Narrativas autobiográficas: tecendo caminhos
da formação profissional em Educação Física
Autobiographical Narratives: Weaving Pathways
of Professional Formation in Physical Education
Narrativas autobiográficas: entrecruzando caminos
en la formación profesional en Educación Física
Vânia Maria Pessoa Rodrigues*
vaniapessoa13@hotmail.com
Kananda Rodrigues de Paiva**
kananda04@hotmail.com
Camila de Souza Jácome Vieira***
hagatacamila_@hormail.com
Maria Ione da Silva****
ionesilva@uern.br
*Possui graduação em Pedagogia
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
Graduação em Ciências Econômicas pela Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte - UERN
Cursando Educação Física pela Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte (UERN)
Campus de Pau dos Ferros, através do Plano de Formação
de Professores da Educação Básica/ PARFOR
Especialização em Metodologia do Ensino Fundamental e Médio e em Mídias
na Educação pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte.
Discente e pesquisadora através do Projeto de Extensão da UERN
**Licenciada em Educação Física
pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
e do Programa de Residência Pedagógica - UERN
***Graduada pelo curso de Educação Física UERN- CAMEAM
Participou do Projeto de iniciação a docência
****Licenciada em Educação Física
pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
Mestre em Ciências do Desporto: Especialização em Desenvolvimento da Criança
Doutorado em Ciência da Educação pela Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro
Professora Adjunta do Curso de Educação Física
da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
(Brasil)
Recepção: 17/07/2019 - Aceitação: 17/12/2019
1ª Revisão: 15/12/2019 - 2ª Revisão: 16/12/2019
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Resumo
A presente reflexão tem como eixo discursivo apresentar os resultados tecidos no âmbito do Projeto do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, PIBIC, Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, UERN, intitulado de “Narrativas autobiográficas: tecendo os caminhos da formação profissional em Educação Física” (EF). Um estudo realizado com a colaboração de quatro docentes, de quatro escolas públicas municipais do Alto Oeste Potiguar-RN. O objetivo consistiu em identificar por meio das narrativas autobiográficas e troca de experiências entre os participantes do projeto, saberes e competências necessárias para a construção do profissional de Educação Física. E ainda, contribuir para a compreensão da formação profissional. É um estudo descritivo com abordagem qualitativa que contou com um questionário semiestruturado. Os dados revelaram questões importantes e também preocupantes. O fato de haver práticas pedagógicas executadas por professor sem a devida formação na área e práticas sustentadas nas abordagens de ensino, como por exemplo, a Desenvolvimentista e nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Conclui-se que a forma assistemática com que são conduzidas estas ações não tendem de fato ao que se pretende com a investigação: os saberes necessários à formação inicial e continuada em Educação Física.
Unitermos: Educação Física. Formação docente. Autobiografias. Saberes docentes.
Abstract
The present discourse has as its discursive axis to present the results fabricated in the scope of the Project of the Institutional Program of Scientific Initiation Grants - PIBIC, University of the State of Rio Grande do Norte - UERN, titled "Autobiographical Narratives: weaving the paths of professional formation in Physical Education "(EF). A study applied to four teachers, from four Potiguar-RN High Pole municipal public schools. The objective is to identify through the autobiographical narratives and exchange of experiences among the project participants, knowledge and skills necessary for the construction of the Physical Education professional. Also, contribute to the understanding of professional and continuing training, reflecting the practices experienced during the profession. It is a descriptive study with a qualitative approach that had a semi-structured questionnaire. The data revealed important and worrying issues. The fact that there are pedagogical practices carried out by a teacher without proper training in the area and practices sustained in the teaching approaches, such as the Developmentalist and in the National Curricular Parameters. However, the care and the unsystematic way in which these actions are carried out tends not to take care of what is intended with the investigation, namely: the knowledge necessary for the initial and continued formation in Physical Education.
Keywords: Physical education. Teacher formation. Autobiographies. Teacher knowledge.
Resumen
La presente reflexión tiene como eje discursivo presentar los resultados obtenidos en el marco del Proyecto del Programa Institucional de Becas de Iniciación Científica, PIBIC, Universidad Estatal de Río Grande del Norte, UERN, titulado "Narrativas autobiográficas: tejiendo caminos de la formación profesional en Educación Física (EF)”. Se trata de un estudio realizado con la colaboración de cuatro docentes, de cuatro escuelas públicas en el Alto Oeste Potiguar-RN. El objetivo fue identificar a través de las narrativas autobiográficas y el intercambio de experiencias entre los participantes del proyecto, los conocimientos y las habilidades necesarias para la construcción del profesional de Educación Física. Y, además, contribuir a la comprensión de la formación profesional. Es un estudio descriptivo con un enfoque cualitativo que incluyó un cuestionario semiestructurado. Los datos revelaron cuestiones importantes y también preocupantes. El hecho de que existan prácticas pedagógicas realizadas por un maestro sin la capacitación adecuada en el área y prácticas sostenidas en los enfoques de enseñanza, como por ejemplo el Desarrollista y los Parámetros Curriculares Nacionales. Se concluye que la forma asistemática de llevar a cabo estas acciones no tiende de hecho a lo que se pretende con la investigación: los saberes necesarios para la formación inicial y continua en Educación Física.
Palabras clave: Educación Física. Formación del profesorado. Autobiografías. Saberes docentes.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 24, Núm. 261, Feb. (2020)
Introdução
A presente reflexão visa discutir os resultados tecidos no âmbito do Projeto proposto pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, intitulado de “Narrativas Autobiográficas: Tecendo os caminhos da formação profissional em Educação Física (EF)” que por meio das ações comunicativas procura identificar os saberes necessários à formação docente. O presente estudo teve como objetivo a construção resultante da dialogicidade e a compreensão de como se dá o processo de formação inicial dos docentes, bem como, a contribuição para a formação continuada confrontando a relação das vivências e experiências em todo o percurso da docência em Educação Física.
A partir dessa concepção, Tardif (2014) diz que o professor não pensa somente com a cabeça, mas com a vida, com o que foi com o que viveu, com aquilo que acumulou em termos de experiência de vida, em termos de lastro de certezas. A formação do professor efetua-se através da aquisição de saberes e afirma que o saber docente, é proveniente de quatro fontes são os saberes da formação profissional, saberes disciplinares, saberes curriculares e saberes da experiência. Esse último saber na visão do autor é proveniente de saberes desenvolvido pelo professor no exercício da profissão. Partimos da consideração de que esse saber advém antes mesmo do universo acadêmico.“A tarefa de ensinar, auxilia o educando a construir o seu saber e de ser produtor de conhecimento, não é simples e requer desse profissional saberes específicos, especializados e transdisciplinares”. (Freitas & Pacífico, 2015, p.8)
Entende-se que o professor possui saberes de diferentes modos, quer sejam acadêmicos, profissionais, escolares, ou seja, saberes incorporados a partir de experiências de vida. O ser professor tem um sentido o qual foi constituído em determinado momento. Sabe-se que cada docente possui uma trajetória de vida, momentos que os possibilitam de ser o que são e de fazer suas escolhas, quer sejam profissionais e/ou pessoais. Hemi Hess em à Teoria dos momentos (2004), diz que um momento é constituído de um conjunto de elementos materiais, psicológicos (afetivos) e passionais, para o autor não entramos em um momento por acaso, e sim, somos convocados a entrarmos neles, onde esses vão se entrelaçando e nos levando a fazer escolhas sem percebermos, a maioria dessas escolhas são inconscientes, por isso, na formação inicial alguns não sabem o porquê fizeram a escolha pelo curso de EF.
De acordo com Dutra e Benites (2018) a construção da identidade pode ser caracterizada por diversas situações, como as características demográficas, os traços de personalidade, a motivação para a docência e sua desistência devido a diversos fatores enfrentados, o desenvolvimento profissional, o contexto da sociedade na docência, as emoções vividas, conhecimentos e crenças pré-estabelecidos e pressões por parte das instituições atuante.
Assim, o Projeto de pesquisa PIBIC tem como objetivo geral identificar por meio das narrativas autobiográficas e troca das experiências entre os participantes do projeto, saberes e competências necessários para a construção do profissional de EF. E como objetivo específico, contribuir para a compreensão da formação profissional e continuada, fazendo uma reflexão das práticas vivenciadas no decorrer da profissão docente.
Método
O método utilizado foi um estudo descritivo com abordagem qualitativa, a qual tratou de analisar os dados empíricos obtidos interpretando-os de acordo com a visão dos sujeitos acerca da realidade que envolve a pesquisa. O instrumento usado para conhecer e analisar os saberes necessários à formação inicial e continuada dos professores de Educação Física, no Alto Oeste Potiguar contou com um questionário semiestruturado. Segundo Pádua na entrevista semiestruturada “o pesquisador organiza um conjunto de questões sobre o tema que está sendo estudado, mas permite, e às vezes até incentiva, que o entrevistado fale livremente sobre os assuntos que vão surgindo como desdobramento do tema principal” (Pádua, 2007, p. 70). Para resguardar o anonimato dos entrevistados, preferimos citá-los como: Professor 1 (P1), Professor 2 (P2), Professor 3 (P3) e Professor P4 (P4).
Os resultados foram descritos de forma concisa e objetiva, com interpretação dos dados, obedecendo a uma sequência lógica por meio de uma descrição criteriosa. São apresentados por categorias de estudo, a saber: concepções sobre educação, percepção da EF escolar, contribuições na formação das pessoas, conteúdo da EF, saberes necessários para o ensino da EF escolar e abordagens pedagógicas.
Resultados e discussões
A formação dos professores é um dos campos do conhecimento educacional bastante discutido no meio acadêmico e profissional ao longo das últimas décadas. Nessa discussão, estão incluídos também, os docentes da EF, a formação inicial e continuada, os saberes e competências necessários para a construção do profissional de EF.
A pesquisa foi realizada em quatro escolas públicas municipais do Alto Oeste Potiguar/RN com, respectivamente, quatro professores que desempenham suas funções educativas em turmas de 6º ao 9º ano, ensino fundamental II. Após a coleta significativa dos dados, a leitura e análise serão apresentadas em seguida.
Quem são os sujeitos pesquisados?
Conforme entrevista, dos quatro professores pesquisados, 03 (três) são do gênero masculino e 01 (um) feminino, possuem faixa etária entre 30 a 50 anos. Em relação a formação acadêmica, 02 (dois) tem graduação em Educação Física, 01 (um) é formado em Letras com habilitação em Língua Inglesa e Educação Física e outro, em Letras. Todos têm pós-graduação, sendo 01 (um) em Linguística Aplicada, 01 (um) com Psicopedagogia Institucional, 01 (um), em EF escolar, e outro, com EF escolar e Fisiologia do Exercício e Biomecânica do Movimento.
Categoria 01. Concepções de Educação
Como salienta Freire (2012), desde o começo, na prática democrática e crítica, a leitura do mundo e a leitura da palavra estão dinamicamente juntas. Isso reforça a ideia de que a educação tem a leitura como meio de melhoria para a formação do indivíduo. “E, já que a educação modela as almas e recriam os corações, ela é alavanca das mudanças sociais” (Freire, 2012, p. 28). Ainda de acordo com Freire (2012, p. 11) “a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto”.
Os professores pesquisados apresentam uma concepção de educação simplista, vaga e fragmentada, conforme depoimentos a seguir: “A educação é tudo para as pessoas, seja na família ou no social” (P1); “É importante, mas apresenta deficiências porque é muito difícil educar, a escola faz sua parte e a família desfaz” (P2). Podemos inferir que as narrativas desses docentes apresentam ponto de vistas em desacordo com Tardif (2014) ao afirmar que a Educação é o conjunto dos processos de formação e de aprendizagem elaborados socialmente e destinados a instruir os membros da sociedade.
Ainda na visão dos educadores: “A educação a vejo como a mola mestra para uma sociedade com possibilidades de mudanças significativas de comportamentos, de visão de mundo e de crescimento enquanto ser humano” (P3); “Educação é o conjunto de normas organizadas e sistematizadas na escola (P4)”. De acordo com estes docentes as percepções de educação vão ao encontro das ideias de Gonçalves (1994) quando afirma ser uma prática sistematizada que busca atuar sobre indivíduos e grupos sociais, com a intenção de possibilitar a formação de sua personalidade e sua participação ativa na sociedade.
Categoria 02. Percepção da Educação Física escolar
Essa visão ampla da Educação Física passou a ser discutida a partir da década de 1980, sob a influência das teorias críticas da educação que passou a questionar o papel e sua dimensão política, fazendo com que ocorresse uma mudança de enfoques.
Na abordagem sobre o lugar da EF na escola, ela é considerada pela maior parte dos docentes que não são da área como brincadeiras e diversão. Porém, o P1 relatou “tem uma enorme importância no contexto educacional porque trabalham as questões mentais, corporais, saúde, os jogos e esportes, a coletividade, a união e o respeito”. Para esse professor, a área de conhecimento referente à EF tem uma importância essencial, tanto quanto as outras áreas e, de forma peculiar, pois mobiliza aspectos da dimensão humana de forma intensa, explicita e implicitamente ao trabalhar com a cultura corporal.
Por outro lado, o P2 apresenta a seguinte percepção, “deveria ser mais valorizada, mas a própria gestão escolar solicita a formação da competição e a organização de atividades e/ou brincadeiras para apresentar nas datas comemorativas”. Ponto de vista que se coaduna ao esporte-performance, também conhecido como esporte de alto rendimento, está preocupado em conseguir novos êxitos e vitórias.
O professor, ao ensinar o esporte com foco nas mecânicas das técnicas, priorizaria o ensino de modalidades em si, e não o esporte enquanto fenômeno social. Fato que contribui para a fragmentação do conteúdo esporte das aulas de EF escolar e fomenta a visão de uma cultura do esporte de rendimento na escola. Salientamos que essa visão pode ser associada com a padronização dos gestos técnicos, com o estímulo à formação de atletas e com o consumo dos bens e materiais produzidos pelo fenômeno esportivo.(Tenório, Oliveira, Lima, Caminha, Melo & Souza, 2015, p. 287)
Esses autores fazem referência ao esporte de alto rendimento expondo que o mesmo denota uma tendência a ser praticada pelos talentos esportivos, abordagem que expressa um caráter excludente. Veja o que relata o Professor 3:
A Educação Física vem ganhando espaço na escola, mas percebo um certo receio tanto pelos alunos quanto pela gestão da escola. Os alunos só cobram a bola e a competição, como também, à gestão cobra a disputa, a formação de equipes para as disputas de campeonatos. A Educação Física escolar é mais importante do que tudo isso, não deve incentivar a competição, dever haver um equilíbrio entre esses dois pontos de vista (Fala do P3).
Nesta perspectiva, ao contrário do que muitos pensam a EF escolar não deve ser totalmente dissociada do esporte, já que um de seus objetivos consiste em promover a socialização e interação entre seus alunos, o que há de se reconhecer que o esporte proporciona. No entanto, para o P4 “a EF é vista como disciplina isolada, sem valor educativo, é apenas para fazer parte do currículo”. A partir deste comentário, um fator que pode vir a influenciar a desvalorização da EF escolar, pode estar relacionado à falta de conhecimento ou de estudo das disciplinas específicas da graduação em Educação Física.
Sobre isso, Freire (2010, apud Brasil,1997) salienta que de nada adianta impor legalmente, através de resoluções oficiais, que as aulas de EF sejam dadas somente pelo professor regente; afinal, “decretos, portarias e leis não satisfazem as exigências de competência, assim como contratar um professor de EF despreparado para tal função só piora o quadro existente” (Freire 2010, apud Brasil 1997, p. 70). Estes profissionais possivelmente estão propensos às atividades de cunho intelectual em detrimento das motoras, socioafetivas, cognitivas e recreativas.
Categoria 03. Contribuição na formação de pessoas
Ao definir a essência da atividade docente profissional precisamos organizar o processo de ensino e aprendizagem. Diante dos saberes, das concepções, ideias e receitas milagrosas de ensinar na escola, nos deparamos com um dilema: o que ensinar nas aulas de EF? E como ensinar? Quais os saberes necessários à docência? Estamos diante de incertezas e de desafios constantes. A única certeza é a necessidade da existência de uma relação teoria-prática com a metodologia de ensino da Educação Física escolar.
Na abordagem sobre a contribuição da disciplina de EF para a formação dos alunos, os quatro professores apresentaram pontos comuns:
A Educação Física não é apenas praticar esportes, mas desenvolver a união, a interação, a cooperação, os valores sociais, como por exemplo, respeito as regras e ao outro. Conhecer o corpo e valorizar esse corpo, os conhecimentos sobre saúde, alimentação e o mundo fitness, sobre os jogos/esportes e benefícios nos aspectos físicos mentais e afetivos” (Fala dos P1, P2, P3 e P4).
De acordo com as falas acima, evidencia-se em comum uma relação com o proposto pelos PCNs, onde o papel do educador demanda uma reflexão sobre a escolha de conteúdo, como também, exige uma redefinição em que a noção de conteúdo escolar se amplia para além de fatos e conceitos, passando a incluir conduta, valores, normas e atitudes. Ao adotar como objeto de aprendizagem escolar conteúdos de distintas naturezas, reafirma-se a responsabilidade da escola e do professor com a formação ampla e integral do aluno e a necessidade de intervenções conscientes e planejadas nessa direção (Brasil, 1997). Isto significa que ao elaborar uma aula de EF, deve-se estimular além da parte motora, também considerar a questão social e emocional, dentre outras, pois, toda habilidade motora adquirida pode e deve servir como suporte para aquisição de novas competências. Por isso, a Base Nacional Comum Curricular - BNCC ressalta a importância de que,
Nas aulas, as práticas corporais devem ser abordadas como fenômeno cultural dinâmico, diversificado, pluridimensional, singular e contraditório. Desse modo, é possível assegurar aos alunos a (re) construção de um conjunto de conhecimentos que permitem ampliar sua consciência a respeito de seus movimentos e dos recursos para o cuidado de si e dos outros e desenvolver autonomia para apropriação e utilização da cultura corporal de movimento em diversas finalidades humanas, favorecendo sua participação de forma confiante e autoral na sociedade. (Brasil, 2017, p. 211)
Destarte, os P1 e P2 veem a “EF tão importante como as demais disciplinas do currículo, fazendo relação com as Ciências e com a Biologia, no sentido de valorizar e colocar em prática os conceitos relacionados à EF”. Já Na visão dos P3 e P4 “É a essência do movimento através da cultura do movimento corporal”. Sendo assim, os PCN ressaltam que a Educação Física Escolar, sincronizada à proposta pedagógica da escola, deve oportunizar ao aluno, através da cultura do movimento, a incorporação de conhecimentos, valores e habilidades, expressos principalmente nas manifestações do esporte, do jogo, da ginástica, da luta e da dança.
Categoria 04. Conteúdo da Educação Física
Na sequência, indagamos aos docentes sobre os conteúdos que devem ser trabalhos nas aulas de EF, os P1 e P3 apresentaram respostas semelhantes “os conteúdos de acordo com o definido pelos PCNs, como: os jogos e esportes, lutas, capoeira e ginásticas, atividades rítmicas, culturais e expressivas, conhecimentos sobre o corpo e saúde”. O plano educacional exposto nos PCNs (Brasil, 1997) demanda uma reflexão sobre a seleção de conteúdo, como também, exige uma reavaliação, compreendendo que os conteúdos escolares acrescentam além de fatos e conceitos, ainda, procedimentos, valores, normas e atitudes.
O professor B aponta como conteúdo:
Os jogos, as brincadeiras, as questões de saúde, a educação por meio da prática das modalidades esportivas respeitando os valores e as possibilidades de cada aluno, pois as atividades esportivas fazem parte do cotidiano dos alunos, não podemos deixar de considerar essa cultura de sua vivência escolar (Fala, PB).
Com isso, observamos na fala deste professor que os conteúdos mais desenvolvidos estão relacionados às habilidades físico-motoras e jogos pré-desportivos, sendo as atividades esportivas as principais do repertório da prática de ensino escolar. Os jogos pré-desportivos são adaptações de esportes tradicionais e recreativos com o intuito de desenvolver habilidades físicas e sociais específicas nos participantes. Geralmente, são destinados aos indivíduos que desejam se iniciar numa prática desportiva. Eles também são importantes para aprimorar as habilidades sociais dos participantes, incentivando o trabalho em equipe, por exemplo. Assim, percebemos no íntimo de seu relato uma prática pedagógica fundamentada nos conhecimentos da abordagem desenvolvimentista, como por exemplo, a condução da ação pedagógica deste professor (2) ao citar anteriormente a preparação dos alunos nas modalidades esportivas para as competições extraescolares.
De acordo com Kunz (2012) o esporte passou a ser um conteúdo hegemônico da Educação Física, dificultando desse modo que outras manifestações corporais também sejam aceitas e exploradas. Nas palavras de Bracht (1986, p. 65): “[...] essas características que o esporte escolar apresenta não são geradas no seio do próprio esporte, e sim, é o reflexo mediatizado da estrutura social em que ele se realiza, ou seja, da sociedade capitalista”. Assim, o esporte é na verdade um fruto da sociedade industrial moderna e não um fenômeno natural, por conseguinte, é condicionado por ideologias inerentes a essa sociedade.
Estas posições não partem de uma análise crítica da relação entre a Educação Física/Esporte e o contexto sócio-econômico-político e cultural em que se objetivam, e sim, da análise Educação Física/Esporte enquanto instituições autônomas e isoladas, ou quando muito, como instituições funcionais, ou seja, como instituições que devem colaborar para a funcionalidade e harmonia da sociedade na qual se inserem. (Bracht, 1986. p. 63)
Notadamente a abordagem do esporte no âmbito da escola tem suas contribuições, na medida em que favorece a cooperação, a troca de conhecimentos e integração social entre os estudantes, contribuindo também para a construção e transmissão de valores morais e éticos socialmente aceitos. Por outro lado, a proposta de conteúdo apresentada pelo P4 “trata sobre a importância das atividades físicas, obesidade, sedentarismo, caminhada, anabolizantes, drogas, alimentação saudável e assuntos que fazem parte do cotidiano do aluno”.
A partir dos critérios de seleção e organização dos conteúdos, compreende-se que são selecionados e distribuídos de acordo com os desejos dos discentes, servindo como subsídio ao trabalho do professor e a serem incorporados de forma equilibrada e compatível com os anseios dos alunos. Conforme Darido (2004), a prática de todo professor, mesmo que de forma pouco consciente, apoia-se em determinada concepção de aluno, ensino e aprendizagem que é responsável pelo tipo de representação que o professor constrói sobre o seu papel, o papel do aluno, a metodologia, a função social da escola e os conteúdos a serem trabalhados.
Nesse contexto, Kunz (2012) também defende [“...], esportes, dança, ginástica, lutas, jogos e brincadeiras” (Kunz, 2012, p. 63), ou seja, conteúdo próprio da disciplina de Educação Física. Portanto, o conteúdo significativo não é apenas o que faz parte da realidade social do aluno, mas sim, aquele em que é produzido socialmente.
Categoria 05. Saberes necessários para o ensino da Educação Física escolar
Os professores são convidados a definir sua prática em relação aos saberes que possuem e transmitem, isto é, saberes iniciais e profissionais, segundo Freitas e Pacífico (2015). Os saberes docentes são variados e heterogêneos, visto que não se resumem a um conjunto de saberes unificado. Desta feita, o docente raramente se prende a uma só teoria ou concepção pedagógica, pois o bom profissional, conforme as necessidades e dificuldades encontradas buscam as soluções em diferentes técnicas e teorias.
Dessa forma, a fim de melhor conhecer quais os saberes que fundamentam a prática pedagógica do professor em Educação Física, o P1 e P2, apresentam um entendimento simplista e frágil sobre os saberes ao relatar o seguinte: “os saberes são vários, como os conhecimentos sobre os jogos, esportes, brincadeiras, ginástica, lutas e outros” (P1). Por outro lado, P2 menciona “trabalho com um pouco de cada saber, quando trabalho com a competição, com os jogos de forma lúdica, com a participação de todos os alunos de modo inclusivo”. Considerando a trajetória de vida destes docentes essas falas podem retratar uma formação precária no que tange ao tema em foco.
Desse modo, apoiamo-nos na ideia de que os saberes dos docentes estão ancorados no trabalho cotidiano de acordo com os contextos sociais, suas condições, seus recursos e seus objetivos específicos. Assim, como Tardif (2014), acreditamos que para estudar os saberes dos docentes, suas ações práticas e suas interações com os demais atores (alunos, outros docentes etc.), devem ser consideradas as condições de trabalho no interior de um estabelecimento escolar, entre outros determinantes externos.
Na percepção do P3, em sua prática pedagógica “é vivenciado os saberes da experiência enquanto atleta, mas depois da formação universitária esses saberes se moldaram adquirindo os conhecimentos dos saberes profissionais e disciplinares”. Para o nosso pesquisado a sua prática está ligada às suas experiências como atleta e com a formação inicial, portanto, saberes experiências e saberes disciplinares, adquiridos na graduação, relato que se coaduna com Tardif “os professores, no exercício de suas funções e na prática de sua profissão, desenvolvem saberes específicos, baseados em seu trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio. Eles incorporam-se à experiência individual e coletiva sob a forma de habilidades, de saber-fazer e de saber-se”. (2014, p. 38 – 39)
Sendo assim, o P4 afirma o seguinte, “não conheço nada sobre os saberes, pois não sou nem da área da Pedagogia nem da Educação Física”. Desse modo, é necessário ter claro que a escola está dentro de um espaço maior que é a sociedade e o mundo e, portanto, não se pode fazer uma análise do currículo construído historicamente desvinculando-o dos processos sócio históricos, pois os saberes docentes são essenciais ao trabalho pedagógico, em uma visão de que a escola é transmissora de conhecimentos, influenciarão os processos pedagógicos desenvolvidos no interior da escola. (Tardif, 2014)
Portanto, corroborando ao que expomos, as discussões acenam que a profissão docente é permeada de diferentes saberes ancorados no trabalho cotidiano dos diversos contextos educacionais, em suas condições de trabalho e seus saberes-fazeres específicos. As ciências da educação incluem todos os conhecimentos desenvolvidos pela pesquisa sobre o ensino, neste caso, os saberes necessários para o ensino da Educação Física escolar.
Categoria 06. Abordagens pedagógicas
No âmbito dos saberes necessários aos docentes para o ensino da Educação Física, sua prática pedagógica interage com diferentes saberes, com os quais o corpo docente mantém diferentes relações. Aos professores é importante uma concepção acadêmica e uma importância do conhecimento no plano de estudo e de atuação como essenciais para o processo de elaboração, apropriação e desempenho do saber no exercício profissional, como por exemplo, as abordagens de ensino no campo da Educação Física escolar.
Partindo dessa premissa, no que se refere aos conhecimentos sobre as abordagens pedagógicas em Educação Física foi questionado aos docentes qual delas fundamenta a sua pratica. Os P1 e P3 comungam do mesmo pensamento, ou seja, os docentes citaram conhecer várias abordagens, entre elas:
Os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs, a Abordagem Crítica Superadora, a Crítica Emancipatória, a Saúde Renovada e a Construtivista. Porém, os PCNs são fundamentais para nortear a minha prática dentro dos blocos de conteúdos e, também, porque trabalho de acordo com os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais (Fala do P1 e P3).
Nesse sentido, percebe-se que a proposta de ensino da EF destes docentes baseada nos PCNs busca uma reflexão sobre os conteúdos e metodologias propostos nas aulas, como também, demanda uma redefinição, em que a concepção de conteúdo escolar se agrega para além de fatos e conceitos, passando a adotar procedimentos, valores, normas e atitudes. Ao tomar como instrumento de aprendizagem escolar conteúdos de diferentes naturezas, reitera a responsabilidade da escola e do professor com a formação integral do aluno e a precisão de mediações cientes e planejadas nessa direção. (Brasil, 1997)
Na visão do P2, em relação a essa mesma questão, afirmou que seu trabalho está pautado “na Abordagem Desenvolvimentista, mas trabalha com a mistura de várias, pois considera importante para o desenvolvimento crítico e das habilidades motoras dos alunos”. Nessa percepção, uma aula de Educação Física deve privilegiar a aprendizagem do movimento correto e perfeito, da técnica, passando pela qualidade do movimento técnico, embora possa haver outras aprendizagens em decorrência da formação do pensamento crítico do aluno.
Com isso, o P2 acena que em sua prática pedagógica trabalha de acordo com as várias abordagens, isso configura a ideia de que este docente tem conhecimento de outras abordagens de ensino no campo da EF escolar, em consonância com a sua formação, porém, cita apenas a Abordagem Desenvolvimentista, o que leva a refletir que uma aula da disciplina de EF não pode ocorrer sem que haja o desenvolvimento da capacidade motora em função do desenvolvimento fisiológico, cognitivo, psicológico e afetivo-social, como aspectos relevantes para a estruturação da prática da EF escolar.
Contudo, em relação as abordagens pedagógicas que orientam a pratica de ensino o P4 relatou o seguinte: “nem sabia que existia essas abordagens e quanto a minha prática realizo a pesquisa de aulas prontas no Google”. Portanto, apenas um docente demonstrou não conhecer as abordagens pedagógicas em EF.
Nesse sentido, identifica-se uma prática de ensino que se utiliza de métodos prontos nos mais diversos manuais e sites de pesquisa estabelecendo uma mecanização da aula sem o rigor cientifico exigido no meio acadêmico. Tardif (2014) especifica essa tipologia como os saberes oriundos dos programas escolares (dos livros e manuais didáticos), e finalmente, os saberes experienciais, provenientes da prática do docente no meio escolar.
Conclusões
Os dados revelaram questões importantes e também preocupantes. O fato de haver ações pedagógicas executadas por professor sem a devida formação na área e práticas norteadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais e a Abordagem Desenvolvimentista nas escolas analisadas, sendo um marcador interessante no campo da EF escolar. Conclui-se que a forma assistemática com que são conduzidas estas ações não tendem de fato ao que se pretende com a investigação: os saberes necessários à formação inicial e continuada em Educação Física, a partir do ponto de vista de Tardif (2014).
Assim, mediante os resultados apresentados seria aconselhável que as escolas mantivessem um programa de educação continuada para seus professores, a fim de que eles pudessem avançar em seus conhecimentos e atualizar suas práticas pedagógicas condizentes com a formação inicial e continuada, no sentido de integrar os estudos que são produzidos pela academia aos saberes que os professores de EF constroem em seu cotidiano escolar e profissional.
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