Prática pedagógica histórico-crítica e Educação Física:
possibilidades para o ensino da ginástica na escola
Historical-Critical Pedagogical Practice in Physical Education:
Possibilities for Teaching Gymnastics at School
Práctica pedagógica histórico-crítica en Educación Física:
posibilidades para la enseñanza de la gimnasia en la escuela
Leonardo Carlos de Andrade
leonardoandradeprof@gmail.com
Professor de Educação Física
Faculdade de Educação Física e Dança, Universidade Federal de Goiás
Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Educação Física e Infância (GEPEFI)
(Brasil)
Recepção: 25/11/2019 - Aceitação: 02/04/2020
1ª Revisão: 14/02/2020 - 2ª Revisão: 26/03/2020
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Resumo
A experiência aqui relatada se trata de uma prática pedagógica da Educação Física desenvolvida em 25 aulas com duração de 45 minutos cada, estas foram ministradas em três encontros semanais, em turno matutino, no período de 31/10/2017 à 16/01/2018. O percurso de transmissão-assimilação do conhecimento foi marcado pelos seguintes momentos: 1º) Relações entre Corpo, Sociedade e Ginástica; 2º) Ginástica na Grécia Antiga, Ditadura Militar e Contemporaneidade; 3º) Festival de Ginástica Geral com o tema o “Corpo e a Ginástica através dos tempos”. No processo didático notamos que os alunos tiveram um salto qualitativo acerca da compreensão da Ginástica e consequentemente da realidade social. Este trabalho educativo foi desenvolvido à luz da pedagogia histórico-crítica e da psicologia histórico-cultural, pelo método que vai da síncrese à síntese pela mediação dos conceitos. As referidas teorias têm unidade teórica no que concerne a educação escolar e ao projeto de superação da sociedade de classes, portanto este escrito visa contribuir para o esforço coletivo no ato de se pensar uma didática comprometida com a formação omnilateral da classe trabalhadora. Neste relato consta uma experiência histórico-crítica desenvolvida no seio da prática social global que tem como objetivo apresentar possibilidades de uma didática pautada na concepção dialética revolucionária da práxis.
Unitermos: Educação física. Pedagogia histórico-crítica. Ginástica. Ensino médio. Escola. Psicologia histórico-cultural.
Abstract
The experience reported here is a pedagogical practice of Physical Education developed in 25 lessons lasting 45 minutes each, these were given in three weekly meetings, in the morning shift, from 31/10/2017 to 16/01/2018. The transmission-assimilation path of knowledge was marked by the following moments: 1º) Relations between Body, Society and Gymnastics; 2º) Gymnastics in Ancient Greece, Military Dictatorship and Contemporaneity; 3rd) General Gymnastics Festival with the theme “Body and Gymnastics through the ages”. In the didactic process we noticed that the students had a qualitative leap about the understanding of Gymnastics and consequently of the social reality. This educational work was developed in the light of the historical-critical pedagogy and the historical-cultural psychology, using the method that goes from syncresis to synthesis through the mediation of the concepts. These theories have theoretical unity with regard to school education and the project of overcoming class society, so this writing aims to contribute to the collective effort to think a didactic committed to the omnilateral formation of the working class. This report contains a historical-critical experience developed within the global social practice and deals with the possibilities of a didactic based on the revolutionary dialectical conception of praxis.
Keywords: Physical education. Historical-critical pedagogy. Gymnastic. High school. School. Historical-cultural psychology.
Resumen
La experiencia que aquí se relata es una práctica pedagógica de Educación Física desarrollada en 25 clases con una 45 minutos cada una, que se realizaron en tres reuniones semanales, en el turno de la mañana, del 31/10/2017 al 16/01/2018 . El camino de la transmisión-asimilación del conocimiento estuvo marcado por los siguientes momentos: 1º) Relaciones entre Cuerpo, Sociedad y Gimnasia; 2º) Gimnasia en la Antigua Grecia, dictadura militar y contemporaneidad; 3º) Festival General de Gimnasia con el tema "Cuerpo y Gimnasia a través de las tiempos". En el proceso didáctico notamos que los estudiantes tuvieron un salto cualitativo sobre la comprensión de la gimnasia y, en consecuencia, de la realidad social. Este trabajo educativo se desarrolló a la luz de la pedagogía histórico-crítica y la psicología histórico-cultural, utilizando el método que va de la síncresis a la síntesis a través de la mediación de conceptos. Estas teorías tienen unidad teórica con respecto a la educación escolar y el proyecto de superación de la sociedad de clases, por lo que este escrito tiene como objetivo contribuir al esfuerzo colectivo en el pensamiento de didácticas comprometidas con la formación omnilateral de la clase trabajadora. Este informe contiene una experiencia histórico-crítica desarrollada dentro de la práctica social global que tiene como objetivo presentar posibilidades para la didáctica basada en la concepción dialéctica revolucionaria de la praxis.
Palabras clave: Educación física. Pedagogía histórico-crítica. Gimnasia. Escuela media. Psicología histórico-cultural.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 263, Abr. (2020)
Introdução
Este trabalho é o registro teórico-metodológico de uma sequência didática pautada na pedagogia histórico-crítica e desenvolvida no Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás – CEPAE/UFG para o ensino do tema estruturante “Ginástica”, aos alunos do 1º ano do Ensino Médio. A experiência aqui relatada foi desenvolvida no segundo semestre de 2017, articulando as concepções de corpo e sociedade inerentes ao conteúdo Ginástica, á luz das categorias Historicidade e Contradição do materialismo histórico-dialético.
Este processo didático teve como objetivo central, garantir o acesso aos conhecimentos clássicos da Ginástica, tendo como lócus os padrões de corpo e de eugenia que preponderaram na sociedade em três períodos históricos. A sequência didática foi desenvolvida em 25 aulas com duração de 45 minutos cada, estas foram ministradas em três encontros semanais, em turno matutino, no período de 31/10/2017 à 16/01/2018, no CEPAE/UFG. Partimos do método de ensino dialético preconizado pela pedagogia histórico-crítica para desenvolver o percurso metodológico. Desse modo, o processo de transmissão-assimilação do conhecimento objetiva a superação dos saberes cotidianos pela socialização dos conceitos clássicos a fins de que o processo de catarse aconteça, e consequentemente os alunos tenham uma compreensão crítica e mais ampliada da realidade.
Esse relato de ensino histórico-crítico é extremamente relevante, visto que a educação física é marcada por uma herança espontaneísta e tecnicista, a qual necessita de um esforço coletivo para superação, tanto nas produções científicas quanto no chão da escola (Silva, 2013). Desse modo, esse relato visa expor uma possibilidade de ensino da educação física, com o conteúdo Ginástica, sob a égide da pedagogia histórico-crítica, fundamentalmente nas produções recentes1 e nos clássicos de Vygotski (2001) e Marx (1968).
Como método de exposição, iremos primeiramente esmiuçar o referencial teórico que subsidia todo o trato didático-pedagógico da experiência em questão. A posteriori, iremos delinear o percurso teórico-metodológico da experiência central desse relato na mesma medida que elaboramos pistas sobre o caminho para uma didática histórico-crítica na educação física a partir da concretude da práxis, superando imediatismos e equívocos2 de outrora. Ademais, o objetivo que mais nos interessa nesse texto é apresentar possibilidades para uma didática pautada na concepção dialética revolucionária da práxis, concebida aqui enquanto pedagogia histórico-crítica.
Método
A respeito dos procedimentos especificamente metodológicos desse estudo, primeiramente gostaríamos de salientar que em relação à modalidade de escrita científica estamos no campo qualitativo da ciência e da produção do conhecimento. Dentro da abordagem qualitativa, usamos o formato de relato de experiência com fundamentação teórico-metodológica, que segundo Severino (2002) é aquela que para visa a compreensão e descrição da realidade do objeto.
Ainda de acordo com Severino (2002), em relação à natureza das fontes analisadas para subsidiar as descrições didáticas, nosso relato versa também sobre a própria escola, assim como registros das aulas, sistematização de planos de aula, que à luz do referencial supracitado da teoria pedagógica sustentou o projeto e nos possibilitou refletir e socializar a referida experiência pedagógica com o ensino da ginástica na escola.
O método de desenvolvimento e exposição deste relato é pautado nos fundamentos metodológicos e filosóficos do materialismo histórico-dialético, tendo como base os referenciais da pedagogia histórico-crítica. Shuare (1990, p.15) afirma que “o conhecimento filosófico não é de aplicação automática na investigação científica concreta e sim funciona em íntima relação com os outros níveis do saber metodológico”.
Além disso, ao abordarmos a concepção materialista da dialética devemos considerar, segundo Shuare (1990), dois princípios: o primeiro refere-se à vinculação e interdependência dos fenômenos, sendo que este apresenta três implicações. A primeira é a necessidade de determinar as dependências essenciais que mantém o objeto. A segunda consiste na necessidade de superação das limitações inerentes a qualquer determinação, visto que o processo de conhecimento é infinito. Por fim, a necessidade de reconhecer o caráter dialético do conhecimento.
Já o segundo princípio refere-se ao fato de que “a fonte de desenvolvimento do objeto (não simplesmente quantitativa, e sim qualitativa) é a unidade e luta de contrários”. (Shuare, 1990, p.18, tradução nossa)
Nessa perspectiva para tecer análises sobre o relato em questão, levaremos em consideração os processos de subjetivação que constituem a prática docente. Consubstanciados metodologicamente na categoria trabalho, entendemos que tornar-se professor implica em um processo de universalidade, ou seja, de constituir-se subjetivamente enquanto ser histórico e social, ativo, produtor de sentidos e significados, das quais edificará sua prática pedagógica.
Resultados
O caminho metodológico foi delineado em momentos interdependentes e dialeticamente desenvolvidos: 1º) Exposição e contextualização acerca das relações entre Corpo, Sociedade e Ginástica, por meio de imagens e textos redigidos pelo professor, com base nas obras “As actividades corporais: síntese histórica” de Crespo (1987) e “Imagens do corpo ‘educado’: Um olhar sobre a ginástica no século XIX” de Soares (1997); 2º) Vivências, experienciações e debates acerca da Ginástica na Grécia Antiga, na Ditadura Militar e na Contemporaneidade, tematizando a “Educação dos Corpos”3 e o Eugenismo4; 3º) Um festival ginástico, com apresentações de Ginástica Geral tendo como tema o Corpo e a Ginástica através dos tempos.
O trabalho educativo intencionalmente arquitetado pelo professor, está pautado nos signos fundamentais que concernem a Ginástica, compreendendo que estes garantiram a complexificação da imagem subjetiva da realidade objetiva dos alunos, proporcionando um salto qualitativo a respeito do objeto. Segundo Martins (2013) o signo é elemento estruturante na transformação psíquica, pois este é meio auxiliar na atividade, ou seja, adaptam comportamento e complexidades humanas na subjetivação e objetivação. O signo é o conceito, o conhecimento elaborado como unidade teórico-prática, que pode ser materializado em instrumento (elaborado simbolicamente como objeto da realidade concreta) ou mesmo um conhecimento no plano imaterial5.
Ademais, o signo é quem medeia o desenvolvimento proximal do sujeito, a níveis de complexificações internas e externas. O professor é o sujeito que medeia as formas e conteúdos para garantir múltiplas aproximações com o objeto, a fins de desvelá-lo em sua essência. Esta é uma categoria complexa que se sustenta tanto do ponto de vista filosófico quanto do psicológico. Mediação é uma categoria central da dialética que, em articulação com a “ação recíproca”, compõe com a “totalidade” e a “contradição”, o arcabouço categorial básico da concepção dialética da realidade e do conhecimento. (Andrade, 2019)
O planejamento foi realizado à priori, visto que à luz desse referencial o professor é o sujeito responsável pela conversão do saber científico em saber escolar, visto que o processo de ensino acontece na pratica social, que nada mais é que a realidade objetiva. Todavia, os objetivos supracitados foram forjados a partir dessa prática social, visto que o intuito das aulas é que ao fim do processo os alunos tenham uma compreensão qualitativamente mais ampliada da que obtinham no início. (Lavoura et al., 2015)
Esta proposta de ensino está fundamentada na psicologia histórico-cultural e na pedagogia histórico-crítica, compreendendo essas teorias como unidade teórica para educação escolar (Martins, 2013). A experiência aqui relatada é subsidiada por uma concepção histórico-crítica de educação, pois quando se trata de pratica pedagógica não se restringe apenas a elencar ações e estratégias, mas em fazer opções teóricas que sustentam e orientam o projeto de ser humano que se quer formar. Essa ação de ensino declara um objetivo central da pedagogia histórico-crítica que é garantir o acesso ao conhecimento erudito às classes populares, visando à emancipação humana e a transformação social em caráter revolucionário.
“A Pedagogia por mim denominada ao longo deste texto, na falta de uma expressão mais adequada, de “pedagogia revolucionária”, não é outra coisa senão aquela pedagogia empenhada decididamente em colocar a educação a serviço da referida transformação das relações de produção”. (Saviani, 2007, p.76)
Desse modo, essa experiência teve início com a contextualização teórica acerca do corpo, ginástica e sociedade. Em aulas expositivas e leituras coletivas a turma do 1º ano do Ensino Médio pôde imergir no tema do trimestre. Essa contextualização inicial e aprofundamento teórico foram intencionais e objetivos, visto que o professor no processo de problematização iniciado no planejamento, já havia identificado os signos necessários para socialização e as formas. Concomitantemente, acontece à instrumentalização que consiste na transmissão-assimilação via conteúdos clássicos a serem internalizados e as formas mais adequadas para efetivação. A partir das leituras iniciais, que competiam aos primórdios da ginástica na Grécia Antiga, partimos para vivências e experimentações das modalidades desse período, onde as práticas corporais eram conhecidas como gymnastike6.
Para Crespo (1987) uma sociedade marcante para o desenvolvimento das atividades corporais foi a Grega. Na Paidéia7 eles buscavam a formação de um cidadão perfeito assim como os grandes heróis mitológicos, belos e honrosos. Nesse mesmo sistema educacional, os gregos almejavam uma educação do corpo e da mesma forma a evolução da alma. A ginástica ficou como a responsável por contemplar as necessidades do corpo saudável e exímio. Essa mesma Ginástica era sistematizada para cada faixa etária e simbolizava quase tudo que eles entendiam como práticas corporais, sendo o atletismo (Pentatlo), lutas, jogos, esportes, entre outros.
Não existe cultura sem corpo, e nem corpo sem cultura, pois segundo Andrade (2019) a cultura corporal é fruto das relações da corporalidade humana com a natureza sendo o “corpo” o próprio sujeito. O ser social em sua totalidade se objetiva através da corporalidade, exprimindo sua subjetivação da realidade concreta na realidade concreta.
O objeto de estudo da Educação Física é o fenômeno das práticas cuja conexão geral ou primigênia – essência do objeto e o nexo interno das suas propriedades –, determinante do seu conteúdo e estrutura de totalidade, é dada pela materialização em forma de atividades, sejam criativas ou imitativas, das relações múltiplas de experiências ideológicas, políticas, filosóficas e outras, subordinadas a leis histórico-sociais. O geral dessas atividades é que são valorizadas em si mesmas; seu produto não material é inseparável do ato da sua produção e recebe do homem um valor de uso particular por atender aos seus sentidos lúdicos, estéticos, artísticos, agonísticos, competitivos e outros relacionados à sua realidade e às suas motivações. Elas se realizam com modelos socialmente elaborados que são portadores de significados ideais do mundo objetal, das suas propriedades, relações e nexos descobertos pela prática social conjunta. (Escobar; Taffarel, 2009, p. 173-174)
Como dito anteriormente a concepção de corpo e as relações com as práticas corporais eram modificadas de acordo com a ideologia vigente. A ascensão do cristianismo banalizou o culto ao corpo e trouxe uma nova forma de compreender as atividades corporais. Posteriormente, os alunos fizeram a leitura de um 4º texto elaborado pelo professor que tematizava o regime militar, período este que a ginástica teve grande influência do movimento ginástico europeu8, porém na tentativa de adequar o processo didático histórico-crítico, nós aprofundamos as vivências e debates acerca dos métodos Sueco9 e Francês10, conceitos complexos, mas essenciais para a apropriação. Compreendemos que o ensino e a aprendizagem estão em níveis diferentes, pois a aprendizagem acontece de baixo para cima (do simples para o complexo) e o ensino de cima para baixo (do complexo para o simples). (Martins, 2013)
A posteriori nas aulas, vivenciamos formas de treinamento calistênico e exercícios de ordem, assim como exercícios de marcha, corrida, salto com utilização de pesos e halteres. No fim das aulas, as questões relativas aos objetivos da manipulação da Ginástica no período militar eram pautadas, desvelando as contradições à luz da ciência, possibilitando assim um novo olhar por parte dos jovens, em outras palavras um momento de catarse. Neste momento é válido fazermos um adendo relativo ao método histórico-crítico, a problematização, instrumentalização e catarse acontecem de modo dialético no seio da prática social global, assim como exposto neste relato.
A transmissão-assimilação da cultura corporal não deve se restringir a um plano abstrato (idealista), mas sim materialista, visto que a abstração é a imagem subjetiva da realidade concreta que dará condições para uma ação social mais consistente. Cultura corporal como unidade inseparável entre atividade material e não-material.
Por fim, realizamos leituras direcionadas à ginástica na contemporaneidade, em um recorte teórico em três categorias “competitivas e não-competitivas”11 e Ginásticas de Academia (FIG, 1995). Nessa oportunidade foram rememorados, na mesma ordem anterior, os movimentos básicos e os fundamentos da Ginástica Artística e Ginástica Rítmica Desportiva e da Ginástica Geral.
Por conseguinte, os alunos vivenciaram o CrossFit, onde o docente, amparado pelas categorias de contradição e historicidade, tanto no tatame quanto nas salas, ensinou questões relativas ao fanatismo para o corpo “perfeito” e o que os sujeitos tem feito, ultrapassando os limites do seu corpo (Goldenberg, 2005.). Alguns procuram o corpo magérrimo que hoje é mostrado nas passarelas de moda, já outros são mais influenciados pelas propagandas com um corpo ilusório12.
No processo de encerramento do trimestre, especificamente nas últimas semanas, foi proposta a elaboração de uma apresentação de Ginástica Geral com o tema “O Corpo e a Ginástica através dos tempos”, que serviria como uma das avaliações. Em grupos os alunos elaboraram a coreografia, demonstrando domínio sobre os movimentos básicos e sendo coerentes com as características dessa modalidade ginástica. Ainda nesse ensejo, mostraram um salto qualitativo na compreensão crítica acerca do corpo e da ginástica, elencando temas para as coreografias como “Atenas e Esparta: Corpo são, mente sã”; “Educação dos corpos nas academias”; “Grécia e atualidade: Os atletas como os Deuses de hoje em dia”; entre outros.
Essa culminância foi idealizada à luz da tríade da didática histórico-crítica, visto que as formas e os conteúdos estão articulados dialeticamente ao destinatário. Nesse sentido a atividade-guia da adolescência, período que se encontram os alunos é a comunicação íntima e pessoal, onde os grupos de interesse e as descobertas sociais são determinantes na formação genérica. Elkonin (1987) afirma que o processo de desenvolvimento é acompanhado de momentos de rupturas e saltos intercalados com momentos de desenvolvimento gradual e contínuo. Estes momentos podem ser chamados de “períodos ou fases” e que em cada fase do desenvolvimento humano é marcada com uma atividade-guia.
A pedagogia histórico-crítica tanto na educação física, quanto em qualquer outra área do conhecimento não pode esconder seu posicionamento político, que prioritariamente, defende um sistema público de ensino que assegure a transmissão-assimilação do saber sistematizado. Pela apropriação do conhecimento mais elaborado, o filho do trabalhador poderá ter uma catarse e consequentemente uma compreensão dialética da realidade, pelo par da particularidade (conceitos verdadeiros apreendidos na escola) e universalidade (o projeto histórico-socialista). (Andrade, 2019)
Discussões
A didática no campo da educação física teve um salto qualitativo em seu movimento renovador nos anos 80, todavia, para o avanço crítico na área se faz necessário um debruçar coletivo e contínuo acerca desse objeto (Silva, 2013). Advogamos em favor de uma didática histórico-crítica para essa área do conhecimento, que como enfatizado por Saviani (2012) emana na prática social e para a prática social. Portanto, o objetivo desse tópico é evidenciar os fundamentos essenciais para a didática no campo da educação física, estritamente pautada na pedagogia histórico-crítica, para que assim tenhamos clareza do escopo que sustenta a experiência central relatada nesse artigo.
O ensino pressupõe uma relação objetiva e intencional entre professor e aluno, sempre mediada pelo conhecimento, que é trabalho humano acumulado. A prática pedagógica na pedagogia histórico-crítica aponta a necessidade da instrumentalização do trabalho pedagógico para que o professor domine teoricamente o objeto a ser ensinado (Conteúdo), neste caso a Cultura Corporal, as relações entre o desenvolvimento do psiquismo (Destinatário) e as formas do ensino (Forma). (Lavoura et al., 2015)
O referencial em questão evidencia a diferença entre o ensino e o aprendizado, que pode ser explicado pelo par dialético entre abstrato e concreto. O trabalho educativo se dá em uma direção do abstrato ao concreto e do concreto ao abstrato, isto é, “de cima para baixo”, no caso do ensino e “de baixo para cima”, no caso da aprendizagem. Portanto, superando por subsunção a obra de Gasparin (2002), Lavoura et al. (2015) enfatiza que o ensino está sob o domínio do professor, garantindo o caminho do geral para o particular, do abstrato para o concreto, do não cotidiano para o cotidiano, fundamentados no conhecimento científico, teleologicamente interessado no salto ontológico dos alunos. Concomitantemente ao ensino, a aprendizagem está orientada “de baixo para cima”, do particular para o universal, visto que na contradição essas transformações serão garantidas. (Martins, 2013)
“[...]Tento sugerir um movimento enquanto processo pedagógico, que incorpora a categoria da mediação. Assim entendida, a educação é vista como mediação no interior da prática social global. A prática é o ponto de partida e o ponto de chegada. Essa mediação explicita-se por meio daqueles três momentos que no texto chamei de Problematização, instrumentação e catarse. Assinalo também que isso corresponde, no processo pedagógico, ao movimento que se dá, no processo do conhecimento, em que se passa da síncrese à síntese pela mediação da análise, ou, dizendo de outro modo, passa-se do empírico ao concreto pela mediação do abstrato”. (Saviani, 2012 p.121)
Neste ponto encontramos o maior número de contradições nas produções teóricas do campo da educação física, pois como afirma Silva (2013), as tentativas de articulação entre a didática histórico-crítica e a educação física historicamente foram propostas embasadas em Gasparin (2002). Todavia, como já explicitado na introdução deste escrito não é nosso objetivo esmiuçar os equívocos existentes, nem mesmo fazer uma crítica13 as produções de Gasparin, mas sim buscar elementos para contribuir com os avanços na didática à luz do referencial histórico-crítico.
Desse modo, diante da necessidade de destacar a compreensão de Lavoura & Martins (2017) e dos estudos mais recentes nesse campo faremos algumas reflexões fundamentais para compreender o caminho que vai da síncrese à síntese, com ênfase nos momentos preconizados por Saviani (2012), denominados como prática social, problematização, instrumentalização e catarse.
A prática social é a realidade humana em sua totalidade histórica e social, a vida humana em sua complexidade, onde a prática pedagógica está inserida. É o ponto de chegada e o ponto de partida, porém o sujeito continua inserido nesta durante o processo, pois o movimento acontece “na” prática social. O que muda não é a realidade, mas sim o sujeito que nela está inserido, pois compreendemos que ambos são concretos, em sua historicidade e contradição.
A problematização consiste em localizar qual o melhor conteúdo e mais adequado procedimento, o trato com a elaboração, a identificação e planejamento do processo. Segundo Marsiglia et al. (2019), deve se pautar no que ensinar, para quê ensinar e como ensinar, planejando/problematizando anteriormente pelo sujeito que mais domina os signos/conceitos que é o professor.
A instrumentalização é articulada diretamente com os momentos anteriores, pois se precisa do método mais adequado, então, a elaboração compactua com a sistematização e intervenção na apresentação/transmissão intencional dos elementos mais elaborados, essenciais para apropriação dos sujeitos. Essa ação é fruto das condições objetivas que possibilitam a prática pedagógica, que coerente com a problematização se dará na socialização do conhecimento. Em síntese, é a aula propriamente dita.
A catarse pode ou não acontecer, a intencionalidade da aula pela problematização e instrumentalização é garantir a incorporação dos conceitos a fins de que esses se tornem segunda natureza14. Portanto, que os conceitos componham a imagem subjetiva da realidade objetiva de forma que o aluno tenha uma consciência mais sintética. Processo de transposição do não-saber ao saber, é o objetivo do trabalho pedagógico, garantir o salto qualitativo pela apropriação do conhecimento e complexificação da consciência.
Destarte, reiteramos de modo veemente, que apresentamos os momentos de modo separado apenas como método de exposição, visto que na prática pedagógica estes devem ser desenvolvidos de modo dialético, visto que não existe uma ordem cronológica e muito menos a separação em passos. Ademais, devemos ter a clareza na distinção entre método e procedimentos de ensino, pois o método aqui defendido é um processo que vai da síncrese à síntese pela mediação da análise, perpassando dialeticamente pelos momentos supracitados.
Em síntese, destacamos que a pedagogia histórico-crítica compreende que a didática deve ser desenvolvida de forma sistematizada e intencional, exigindo o planejamento de conteúdos clássicos de modo articulado a cada etapa do desenvolvimento, captando a dialeticidade do método pedagógico que não segue uma sequência linear de passos, pois a problematização, instrumentalização e catarse concomitantemente são objetivadas na prática social global (Marsiglia et al., 2019).
“ultrapassar a apreensão do real em suas manifestações fenomênicas e aparentes tendo em vista superar o subjetivismo especulativo da realidade objetiva; dado que exige a transmissão dos conhecimentos historicamente sistematizados e aptos a desvelar o real, indo da aparência à essência dos fenômenos;
garantir a apropriação do caráter histórico dos fenômenos, a demandar análise dialética da relação entre sujeito e gênero humano, ou seja, operar dialeticamente com as categorias particularidade e universalidade;
possibilitar a inteligibilidade acerca do real, posto que o conhecimento se identifique com a reprodução do movimento da realidade objetiva na consciência.” (Marsiglia et al., 2019, p.16)
Por fim, acreditamos e defendemos que a cultura corporal é o conteúdo de ensino da educação física na escola e se configura como elemento constituinte da produção cultural da humanidade, produzida nas relações históricas entre homem e natureza. Neste escopo, o professor tem como clássico os jogos, esportes, lutas, ginásticas, danças, entre outros que foram produzidos como objetivação humana que dialeticamente subjetiva imaterialmente o ser como segunda natureza do homem.
O sujeito ao imergir em uma dessas manifestações, se objetivo e se subjetiva, dando continuidade na transformação da cultura. Portanto, na tríade da didática histórico-crítica, conteúdo-forma-destinatário, buscamos pistas para a materialização desta estrutura no “chão da escola” apresentando uma experiência que tem como objeto a Ginástica.
Conclusões
Do início ao término do trimestre, a proposta pedagógica aconteceu nas datas previstas. Os registros foram feitos pelos fichamentos, trabalhos, fotos e vídeos. Consideramos que as aulas possibilitaram um salto qualitativo, onde os alunos se apropriassem do conhecimento, em níveis distintos, e puderam complexificar o pensamento na elaboração subjetiva da realidade objetiva, representando em uma elaboração teleológica da Ginástica Geral as relações mais diretas entre signo e objeto na área de Educação Física.
No ato de evidenciar a necessidade do salto qualitativo dos alunos acerca de sua visão de mundo, largando de uma leitura sincrética da cultura corporal (manifestações práxicas da realidade objetiva) para uma sintética (para além do senso comum) pelos conceitos, emana o método histórico dialético que sustenta o objetivo da educação física nessa concepção. Portanto, não é qualquer mediação que produz a humanidade coletiva para além do cotidiano, mas sim a mediação pautada no movimento da tríade forma-conteúdo-destinatário, orientada pela identificação dos elementos necessários a serem assimilados pelas formas mais adequadas, compreendendo o aluno como sujeito concreto. As esferas do conhecimento espontâneo apresentam a realidade de forma sincrética e o ensino vem para confrontar pelo conhecimento científico a decodificação do real, promovendo a catarse pelo domínio dos signos.
Foi possível que os alunos realizassem uma nova síntese da realidade, desvelando os processos práxicos acerca do corpo e da ginástica através dos tempos para obterem uma compreensão crítica da atualidade. Consideramos que todos os conhecimentos socializados nesse trimestre, são inerentes à Ginástica, visto que um trabalho pedagógico histórico-crítico deve ser edificado à luz da totalidade.
Notas
Martins (2013, 2015); Marsiglia (2016, 2013); Silva (2018); Silva (2013).
Referimo-nos a superação de relatos e obras inspiradas em Gasparin (2002) que já foram refutadas por Silva (2013), Silva (2018), Lavoura (2015), Marsiglia (2013), prioritariamente por não contemplar o caráter dialético dos momentos componentes do método.
Este é um conceito inspirado nas obras de Soares (1997) e remete ao contexto de adestramento dos corpos de acordo com as concepções de sociedade, o que também reverberava nos padrões estéticos.
Em Soares (1997) o debate da eugenia não se restringia somente à questão da etnia, envolvia outras dimensões como constituição física, força individual e coletiva de uma nação.
Ver Saviani (2012).
S
É a denominação do sistema de educação e formação ética da Grécia Antiga, que incluía temas como Ginástica, Gramática, Retórica, Música, Matemática, Geografia, História Natural e Filosofia, objetivando a formação de um cidadão perfeito e completo
“O movimento ginástico europeu foi, portanto, um primeiro delineamento deste esforço e o lugar de onde partiram as teorias da hoje denominada Educação Física separaram o pensamento moderno em torno das práticas corporais que se construíram fora do mundo do trabalho, trazendo a idéia de saúde, vigor, energia e moral colocadas à sua aplicação.” (Soares, 1997, p. 10)
Surgiu com a finalidade de extirpar os vícios da sociedade, em especial o alcoolismo. Com a missão de regenerar a população, possuía um caráter não acentuadamente militar, mas sim de adestramento. Deveria gerar indivíduos fortes que pudessem ser úteis à pátria, como soldados ou trabalhadores civis. (Soares, 2004)
A ginástica francesa surgiu baseada na ciência e voltada a vida civil, mas tinha um forte espírito militar marcante. (Soares, 2004)
A FIG atualmente é composta de 5 comitês sendo 4 relativos às modalidades competitivas (Ginástica Artística Masculina, Ginástica Artística Feminina, Ginástica Rítmica Desportiva e Ginástica Aeróbica) e um relativo a Ginástica Geral que tem caráter demonstrativo.
Neste caso, diz respeito a um corpo virtual ou editado, que não condiz com a realidade.
Uma crítica consistente ao livro “Uma didática para a pedagogia histórico-crítica” já foi feita por Lavoura & Martins (2017), apontando equívocos e superando por incorporação alguns conceitos.
Ver Andrade (2019).
Referencias
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