnastics, Acrobatic Gymnastics and Gymnastics for All, respectively. The research results also showed that appropriate teaching methods, as well as a broader knowledge of the subject by teachers, might have contributed significantly to the construction of positive views of students about gymnastics’ classes.
Keywords:
Gymnastics. Physical Education. School. Primary Education.
Resumen
Este artículo tuvo como objetivo analizar la perspectiva de los estudiantes de escuela primaria sobre las clases de gimnasia desarrolladas en Educación Física en el contexto del proyecto "La gimnasia va a la escuela", desarrollado en las escuelas estatales y municipales de la ciudad de Rio Claro, SP. El instrumento utilizado para la recolección de datos fue un cuestionario, organizado con preguntas cerradas sobre temas de Gimnasia, brindando un espacio abierto para justificar las respuestas dadas. En esta investigación participaron 124 alumnos de la Escuela Primaria I y II y el análisis de datos cuantitativos se organizó mediante estadística descriptiva. Se pudo constatar que los alumnos disfrutaron de las clases de gimnasia y se identificaron más con Gimnasia Artística, Gimnasia Rítmica, Gimnasia Acrobática y Gimnasia para Todos, respectivamente. Los resultados de la investigación también mostraron que métodos adecuados de enseñanza-aprendizaje, además de un conocimiento más amplio del tema por parte de los docentes, pueden haber contribuido significativamente a la construcción de visiones positivas de los estudiantes sobre las clases de gimnasia.
Palabras clave
: Gimnasia. Educación Física. Escuela. Educación Básica.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 279, Ago. (2021)
Introdução
A Ginástica, como uma prática corporal, com seus significados e códigos sociais (Brasil, 2018), compreende, segundo Souza (1997), cinco campos de atuação: competição, demonstração, condicionamento físico, conscientização corporal e fisioterápicas, ou seja, temas fundamentais a ser estudados na Educação Física escolar.
No contexto da escola, a Ginástica deve ser ensinada de maneira que estimule, com atividades prazerosas, a liberdade para aprender em um espaço previamente preparado, em que os(as) estudantes encontrem desafios e prazer em descobrir diversas possibilidades e experimentá-las em diferentes situações nas quais possam ampliar suas experiências corporais. (Koren, 2004)
Estudiosos (Ayoub, 2007; Barbosa, 1999; Costa et al., 2016; Nista-Piccolo, 1988; Oliveira, Barbosa-Rinaldi, e Pizani, 2020; Paoliello, 2001; Polito, 1998; Schiavon, e Nista-Piccolo, 2006; Sontag et al., 2020) apontam, entretanto, que conhecimentos envolvendo a Ginástica têm sido timidamente desenvolvidos na escola brasileira, por diversos fatores, entre eles: falta de materiais e pouco conhecimento dos(as) professores(as). O(a) professor(a), não se sentindo plenamente preparado(a), capaz, para ensinar Ginástica na escola, fica temeroso(a) e priva os(as) alunos(as) desse conhecimento e dessa vivência.
Schiavon, e Nista-Piccolo (2007, p.132) sugerem que essas questões estão intimamente ligadas a deficiências na formação dos(as) professores(as), e ainda a “falta de um olhar pedagógico sobre essa modalidade esportiva” faz com que as escolas não sejam preparadas para acolhê-la. Porém, sabemos que esse não é um problema único da Ginástica, pois estudos como Chicati (2000), mostram que o interesse nas aulas de Educação Física de modo geral, vem apresentando níveis abaixo do regular.
A maioria dos cursos de Educação Física possui ao menos uma disciplina de Ginástica (Almeida, 2012; Pizani et al., 2015), portanto os(as) professores(as) de Educação Física têm acesso a um conhecimento básico em Ginástica. No entanto, apesar dos avanços no âmbito da formação docente, ainda vemos que há poucas iniciativas de aproximação do contexto escolar nas disciplinas de Ginástica (Sontag et al., 2020). Desse modo, eles(as) não se sentem preparados(as) e ficam inseguros(as) para ensinarem práticas ginásticas a seus alunos e alunas, quando o contexto está longe do ideal (Carride et al. 2017). Agravam esse quadro o preconceito e o estigma de modalidades competitivas complexas, especialmente no caso da Ginástica Artística, sem adaptações ao contexto escolar (Schiavon, e Nista-Piccolo, 2011). Pois se a série pronta de um(a) atleta comumente exibida na televisão for o único contato de um(a) professor(a) com a modalidade, dificilmente este(a) conseguirá imaginá-la em fundamentos mais simples para o ensino em suas aulas na escola.
De acordo com o estudo realizado por Schiavon (2003, p. 146), “[...] quando o professor tem o conhecimento do conteúdo a ser ensinado e de como deve ensinar, pode transformar suas ideias em uma prática possível [...]”. Ou seja, se o(a) professor(a) aprendeu a ensinar Ginástica em sua formação, ele(a) buscará meios para desenvolver suas aulas de diferentes práticas ginásticas, mesmo que as condições não sejam adequadas em relação a materiais e infraestrutura, apesar desses últimos fatores auxiliarem na desmotivação, tanto dos(as) professores(as) quanto dos(as) alunos(as) (Chicati, 2000). Em contrapartida, corre-se o risco de professores(as) despreparados(as) em relação ao como e ao o que ensinar sobre Ginástica, interferirem em uma percepção negativa dos(as) alunos(as) a respeito da Ginástica.
Em artigo publicado em 2010, na Revista de Educação Física da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Pereira e colaboradores (2010) apontam, no curioso título do artigo, “Os escolares detestam os conteúdos ginásticos nas aulas de Educação Física”, uma compreensão bastante restrita dos conhecimentos gímnicos, destacando, como Ginástica, apenas exercícios de flexibilidade, corridas e abdominais, com métodos tradicionais de ensino. Obviamente teve como consequência uma percepção negativa sobre as aulas de Ginástica por parte dos(as) alunos(as) que se sentiram muito desconfortáveis, com dores, cansados, entre outros fatores. Por esse e tantos outros motivos, não basta a Ginástica estar na escola, se os métodos de ensino ou mesmo a compreensão que se tem deste tema da cultura corporal são restritos, pois uma visão limitada da Ginástica pode colaborar para que sejam desconsideradas as suas diversas possibilidades de expressão.
Motivadas pela possibilidade de encontrar resultados diferentes da pesquisa desenvolvida por Pereira e colaboradores (2010), esta pesquisa teve como objetivo analisar a perspectiva dos(as) alunos(as) do Ensino Fundamental sobre as aulas de Ginástica desenvolvidas na Educação Física escolar no contexto do projeto “A Ginástica vai à escola”, do programa “Núcleos de Ensino”, da Pró-reitoria de Graduação da Universidade Estadual Paulista (Unesp), desenvolvido nos anos de 2012, 2013 e 2014 em escolas estaduais e municipais da cidade de Rio Claro, interior do estado de São Paulo, Brasil. Este projeto pautou-se em ações que apresentam os conhecimentos gímnicos de uma forma ampla e com métodos de ensino que valorizam o “aprender brincando”.
Esta pesquisa parte do pressuposto de que os métodos didático-pedagógicos de ensino utilizados pelos(as) professores(as) interferem na percepção dos(as) alunos(as) em relação aos temas da cultura corporal, nesse caso a Ginástica. Nesse sentido, esta investigação se diferencia das demais já publicadas sobre a temática, por focalizar como o método utilizado pode afetar diretamente a relação que os(as) alunos(as) estabelecem com a Ginástica. A análise da percepção de estudantes que tiveram contato com métodos de ensino que valorizam o “aprender brincando” e os conhecimentos e a participação das crianças na construção da aula, podem vir a contribuir para um melhor trato da Ginástica no cenário escolar.
Métodos
Para compreender a perspectiva dos(as) alunos(as) sobre os conhecimentos gímnicos das aulas de Educação Física escolar, esta pesquisa investigou a percepção de 124 estudantes (76 meninas e 52 meninos), com idade a partir de 8 anos, alunos(as) do Ensino Fundamental de três escolas públicas da cidade de Rio Claro/SP, duas municipais e uma estadual, participantes durante 2012, 2013 e 2014 do projeto “A Ginástica vai à escola” do programa “Núcleos de Ensino” da UNESP/Rio Claro, São Paulo, Brasil.
O programa “Núcleos de Ensino” é uma iniciativa da Pró-reitoria de Graduação da Unesp que, com o oferecimento de bolsas aos(às) alunos(as) de graduação, visa à aproximação da universidade com a escola pública por meio de projetos dos docentes em diferentes áreas. (Mendonça, Barbosa, e Vieira, 2010)
O projeto “A Ginástica vai à escola”, iniciado em 2012, sob a coordenação da Profa. Dra. Laurita Marconi Schiavon, e teve o propósito de desenvolver aulas de Ginástica na Educação Física escolar no âmbito da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio das escolas parceiras do sistema público de ensino, para qualificar os(as) professores(as) de Educação Física dessas escolas e aprimorar seus conhecimentos no campo da Ginástica. (Schiavon et al., 2012).
O projeto ofereceu aulas de Ginástica nas aulas de Educação Física escolar, uma vez por semana, para cada uma das escolas parceiras, totalizando 15 aulas por semestre para cada uma delas. Dois bolsistas, coordenados pela professora responsável pelo projeto, auxiliaram os(as) professores(as) no desenvolvimento dessas aulas. Foram atendidos em média por ano, 4 escolas, 480 alunos e 4 professores(as) de Educação Física, futuros multiplicadores do conhecimento no contexto escolar.
Diferentes modalidades gímnicas foram contempladas: Ginástica Artística (GA), Ginástica Rítmica (GR) e Ginástica Acrobática (GAC). Além dessas, também foi desenvolvido um trabalho com Ginástica para Todos (GPT), mesclando diferentes possibilidades da Ginástica em interlocução com outros temas da cultura corporal. Mais do que uma modalidade, a GPT caracteriza-se como uma prática corporal que congrega várias expressões gímnicas. (Ayoub, 2007)
A proposta metodológica das aulas foi desenvolvida no projeto de extensão universitária intitulado "Crescendo com a Ginástica" da FEF-Unicamp, tendo como base estratégias lúdicas de ensino e está organizada em três momentos: 1. Exploração de movimentos a partir do tema a ser desenvolvido na proposta da aula; 2. Pistas ou problemas fornecidos pelos(as) professores(as) na busca de incentivar que a exploração seja ampliada e que os(as) alunos(as) criem outras possibilidades de movimentos ainda não contemplados; 3. Direcionamento propriamente dito do(a) professor(a) que se dá para que as habilidades ginásticas objetivadas sejam também contempladas. (Velardi, 1997)
Para a coleta dos dados, foi utilizado um questionário padronizado com lista de temas e conteúdos da Ginástica, em escala tipo Likert, assim como utilizada por Pereira e colaboradores (2010) em estudo similar, com as opções: “nunca pratiquei”, “gosto muito”, “gosto”, “tanto faz”, “não gosto”, “detesto”, deixando espaço para que o(a) aluno(a), se desejasse, escrevesse informações adicionais. Como se trata de um questionário com questões fechadas e espaço para justificativa das questões assinaladas, os dados quantitativos foram tratados por estatística descritiva (Reis, 2008) e os qualitativos foram utilizados como suporte para os dados quantitativos.
Todos os responsáveis dos(as) alunos(as) participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, tendo sido a pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista – Campus Rio Claro – Protocolo: 9110 – Decisão Nº 053-213.
Resultados e discussão
Adentrando nos resultados obtidos, sobre a perspectiva dos(as) alunos(as) em relação às diferentes práticas ginásticas trabalhadas nas aulas do projeto “A Ginástica vai à escola” nas turmas do Ensino Fundamental, os conhecimentos que os(as) alunos(as) mais gostaram, em primeiro lugar encontra-se a Ginástica Artística seguida pela Ginástica Rítmica. Em terceira e quarta classificação, seguem, respectivamente, a Ginástica Acrobática e a Ginástica para Todos, como pode ser observado na Tabela 1.
Tabela 1. Percepção dos(as) alunos(as) sobre as práticas gímnicas em aulas de Educação Física escolar
Conteúdo |
Gosto
Muito |
Gosto |
Tanto
Faz |
Não
Gosto |
Detesto |
Nunca
Pratiquei |
GA |
64,5% |
25% |
1,6% |
3,2% |
1,6% |
4,3% |
GR |
55,6% |
27,4% |
8% |
3,2% |
1,6% |
4% |
GAC |
49,1% |
28,2% |
6,4% |
4,8% |
1,6% |
9,6% |
GPT |
45,1% |
17,7% |
6,4% |
5,6% |
4,8% |
20,1% |
Fonte: Elaborado pelas próprias autoras. Legenda: GA – Ginástica Artística,
GR – Ginástica Rítmica, GAC – Ginástica Acrobática, GPT – Ginástica para Todos.
Esse resultado pode estar atrelado à realidade brasileira em que, apesar de haver uma tímida cultura gímnica estabelecida e difundida em todo o seu território, as modalidades de GA e GR são as mais presentes em termos de prática e divulgação. (Ayoub, 2007)
Apesar da ordem de preferência das modalidades mencionadas, podemos dizer que todas as práticas, de certa forma, foram bem aceitas pelas crianças, pois mais de 60% alegaram gostar de todas as práticas, considerando as alternativas “gosto muito” e “gosto”.
O método de ensino utilizado nas aulas de Ginástica e descrito anteriormente, valoriza a interação social entre os(as) participantes, assim como professor(a)-aluno(a), valorizando as experiências trazidas pelos(as) estudantes e a participação deles(as) na construção da aula. Essas características tendem a gerar uma relação afetiva positiva entre o conhecimento e os(as) estudantes, como também foi destacado por Milani, Bento-Soares, e Schiavon (2021) em pesquisa desenvolvida sobre impactos afetivos nas aulas de Ginástica.
Tabela 2. Alunos(as) que gostaram das práticas gímnicas:
comparação entre meninos e meninas (“gosto muito” e “gosto”)
Conteúdo |
Total |
Meninos |
Meninas |
Ginástica
Artística |
88,7% |
32,25% |
57,25% |
Ginástica
Rítmica |
83,06% |
27,41% |
55,64% |
Ginástica
Acrobática |
77,41% |
25,80% |
51,61% |
Ginástica
para Todos |
62,90% |
16,12% |
46,77% |
Fonte: Elaborado pelas próprias autoras
Levando em conta a distinção de meninos e meninas, a Tabela 2 mostra que tanto os meninos quanto as meninas elegeram a GA como a preferida, com as seguintes justificativas, dentre outras: “Eu gosto de fazer a estrela”; “Eu gosto de dar cambalhotas”. Foi também interessante observar que ambos tanto meninas quanto meninos apresentaram a mesma ordem de preferência entre as modalidades: GA, GR, GAC e GPT, conforme mostrado na Tabela 2.
Tabela 3. Alunos(as) que não gostaram das práticas gímnicas:
comparação entre meninos e meninas (“detesto” e “não gosto”)
Conteúdo |
Total |
Meninos |
Meninas |
Ginástica
Artística |
4,83% |
4,83% |
0% |
Ginástica
Rítmica |
4,83% |
4,83% |
0% |
Ginástica
Acrobática |
6,45% |
5,64% |
0,8% |
Ginástica
para Todos |
10,48% |
8,06% |
2,41% |
Fonte: Elaborado pelas próprias autoras
Em relação aos resultados encontrados para as respostas “detesto” e “não gosto”, observa-se que os valores são baixos e que os conhecimentos desenvolvidos nas práticas de GA e GR apresentaram os mesmos percentuais de reprovação. O padrão de resposta dos meninos chamou atenção, principalmente sobre a GR, que teve o mesmo percentual masculino de rejeição (não gostaram ou detestaram) da GA (4,83%), prática corporal que envolve a modalidade feminina e masculina, ao contrário da GR que possui uma predominância feminina, principalmente por sua origem na Ginástica moderna feminina e igualmente devido à Federação Internacional de Ginástica reconhecer apenas a GR feminina1. (Gymnastique, 2020; Langlade, e Langlade, 1986)
Ao analisar os resultados da Ginástica para Todos, prática corporal que obteve o maior percentual de “não gosto” e “detesto” (10,48%), principalmente decorrente das respostas por parte dos meninos (8,06%), três alunos responderam que não gostavam dessa prática somente pelas justificativas de “Não acho legal”; “Porque é uma coisa que não curti muito”; “Não gosto de dançar”. Esse posicionamento dos meninos representa uma construção histórica em que o corpo masculino ao ser vinculado a esportes com movimentos suaves, rítmicos e/ou ginásticos acaba sendo caracterizado como efeminado pela sociedade (De Sousa, e Altmann, 1999). Assim, das modalidades ginásticas, se somarmos os fatores de divulgação e prática no país, em conjunto com suas características, a Ginástica para Todos, por decorrência, seria a menos valorizada.
As respostas de “nunca pratiquei”, principalmente em relação às Ginásticas menos difundidas no país, como a Ginástica Acrobática (9,6%) e a GPT (20,16%), em comparação com a GA e GR que obtiveram 4% cada, foram complementadas por alguns participantes com as seguintes frases: “Eu não participei das aulas” ou “Eu faltei no dia”. É importante ressaltar que os(as) alunos(as) que responderam os questionários participaram do projeto em diferentes momentos, anos e turmas, assim essa pesquisa contém questionários de alunos(as) que tiveram aulas do projeto em anos diferentes2.
Além disso, o alto índice de “nunca pratiquei” da GPT pode estar vinculado à dificuldade de compreensão desta ampla prática corporal por ser uma prática que pode envolver todas as outras práticas ginásticas. A GPT é conceituada de forma diversificada por diferentes autores(as) (Ayoub, 2007; Lima et al., 2015; Menegaldo, e Bortoleto, 2020; Paoliello et al., 2014; Pérez Gallardo, e Souza, 1995; Santos, e Santos, 1999) ou mesmo instituições, como a Federação Internacional de Ginástica, o que pode causar certa dificuldade de reconhecimento pelos(as) estudantes ou mesmo pelos profissionais da área da Educação Física.
Maldonado, e Bochini (2015, p.173) também falam da dificuldade dos(as) alunos(as) com a GPT, devido à necessidade de criação coreográfica coletiva, relatando que:
Outra dificuldade que encontramos esteve relacionada com a falta de costume dos alunos de criar as coreografias juntando movimentos da ginástica artística e acrobática e os aparelhos da ginástica rítmica. Os discentes estão acostumados apenas a copiar do livro didático ou responder questões em que eles precisam procurar as respostas nesses mesmos livros. quando precisam produzir conhecimentos, muitos desses alunos sentem que não conseguem participar do processo de criação da aula.
Por outro lado, apesar de haver alunos(as) que afirmaram “detestar” e “não gostar”, os resultados são sensivelmente inferiores (maior percentual foi de 10,47%) em relação aos encontrados por Pereira e colaboradores (2010), que foi de aproximadamente 79,2% de reprovação. Esse alto índice de reprovação (Pereira et al., 2010) nos leva a pensar que os(as) alunos(as) não tiveram a oportunidade de conhecer a amplitude da Ginástica na Educação Física escolar, demonstrando uma compreensão reduzida de Ginástica, vista, sobretudo, como uma ferramenta para outras práticas corporais. Reconhecemos que, em muitas circunstâncias, as aulas de Educação Física não são muito proveitosas, não são trabalhadas de forma lúdica e nem adequada, ficando restritas a alguns esportes ou mesmo ao “laissez faire”, abandono pedagógico. (Ayoub, 2007)
Por outro lado, na nossa investigação, foi possível verificar que a percepção dos(as) alunos(as) sobre as aulas de Ginástica na Educação Física escolar está intimamente relacionada com a proposta pedagógica de Ginástica desenvolvida nas escolas: ênfase em métodos de ensino-aprendizado que privilegiam o “aprender brincando”, ou seja, adequado às necessidades das crianças do Ensino Fundamental. Como exemplo mais evidente, destacam-se os conhecimentos relacionados à Ginástica Artística, que tiveram a percepção positiva dos escolares com 89,5% (gostaram ou gostaram muito).
Com isso, ressaltamos a importância de estratégias lúdicas nas aulas de Educação Física, assim como uma compreensão mais ampla dos conhecimentos gímnicos, deixando a criança explorar materiais, propondo problemas a serem resolvidos, oferecendo dicas e direcionamentos pedagógicos, tornando esse conhecimento significativo, considerando a criança como ponto central do trabalho. (Nista-Piccolo, 1999; Schiavon et al., 2012)
Outros estudos atuais sobre o desenvolvimento da Ginástica na Educação Física escolar têm também mostrado uma aproximação maior com esse conhecimento, como Vianna (2020, p. 13), que relata momentos de experimentação dos elementos técnicos, momentos da criação de movimentos, experimentação de ideias dos colegas, “compartilhando conhecimentos e na execução de elementos gímnicos, antes considerados impossíveis de serem realizados”. A autora ainda destaca que “[...] cada aluno enriqueceu seu repertório cultural de movimento, numa proposta que favorece a coletividade, o respeito à individualidade, a criatividade e a diversidade dos movimentos”. (Vianna, 2020, p. 13)
Maldonado, Bento-Soares, e Schiavon (2019, p.14) relatam igualmente a importância do “como” ensinar Ginástica, ao dizerem que “mais do que trabalhar a Ginástica no contexto escolar, destacamos a importância das discussões sobre como ela é desenvolvida e construída com os(as) alunos(as).”.
Nesse sentido, podemos pensar numa Educação Física que respeite a criança e lhe possibilite refletir sobre seu corpo, sua gestualidade, em suas relações com outros corpos, com o tempo e o espaço, considerando suas necessidades e desejos.
Conclusões
Em nossa investigação, que envolveu uma ampla proposta de aulas de Ginástica trabalhadas numa perspectiva lúdica, os(as) alunos(as) demonstraram, por meio dos questionários, interesse e prazer significativo no desenvolvimento das aulas de Ginástica na Educação Física escolar, o que também relaciona-se a experiências positivas no ensino da Ginástica nos contextos formais e não formais de iniciação esportiva. (Carride et al., 2017; Lima et al., 2015; Maldonado, e Brochini, 2015; Maldonado, Bento-Soares, e Schiavon, 2019; Milani, Bento-Soares, e Schiavon, 2021; Vianna, 2020)
Por meio deste estudo, observamos que os métodos didático-pedagógicos utilizados para o desenvolvimento dos conhecimentos dos(as) alunos(as) afetam diretamente as relações que se estabelecem com eles(as), seja nas aulas de Ginástica, ou possivelmente de qualquer outro conteúdo escolar. Isto remete à formação docente, cujos problemas em relação aos saberes da Ginástica já foram mencionados anteriormente. Não se trata de defender uma visão linear de que a formação inicial e continuada de professores(as) dará conta de suprir todas as dificuldades relacionadas ao processo de ensino-aprendizado da Ginástica na escola. Porém, assim como Caparroz, e Bracht (2007, p. 27), defendemos que:
[...] o professor não deve aplicar teoria na prática e, sim, (re)construir (reinventar) sua prática com referência em ações/experiências e em reflexões/teorias. É fundamental que essa apropriação de teorias se dê de forma autônoma e crítica, portanto, como ação de um sujeito, de um autor.
A realização desta pesquisa nos mostrou que existem diferentes possibilidades de desenvolvimento da Ginástica na escola e que os saberes dos(as) professores(as), bem como as condições materiais e estruturais das escolas e, sobretudo, as metodologias de ensino, afetam diretamente as percepções dos(as) alunos(as) em relação às aulas vivenciadas por eles(as), ou seja, o(a) professor(a) é o principal diferencial no processo de ensino e aprendizado despertando ou afastando os(as) alunos(as) de determinadas áreas. Por fim, os resultados apresentados corroboram Moreira e colaboradores (2020), que analisaram 14 artigos originais e de revisão sobre a temática entre os anos de 2001 a 2017, evidenciando a importância da formação e atualização profissional relacionada aos conteúdos ginásticos, assim como um aumento dos estudos na área da ginástica no contexto escolar.
Certamente essa, como toda pesquisa, apresenta limitações, principalmente por apresentar dados de uma única cidade no estado de São Paulo, que não podemos generalizar para um país como o Brasil com tantas desigualdades de condições. Trata-se de um projeto universitário em escolas públicas com professores(as) sendo acompanhados(as) por especialistas da universidade, o que certamente interfere na ação docente nas escolas e, ao mesmo tempo, mostra a importância dessa parceria entre a universidade e a comunidade.
Como encaminhamento para pesquisas futuras sugerimos a ampliação da pesquisa para outras localidades e, sobretudo, com foco nas estratégias pedagógicas utilizadas nas aulas de Ginástica na Educação Física escolar, o que certamente é um diferencial para percepções positivas e relações prazerosas dos(as) alunos(as) não apenas com a Ginástica, mas com outros conhecimentos que perpassam o contexto escolar.
Notas
A ginástica rítmica masculina existe em vários países do mundo, inclusive com campeonatos mundiais. No entanto, ainda não é reconhecida e organizada pela Federação Internacional de Ginástica e não faz parte dos Jogos Olímpicos.
Essa limitação do estudo se deve à necessidade de seguir os trâmites de aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa e da Secretaria de Educação do Município de Rio Claro/SP para o desenvolvimento da pesquisa nas escolas.
Referências
Almeida, E.X. (2012). A Ginástica na formação de licenciados em Educação Física: um estudo sobre os planos de ensino [Dissertação de Mestrado. Universidade São Judas Tadeu, São Paulo]. https://www.usjt.br/biblioteca/mono_disser/mono_diss/2013/212.php
Ayoub, E. (2007). A ginástica geral e Educação Física escolar (2ª ed.). Editora Unicamp.
Barbosa, I.P. (1999). A ginástica nos cursos de licenciatura em Educação Física do Estado do Paraná [Dissertação de Mestrado. Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas]. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/274967
Brasil (2018). Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC.
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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 279, Ago. (2021)