ISSN 1514-3465
A Educação Física como elemento necessário na formação do ser social
The Physical Education as a Necessary Element in the Formation of the Social Being
La Educación Física como elemento necesario en la formación del ser social
Prof. Ms. Rogério Paes de Oliveira
rogerio.paes@hotmail.com
Prof. Dr. Valdemarin Coelho Gomes
mariocoelho@ufc.br
*Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Professor do curso de Educação Física
da Universidade Regional do Cariri (URCA)
*Professor da Faculdade de Educação
da Universidade Federal do Ceará (Departamento de Fundamentos
da Educação / Programa de Pós-Graduação em Educação)
(Brasil)
Recepção:12/09/2019 - Aceitação: 13/05/2020
1ª Revisão: 18/04/2020 - 2ª Revisão: 11/05/2020
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida: Oliveira, R.P. de, e Gomes, V.C. (2020). A Educação Física como elemento necessário na formação do ser social. Lecturas: Educación Física y Deportes, 25(264), 2-14. Obtido de: https://doi.org/10.46642/efd.v25i264.1654
Resumo
As capacidades corporais, o controle do corpo é necessário em qualquer forma de sociabilidade humana, sendo o corpo a própria expressão da vida individual do ser social, que para mantê-la, necessitará de uma irrevogável relação de controle e de regulação do processo de metabolismo com a natureza, através de uma ação ativa e consciente, tornando o corpo e mente uma unidade do diverso imprescindível para a reprodução social. Nesse sentido, o presente trabalho possui como objetivo debater, de maneira introdutória, o complexo da Educação Física como componente fundado no ato do trabalho e necessário para ele. Nesses termos, esse ensaio se caracteriza por ser uma pesquisa bibliográfica na qual nos utilizamos do referencial teórico metodológico e filosófico do materialismo histórico, por entender que as contribuições de Marx e Engels e, recuperadas pelo filósofo húngaro Lukács, possui elementos que nos educa a ler e compreender, de forma aproximativa, o movimento do real e concreto, portanto, rico em determinações. Mediante ao exposto, podemos concluir e afirmar que toda ação corporal humana intencional são potencialidades/capacidades humanas presentes no ato do trabalho, sendo ao mesmo tempo, responsável pelo trabalho e criada por ele. Sendo o trabalho uma ação consciente, um pôr teleológico, corpo e consciência (mente), são capacidades humanas ontologicamente, ao mesmo tempo, diversas e indissociáveis.
Unitermos: Educação Física. Capacidades corporais. Ontologia do ser social. Materialismo Histórico.
Abstract
Body capacities, the control of the body is necessary in any form of human sociability, the body being the very expression of the individual life of the social being, which in order to maintain it, will require an irrevocable relationship of control and regulation of the metabolism process. with nature, through active and conscious action, making the body and mind a unity of the diverse indispensable for social reproduction. In this sense, this paper aims to discuss, in an introductory way, the complex of Physical Education as a component based on the act of work and necessary for it. Thus, this essay is characterized by being a bibliographical research in which we use the methodological and philosophical theoretical framework of historical materialism, understanding that the contributions of Marx and Engels and recovered by the Hungarian philosopher Lukacs, have elements that educate us to read the understand, approximately, the movement of the real and concrete, therefore, rich in determinations. Therefore, we can conclude and affirm that all intentional human bodily action are human potentialities/capacities present in the act of work, being at the same time responsible for and created by the work. Since work is a conscious action, a teleological approach, body and consciousness (mind), human capacities are ontologically diverse and inseparable.
Keywords: Physical Education. Body capabilities. Ontology of social being. Historical Materialism.
Resumen
Las capacidades corporales, o el control del cuerpo son necesarias en cualquier forma de sociabilidad humana, siendo el cuerpo la expresión misma de la vida individual del ser social, que para mantenerlo, necesitará una relación irrevocable de control y regulación del proceso metabólico. con la naturaleza, a través de una acción activa y consciente, haciendo del cuerpo y la mente una unidad de lo diverso esencial para la reproducción social. En este sentido, el presente trabajo tiene como objetivo debatir, de manera introductoria, el complejo de la Educación Física como un componente fundado en el acto de trabajo y necesario para éste. En estos términos, este ensayo se caracteriza por ser una investigación bibliográfica en la que utilizamos el marco teórico metodológico y filosófico del materialismo histórico, entendiendo que las contribuciones de Marx y Engels y, recuperadas por el filósofo húngaro Lukács, tienen elementos que capacitan para la lectura y comprender, de manera aproximada, el movimiento de lo real y lo concreto, por lo tanto, rico en determinaciones. Con base en lo anterior, podemos concluir y afirmar que toda acción corporal humana intencional son potencialidades/capacidades humanas presentes en el acto de trabajo, siendo, al mismo tiempo, responsables del trabajo y creadas por él. Dado que el trabajo es una acción consciente, un enfoque teleológico, cuerpo y conciencia (mente), las capacidades humanas son ontológicamente, al mismo tiempo, diversas e inseparables.
Palabras clave: Educación Física. Capacidades corporales. Ontología del ser social. Materialismo Histórico.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 25, Núm. 264, May. (2020)
Introdução
Tratar a Educação Física como elemento necessário na formação do ser social, a primeira vista parece bastante trivial. Principalmente em decorrência das formulações que tratam a educação física como promotora da saúde e busca uma legitimação da área com esse entendimento, e como tal, necessária está presente na formação individual das pessoas.
Contudo, o presente estudo não se trata disso. Debater a participação da educação física na formação do ser social, diz respeito a compreender a gênese e desenvolvimento da educação física, enquanto prática corporal intencional, necessária e presente na própria formação gênese do ser humano. Entender que essas práticas intencionais foram produzidas e produtoras, ao mesmo tempo, do processo que chamaremos aqui, com base nas formulações marxiana-lukasiana de salto ontológico.
Possuir esse referencial na educação física, com vista a compreender ontologicamente o corpo e suas manifestações como os movimentos humanos presentes nos jogos, na dança, nas lutas, na ginástica e nos esporte é quase que exíguo, visto a pequena quantidade de produções que buscam compreender a educação física mediante uma recuperação da teoria lukasiana, como os estudos de Mello (2014), Oliveira (2018). Nesses estudos, assim como o presente, a categoria do trabalho não é apenas o ponto de partida para uma melhor compreensão do objeto, mas a única possibilidade, como afirma Lukács (2013), de novas relações da consciência com a realidade e, portanto, consigo mesmo. Assim, a categoria do trabalho apresenta papel privilegiado na estrutura analítica deste trabalho, não como arbitrariedade, mas por nela estar contida (in nuce) todas as determinações dos demais complexos sociais, como por exemplo, as práticas corporais. Todas as categorias presentes no ser social, como as práticas corporais e, nesse sentido a educação física, já possui a característica de serem em sua essência, sociais e, portanto, qualquer que seja sua forma de manifestação – na educação física, os elementos da cultura corporal – já pressupõe a efetivação de um salto ontológico, ou seja, a realização do trabalho e manutenção das vidas para produzir dança, lutas, jogos, esporte, ginástica.
Porém, há de se ressaltar a importância e a riqueza elucidadas por esses poucos estudos. Nesse sentido, estudos que apontem para uma reflexão ontológica, se faz necessário para melhor compreendermos esse processo. A recuperação da ontologia materialista da história formulada por Marx e Engels e retomada por Lukács, a ontologia materialista é uma necessidade histórica posta, de analisar objetivamente o movimento concreto da prática social, realizando sempre de forma aproximativa do real – visto que o real é inesgotável – para compreendermos o processo de desenvolvimento histórico e concreto do ser social, suas teias de nexos causais, suas leis e tendências históricas e a particularidade do complexo da Educação Física – a necessidade consciente da prática corporal – nesse contexto. Dito de outra forma, o método onto-histórico marxiano, a luz das contribuições de Lukács, busca captar o movimento do real concreto como representação caótica do todo (objeto abstrato presente na complexidade do real) e, analiticamente, como atividade intelectual, abstrairíamos determinações cada vez mais simples, até chegar ao ponto de fazermos o caminho de volta, não mais como representação caótica do todo, mas como uma totalidade rica de determinações do objeto, fazendo do elemento abstrato, um elemento concreto e, como tal, unidade do diverso, ou seja, um produto síntese de múltiplas determinações. (Marx, 2008)
Compreendendo essa perspectiva do método científico, Lukács apud Costa (2009), afirma que Marx inaugura os fundamentos de uma ontologia de novo tipo, diferentemente das formas até então existente de explicação do movimento do real, que pensa as relações do homem com sua história, sobretudo na perspectiva do ser social historicamente determinando e determinante. Isso devido ao fato de tomar como momento predominante a ato do homem em manter-se vivo. Marx (2007), afirma que se pode distinguir o homem e, portanto caracterizá-lo como se queira, contudo, quando o homem autoproduz mantendo o intercâmbio com a natureza já não pode mais ser considerando outra coisa senão um homem histórico, que constrói sua história sob circunstâncias datas e produzidas pelo seu próprio gênero. Para Lukács, a tarefa de Marx, com a ontologia de novo tipo, é fazer suas reflexões, ou, entender o objeto não pelo ponto vista gnosiológico ou metodológico, mas suas análises sempre partem da coisa em si, ou seja, da essência ontológica da matéria tratada. (Vaismam; Fortes, 2010)
Essa nova explicação, só é possível visto as determinações intelectuais elaboradas até então, como é o caso da dialética hegeliana. Essa nova ontologia, nova concepção de homem e de mundo, parti de um entendimento de que os seres humanos se originam no ato de produzir e reproduzir sua própria existência.Um ato de reprodução não mais pela reprodução sempre do mesmo, mas agora pela reprodução constante do novo. Em um movimento dialético que possui como momento predominante a objetividade do pôr teleológico realizado pelo trabalho e, conseguinte, formação do ser social. Para deixar essa esfera biológica e passar para um novo patamar, foi necessário um salto ontológico que se constituísse como momento predominante para a formação do ser social. “Assim, a reprodução do novo, através da transformação consciente orientada do real, se constitui no momento predominante do salto que marca a gênese do ser social”. (Lessa, 2016, p. 25)
O trabalho, enquanto ato corpóreo intencional, planejado previamente e objetivado da realidade concreta só é possível, em última instância, pelo controle consciente que o homem possui sobre seu corpo. Senso assim, essas atividades corpóreas, são produzidas ao mesmo tempo em que são necessárias para sua própria existência, ou seja, produzem suas próprias atividades corporais na medida em que são necessárias para a própria realização dessas atividades, portanto, uma atividade corpórea é necessária para realização do processo de trabalho e para suprir as necessidades de sua própria existência e de seu gênero, assim como essas atividades corporais são fundadas pelo próprio processo de metabolismo com a natureza.Sendo assim, as capacidades humanas são produzidas e produtoras da própria existência e, portanto, do próprio ser social (Oliveira, 2018). Nesse sentido, o trabalho, mediação/relação metabólica do homem com a natureza, no qual o homem transforma a natureza a sua vontade, ao marcar a gênese do ser social, marca o momento no qual o homem salta da esfera meramente animal de determinação biológica para um nova esfera ontológica do ser, a saber, a esfera social. Assim, o salto ontológico propiciado pelo trabalho demarca sobretudo o surgimento de uma nova vida, a vida socialmente determinada, na qual seu momento predominante está em uma ação corporal (capacidades físicas) consciente (capacidades teleológicas) de metabolismo com a natureza, ou seja, de transformação consciente da natureza.
Nesse sentido, as capacidades físicas estão presentes no ser humano juntamente com as capacidades teleológicas no primeiro ato humano, no qual os homens por meio da mediação com a natureza, impulsiona, regula e controla seu intercambio material criando produtos que satisfaçam suas necessidades do estomago a fantasia. Assim sendo, o objetivo deste trabalho é debater, de forma introdutória, a necessidade da Educação Física (capacidades corporais intencionais) como complexo presente no ato do trabalho e, portanto, como um complexo necessário em qualquer forma societal de organização da vida. Assim, organizamos nossa exposição em dois momentos. O primeiro diz respeito a explicação da categoria do trabalho como ato fundante e sua relação com as capacidades corporais. Já o segundo, debateremos a gênese ontológica da educação física e como esse complexo está presente no próprio ato do trabalho.
As capacidades corporais no processo de produção da existência
O intercambio material com a natureza é uma mediação ineliminável em qualquer forma de organização social na qual o homem social faça parte dela. Sobretudo porquê o homem é um ser dependente, ou seja, não autoproduz sua existência, ele necessita de elementos externos, para atender as suas diversas necessidades, que só podem ser encontrados na natureza e extraídas dela por uma ação consciente e corporal.
Para estar vivo, o homem necessita comer, beber, vestir que são necessidades básicas e primeiras para a sua existência enquanto ser social. Estando ele sobre uma base material orgânica, o ser social só pode surgir e se desenvolver sobre a condição de manutenção da esfera a qual se sobrepõe. E essa, só pode fazer o mesmo sobre a base do ser inorgânico. Segundo Lessa (2016): “Apesar de distintas, as três esferas ontológicas estão indissoluvelmente articuladas: sem a esfera inorgânica não há vida, e sem a vida não há ser social. [...] do inorgânico surgiu a vida e, desta, o ser social. (p. 20)
As formas de passagens de uma esfera do ser para outra esfera do ser, como a própria passagem da esfera do ser natural para o ser social são sempre saltos qualitativos, possuindo um elemento de caráter transitório para a passagem de uma para outra esfera. O salto nunca é uma evolução gradual, na qual o homem natural, por exemplo, foi evoluindo gradualmente, sem rupturas, para tornar-se um ser social. A esse respeito, concordamos com a explicação de Maceno sobre o salto ontológico. Nas palavras do autor:
Como tudo que existe, o salto também é um processo complexo, e como todo complexo, é também um processo. Entretanto, esse processo é marcado pela “ruptura com a continuidade normal do desenvolvimento”, no qual uma nova qualidade é inserida no ser. Desse modo, o salto ontológico não é um processo gradativo que segue uma contínua progressividade; tampouco é o nascimento de uma nova forma de ser pronta e acabada ou cujo fim último de seu desenvolvimento esteja dado de uma vez por todas. (2017, p. 25)
Na passagem da esfera natural, de determinação biológica da existência, para o homem social de determinação puramente social da sua existência, o caráter transitório do salto se dá pelo trabalho, pela transformação consciente da natureza. Na esfera animal, a existência e manutenção da mesma permanece sob “o círculo das necessidades biológicas de uma autopreservação e reprodução do gênero” (Lukács, 2010, p. 42), ao passo que o homem que caça, mata e come com suas próprias mãos para satisfazer suas necessidades de fome é qualitativamente diferente do homem que escolhe sua comida em aplicativos de celular e espera ansiosamente para saborear e saciar sua fome. Essa postura torna o ato de saciar a fome, necessidade biológica de todo animal, um ato histórico, depende do desenvolvimento e histórico e social. Faz com que o ser social assuma um caráter de “um processo irreversível, um processo histórico”. (Lukács, 2010, p. 42)
Aqui está expressa com clareza a dupla face da determinidade: o caráter irrevogavelmente biológico da fome e de sua satisfação e, concomitantemente, o fato de que todas as formas concretas da ultima são funções do desenvolvimento socioeconômico. (Lukács, 2013, p. 172)
Nas palavras do pensador alemão: “Mas, para viver, precisa-se, antes de tudo, de comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais. O primeiro ato histórico é, pois, a produção dos meios para a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material”. (Marx; Engels, 2007, p. 33)
Para expor a necessidade do ato corporal, e com esse entendimento, a própria necessidade da educação física na formação do ser social, em termos ontológicos, se faz necessário iniciar pela análise do trabalho, pois segundo Lukács na atividade vital do ser social já “estão gravadas in nuce (em germe) todas as determinação que, como veremos, constituem a essência de tudo que é novo no ser social. Deste modo, o trabalho pode ser considerado o fenômeno originário, o modelo do ser social”. (Lukács, s/d, p. 5)
O trabalho é um processo no qual o ser humano, por sua vontade consciente e lúcida, controla sua própria ação, escolhendo entre as alternativas que se apresentam na sua trajetória de/na realização do processo de trabalho, pondo em movimento suas capacidades corporais (físicas e psíquicas). Nas palavras de Marx: “o trabalho é um processo de que participa o homem e a Natureza, processo em que o ser humano, com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a Natureza”. (Marx, 2011, p. 211).
Todo processo de trabalho, ou seja, o movimento consciente das capacidades corporais em metabolismo com a natureza, acontece mediante a um dispêndio de força humana de trabalho (cérebro, músculos, braços, pernas, mãos, etc.), desenvolvendo suas capacidades e potencialidades exclusivamente humanas.
Antes mesmo que o homem escolha entre as alternativas para desenvolver o processo de trabalho, o resultado do pôr já consta previamente na sua consciência e, necessita da ação corporal humana com os esforços de seus órgãos e aplicação de suas próprias forças físicas e espirituais (Oliveira, 2018). Para Mello (2014), surge no trabalho um elemento qualitativo em relação o processo natural, os atos teleológicos postos. O trabalho é, portanto, uma posição teleológica posta, ou seja, existe uma previa ideação do pôr, porém necessita ser posto para que possa ser reconhecido e analisado post festun. (Lukács, 2010)
Ao passo que o homem se afasta das barreiras de reprodução meramente biológicas e determinadas, torna-se um homem socialmente determinando, produzindo novas necessidades com práxis humanas distintas do trabalho e se diferenciando dos demais seres da natureza.
Pode-se distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou pelo que se queira. Mas eles mesmos começam a se distinguir dos animais tão logo começam a produzir seus meios de vida, passo que é condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, os homens produzem, indiretamente, sua própria vida material. (Marx; Engels, 2007, p. 87)
A possibilidade de humanização e reprodução do ser social é fundada pelo trabalho, entretanto, o trabalho cria novas necessidades que não podem ser atendidas somente com a relação homem x natureza, assim, a atividade social humana não se esgota no trabalho.
A reprodução social nos aponta duas evidências: a primeira é a necessidade do trabalho como complexo fundante do ser social e, portanto, uma ineliminável relação homem x natureza; a segunda é que para que se tenha relações sociais mais complexas e não limitadas pela ação direta do homem com a natureza, necessita-se de tempo livre, ou seja, uma necessidade dos homens produzirem mais do que necessitam diariamente abrindo espaço para um tempo livre do processo de trabalho (Oliveira, 2018), possibilitando desenvolver práxis sociais que não pertencem mais a relação homem x natureza, criando práxis sociais numa relação homem x homem, como a educação, arte, os esportes entre outros.
Neste ínterim, o salto ontológico proporciona ao homem realizar atividades, exclusivamente humanas, que não podem ser encontradas em outro lugar na natureza, ou seja, realizados por outros seres naturais. Tendencialmente, essa relação metabólica entre homem e natureza se mostra de forma crescente e diversificada e menos determinada rigidamente pelas limitações biológicas. (Márkus, 2015)
Os homens realizam esses elementos, assim como os animais, para contribuir em sua atividade vital, entretanto, com a diferenciação da própria atividade vital dos dois, diferencia também esses elementos corporais. É certo que os movimentos realizados pelos homens como correr, saltar, pular são totalmente diferentes do correr do gato, do pular do macaco, do saltar do peixe. Os movimentos dos homens possuem uma intencionalidade, são movimentos teleologicamente postos. Os movimentos dos animais, instintivos, são biologicamente determinados com vista a sobrevivência e adaptação (Mello, 2014). Nesse sentido, o próprio movimento corporal, assim como o trabalho, é uma construção histórica e exclusivamente humana, uma atividade com finalidade e sempre será um pôr teleológico do homem que realiza essa atividade.
O trabalho determina a própria forma das atividades corporais, ao mesmo tempo em que as atividades corporais sobre controle da consciência, modificam a própria mediação com a natureza, sendo essa relação, portanto, uma determinação recíproca que possui no trabalho o momento predominante.Os elementos corporais e, portanto, os movimentos do corpo e as atividades por ele executadas não ficam pressas ao processo de trabalho, se desenvolvem com um grau de autonomia. Com uma autonomia relativa, o homem produz elementos corporais de correr, saltar, pular muito mais complexos daqueles mediado pela pura necessidade de sobrevivência – elementos corporais “naturais”. Do ser humano que corre atrás do alimento até o ser humano que corre para atingir seu melhor tempo/marca é imensa a distância histórica e de nexos causais mediatos pelo processo de trabalho. (Oliveira, 2018)
Gênese e participação da Educação Física na formação do ser social
A humanização do homem e a formação de sua corporeidade desenvolve-se com processos conscientes do trabalho, sempre relacionadas as causalidades da natureza. Nas palavras de Herold Junior (2009) é “um processo em que o intencional do trabalho esteve relacionado ao acaso dos processos evolutivos naturais, sendo ao mesmo tempo, possibilitado por eles”. (p. 201)
O salto só é possibilitado em decorrência de um longo processo evolutivo de adaptação biológica. A esse respeito Lukács afirma que:
O salto acontece logo que a nova constituição do ser se realiza efetivamente, em atos extremamente primários, singulares. Mas é necessário uma evolução extremamente longa, em geral contraditória e irregular, até que as novas categorias do ser cheguem a tal nível, extensivo e intensivo, que permita ao novo grau do ser constituir-se como algo formado e fundado em si mesmo. (Lukács, s/d, p. 50)
Engels (1986), defende a centralidade do processo de trabalho na hominização do homem, deixando evidente que antes do salto foi necessário um processo de adaptação e evolução na esfera orgânica. Ao passo que a configuração do corpo muda e contribui para a realização do salto, concomitantemente, a mudança do corpo acontece pelo ato do trabalho. Engels se utiliza da explicação do processo de mutação da mão: “a mão estava livre e, daí por diante, podia evoluir em destrezas e habilidades, qualidades que iriam se transmitir por hereditariedade e aumentar a cada geração”. (Engels, 1986, p. 21)
O trabalho nos permite compreender a gênese e a participação da Educação Física na formação do ser social, independentemente da forma histórica de sociabilidade. Nesse sentido, segundo Santos e Costa (2012), o trabalho, por ser a categoria intermediária, é a categoria chave para desvelarmos o processo de desenvolvimento e reprodução do gênero humano, sobretudo por que as demais práxis sociais já pressupõe a relação de trabalho objetivada.
No ato do trabalho, os homens necessitam do controle das capacidades físicas e espirituais e, portanto, do corpo. Corpo e mente (consciência) são dois elementos presentes no ser social, com funções diferentes, que desempenham atividades diferentes, contudo, só existem como uma totalidade do diverso, tornando o homem um ser concreto. Segundo Mello (2014), a consciência humana está indissociavelmente ligada ao processo de reprodução do seu corpo biológico. Com a práxis originária, a consciência deixa de ser meramente um epifenômeno e passa a ser uma consciência ativa, podendo pôr sob seu controle o “corpo biológico”, contudo, isso não muda a relação de prioridade ontológica na qual a consciência humana não pode existir sem a materialidade do seu corpo, ou seja, com a manutenção do processo vital do seu corpo. Nesse sentido, a produção da vida humana é síntese da atividade exclusivamente humana do trabalho em um ininterrupto processo de metabolismo com a natureza. Essa atividade humana é conduzida pelas capacidades corporais do homem, ou seja, pela sua força de trabalho. Fato que Marx demonstra a cerca da necessidade desse corpo no processo de reprodução social, seja ela qual for a forma de organização da sociabilidade.
Arco e flecha para a caça, a lança para a pesca, são ferramentas que não existem na natureza. Essas ferramentas são postas no mundo pelos homens na ação metabólica com a natureza. No processo de trabalho, o ser social correu, saltou, caminhou, trepou. Ou seja, realizou atividades corporais de forma intencional. Atividades que serão realizadas determinadas cada vez mais por elementos sócio-históricos, produzidos pelos homens. Assim, essas práticas sistematizadas, intencionais, demonstram a gênese ontológica da educação física e sua intima relação com o ato do trabalho.
Lazarini afirma a esse respeito que:
A repetição dessa passagem é para marcar com cores fortes que a referida compra engloba sempre a aquisição das forças físicas e intelectuais do trabalhador pelo capital. Isso porque a função mais elementar e repetitiva em um processo de trabalho capitalista é sempre uma função humana, de um trabalhador livre, que atua socialmente sempre como vendedor da sua força de trabalho e comprador dos meios de subsistência necessários à manutenção da sua vida. (2010, p. 241)
É com essa recuperação da ontologia marxiana que podemos afirmar que é nesse momento impar em que está o germe, ou ainda a própria gênese, da Educação Física. A necessidade corpórea na criação do novo mediante o controle corporal, ou seja, a necessidade ontológica do corpo (capacidades físicas e psíquicas da força de trabalho) no ato de produção da existência do ser social. A gênese da Educação Física está inteiramente ligada ao salto ontológico, produto e produtor das relações de produção e do próprio homem e sua história.
Conclusões
O presente trabalho possui como objetivo debater, de maneira introdutória, o complexo da Educação Física como componente fundado no ato do trabalho e necessário para ele. As capacidades corporais, o controle do corpo é necessário em qualquer forma societal.
O processo de trabalho funda todos os demais complexos, por estar contido nele o caráter intermediário entre o homem e a natureza. Todos os demais complexos sociais já pressupõe que essa relação esteja efetivada. Para a passagem do ser puramente biológico para o novo ser, qualitativamente diferente, são necessários o controle sobre as capacidades físicas e mentais e, portanto, o controle do homem sobre si, sobre a expressão da sua vida, seu corpo. O corpo nessa perspectiva, só pode ser compreendido como um ente concreto e, portanto, síntese de múltiplas determinações, que forma uma unidade dialética entre as capacidades físicas e mentais presentes no próprio ser social e na sua representação individual do ser, a saber, o homem.
O trabalho sendo a categoria chave para a existência social e sendo também a originária prática corporal, torna a educação física um complexo social fruto do trabalho e, ao mesmo tempo, necessária para a realização da própria mediação com a natureza. Assim sendo, a educação física, como controle das capacidades corporais, participa, em germe, ontológicamente na formação do ser social.
Destarte, compreender a educação física como um dos elementos necessário na formação do ser social, trata-se de afirmar que a reprodução física (biológica) é a base para a formação do homem enquanto um ser social. É necessário esclarecer que esse entendimento em nada se relaciona com as teorias de caráter biológico. Trata-se aqui de uma afirmação sobre a qual o homem é dotado de uma base ineliminável biológica, na qual se afasta dessas barreiras de determinação para se modificar histórico e socialmente.
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