ISSN 1514-3465
Levantamento bibliográfico sobre corpo e gênero na
formação dos discentes da licenciatura em Educação Física
Bibliographical Survey on Body and Gender in Training
Licensing Students in Physical Education
Estudio bibliográfico sobre cuerpo y género en la formación
de estudiantes de la licenciatura en Educación Física
Marcelo Alencar Leite
marceloalencar17@gmail.com
Licenciado e Bacharel em Educação Física pela Universidade Regional
do Cariri - URCA Especialização em Educação Física Escolar pela Faculdades Integradas
de Patos - FIP, Comunidade Salesianos, Juazeiro do Norte. Mestrando do Programa
de Pós-Graduação em Educação - POSEDUC - UERN, Mossoró-RN
Professor efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Ceará - IFCE desde maio de 2014, atualmente lotado no Campus Limoeiro do Norte
(Brasil)
Recepção: 03/01/2020 - Aceitação: 06/06/2020
1ª Revisão: 19/05/2020 - 2ª Revisão: 03/06/2020
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida:
Leite, M.A. (2020). Levantamento bibliográfico sobre corpo e gênero na formação dos discentes da licenciatura em Educação Física. Lecturas: Educación Física y Deportes, 25(266), 98-108. Recuperado de: https://doi.org/10.46642/efd.v25i266.1914
Resumo
O presente trabalho trata de uma pesquisa bibliográfica. Foi realizado um levantamento acerca dos trabalhos produzidos entre 2008 e 2019, disponíveis no Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e na Plataforma Google Academics, que fossem revisados por pares e que discutissem sobre o Corpo e Gênero na formação docente, adequando as discussões para que o trabalho pudesse ser bem realizado na escola, assim, chegou-se ao total de 16 trabalhos para serem discutidos. O objetivo da pesquisa é identificar os trabalhos produzidos sobre Corpo e Gênero na Formação dos discentes dos Cursos de Licenciatura em Educação Física. A pesquisa foi importante, pois mostrou que o vem sem pesquisado sobre os temas propostos e destacou a importância social de discutir sobre esta temática na formação inicial. Revelando que a formação docente ainda é insuficiente no que se refere à preparação dos professores para a discussão das temáticas ligadas ao Corpo e Gênero, mas reconhecer essa falha é um passo importante na busca pela melhoria dos processos formativos.
Unitermos
: Formação de professores. Corpo. Gênero. Educação Física.
Abstract
The present work deals with a bibliographical research. A survey was conducted on the work produced between 2008 and 2019, available on the Peer-to-Peer Coordination for Higher Education - CAPES and the Google Academics Platform, peer reviewed and discussing Body and Gender in the journal. teacher training, adjusting the discussions so that the work could be well done at school, thus, a total of 16 papers were discussed. The objective of the research is to identify the works produced on Body and Gender in the formation of students of Physical Education Degree Courses. The research was important because it showed that it has not been researched on the proposed themes and highlighted the social importance of discussing about Body and Gender in the initial formation. Research has shown that teacher education is still insufficient in terms of preparing teachers for the discussion of issues related to Body and Gender, but recognizing this shortcoming is an important step in the search for the improvement of teacher training processes.
Keywords
: Teacher training. Body. Gender. Physical Education.
Resumen
El presente trabajo trata sobre una investigación bibliográfica. Se realizó una revisión sobre los trabajos producidos entre 2008 y 2019, disponibles en el Portal de publicaciones periódicas de la Coordinación para la Mejora del Personal de Educación Superior - CAPES y en la plataforma Google Académico, que fueron revisados por pares y traten sobre el Cuerpo y el Género en el capacitación de docentes, aportando discusiones para que un buen trabajo en la escuela. De esta forma, se obtuvieron un total de 16 trabajos para ser analizados. El objetivo de la investigación es identificar los trabajos producidos sobre Cuerpo y Género en la formación de los estudiantes de la licenciatura en Educación Física. La investigación fue relevante, ya que mostró que no ha sido investigado sobre los temas propuestos y destacó la importancia social de debatir este tema en la capacitación inicial. Se reveló que la capacitación docente aún es insuficiente con respecto a la preparación de profesores para la discusión de temas relacionados con el Cuerpo y el Género, pero reconocer este falencia es un paso importante en la búsqueda para mejorar los procesos de capacitación.
Palabras clave:
Formación docente. Cuerpo. Género. Educación Física.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 266, Jul. (2020)
Introdução
O interesse em realizar o levantamento bibliográfico do que está sendo discutido acerca do Corpo e do Gênero na formação dos Professores de Educação Física se deu em virtude dos estudos para a elaboração da dissertação de Mestrado, que visa descobrir como os alunos da Licenciatura em Educação Física percebem a relação entre o Corpo e o Gênero com a sua formação.
Após a realização de conversas com os discentes do curso de Licenciatura em Educação Física e de aplicação de um questionário para poder saber como eles compreendiam a relação das temáticas do corpo e gênero com a atuação profissional na área da Educação Física, em especial na escola, pode-se perceber que existe uma carência de conhecimentos por parte dos discentes, pois eles não demonstram terem tido acesso aos estudos que propõem esse tipo de reflexão. Assim, buscou-se saber o que está sendo produzido para poder compreender melhor essa situação percebida.
A necessidade de compreender como os discentes percebiam as discussões acerca do corpo e do gênero como elemento importante para a formação acadêmica, e posterior inserção no mercado de trabalho, despertou a curiosidade de saber o que se tem estudado sobre essa relação entre corpo, gênero e Educação Física.
A pesquisa dos textos ocorreu na base de dados de periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES e na Plataforma Google Academics. A leitura e análise dos artigos para saber se seriam pertinentes à pesquisa ocorreu entre os meses de outubro e novembro, ficando os meses de novembro e dezembro para a escrita do trabalho.
A Pesquisa foi importante por proporcionar, também, o conhecimento sobre revistas científicas que dedicam espaço para a produção de trabalhos na área dos estudos sobre Corpo e gênero para a formação de professores e para o trabalho docente na escola.
O objetivo da pesquisa é identificar os trabalhos produzidos sobre Corpo, Gênero na Formação dos Discentes do Curso de Licenciatura em Educação Física. Esse tema foi o norteador para a escolha das ferramentas de pesquisa, das ferramentas boleanas e das palavras-chaves para conseguir filtrar os trabalhos que poderiam ser utilizados para o desenvolvimento do trabalho.
Métodos
Para a realização do levantamento dos trabalhos que já foram escritos sobre o tema foi feita a opção de utilizar o portal de periódicos da CAPES e a Plataforma Google Academics. A escolha se deu por, primeiramente, serem bases de pesquisa relevantes, com revistas e periódicos de boa qualificação e devido à possibilidade de utilização de filtros mais específicos para o levantamento dos dados. O levantamento dos dados da pesquisa foi realizado entre os meses de outubro e novembro de 2019.
Foi utilizada a ferramenta de “Busca por Assunto” na página inicial do Portal de Periódicos da CAPES para poder acessar apenas os trabalhos que pudessem ser relacionados ao tema central da pesquisa.
A pesquisa foi feita com a utilização de palavras-chaves associadas as ferramentas boleanas. As palavras-chaves e ferramentas boleanas utilizadas foram: “Formação de Professores” MORE “Corpo”; “Formação de Professores” MORE “Gênero”. “Formação de Professores” MORE “Sexualidade”.
Como forma de aprimorar a pesquisa foram utilizados filtros disponíveis na página de pesquisa. Foram utilizados os seguintes filtros: a) revisado por pares; b) idioma português; c) data, de 2008 a 2018. Com o auxílio dos filtros de pesquisa, foi possível sair dos 630 artigos encontrados inicialmente, para os 10 que ficaram para a análise e inclusão.
Para pesquisar na Plataforma Google Academics foram usadas as seguintes palavras chaves: “Corpo Formação Educação Física”, “Gênero Formação Educação Física” e “Sexualidade Formação Educação Física”.
Foi utilizado o filtro de intervalo específico para estabelecer as datas de publicação dos artigos. Foi definido o intervalo entre 2009 e 2019 como base das pesquisas para que fosse diferente da usada na plataforma CAPES.
Com o uso das ferramentas chegou-se ao total de 02 textos sobre o Corpo na Formação de Professores de Educação Física; 02 sobre Gênero na Formação de Professores de Educação Física; e 02 sobre Sexualidade na Formação de Professores de Educação Física. Obtendo um total de 06 artigos na Plataforma Google Academics.
Resultados
Quadro 1. Distribuição das obras por Plataforma de Pesquisa: CAPES
Autor |
Título do trabalho |
Ano |
Alós, A. P. |
Gênero, Epistemologia e Performatividade:
Estratégias Pedagógicas de Subversão |
2011 |
Altmann, H. et al. |
Gênero na Prática Docente em Educação
Física: “Meninas Não Gostam de Suar, Meninos São Habilidosos ao
Jogar” |
2011 |
Auad, D. et al. |
Feminismos, Interseccionalidades e
Consubstancialidades na Educação Física Escolar |
2018 |
Bento, B. |
Na Escola se Aprende Que a Diferença Faz
a Diferença |
2011 |
Finco, D. |
Questões de gênero na educação da
pequena infância Brasileira |
2015 |
Gesser,
M. et al. |
Docência e concepções de Sexualidade na
Educação Básica |
2015 |
Guizzo, B. S. et al. |
Gênero e Sexualidade na Educação Básica
e Na Formação de Professores: Limites e Possibilidades |
2015 |
Rossi,
C.R. et al. |
As Tecnologias de Informação e Comunicação
– TIC na formação de Professores(as) em Educação Sexual: o caso
das E-Oficinas na I COES |
2014 |
Silva, B.O. et al. |
Sexualidade na Sala de Aula: Tecendo
Aprendizagem a Partir de um Artefato Pedagógico |
2011 |
Seffner, F. |
Um Bocado de Sexo, Pouco Giz, Quase Nada
de Apagador e Muitas Provas: Cenas Escolares Envolvendo Questões de Gênero
e Sexualidade |
2011 |
Elaborada pelo autor (2019)
Quadro 2. Distribuição das obras por Plataforma de Pesquisa: Google Academics
Autor |
Título
do trabalho |
Ano |
Andres, S. S. et al. |
Educar Para a Diversidade: Gênero e
Sexualidade Segundo a Percepção de Estudantes e Supervisoras do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (UFSM) |
2015 |
Dantas, E.R. |
Corpo e formação de professores de Educação
Física na Universidade Estadual da Paraíba |
2014 |
Devide, F. P. et al. |
Estudos de gênero na Educação Física
Brasileira |
2011 |
Dornelles, P. G. et al. |
Gênero, sexualidade e idade: tramas
heteronormativas nas práticas pedagógicas da educação física
escolar |
2015 |
Goellner, S. V. |
A Educação dos Corpos, dos Gêneros e
das Sexualidades e o Reconhecimento da Diversidade |
2010 |
Hunger,
D.A.C.F. et al. |
Formação acadêmica em Educação Física:
“Corpos” (Docente e Discente) de conhecimentos fragmentados... |
2009 |
Elaborada pelo autor (2019)
Como pode ser observado, a maior concentração de obras que discutem sobre o tema proposto para análise se concentra no ano de 2011, sendo publicados 06 trabalhos. O ano de 2015 teve 05 publicações referentes ao tema pesquisado e o ano de 2014 teve 02 publicações. Os anos de 2009, 2010 e 2018 tiveram 01 publicação cada e os anos de 2008, 2012, 2013, 2016, 2017 e 2019 não tiveram publicações relacionadas com o objeto de análise da pesquisa.
Discussões
Dantas (2014) traz em seu trabalho a discussão sobre o corpo na formação de professores de Educação Física na Universidade Estadual da Paraíba. É uma discussão importante, pois ele busca identificar como a temática pode se transformar em um conteúdo de formação dos professores e como se dá as discussões ao longo do ciclo formativo. Em seu trabalho ele mostra que a discussão está presente no ciclo formativo, mas de forma esporádica e isolada, fazendo-se necessário criar meios para que as discussões possam dialogar entre os eixos formativos. Ainda traz a necessidade de que essa não seja uma discussão apenas na formação do curso de Educação Física. É necessário que ocorra em todos os cursos da Universidade.
Hunger, Neto, Pereira, Franco e Rossi (2009), abordam como discentes e professores universitários conceituam o corpo, tendo como referência o currículo da Educação Física. O estudo mostrou que ainda persistia uma visão reducionista por parte dos graduandos, abordando o Corpo nas perspectivas biológica, filosófica e/ou religiosa. Quanto a conceituação dada pelos professores, chegou-se a seguinte constatação:
Os professores o conceituaram em conformidade com sua formação científica e área de atuação. Por exemplo, biólogo o definiu como sendo um conjunto de sistemas, enquanto que filósofo ampliou esta conceituação, contextualizando-o culturalmente. (Hunger et al., 2009, p.90)
Devide et al. (2011) discutem em seu trabalho os estudos de gênero na Educação Física brasileira. Os autores fazem um mapeamento dos quadros teóricos dos estudos de Gênero. O artigo traz a discussão de quando iniciaram os estudos de gênero na Educação Física e percebeu que tem sido feito prioritariamente por mulheres ao longo dos anos. Tal fato pode ser justificado pelo espaço de fala que as mulheres têm buscado conquistar e pela necessidade de romper barreiras sociais criadas ao longo do tempo. O trabalho é importante por mostrar um panorama das produções acadêmicas e auxiliar na busca por materiais de estudo.
Gesser, Oltramari e Panisson (2015), discutem em seu texto “Docência e Concepções de Sexualidade na Educação Básica” sobre os aspectos relacionados a percepção dos professores do ensino básico sobre a discussão acerca da sexualidade para os seus alunos. O trabalho aborda aspectos da formação inicial e continuada dos professores para que eles possam vir a ter a capacidade de discutir o tema, de forma adequada para cada faixa de idade, e discute sobre os aspectos do cotidiano do trabalho dos professores e situações em que já foi trabalhado sobre o tema Sexualidade na escola.
A pesquisa foi realizada com 23 professores/as, da educação básica, de uma capital do Sul do País. Os resultados obtidos inicialmente mostraram que dos 23 professores, 08 (oito) tiveram alguma disciplina que tratava sobre sexualidade em sua formação inicial. Apenas 07 (sete) disseram ter participado de cursos de formação continuada que abordavam a temática, mostrando, assim, que os professores não estão sendo formados e nem incentivados a buscarem uma formação que lhes dêem suporte teórico e metodológico para discutir um tema tão importante e pertinente no cotidiano escolar de forma adequada para cada faixa etária. Um dado apresentado na pesquisa e chamou atenção foi o fato de apenas 05 (cinco) professores terem conhecimento acerca dos documentos oficiais (Parâmetros Curriculares Nacionais [PCN’s], Política de Prevenção e Combate a Homofobia [Brasil sem Homofobia]; Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA]) que garantem aos jovens terem acesso a esse tipo de conteúdo de forma adequada na escola.
Com o trabalho Gesser et al. (2015, p. 558) constatou que:
Como resultados, identificou-se que as concepções de sexualidade são baseadas nos discursos preventivista, heteronormativo e de democracia sexual e que estes produzem diferentes efeitos nas práticas pedagógicas. Conclui-se que a inclusão da temática sexualidade na formação de professoras e professores, a partir de uma perspectiva politicamente posicionada contra a patologização e medicalização das expressões não heteronormativas, é um ato político voltado à garantia dos direitos humanos.
Destaca-se, no trabalho de Gesser et al. (2015), o fato de que a discussão sobre a sexualidade na escola está presente, quase que exclusivamente, para a discussão sobre a prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs)1 e combate a gravidez precoce. Constatou-se que as discussões se pautavam sempre dentro dos aspectos da heteronormatividade e que não se discutia sobre a homossexualidade e combate a homofobia.
Goellner (2010) discute sobre a pluralidade dos corpos, gêneros e sexualidades. Busca identificar o quantos esses marcadores sociais interferem na construção da identidade dos sujeitos e traz a reflexão sobre a necessidade de “desenvolvimento de proposições pedagógicas no contexto da escola e fora dela, buscando, sobretudo, o reconhecimento e respeito pela diversidade”. (Goellner, 2010, p. 71)
Guizzo e Ripoll (2015), apresentam em seu texto, “Gênero e Sexualidade na Educação Básica e na Formação de Professores: Limites e Possibilidades”, o relato de experiência profissional com alunos da educação básica, do 5º ano, e da atuação na formação de professores, da área da Biologia.
É apresentada a discussão sobre os processos de atuação de professores na educação básica para a discussão sobre Gênero e Sexualidade, bem como traz uma discussão sobre os livros didáticos que participavam do edital para a escolha dos livros para o Ensino Médio.
A análise dos livros didáticos mostrou que os conteúdos relacionados a Sexualidade estão “presos” ao âmbito da reprodução humana e da heteronormatividade, quando um livro ao abordar sobre a formação de família a associa apenas a uma família heterossexual.
Como parte da pesquisa com os alunos do curso superior, foi pedido para que analisassem o conteúdos dos livros didáticos que participavam do edital e que, também, analisassem o livro “A Bela e a Fera” e uma música “Você Quer?” (Mulher Melão) para que pudesse ser discutido sobre a objetificação da mulher. Em ambas as obras ficava evidente que o importante para a mulher era ter um corpo belo e não necessitava de conhecimento.
A abordagem nos faz refletir sobre o papel da formação de professores para que eles sejam capazes de atuar na escola com o conhecimento suficientes para que possam mostrar aos alunos a importância de refletir sobre o que posto socialmente e quais as implicações dessas ações no cotidiano de cada um.
Conclui-se que, na Escola Básica, as formas de viver/explorar o corpo e a sexualidade trabalhadas dentro da escola continuam ligadas a questões biológicas e de saúde. Professores e professoras tendem a apoiar-se nessas abordagens mais “científicas” que, de certa forma, restringem a questão da sexualidade à reprodução e reiteram a heteronormatividade. “Há pequenos avanços com relação às temáticas de gênero e sexualidade nos livros didáticos analisados, mas há, também, alguns retrocessos que contribuem para a perpetuação de situações de preconceito e de exclusão”. (Guizzo e Ripoll, 2015, p. 472)
Finco (2015, p. 48) em seu trabalho intitulado Questões de Gênero na Educação da Pequena Infância Brasileira, aborda sobre as seguintes questões:
No âmbito dos modelos cognitivos, é possível comprovar que as diferenças no desempenho em matemática ou na capacidade de linguagem resultam de diferenças cerebrais de cada sexo, consideradas inatas? No campo das relações e dos comportamentos infantis, podemos mesmo supor que elas necessariamente preferem as bonecas e eles os carrinhos? Elas foram feitas para brincar de roda e eles de futebol? Qual o papel das instituições de educação infantil frente às questões de gênero?
A autora traz discussões pertinentes e atuais ao tentar identificar qual o impacto que as crianças sofrem do meio social e cultural ao qual estão inseridos e sobre o papel da escola nessa construção.
Finco (2015, p. 49) destaca que:
Existe, dessa forma, uma construção cultural específica do corpo masculino e do feminino. Por meio de um processo de construção social que controla os desejos espontâneos da criança, busca reforçar o aprendizado do comportamento tipicamente feminino e masculino.
Esses comportamentos são “naturalizados” socialmente em virtude de sua repetição e aceitação como sendo a forma correta de agir, muitas vezes entendidas como únicas, o que pode levar os indivíduos, principalmente crianças, a interiorizarem comportamentos, mesmo que não se sintam confortáveis, e passam a se sentirem “culpadas” ou “estranhas” quando não conseguem se adequar ao padrão estabelecido.
As distinções podem ser percebidas, mas não são fixadas na característica biológica apresentada ao nascer. Os significados de gênero – habilidades, identidades e modos de ser – são socialmente configurados, impressos no corpo de meninos e meninas de acordo com as expectativas de uma determinada sociedade. Se, por um lado, é possível observar o controle da agressividade na menina, o menino sofre processo semelhante, mas em outra direção: nele são bloqueadas expressões de sentimentos como ternura, sensibilidade e carinho. (Finco, 2015, p. 50)
Pode-se perceber que as crianças são moldadas, mesmo que de forma inconsciente, a seguirem determinados padrões. Mesmo coisas sutis e cotidianas servem para que seja reforçado algum estereótipo de gênero e repetição de comportamentos apresentados como adequados para meninos e meninas.
Dornelles & Dal’lgna (2015) trazem a discussão sobre a “(hetero)normalização do gênero e da sexualidade na trama da educação física escolar” (p.1592). É feita a discussão sobre as práticas pedagógicas adotadas nas escolas frente as discussões que dizem respeito ao Gênero e a Sexualidade. Chegou-se a observar que:
Com isso, a idade cronológica dos corpos dos/as alunos/as é acionada como norma regulatória quando se trata do tema da sexualidade, fortalecendo, dessa maneira, o pressuposto unilinear sexo-gênero-prática heterossexual como natural a partir da adolescência. (Dornelles & Dal’lgna, 2015, p.1597)
Andres, Jaeger, Goellner (2015) apresentam em seu trabalho a importância de se contextualizar as discussões acerca da temática de Gênero na formação da Licenciatura em Educação Física. Para os autores, essa formação é importante pois a prática no cotidiano escolar exige uma qualificação docente que proporcione “elaboração de estratégias didático-pedagógicas que colocaram em cena as diferenças e a pluralidade humanas, produzindo e reafirmando conhecimentos e orientações que focaram uma educação voltada para a diversidade”. (Andres et al., 2015, p.167)
Silva e Ribeiro (2011), trazem em seu trabalho a discussão sobre os meios culturais (família, religião, e principalmente, a mídia), na influência da formação dos jovens. As instâncias culturais são tratadas como “educativas”, pois também “ensinam alguma coisa”.
As autoras apresentam os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN’s – como sendo um artefato cultural, uma vez que foi construído socialmente. É discutido a forma como o tema sexualidade é tratado nos PCN’s, onde é dado uma ênfase nos discursos biologicistas e são estratégias para controlar os comportamentos dos jovens por meio de uma visão prevencionista. Essa visão de prevenção de doenças e forma de moldar o comportamento dos jovens motivou a inclusão do tema Sexualidade nos PCN’s:
Nos PCN, a sexualidade é abordada como um dado natural e inerente sobre o qual os sujeitos precisam ser informados. Sua própria inserção no âmbito curricular foi motivada pelo alto índice de gravidez entre adolescentes, bem como pela proliferação do vírus da imunodeficiência adquirida (HIV) e de outras doenças sexualmente transmissíveis, dando origem ao tema transversal Orientação Sexual. (Silva e Ribeiro, 2011, p. 523)
As autoras criticam essa abordagem dos PCN’s com base em reflexões das ideias de Foucault. A inserção do tema sexualidade não visa o combate a discriminações e a busca pelo respeito aos indivíduos, mas está ligada a uma forma de moldar e regular o comportamento individuais.
Nessa direção, as práticas escolares passam a falar sobre sexualidade a partir de discursos médicos e biologicistas, no intuito de regular a forma como os indivíduos e a população devem viver suas sexualidades. Assim, a partir das proposições de Michel Foucault, a educação sexual pode ser entendida como um mecanismo de disciplinamento e de regulamentação da vida humana que pretende a preservação do corpo social. (Silva e Ribeiro, 2011, p. 524). Para as autoras, a dificuldade de abordar o tema sexualidade na escola reside no fato de:
Dessa forma, a sexualidade ainda é vista como um problema a ser abordado em nossas salas de aula, pois a realidade escolar é de uma multiplicidade de sujeitos com características singulares, tornando problemática a tentativa de qualquer tipo de enquadramento. Talvez por isso falar sobre sexualidade não seja uma tarefa muito fácil e “acabamos falando sobre atos sexuais, funções do corpo humano, métodos anticoncepcionais, prevenção de doenças” como se as sexualidades estivessem resumidas a uma “materialidade biológica, desconsiderando o papel e os efeitos das construções culturais”. (Silva e Ribeiro, 2011, p. 526)
Para a ampliação do debate acerca da sexualidade na escola as autoras propõem o uso de outras ferramentas, artefatos culturais, para que as discussões não se pautem, apenas, no caráter biologicistas. Para tal ampliação é sugerida a discussão da Seção Sexo, da Revista Capricho, pois existe a possibilidade de interação entre as leitoras da revista com os temas propostos através da participação de questionários ou comentários no site da revista.
A discussão das questões sociais e culturais por trás do tema sexualidade, principalmente para o público adolescente, faz-se necessária para que eles possam compreender a sua individualidade e possibilitar canais de debates e aprendizado, buscando formar indivíduos que sejam capazes de se conhecerem e se respeitarem, bem como serem capazes de respeitar o próximo.
Seffner (2011), traz em seu trabalho um pouco das adversidades encontradas por professores/as em sala de aula. Por um lado, passa a existir, por parte dos alunos, uma curiosidade sobre os temas gênero e sexualidade que surgem em questões nas aulas e por outro lado, a forma como a política, a religião e a família tratam do tema colocam os docentes em situações difíceis.
Seffner (2011) apresenta alguns relatos das observações de estágio realizados em uma escola de ensino fundamental. São apresentadas situações problemas para ilustrar o cotidiano escolar e debater sobre as dificuldades dos professores em lidar com essas situações e como é delicado discutir sobre gênero e sexualidade em ambiente escolar, sendo que o aluno está inserido em vários contextos sociais, familiares e religiosos, cada um com um ponto de vista sobre o tema. É estimulado a pensar até onde e como a escola deve intervir nessas situações.
O autor aponta o que seriam as tarefas principais da escola e destaca a importância de criar um ambiente de equidade de gênero e respeito a diversidade sexual na escola para a garantia de bons resultados escolares e para a formação social dos alunos.
Por fim, convém não perder de vista que a escola tem duas grandes tarefas, a saber: a alfabetização científica e a socialização das crianças e dos adolescentes. As políticas de promoção da diversidade sexual e da equidade de gênero não são políticas para minorias na escola. Em outras palavras, elas não são feitas “apenas” para os meninos afeminados ou mais sensíveis, “apenas” para as meninas que gostam de outras meninas, “apenas” para os meninos e as meninas que optam por modos transexuais. Existe uma vinculação clara entre o respeito à diferença sexual e de gênero e a qualidade das aprendizagens escolares. Políticas de equidade promovem um ambiente escolar mais sadio para todos e todas, diminuindo preconceitos e situações de baixa autoestima que potencialmente podem afetar qualquer aluno, pois todos nós temos atributos pessoais que podem nos tornar alvo de estigma, gerando tensão social, que diminui as chances de rendimento escolar. (Seffner, 2011, p. 571)
Bento (2011, p. 551) traz a discussão sobre o papel do gênero na construção social:
Quando se diz “é um menino!”, não se está descrevendo um menino, mas criando um conjunto de expectativas para aquele corpo que será construído como “menino”. O ato da linguagem, nessa perspectiva, não é uma representação da realidade, mas uma interpretação construtora de significados. John Austin chamou essa característica da linguagem de “capacidade performática”. Quando se diz “menino/menina”, não se está descrevendo uma situação, mas produzindo masculinidades e feminilidades condicionadas ao órgão genital.
Com base nessa descrição das expectativas criadas em torno do que se espera para a criança há uma “pressão” social para a adoção de determinados gostos e comportamentos pré-determinados e qualquer mudança nesse “destino” traçado é traumático para o indivíduo e para o meio social que o rodeia.
A autora destaca que o cotidiano da escola é muito difícil para os que não se encaixam nas normas impostas pelo gênero ao afirmar que:
Na verdade, há um desejo de eliminar e excluir aqueles que “contaminam” o espaço escolar. Há um processo de expulsão, e não de evasão. É importante diferenciar “evasão” de “expulsão”, pois, ao apontar com maior precisão as causas que levam crianças a não frequentarem o espaço escolar, se terá como enfrentar com eficácia os dilemas que constituem o cotidiano escolar, entre eles, a intolerância alimentada pela homofobia. (Bento, 2011, p. 555)
A autora apresenta no texto que os problemas encontrados na escola são reflexos do que acontece para fora dos muros escolares. Existe toda uma organização social para produzir corpos determinados como normais e essa organização encontra na escola um campo fértil para sua massificação, uma vez que a escola tende a reproduzir os valores sociais sem estimular o debate, a reflexão e a crítica.
Apesar de aparecer de forma tímida, a autora consegue vislumbrar alguns avanços no cotidiano escolar em relação a discussão sobre a temática de gênero e combate a homofobia, mostrando que alguns professores/as se sentem incomodados com a situação e buscam trabalhar em sala de aula reflexões sobre os direitos humanos:
A escola não é uma ilha. Embora saibamos que historicamente tem cumprido principalmente o papel de reprodutora de uma visão naturalizada das relações sociais, notamos que os debates que atravessam a sociedade brasileira também podem se sentir nas salas de aula. Há um saudável incômodo de educadores/as, gestores/as das políticas públicas e do ativismo em trazer para o cotidiano escolar a reflexão dos direitos humanos em uma perspectiva ampla. Está em curso, portanto, a produção incessante de contradiscursos, e a escola, de múltiplas formas, está inserida nessa disputa. (Bento, 2011, p. 558)
Alós (2011) traz em seu trabalho uma discussão sobre a temática de gênero dando uma ênfase nas pedagogias culturais. Ele busca problematizar as ideias que estão naturalizadas sobre gênero e sexualidade dando destaque aos processos performativos e constructos culturais marcados pela historicidade.
É trazido pelo autor a discussão sobre a pedagogia cultural. Ele apresenta que a pedagogia abrange os estudos e métodos de ensino e está presente em todo processo que envolva o ensino de algo. É destacado o estudo de Giroux e McLaren (1995) sobre o fato da pedagogia está presente em qualquer lugar em que haja a produção do conhecimento, “em qualquer lugar em que exista a possibilidade de traduzir a experiência e construir verdades, mesmo que essas verdades pareçam irremediavelmente redundantes, superficiais e próximas ao lugar-comum” (Alós, 2011 apud Giroux e McLaren, 1995, p. 144). É explicitado que o campo da pedagogia se estende muito além das práticas escolares.
Aprende-se no cotidiano, conversando com outras pessoas; aprende-se também lendo livros, indo ao cinema ou, por mais herético que tal afirmação possa parecer, assistindo a programas televisivos. Não importa que se vá ao cinema para assistir às aventuras de Harry Potter ou a um filme de Ingmar Bergman; não importa que se a assista a um documentário cult de Eduardo Coutinho ou a um desenho animado da Walt Disney Studios. O que merece ser destacado é o fato de que se está continuamente aprendendo: aprende-se qual comportamento é adequado ou não, aprende-se o que é sagrado e o que é profano, aprende-se o que constitui um delito grave ou uma ação heroica. (Alós, 2011, p. 422)
Alós (2011) apresenta que “o termo 'pedagogias culturais' vem sendo utilizado para designar esse vasto conjunto de lugares e práticas de aprendizagem que se dão no exterior dos domínios da maquinaria escolar”.
Quando se afirma que o sexo e o corpo são construções culturais, não se quer em nenhum momento negar a materialidade dos corpos ou a existência de uma diferença anatômica entre homens e mulheres. O que se quer relativizar é o caráter naturalizado e essencializado de um sistema conceitual de relações que equaciona sexo e corpo. Mesmo “existindo” na realidade e na natureza, é apenas nos interstícios da cultura que o corpo e o sexo produzem sentidos e significados, ou seja, tornam-se “compreensíveis” e “inteligíveis”. A partir do momento em que tais noções são relativizadas, as categorias gênero e sexualidade – bem como as asseverações sobre a “normalidade” ou a “anormalidade” de determinadas sexualidades – podem ser repensadas como constructos culturais e não como “verdades” ou “essências” transcendentais e inquestionáveis. (Alós, 2011, p. 426)
Alós (2011) propõe a discussão sobre os estereótipos trazidos do meio social para o ambiente escolar e busca-se refletir sobre os efeitos dessa influência na ação dos professores frente a situação “problemas”. O autor reflete sobre porque é conflituoso para os professores lidar com um aluno que apresenta um comportamento mais delicado e sensível em sala de aula, bem como é problemático lidar com uma aluna que age de forma impulsiva, competitiva e contestadora.
O autor critica a forma como os PCN’s apresentam as discussões sobre sexualidade:
Mesmo quando se trata de uma proposta supostamente bem-intencionada de discussão e inclusão de questões em torno da sexualidade nos currículos das escolas de Ensino Fundamental, elas são escamoteadas, a partir da estratégia de incluir a questão da expressão sexual homossexual no rol das “questões delicadas”, que devem ser tratadas com cautela, ou mesmo silenciadas. Embora elencadas nessa sugestiva e interessante lista de tópicos, é evidente a ausência de qualquer referência ao trabalho com essas questões nas páginas seguintes. A promessa feita nas primeiras páginas do capítulo “Orientação sexual” dos Parâmetros Curriculares Nacionais não se cumpre, e o que se pode observar nessas diretrizes é a reprodução de um dispositivo normativo que reafirma o primado da heterossexualidade sobre as demais possibilidades de expressão do desejo sexual. A ausência de uma problematização da sexualidade e a associação direta da homossexualidade às questões polêmicas ou ao universo das fantasias da adolescência perpetuam o silenciamento, a manutenção dos preconceitos, da homofobia e dos preconceitos ligados à expressão das identidades sexuais que fogem ao padrão heteronormativo. (Alós, 2011, p. 444)
Auad e Corsino (2018) apresentam um ponto de vista sobre a inserção da discussão acerca de gênero e sexualidade na escola. Tal visão corrobora com a ideia de Alós (2011).
De um lado, se pretende interditar e/ou criminalizar o uso das palavras gênero, diversidade e sexualidade em todo e qualquer documento escolar. Tal tensionamento parece partir, majoritariamente, de setores que aparentam se ancorar em fundamentalismo religioso, falta de conhecimento e não compreensão de toda uma tradição de pesquisa no Brasil e no Mundo. De outro lado, se pretende que a categoria gênero seja considerada como uma espécie de checklist doador de legitimidade e que muda a partir do ponto de partida de onde se origina a defesa da adoção do debate das relações de gênero, este, vale dizer, desde sempre presente na escola. (Auad e Corsino, 2018, p. 2)
Auad e Corsino (2018) destacam que as aulas de Educação Física, no contexto escolar, podem ser uma ferramenta para a desconstrução de conceitos que cultivam ou ampliam os preconceitos. As aulas não podem ser uma representação das segregações já existentes no mundo do esporte oficial ou da marginalização de determinados grupos sociais em virtude do preconceito. Os autores apresentam que:
Perceber raça, gênero, orientação sexual e classe como categorias conectadas e suas ações no interior dos conflitos engendrados nos espaços educacionais, assim como sua considerável complexidade durante as aulas de Educação Física, pode ser um avanço necessário no sentido de tornar visíveis as desigualdades que se impõem cotidianamente no interior da disciplina. (Auad e Corsino, 2018, p. 8)
Altmann, Ayoub e Amaral (2011), apresentam em seu trabalho a discussão sobre o gênero na prática docente e nas aulas de Educação Física. O trabalho visava descobrir como os professores de Educação Física lidavam com as discussões de gênero no planejamento e execução de suas aulas.
É apresentado para a discussão o tema das desigualdades de habilidades físicas existentes entre meninos e meninas. As autores apresentam que:
[...] as diferenças de habilidade entre meninos e meninas como causa de conflitos e dificuldades pedagógicas nas aulas de Educação Física têm sido analisadas em outros estudos. Se durante algum tempo tais diferenças foram consideradas inatas e decorrentes de razões biológicas, as pesquisas de gênero contribuíram para compreender que elas são histórica e socialmente construídas. As distintas formas de educar os corpos de meninos e meninas, presentes desde a infância, são hoje tidas como importantes para a compreensão desse fenômeno, o que tem efeitos sobre as habilidades e os envolvimentos dos sujeitos com as práticas corporais e, consequentemente, com as aulas de Educação Física. (Altmann et al., 2011, p. 493)
As questões das diferenças de gênero presentes no cotidiano social interferem, direta ou indiretamente, no cotidiano escolar e a disciplina de Educação Física sofre com essa situação, pois o corpo é objeto de estudo e as manifestações corporais são fundamentais para o melhor desenvolvimento das atividades.
Ao evitar a diversidade e os conflitos dela decorrentes, corre-se o risco de contribuir para que sejam exacerbadas atitudes de intolerância, preconceito, homofobia e discriminação não apenas entre meninas e meninos, mas entre os sujeitos de forma geral. Perceber e enfrentar os conflitos que surgem, assim como aqueles velados ou disfarçados, consiste num importante desafio da educação. (Altmann et al., 2011, p. 499)
Rossi e Freitas (2014) apontam em seu trabalho o resultado obtido em um curso de formação de professores na temática de Educação Sexual ocorrido em plataforma digital como uma forma de combater a homofobia e esclarecer aos professores as dúvidas que eram recorrentes sobre os conceitos de sexualidade, gênero e identidade.
Falar intencionalmente de sexualidade, gênero e educação sexual na escola é abrir possibilidades aos(as) professores(as) de novos olhares a respeito do contexto histórico, social e cultural do feminino e masculino, e de como os papéis representados por mulheres e homens foram construídos na sociedade, na política, na economia e na religião. Esses papéis influenciaram essa construção ao longo dos tempos, ocasionando danos e ou distorções para os dois sexos. Entretanto, o sexo feminino, ao longo da história, foi mais demarcado pelos processos de submissão e modos de exclusão e continua a sê-lo em muitas culturas ocidentais, até os dias de hoje. (Rossi e Freitas, 2014, p. 102)
Conclusões
A análise dos textos pesquisados nas Plataformas da CAPES e do Google Academics possibilitou refletir acerca do que se discute sobre os aspectos relativos ao corpo e ao gênero como elementos importantes na formação dos professores de Educação Física.
Compreender, refletir e intervir nos aspectos sociais que estão por trás das ideias que se têm assimiladas como corretas a serem seguidas é necessário para que se possa agir de forma crítica e reflexiva em relação as melhorias sociais que se busca, como a quebra de estereótipos corporais, como o padrão de beleza, e o fim dos preconceitos relacionados ao gênero.
É necessário compreender que para trabalhar as perspectivas de gênero e suas implicações sociais dentro do contexto escolar é preciso que os professores tenham uma formação adequada, seja ela na graduação ou em cursos de aperfeiçoamento ou de pós-graduação, caso contrário, as ações em ambientes educacionais podem acentuar os estereótipos de gênero e ampliar os preconceitos.
A formação docente é necessária para que as discussões não caiam no senso comum ou que não sejam conduzidas de forma inadequada para a faixa etária e grupo de alunos com os quais se trabalha.O processo formativo dos professores, em especial de Educação Física, ainda carece de disciplinas que foquem na forma adequada de discutir sobre o corpo, identidades, gênero e sexualidade. Essa falha na formação pode levar o professor a se sentir desconfortável a abordar algum tema que surja no decorrer da aula, bem como pode prejudicar a discussão em busca do respeito mútuo e aceitação das diferenças, uma vez que não se compreende as individualidades e passa a buscar uma “padronização” dos sujeitos e de seus comportamentos.
Como pode ser percebido ao longo da leitura do texto, as discussões sobre o corpo e o gênero ainda são poucas e demonstram que existe resistência para que os temas sejam trabalhados de forma mais ampla no ambiente escolar. Tal fato pode ser explicado por 2 razões: a) a falta de uma formação dos professores para que essas discussões cheguem no ambiente escolar de forma adequada para cada grupo que se irá trabalhar; b) a restrição para as discussões nos documentos oficiais que norteiam a elaboração dos currículos e políticas públicas na educação, muito influenciada por viés religioso que ver de forma negativa discutir sobre o corpo e o gênero.
As pesquisas sobre as temáticas do corpo e gênero na escola estão surgindo e revelam que é necessário fazer um trabalho na formação docente para que as situações de preconceito diagnosticadas nas escolas sejam conduzidas da melhor maneira possível e caminhem para a sua erradicação, transformando a escola em um local de aceitação dos indivíduos e de superação dos preconceitos, na busca pela construção de uma sociedade melhor.
Nota
Desde novembro de 2016 que o Ministério da Saúde utiliza a nomenclatura de Infecções Sexualmente Transmissíveis – IST’s, porque destaca a possibilidade de uma pessoa ter e transmitir uma infecção mesmo sem apresentar sinais e sintomas.
Referências
Alós, A. P. (2011). Gênero, Epistemologia e Performatividade: Estratégias Pedagógicas de Subversão. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, 19(2): 336, maio-agosto. Recuperado de: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2011000200007/19545
Altmann, H., Ayoub, E., Amaral, S. C. F. (2011). Gênero na Prática Docente em Educação Física: “Meninas Não Gostam De Suar, Meninos São Habilidosos Ao Jogar”. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, 19(2): 336, maio-agosto. Recuperado de: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2011000200012/19399
Andres, S. S., Jaeger, A. A., Goellner, S. V. (2015). Educar Para a Diversidade: Gênero e Sexualidade Segundo a Percepção de Estudantes e Supervisoras do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (UFSM). Rev. Educ. Fís/UEM, v. 26, n. 2, p. 167-179, 2. trim. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.4025/reveducfis.v26i2.23016
Auad, D., Corsino, L. (2018). Feminismos, Interseccionalidades e Consubstancialidades na Educação Física Escolar. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, 26(1): e42585, janeiro-abril. Recuperado de: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/42585/36318
Bento, B. (2011). Na Escola se Aprende Que a Diferença Faz a Diferença. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, 19(2): 336, maio-agosto. Recuperado de: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2011000200016/19404
Dantas, E.R. (2014). Corpo e formação de professores de Educação Física na Universidade Estadual da Paraíba. Anais I CINTEDI, Congresso Internacional de Educação Inclusiva. Recuperado de: https://editorarealize.com.br/revistas/cintedi/anais.php
Devide, F. P., Osborne, R., Silva, E. R., Ferreira, R. C., Clair, E. S., Nery, L. C. P. (2011). Estudos de gênero na Educação Física Brasileira. Motriz, Rio Claro, v.17 n.1 p.93-103, jan./mar. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.5016/1980-6574.2011v17n1p93
Dornelles, P. G., Dal’lagna, M. C. (2015). Gênero, sexualidade e idade: tramas heteronormativas nas práticas pedagógicas da educação física escolar. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 41, n. especial, p. 1585-1599, dez.. Recuperado de: http://dx.doi.org/10.1590/S1517-9702201508142508
Finco, D. (2015). Questões de gênero na educação da pequena infância Brasileira. Studi sulla formazione, 1-2015, pp. 47-57. Recuperado de: http://www.fupress.net/index.php/sf/article/view/17329/16424
Gesser, M., Oltramari, L. C., Panisson, G. (2015). Docência e concepções de Sexualidade na Educação Básica. Psicologia & Sociedade, 27(3), 558-568. Recuperado de: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v27n3/1807-0310-psoc-27-03-00558.pdf
Goellner, S. V. (2010). A Educação dos Corpos, dos Gêneros e das Sexualidades e o Reconhecimento da Diversidade. Cadernos de Formação RBCE, v. 1, n. 2. Recuperado de: http://oldarchive.rbceonline.org.br/index.php/cadernos/article/view/984
Guizzo, B.S., Ripoll, D. (2015). Gênero e Sexualidade na Educação Básica e Na Formação de Professores: Limites e Possibilidades. Revista HOLOS, Ano 31, Vol. 6. Recuperado de: http://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/HOLOS/article/view/2945/1243
Hunger, D.A.C.F., Neto, S.S., Pereira, J.M., Franco, F.C., Rossi, F. (2009). Formação acadêmica em Educação Física: “Corpos” (Docente e Discente) de conhecimentos fragmentados. Motriz, Rio Claro, v.15 n.1 p.79-91, jan./mar. 2009. Recuperado de: http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/motriz/article/view/2155/2220
Rossi, C.R., Freitas, D.L. (2014). As Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC na formação de Professores(as) em Educação Sexual: o caso das E-Oficinas na I COES. Educação: Teoria e Prática, Rio Claro, Vol. 24, n.45, p. 98-118, Jan-Abr. Recuperado de: http://www.periodicos.rc.biblioteca.unesp.br/index.php/educacao/article/view/7387/6056
Silva, B.O., Ribeiro, P.R.C. (2011). Sexualidade na Sala de Aula: Tecendo Aprendizagem a Partir de um Artefato Pedagógico. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, 19(2): 336, maio-agosto. Recuperado de: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2011000200014/19401
Seffner, F. (2011). Um Bocado de Sexo, Pouco Giz, Quase Nada de Apagador e Muitas Provas: Cenas Escolares Envolvendo Questões de Gênero e Sexualidade. Revista de Estudos Feministas, Florianópolis, 19(2): 336, maio-agosto. Recuperado de: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/S0104-026X2011000200017/19408
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 266, Jul. (2020)