ISSN 1514-3465

 

Percepção de atletas sobre suas trajetórias no atletismo 

a partir do Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner

Athletes Perception about their Track and Field Trajectories 

under the Bronfenbrenner’s Ecological System Theory

Percepción de atletas sobre sus trayectorias en el atletismo 

a partir del Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner

 

Aguinaldo Souza dos Santos*

aguisouza@uol.com.br

Aline Bichels**

alinebichels18@yahoo.com.br

Gislaine Cristina Vagetti***

gislainevagetti@hotmail.com

Marcelo da Silva Villas Bôas****

msvboas@uem.br

Valdomiro de Oliveira****

oliveirav457@gmail.com

 

*Doutorando em Educação

Linha Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano, UFPR

Membro do Centro de Pesquisa em Educação

e Pedagogia do Esporte (CEPEPE/UFPR) Bolsista Capes

Mestre em Educação pela UFPR

Graduação em Educação Física pela UEM

Técnico da modalidade de atletismo da Associação de Atletismo de Paranavaí

**Doutoranda em Educação

Linha Cognição, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano, UFPR

Membro do Centro de Pesquisa em Educação

e Pedagogia do Esporte CEPEPE/UPPR.

Mestre em Educação Física (UEM/UEL)

Especialista em Medicina e Ciências do Esporte (UnicenP).

Graduação em Educação Física (licenciatura/bacharelado UnicenP)

Professora de Educação Física da Rede Municipal de Curitiba/PR

***Doutora em Educação Física pela UFPR

Graduação em Educação Física. Professora Adjunta

da Universidade Estadual do Paraná - UNESPAR - Campus de Curitiba II

Professora Permanente do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPR.

Líder do Grupo de Pesquisa em Envelhecimento Humano/GPEH/UNESPAR/CNPq

Pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares

em Musicoterapia/NEPIM/UNESPAR/CNPq.

****Doutor em Educação Física,área das Ciências do Esporte UFPR

Mestre em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba

Graduado em Educação Física pela Universidade Estadual de Londrina

Professor efetivo da Universidade Estadual de Maringá

*****Pós-Doutor na Rússia em Ciências Pedagógicas da Educação Física

Doutor em Educação Física pela UNICAMP

Graduação em Educação Física

Professor Associado da Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPR

Líder do Centro de Pesquisa em Educação e Pedagogia do Esporte (CEPEPE/UPPR/CNPq)

Pesquisador do Grupo de pesquisa em envelhecimento humano (GPEH/UNESPAR/CNPq)

(Brasil)

 

Recepção: 06/11/2019 - Aceitação: 04/05/2020

1ª Revisão: 28/04/2020 - 2ª Revisão: 30/04/2020

 

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

 

Citação sugerida: Aguinaldo Souza dos Santos, A.S. dos, Bichels, A. Vagetti, G.C., Vilas Bôas, M.S., y Oliveira, V. (2020). Percepção de atletas sobre suas trajetórias no atletismo a partir do Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner. Lecturas: Educación Física y Deportes, 25(264), 94-111. Recuperado de: https://doi.org/10.46642/efd.v25i264.1763

 

Resumo

    Objetivo: investigar a percepção da trajetória esportiva de 20 atletas que alcançaram (10) e não alcançaram (10) o alto rendimento no atletismo do município de Paranavaí-PR. Metodologia: estudo de cunho exploratório, abordagem qualitativa e quantitativa. Instrumentos: entrevista semiestruturada, com perguntas relacionadas ao desenvolvimento humano embasadas no Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner; questionário sócio demográfico (perfil e dados pessoais) e de classificação econômica. Análise dos dados: Análise de Conteúdo e Iramuteq. Resultados: o grupo que não atingiu o alto rendimento teve uma percepção positiva sobre sua trajetória no esporte, semelhante à do grupo que atingiu. Ambos relataram sucesso esportivo e pessoal. Conclusão: ainda que o atleta não tenha alcançado o alto rendimento, ele usufruiu dos benefícios proporcionados pela vida esportiva, o que justifica um trabalho técnico que valorize, além dos resultados esportivos, possibilidades de desenvolvimento geral do indivíduo.

    Unitermos: Esportes. Atletismo. Desenvolvimento Humano.

 

Abstract

    Purpose: To investigate the sports trajectory perception of twenty athletes that achieved (10) and not achieved (10) the track and field high performance in Paranavaí city, Paraná state. Methodology: exploratory research, qualitative and quantitative. Instruments: semi-structured interview with questions relative of the human development, based on Bronfenbrenner’s Ecological System Theory; sociodemographic questionnaire (profile and personal data) and economic classification. Data analysis: Content analysis and Iramuteq. Results: the not achieved high performance group has a positive perception about their sports trajectory, resembling the achieved high performance group. Both groups described sportive and personal success. Conclusion: despite the athlete do not achieved the high performance, he had benefit provided by the sportive life which justifies a technical work that enrich besides the sportive results a possibility of a personal overall development.

    Keywords: Sports. Track and Field. Human development.

 

Resumen

    Objetivo: Investigar la percepción sobre la trayectoria deportiva de 20 atletas que alcanzaron (10) o no (10) el alto rendimiento en el atletismo de Paranavaí-Pr. Metodología: estudio de naturaleza exploratoria, abordaje cualitativo y cuantitativo. Instrumentos: entrevista semiestructurada, con preguntas relacionadas al desarrollo humano basadas en el Modelo Bioecológico de Bronfenbrenner; cuestionario socio demográfico (perfil y datos personales) y de clasificación económica. Análisis de los datos: Análisis de Contenido e Iramuteq. Resultados: el grupo que no alcanzó el alto rendimiento tuvo una percepción positiva sobre su trayectoria en el deporte, semejante al grupo que sí lo alcanzó. Ambos obtuvieron el éxito deportivo y personal. Conclusión: aunque el atleta no haya alcanzado el alto rendimiento, disfrutó de los beneficios proporcionados por la vida deportiva, lo que justifica un trabajo técnico que valore, además de los resultados deportivos, posibilidades de desarrollo general del individuo.

    Palabras clave: Deportes. Atletismo. Desarrollo humano.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 264, May. (2020)


 

Introdução

 

    Esta pesquisa teve como base a Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano1 (TBDH) criada pelo russo Urie Bronfrenbrenner. A teoria considera que a pessoa é um ser em constante desenvolvimento, resultado de mútua interação entre os sistemas micro, macro, meso, exo e cronossistemas de uma determinada cultura, caracterizando as forças ambientais que atuam nos indivíduos com uma relação dinâmica entre Pessoa - Processo - Contexto - Tempo (PPCT). (Bronfenbrenner, 2011)

 

    O ambiente esportivo é um espaço destinado a trabalhar valores educacionais, e, quando essa interação se realiza no contexto de um processo em longo prazo, verifica-se que o esporte pode contribuir positivamente para o desenvolvimento humano dos praticantes. (Santos, 2016; Santos, Vagetti, & Oliveira, 2017)

 

    O esporte pode oferecer contribuições ao seu praticante dando-lhes confiança e oportunidades de desenvolvimento pessoal (Oliveira, & Paes, 2012; Santos, 2016; Santos, Vagetti, & Oliveira, 2017), melhora da auto-estima, motivação e inserção social (Pereira, Osborne, Pereira, & Cabral, 2013). Machado, Galatti e Paes (2014) ressaltam que o esporte, se “pautado nos referenciais técnico-tático, socioeducativo e histórico-cultural pode enriquecer a formação esportiva e humana”.

 

    O atletismo é uma modalidade olímpica e o seu ensino, em escolas e clubes,pode ser realizado como intervenção voltada para a educação e para o desenvolvimento humano. Trajetórias esportivas (início, ápice da carreira e aposentadoria) variam de acordo com a modalidade. No atletismo, a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAT, 2018) recomenda que a iniciação seja com atividades recreativas de mini-atletismo, e início competitivo a partir dos 12 anos.

 

    A equipe de atletismo começou a se destacar em Paranavaí em 1969, e no cenário nacional em 1980. Foi reconhecida pela CBAT como centro de descoberta de talentos, e em 2018 e 2019 participou do projeto Centros de Formação em Atletismo. Do seu início até os dias atuais, mais de 3.000 atletas passaram por este projeto (Santos, Vagetti, & Oliveira, 2017). Paranavaí situa-se no noroeste do Paraná, há 500 km da capital Curitiba, população de 81.590 habitantes (censo de 2010), Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,763 e atividade predominantemente agropecuária. (IBGE, 2017)

 

    Visando ampliar o campo de pesquisas sobre o atletismo, este estudo se justifica pela importância de se conhecer os atletas e suas percepções (relacionamentos, história de vida social e esportiva) em uma equipe que, nas últimas décadas, se destacou na revelação de talentos e participações regionais, nacionais e internacionais. (Santos, 2016)

 

    Objetivou-se investigar a percepção da trajetória esportiva de 20 atletas que alcançaram (10) e não alcançaram (10) o alto rendimento no atletismo do município de Paranavaí-PR.

 

Métodos

 

    Pesquisa de cunho exploratório, descritivo, com abordagem qualitativa e quantitativa. (Sampieri, Collado, & Lucio, 2013)

 

    Participaram do estudo 20 indivíduos adultos, atletas e ex-atletas, selecionados por conveniência2, que tivessem treinado por mais de 10 anos somente na equipe de Atletismo de Paranavaí (1976 a 2014). Do total de participantes,constam 10 atletas que chegaram ao nível nacional e atingiram a categoria adulta (cinco de cada sexo) e outros 10 atletas que não chegaram ao nível nacional e desistiram logo após alcançar a categoria adulta (cinco de cada sexo). Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

 

    Foram utilizados três instrumentos: a) roteiro de entrevista semiestruturada com questões embasadas na TBDH; b) questionário sócio demográfico; c) questionário de classificação econômica (ABEP, 2013). A coleta dos dados foi realizada em setembro de 2015 na pista de atletismo do Colégio Estadual de Paranavaí – PR, onde ocorriam e ocorrem os treinos.

 

    O tratamento dos dados se baseou na “Análise de Conteúdo” proposta por Bardin (2011) e no Iramuteq, programa estatístico gratuito usado para análises textuais qualitativas, desenvolvido por Pierre Ratinaud (Camargo & Justo, 2013). O Iramuteq é uma análise pouco utilizada nos esportes e pode contribuir no campo de pesquisas sobre o atletismo.

 

    Essa pesquisa foi aprovada pelo CEP/SD em 06/05/2015, parecer 1.051.299, seguindo todos os critérios estabelecidos pelo Conselho Nacional de Saúde constantes na resolução 466/2012.

 

Resultados

 

    O Grupo Total de atletas (GT) foi dividido em dois: Grupo dos que atingiram a categoria adulta e Continuaram competindo (GC), e Grupo de atletas que Desistiram após atingirem a categoria adulta (GD). A Tabela 1 caracteriza a amostra: cor de pele, formação escolar e nível econômico.

 

Tabela 1. Características sociodemográficas da amostra de 20 atletas de atletismo da cidade de Paranavaí

 

 

GC (10)

GD (10)

GT (20)

Variáveis

 

N

(%)

N

(%)

N

(%)

Cor de pele

Branca

4

40,0

5

50,0

9

45,0

Negra

6

60,0

1

10,0

7

35,0

Parda

0

0

4

40,0

4

20,0

Escolaridade

Médio

1

10,0

2

20,0

3

15,0

Superior Incompleto

1

10,0

1

10,0

2

10,0

Superior Completo

1

10,0

3

30,0

4

20,0

Pós-Graduação

7

70,0

4

40,0

11

55,0

Nível

Econômico*

C2

2

20,0

1

10,0

3

15,0

C1

2

20,0

6

60,0

8

40,0

B2

6

60,0

3

30,0

9

45,0

* Critério de Classificação Econômica Brasil (ABEP, 2013)

Fonte: dados da pesquisa.

 

    A proporção de atletas foi homogênea com relação ao sexo, com amostragem intencional. A faixa etária refere-se à idade dos atletas no momento da pesquisa, em 2015, que variou entre 20 e 45 anos de idade. No GC, 60%estava nas faixas etárias de 26-30 e 36-40 anos (30% em cada faixa). No GD, 70% estava na faixa etária de 20-25 anos. Mais da metade (60%) dos GC era de cor de pele negra. E metade dos GD era de cor de pele branca.

 

Pessoa - Relações Interpessoais

 

    As informações referentes ao atributo pessoa, do modelo PPCT, envolve relacionamentosinterpessoais com familiares, técnico, namorado (a) e amigos, pessoas presentes no dia-a-dia da formação destes atletas.

 

Tabela 2. Relações interpessoais na trajetória da amostra de 20 atletas da modalidade de atletismo da cidade de Paranavaí

Atletas

GC (n=10)

GD (n=10)

Interferência sobre o treino

Trabalho

Estudo

Família

Nenhuma interferência

 

30%

10%

20%

40%

 

10%

10%

10%

70%

Abandono do atletismo

Trabalho

Estudo

Família

Financeiro

 

10%

10%

10%

70%

 

10%

10%

10%

60%

Fonte: dados da pesquisa.

 

    De acordo com a Tabela 2, observam-se questões relacionadas aotrabalho, estudo e família e que não interferiram na prática do atletismo (em quatro dp GC e sete doGD); o aspecto financeiro foi o principal motivo de abandono dos atletas (70 e 60%). Em relação à ajuda financeira, os atletas dos dois grupos receberam bolsa municipal, e o grupo GC, bolsa estadual e nacional.

 

    Sobre “boa relação com o técnico” (treinos, competições, viagens), “novas amizades”, “promoção de disciplina”, e “sucessona prática do atletismo”, 100% dos participantes afirmaram que estas questões estavam presentes em suas trajetórias. A família (pai/mãe ou responsável) apoiava o atleta a treinar e competir (80% GC e 100% GD), e financeiramente (100% GC e 80% GD); o apoio de namorado (a) foi em 100% (GC) e 80% (GD).

 

    No que diz respeito à escolaridade, 80% do GC e 70% do GD possuíam curso superior completo. Nível econômico: 60% na classe B2 (GC) e 60% na C1 (GD).

 

Processo - Trajetórias dos Atletas

 

    Constatou-se que os atletas, antes de praticarem a modalidade de atletismo, brincavam na rua e na escola, e tiveram iniciação esportiva rica em atividades recreativas e lúdicas na escolinha de atletismo.

 

    O treinamento diário (aproximadamente três horas) era desenvolvido por apenas um técnico que trabalhava simultaneamente com 20 a 30 atletas com idade entre 15 e 40 anos.Os atletas compreendiam e se adaptavam à metodologia do técnico, às transições das provas, às técnicas, às regras e às mudanças de categoria. Na ausência do técnico, os atletas se organizavam de forma que o treino acontecesse plenamente. Esse fato decorreu da organização, respeito ao técnico e ao compromisso assumido individualmente em busca da excelência esportiva.

 

    O técnico era comprometido nas pistas e fora delas, exercendo bem, além da sua função profissional, o papel de pai (citado por alguns atletas), ao participar da vida dos atletas e exigir que tivessem bons desempenhos não somente no esporte, pois destacava a importância do estudo para uma boa trajetóriade vida (fato que reflete no número de atletas com nível superior nesta pesquisa). O técnico era um exemplo de ser humano para seus atletas e, apesar de apreciar a dedicação aos treinos, incentivava-os, independentemente se eram destaque na equipe ou não.

 

    A grande maioria dos participantes do GC (90%) e mais da metade dos GD (70%) praticaram outras modalidades esportivas, antes de se dedicarem com exclusividade ao atletismo, sendo a seguinte predominância, respectivamente, (GC e GD): futsal (20 e 30%); handebol, basquetebol e voleibol (20 e 10%); natação (10 e 10%); e não praticou (10 e 30%).

 

    A interação ao longo de dez anos ou mais no ambiente esportivo, proporcionados por uma equipe que valorizava mais a pessoa que os resultados, fez com que os atletas permanecessem envolvidos na modalidade de atletismo e atingissem a categoria adulta.

 

Contexto - O Ambiente da Prática

 

    Os ambientes de treino (espaço acolhedor e incentivador entre técnico e atletas, e entre atletas) e as práticas do atletismo foram benéficos ao desenvolvimento esportivo (sucesso esportivo, descrito pelos dois grupos) e pessoal dos atletas (desempenho escolar e formação intelectual).

 

Tempo

 

    Verificaram-se as idades em que ocorreram as práticas dos treinamentos e os resultados nos níveis de competição (Tabela 3).

 

Tabela 3. Idades em que ocorreram as práticas dos treinamentos e resultados em 

competições da amostra de 20 atletas da modalidade de atletismo da cidade de Paranavaí

 

 

GC (n=10)

GD (n=10)

Idade inicial

(anos)

11-12

13-14

90%

10%

80%

20%

Praticou várias provas de atletismo

(saltos, arremesos, corridas, lançamentos, etc.) Idade em anos

11-12

13-14

15-16

60%

30%

10%

50%

30%

20%

Resultado Estadual

Sub-14

Sub-16

Sub-18

90%

10%

-

60%

30%

10%

Resultado Nacional

Sub-16

Sub-18

Sub-20

Adulto

40%

30%

20%

10%

 

Resultado Internacional

Sub-16

Sub-18

Sub-20

Adulto

10%

40%

40%

10%

 

Treinamento de Alto Rendimento

Sub-16

Sub-18

Sub-20

Adulto

10%

80%

10%

10%

80%

10%

Fonte: Dados da pesquisa.

 

    Os atletas iniciaram na categoria Sub 14-16 e praticaram várias provas de atletismo nas categorias iniciais. Obtiveram seus primeiros resultados no nível Estadual Sub-14. Somente o GC atingiu resultados em nível Nacional,com maior percentual na categoria Sub 16-18, e em nível Internacional na categoria Sub 18-20. Os atletas iniciaram os treinamentos de alto rendimento na categoria Sub-18 (80%).

 

Análise de similitude sobre as trajetórias esportivas dos atletas

 

    Dando continuidade à análise dos dados, o programa Iramuteq proporcionou um olhar especial sobre alguns temas inerentes ao grupo estudado.

 

    Ao observar a Figura 1, análise de similitude (semelhanças), percebe-se, seguindo o eixo das categorias, de baixo para cima, as palavras competição, gente, atletismo, ano e prova. Isso se deve à relação das palavras entre as respostas sobre as entrevistas sob a perspectiva do modelo bioecológico PPCT. Percebe-se a palavra atletismo como eixo central.

 

Figura 1. Análise de Similitude da trajetória esportiva dos 20 atletas

 

    Observa-se na Figura 2 (atletas que alcançaram alto rendimento), grafo semelhante ao do grupo total, porém com distribuição diferenciada das palavras em destaque. Competição e rendimento aparecem no centro como elo entre outras dimensões da vida do atleta.

 

Figura 2. Análise de Similitude da trajetória esportiva dos 10 atletas que alcançaram o alto rendimento

Fonte: dados da pesquisa.

 

Figura 3. Análise de Similitude da trajetória esportiva dos 10 atletas que não alcançaram o alto rendimento

Fonte: Dados da Pesquisa.

 

    Diferente do grafo geral, no grafo dos atletas que não alcançaram o alto rendimento, nota-se na figura 3, na categoria central, a palavra ter entre ir e ser. Outras palavras que se destacaram: ano, atletismo, fazer.

 

    Serão utilizadas as letras A (Atleta), C (Continuaram) e D (Desistiram) e o número do respectivo atleta, numerado de um a 20, nas frases dos atletas a seguir.

 

    Observou-se nos grafos da análise de similitude a seguinte palavra central, elo entre as categorias: a) GC: competição (p 0,00192; 9,62 chi2); b) GD: ter (p 0,00821; 6,99 chi2); c) GT: atletismo (p < 0,0001; 37,17 chi2). A partir destes dados percebe-se:

a) GC: competição, talvez por ser o grupo que continuou treinando, a palavra foi várias vezes citada, envolta de questões sobre as técnicas que a antecediam; 11 respostas;

“Em competição o que mais gostava era a adrenalina, sentimento de competir de tentar ganhar, não necessariamente precisa ganhar, mas só de tentar já é superar os limites.” (A13C)

b) GD: ter, com suas flexões: tinha (apareceu oito vezes), tive (10), tínhamos (1), teve (1), ter (8), tenho (7), tem (6), teria (6). Quatorze respostas estavam relacionadas às perguntas sobre o processo, três sobre o contexto, 14 sobre o tempo e uma sobre o abandono do esporte. Este grupo destacou importância ao que conquistou por meio do atletismo.

“Na verdade eu só parei de treinar porque a nossa vida vai tomando outros rumos, fiz faculdade me formei. Então, eu tive que parar pra trabalhar pra seguir a minha profissão. Parei com 28 anos, por mim estaria até hoje, mas não podemos viver só de amor né?!” (A3D).

 

“Desde pequena sozinha já tinha que cuidar das minhas coisas, já tinha que ter responsabilidade de horários...” (A14D).

c) GT: atletismo apresentou-se expressivamente na análise (valor significativo de p<0,0001 no GT e GD e de 0,00063 no GC). Era esperado que a modalidade esportiva fosse uma palavra importante do discurso dos atletas.

Contribuição do atletismo na formação geral:

“O atletismo modificou a minha história e por causa dele hoje eu sou professor, um cidadão de respeito” (A1D).

 

“Tudo que sou hoje foi graças ao atletismo. Sou professor de educação física, tenho orgulho de tudo que conquistei e amigos que ali fiz” (A12D).

 

“Eu não tinha oportunidade de viajar. Conheci países, estados, amizade com pessoas de fora” (A4C).

 

“Sucesso para mim, são coisas bem-feitas, bem vistas e bem lembradas. O atletismo me abriu grandes portas. Me ajuda até hoje, com meus alunos de personal” (A15C).

 

“Acho que eu nasci pra isso, não consigo me imaginar sem fazer isso. Sou competitiva desde criança. Me ajudou em questão de disciplina, de ter responsabilidade de superar meus limites de me conhecer e tentar superar o que eu sou, o que eu era” (A13C).

Influência do atletismo na prática de atividade física:

“Até hoje eu pratico atividade física graças ao atletismo” (A5D).

Influência do atletismo para hábitos saudáveis:

“O atletismo, por ser um esporte individual, exige demais do atleta disciplinado. Na faculdade enquanto meus amigos iam beber, eu ia treinar. A maioria tem um comportamento de tabaco e de alcoolismo e eu acredito no meio do esporte.... e com a prática do esporte eu vi que isso não fazia bem pra saúde” (A19C).

Contribuição do atletismo sobre a situação financeira.

“Era de classe social baixa e melhorou muito. O atletismo deu uma colaboração enorme (A1D)”.

 

“Muitas coisas que eu tenho hoje foi o atletismo que me ajudou, questão financeira e meu namorado” (A16D).

 

“Se não fosse o atletismo não teria rumo até hoje.... o atletismo me deu disciplina, que a vida tem que ter uma meta a ser cumprida” (A11D).

    Com os dados quantitativos gerados pelo método de Reinert, as únicas palavras que apareceram no GT, GC e GD com valor significativo de p < 0,0001, foram amizade e vida, que podem representar os valores deste grupo de atletas. Portanto, não chegar ao alto rendimento não diferiu sob esta perspectiva. A seguir, informações e relatos de alguns atletas.

 

    Vários atletas destacaram a amizade como uma das conquistas que o esporte proporcionou. O A14D trabalha com alguns colegas e mantém contato com outros.

“Meus amigos mais verdadeiros são do atletismo” (A13C).

    A palavra vida teve significados como ‘vida de atleta’ é passageira; ter ‘vencido na vida’; ‘vida tomando outros rumos’; as falas apresentaram os aspectos positivos do esporte para a vida pessoal, profissional oriundos do atletismo.

Discussão

 

    Mais da metade dos GC era de corde pele negra, e metade dos GD era branca. Estudos relacionam o atletismo com os negros devido à força física e tradição na modalidade. Vieira e Vieira (2001, p. 07) descrevem a opinião de um técnico: “a raça negra para o atletismo é mais forte, mais resistente nas competições mundiais e Jogos Olímpicos; são raros os que não são da raça negra e que não entram numa final de prova”.

 

    A pesquisa de Melo (2015) destaca que por meio da estruturação de debates conseguiu-se dar importantes saltos na compreensão acerca da história do negro no esporte. No contexto esportivo, o negro sempre esteve atrelado à história do futebol e do atletismo. Oliveira (2008) relata que o negro está presente em todos as provas do atletismo, com participação no tênis, vôlei, natação, golfe e Fórmula 1.

 

    Os eventos ao longo da vida podem ser um importante motivo para o abandono da prática esportiva. Na pesquisa de Beneli (2018) por exemplo, foi o estudo (dos companheiros dos atletas pesquisados). Na pesquisa de Silva (2018) realizada com mulheres participantes de corrida de aventura, os motivos de desistência foram matrimônio e maternidade.

 

    Na presente pesquisa, o aspecto financeiro foi principal motivo de abandono dos atletas, em que 65% destes chegaram a abandonar a prática por falta de recursos materiais. Outro aspecto importante é o fato de 75% dos participantes deste estudo possuírem curso superior completo. Essas informações corroboram com os dados estatísticos do IBGE (IBGE, 2017), que, no Brasil, quanto maior escolaridade e renda, maior participação no esporte.

 

    A relação interpessoal, para o Modelo Bioecológico, é a competência através da qual o indivíduo se relaciona em todos os meios, e está ligada aos resultados finais de harmonia, distinguindo sentimentos pertencentes ao outro, buscando reagir em função destes sentimentos, como intenções, motivações, estados de ânimo. (Bronfenbrenner, 2011)

 

    Os familiares apoiavam a participação esportiva dos atletas deste estudo. Relações familiares semelhantes foram encontrados nos estudos a seguir. Total apoio aos atletas de basquetebol de São Paulo (Beneli, 2018). Segundo Vilani e Samulski (2002) “os pais influenciam direta e indiretamente a carreira esportiva de seus filhos”. Fonseca e Stela (2015) questionaram 149 adultos com filhos que participavam no futsal competitivo em Caxias do Sul - RS, e destacaram a importância na vida esportiva dos seus filhos, principalmente na infância, exigindo a sua permanência nas atividades esportivas de forma saudável.

 

    O estudo de Vieira e Vieira (2000), sobre talentos esportivos na modalidade de atletismo, evidenciou relações interpessoais positivas entre familiares, técnicos e talentos.

 

    Em um estudo com 198 adolescentes de escola pública e privada no estado de São Paulo, concluiu-se que há influência da família, escola e amigos na prática da atividade física. (Figueira, 2000)

 

    As interações entre pessoa e ambiente, conhecidas por processos proximais, operam por um período de tempo e auxiliam no desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 2011). Os atletas deste estudo tiveram processos proximais positivos pois permaneceram por 10 anos na carreira esportiva. Resultados semelhantes descrevem que as transições ecológicas (trocas de equipes, cidade ou estado) foram fundamentais para a continuidade na trajetória esportiva dos talentos do atletismo, pois os novos ambientes instigaram o desenvolvimento do talento. (Vieira, & Vieira, 2000)

 

    Para Bronfenbrenner (2011), o contexto bioecológico se refere aos ambientes de vida real das pessoas, os quais podem permitir o envolvimento dos indivíduos em padrões de interação e atividades progressivamente complexos. Esta pesquisa apresentou um ambiente esportivo propício ao desenvolvimento esportivo e humano dos atletas, seja pelo treinamento, relacionamentos e ajuda fincanceira (bolsa-atleta, concedida pelo governo).

 

    O elemento “tempo” se apresenta em períodos vitais dentro de uma expectativa social para aquele momento histórico da pessoa em desenvolvimento (Bronfenbrenner, 2011). As categorias e respectivas faixas etárias apresentadas estão de acordo com as categorias oficiais descritas na regra 12 da CBAT (2015), obrigatórias ao atletismo brasileiro.

 

    Os resultados das análises advindas do Iramuteq são específicas ao grupo estudao nesta pesquisa, e não foram encontradas pesquisas semelhantes com esta análise no atletismo.Apesar da importância desta pesquisa, ela apresenta como limitação o número de participantes que não permite gereralizações e extrapolamento dos dados.

 

Conclusões

 

    O objetivo desse artigo foi investigar a percepção da trajetória esportiva de atletas do atletismo do município de Paranavaí-PR. Sob a perspectiva bioecológica do desenvolvimento humano, em conjunto com a educação esportiva, percebeu-se que a trajetória ocorreu em uma sequência contínua, na qual, os contextos e o ambiente de treino foram fundamentais para o sucesso no processo esportivo, desde a iniciação.

 

    Dessa forma, consideramos que a percepção dos entrevistados, sobre suas trajetórias esportivas, foi positiva, independente dos resultados esportivos alcançados por cada grupo. Porém, se houvesse auxílio financeiro a um maior número de atletas, e eles tivessem a oportunidade de dedicarem-se somente ao esporte, a carreira esportiva poderia ser mais longa.

 

    Um dos grupos alcançou melhores resultados e obteve mais experiências esportivas, bem como mais apoio financeiro, o que pode se entender que talvez quem tenha mais apoio financeiro pode seguir mais longe na prática do esporte. Com maior investimento no aperfeiçoamento da categoria adulta poderiam ser proporcionadas tais experiências aos atletas que não alcançaram o alto rendimento.

 

    Ambiente adequado (desde as etapas iniciais do esporte), incentivo à educação, técnico dedicado, humanizado e que almeja não somente medalhas, somado ao comprometimento dos atletas, resultam nos elementos para se alcançar uma percepção positiva sobre suas próprias trajetórias esportivas.

 

Notas

  1. Desenvolvimento humano é definido como "um fenômeno de continuidade e de mudança nas características biopsicológicas do seres humanos, como indivíduos e como grupos. Esse processo se estende ao longo do ciclo da vida, mediado pelas sucessivas gerações e pelo tempo histórico, tanto passado quanto futuro" (Bronfenbrenner, 2011, p. 38).

  2. Seleção por conveniência: técnica comum; amostra desejável e disponível, sem uso de critéiro estatístico (Ochoa, 2015).

 

Referências

 

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