Transferência bilateral no aprendizado da preensão e encaixe
de objetos em crianças com paralisia cerebral: um estudo piloto
Bilateral transfer in the learning of the grasping and fitting
of objects in children with cerebral palsy: a pilot test
Transferencia bilateral en el aprendizaje de la prensión y encaje
de objetos en niños y niñas con parálisis cerebral: un estudio piloto
João Antonio da Silva Filho*
joaofilho.pb@hotmail.com
Carla Ferro Pereira Monfredini**
carlatap@hotmail.com
*Fisioterapeuta (Universidade Federal da Paraíba - UFPB)
Especialização em Aprendizagem Motora (Universidade de São Paulo – USP)
Mestrando em Ciências da Reabilitação (Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN)
**Profissional da Educação Física (Universidade estadual de Londrina – UEL)
Especialização em Aprendizagem Motora (Universidade de São Paulo – USP)
Mestra em Biodinâmica do Movimento Humano (Universidade de São Paulo – USP)
Recepção: 15/04/2019 - Aceitação: 24/08/2019
1ª Revisão: 26/07/2019 - 2ª Revisão: 22/08/2019
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Resumo
Introdução: A Paralisia cerebral (PC) é decorrente de uma lesão de caráter não progressivo no Sistema Nervoso Central (SNC) em desenvolvimento, antes, durante o nascimento ou nos primeiros meses da infância levando à incapacidades e limitações das funções, afetando a realização de suas atividades de vida diária. Objetivo: Avaliar o efeito da transferência bilateral no aprendizado da tarefa de preensão manual e encaixe de objetos em crianças com PC. Metodologia: Para a realização deste trabalho utilizou-se um grupo experimental (GE) e um grupo controle (GC), ambos formados por três crianças pareadas em relação à idade (entre oito e onze anos). A tarefa consistiu em apreender e encaixar três objetos, distribuída em quatro fases, sendo inicialmente a familiarização seguida de pré-teste, prática e pós-teste. Resultados: Na fase de pós-teste, verificou-se que houve diminuição do tempo gasto na realização da tarefa com a mão não dominante entre os indivíduos do grupo experimental, enquanto que no grupo controle o tempo aumentou ou permaneceu. Conclusão: As crianças com PC do tipo diparesia espástica apresentaram transferência bilateral de aprendizagem do tipo assimétrica, ou seja, da mão dominante para a mão não-dominante. Os dados encontrados mostram grande significância para processo de reabilitação neuromotora de crianças com PC acompanhadas pelo profissional da fisioterapia.
Unitermos: Aprendizagem. Transferência. Paralisia cerebral.
Abstract
Introduction: Cerebral Palsy (CP) is due to a non-progressive lesion in the developing Central Nervous System (CNS), before, during the birth or in the first months of childhood leading to the incapacities and limitations of the functions, affecting the performance of activities of daily living. Objective: to evaluate the effect of bilateral transference in the learning of the task of manual gripping and fitting of objects in children with CP. Methodology: The experimental group (EG) and a control group (GC) were used to perform the study, both of which were paired with age (eight to eleven). The task consisted in seizing and fitting three objects, distributed in four phases, being the familiarization followed by pre-test, practice and post-test. Results: In the post-test phase, it was verified that there was a decrease in the time spent performing the task with the non-dominant hand among the individuals in the experimental group, whereas in the control group the time increased or remained. Conclusion: Children diagnosed with spastic diparesia-like cerebral palsy presented bilateral asymmetric learning transfer, that is, from the dominant hand to the non-dominant hand. The data found show great significance for the process of neuromotor rehabilitation of children with CP accompanied by the physiotherapist.
Keywords: Learning. Transference. Cerebral palsy.
Resumen
Introducción: La parálisis cerebral (PC) es consecuencia de una lesión de carácter no progresivo en el Sistema Nervioso Central (SNC) en desarrollo, antes, durante el nacimiento o en los primeros meses de la infancia llevando a incapacidades y limitaciones de las funciones, afectando la realización de sus actividades de vida diaria. Objetivo: Evaluar el efecto de la transferencia bilateral en el aprendizaje de la tarea de prensión manual y encaje de objetos en niños con PC. Metodología: Para la realización de este trabajo se utilizó un grupo experimental (GE) y un grupo control (GC), ambos formados por tres niños pareados en relación a la edad (entre ocho y once años). La tarea consistió en aprehender y encajar tres objetos, distribuida en cuatro fases, siendo inicialmente la familiarización seguida de pre-test, práctica y post-test. Resultados: En la fase de post-test, se verificó que hubo disminución del tiempo utilizado en la realización de la tarea con la mano no dominante entre los individuos del grupo experimental, mientras que en el grupo control el tiempo aumentó o permaneció. Conclusión: Los niños con PC del tipo diparesia espástica presentaron transferencia bilateral de aprendizaje del tipo asimétrico, o sea, de la mano dominante a la mano no dominante. Los datos encontrados muestran gran significancia para el proceso de rehabilitación neuromotora de niños con PC acompañados por el profesional de la fisioterapia.
Palabras clave: Aprendizaje. Transferencia. Parálisis cerebral.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 24, Núm. 257, Oct. (2019)
Introdução
A Paralisia cerebral (PC) é decorrente de uma lesão de caráter não progressivo no Sistema Nervoso Central (SNC) em desenvolvimento, antes, durante o nascimento ou nos primeiros meses da infância. (Monteiro et al., 2010; Santos et al. 2016; Masseti et al., 2014; Assumpção et al., 2011). A PC leva à alteração do tônus e à persistência de reflexos primitivos, déficits posturais, disfunções motoras, alterações cognitivas, distúrbios sensoriais, visuais, auditivos, comportamentais, de linguagem e aprendizagem, levando à incapacidades e limitações das funções, afetando a realização de suas atividades de vida diária (Cabral et al., 2010; Santos et al., 2016, Masseti et al., 2014; Assumpção et al., 2011). Os dados epidemiológicos relatam uma incidência da PC entre 1,5 e 2,5 por cada 1.000 nascidos vivos nos países desenvolvidos e de 7 por cada 1.000 nascidos vivos em países subdesenvolvidos (Oliveira et al., 2013). A criança com PC pode ser classificada de acordo com o tipo de tônus muscular, topografia por comprometimento corpóreo e de acordo com a gravidade. Em relação ao tônus, a PC pode ser espástica, coreoatetoide, atáxica e hipotônica, podendo ocorrer ainda os casos mistos. Quanto às características topográficas de acometimento corporal, pode ser do tipo tetraparesia, diparesia e hemiparesia. Para a classificação de acordo com a gravidade, segue-se a escala Gross Motor Function Classification System (GMFCS) que é composta por cinco níveis de independência. (Lanza et al. 2012)
A compreensão dos processos que envolvem a aprendizagem motora é de grande importância, pois pode possibilitar a construção de um programa de intervenção baseado em evidências científicas (Magill, 2010). As técnicas de reabilitação têm tido mais sucesso em restaurar a função do membro inferior do que o membro superior, sendo este o que oferece maior independência nas atividades da vida diária (AVDs) e maior autoestima ao indivíduo. Uma estratégia de tratamento voltada a melhorar o uso do membro superior acometido ou testado na aprendizagem motora é a Terapia por Contensão Induzida (TCI). Esta técnica é definida como um potente método de recuperação sensório-motora que desencoraja o uso do membro contido e encoraja o uso ativo do membro livre, tendo como objetivo maximizar ou restaurar a sua função motora (Pereira, 2010).
O profissional envolvido no ensino de habilidades motoras precisa utilizar algum tipo de avaliação para determinar se o paciente aprendeu o que lhe foi instruído, se é capaz de transferir a tarefa aprendida para o membro contralateral à prática ou se é capaz de realizar a tarefa em um novo contexto. Esta mensuração é bastante importante dentro das áreas da reabilitação e educação, servindo de base para desenvolvimento curricular e programático e, fundamentam as abordagens sistemáticas dos protocolos de tratamentos (Teixeira, 2006).
Quando ocorre uma transferência de aprendizagem de um membro para outro contralateral, estamos diante de um fenômeno conhecido como Transferência Bilateral de Aprendizagem (TBA) que demonstra nossa capacidade de aprender com mais facilidade uma habilidade motora com uma das mãos ou um dos pés após ter aprendido com o membro oposto. Uma questão intrigante em relação a TBA é se a direção em que ela ocorre é simétrica ou assimétrica, sendo a segunda mais aceita. Na TBA assimétrica há uma grande transferência quando uma pessoa pratica determinada habilidade inicialmente com o membro preferido antes de aprendê-la usando o outro membro. Este tipo de comportamento pode ser explicado pelo fato de maior segurança e conforto serem gerados pelo membro preferido durante o desempenho (Teixeira, 2006). Sabendo-se que crianças com PC apresentam alterações cognitivas e/ou motoras, supõe-se que elas apresentem dificuldade em transferir a aprendizagem de uma habilidade motora. (Andrean et al., 2013)
Alterações na motricidade estão presentes em até 7% das crianças em idade escolar, entre os sinais relacionados com estas alterações estão os problemas de transferência de aprendizagem (Okuda et al., 2011). Em um estudo realizado com uma população de crianças com atraso no desenvolvimento da coordenação fina, pôde-se identificar que elas apresentaram dificuldades em movimentos de pinça tridigital e polpa-polpa, oposição de polegar e movimentação de punho, além de graduação de força, preensão de objetos e sincronização dos movimentos (Okuda et al. 2011). Um outro estudo com crianças com PC avaliou a aprendizagem motora através da tarefa de percorrer um caminho em um labirinto, no menor tempo possível, e verificou que estas crianças mostraram capacidade de aprendizagem preservada, pois houve melhora no desempenho conferida por meio da transferência (Monteiro et al., 2010). Já se investigou também a tarefa de alcançar e agarrar objeto, perto e longe do corpo, entre 16 crianças com PC e verificou-se que estes indivíduos podem melhorar uma habilidade motora após a prática sendo capazes de transferir o aprendizado para movimentos semelhantes (Robert et al., 2013). No entanto, ainda há poucos trabalhos relacionados à TBA nessa população em particular e, por isso, é importante enfatizar a necessidade de outros estudos sobre o tema.
Diante do exposto, o objetivo deste trabalho foi avaliar o efeito da transferência bilateral no aprendizado da tarefa de preensão manual e encaixe de objetos em crianças com paralisia cerebral. Os resultados podem contribuir para profissionais da saúde e da educação que trabalham com este público.
Metodologia
Participantes
Participaram deste estudo seis crianças com PC atendidas no setor de fisioterapia neuropediátrica do Centro Especializado de Reabilitação Maria Moura de Aquino localizado na cidade de Guarabira - PB. Os critérios de inclusão para a participação desta pesquisa foram: assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) por um dos responsáveis da criança, ter o diagnóstico clínico de PC e apresentar alterações motoras que caracterizam a PC como diparesia (membros inferiores são mais comprometidos) espástica. Os critérios de exclusão envolveram presença de deformidades osteomioarticulares em membros superiores além das características esperadas e déficit cognitivo exacerbado que dificultasse a comunicação e orientações do avaliador. Recorreu-se a amostra de conveniência, sendo dividida em dois grupos de três sujeitos pareadas de acordo com a idade. Um grupo controle (GC) composto de duas crianças do sexo feminino e uma do sexo masculino com idades variando entre 8 e 10 anos (M= 8,67 anos, e DP = 1,15) e um grupo experimental (GE) formado por uma criança do sexo feminino e duas do sexo masculino com idades variando entre 10 e 11 anos (M= 10,33 anos, DP = 0,58). A dominância manual foi inicialmente estabelecida por meio da observação da preferência lateral das crianças no universo de tarefas motoras que elas são capazes de desempenhar e através de Inventário de Dominância Lateral de Edimburgo (Oldifield, 1971) respondido pelos pais do avaliado.
Equipamento e tarefas
A tarefa motora consistiu em apreender, utilizando a mão dominante, três peças de material em plástico resistente, sendo um de cada vez, e posicioná-los no espaço correspondente. O objetivo na tarefa foi treinar a criança a executar tais movimentos de modo a diminuir o tempo de execução, ou seja, favorecer um melhor controle e aprendizagem motora. Os três objetos ficaram dispostos enfileirados em cima da mesa de avaliação e a criança testada foi posicionada sentada diante da mesa e poderia apreender qualquer um dos objetos sem que houvesse a exigência de seguir uma ordem pré-estabelecida. O fisioterapeuta (avaliador) posicionou-se sentado, do outro lado da mesa e forneceu comando verbal para que a habilidade motora fosse iniciada. Para a aplicação da tarefa foi utilizado um brinquedo de encaixe composto por uma superfície com orifícios específicos e três peças em formatos geométricos distintos, em cores variadas e com diâmetro de aproximadamente 2 centímetros, podendo ser apreendidas por movimento de pinça tridigital, polpa-polpa ou utilizando todos os dedos (pinça maior). A medição do tempo de movimento foi realizada por meio de aplicativo de cronômetro de aparelho celular que contabilizou toda a tarefa a partir do primeiro movimento do membro superior dominante da criança até o encaixe do último objeto.
Procedimentos
Antes dos testes serem iniciados, os pais das crianças avaliadas receberam as informações necessárias acerca do método e objetivo da pesquisa e assinaram o TCLE. O experimento foi constituído de quatro fases: (1) familiarização (2) pré-teste, (3) fase de aquisição (prática), (4) pós-teste (teste de transferência), realizadas em quatro dias distribuídos em três semanas. Um avaliador foi o encarregado pelas instruções e outro pelas anotações dos valores de tempo de movimento. Os dados foram organizados em blocos de tentativas (duas tentativas para a familiarização, cinco tentativas para cada mão no pré-teste e pós-teste (transferência) e dez tentativas nas duas etapas da aquisição, como mostra a tabela 1.
Tabela 1. Tabela de Delineamento Experimental
Tarefa de preensão e encaixe de objetos com a mão
dominante e não-dominante |
||||
|
Familiarização |
Pré-teste |
Aquisição |
Pós-teste |
GE |
2
tentativas |
5
tentativas MD |
10
tentativas MD |
5
tentativas MD |
|
|
5
tentativas MND |
10
tentativas MD |
5
tentativas MND |
GC |
2
tentativas |
5
tentativas MD |
|
5
tentativas MD |
|
|
5
tentativas MND |
|
5
tentativas MND |
GE: Grupo Experimental; GC: Grupo Controle; MD: Mão dominante; MND: Mão Não Dominante.
Fonte: Própria
As crianças foram recrutadas individualmente em sala apropriada para a tarefa sendo posicionadas sentadas com as peças de encaixe diante do seu eixo sagital sobre uma mesa, a uma distância equivalente à metade da sua capacidade de alcance manual. Os objetos que foram utilizados estavam dispostos lateralmente ao alvo e ipsolateral ao membro em uso. As crianças dos dois grupos (GC e GE) receberam informações por meio da demonstração da habilidade e instrução verbal sobre como executar a tarefa. Cada uma delas realizou duas tentativas de familiarização em que o tempo não foi contabilizado, mas houve correções e orientações durante a execução da habilidade motora nesta fase. O intuito desta fase inicial, realizada no primeiro dia, foi garantir que a criança avaliada havia compreendido os comandos e os objetivos da tarefa. Finalizada a familiarização iniciou-se a segunda fase (pré-teste).
O pré-teste foi realizado ainda no primeiro encontro, 30 minutos após a familiarização e cada criança, de ambos os grupos, apreendeu um objeto por vez utilizando a mão dominante e os posicionou no espaço correspondente, até que os três objetos do brinquedo estivessem encaixados corretamente. Todo esse processo foi realizado cinco vezes seguidas, com tempos cronometrados em cada uma das vezes e sem que houvesse feedback aumentado durante a execução da tarefa. O mesmo protocolo foi seguido para a mão não-dominante. Os valores obtidos foram coletados e guardados pelo pesquisador.
A fase de aquisição (prática), aplicada apenas ao grupo experimental (GE), consistiu em realizar em cada encontro 10 tentativas da tarefa de preensão e encaixe dos três objetos utilizando apenas a mão dominante, sem cronometrar, com um intervalo de descanso entre a quinta e sexta tentativa. Foram realizados dois encontros no transcorrer de duas semanas com duração de aproximadamente 20 minutos cada. No início da realização das tentativas o pesquisador forneceu informações de como desempenhar a habilidade por meio do modelamento e por instrução verbal, já durante a realização das tentativas houve o feedback do tipo descritivo, ou seja, o avaliador não somente identificava erros de execução da habilidade como também informava à criança avaliada o que fazer para corrigi-los. Os pais das crianças avaliadas receberam orientações para darem continuidade ao treinamento em casa em dias intercalados e para isso receberam uma ficha de controle de execução da habilidade motora, em que deveriam anotar o número de tentativas realizadas e o tempo utilizado para tal.
O pós-teste (transferência de aprendizagem), foi realizado no quarto e último encontro com os pesquisadores e aplicado ao grupo experimental (GE) e também ao grupo controle (GC). Da mesma forma que a fase de pré-teste, foram cronometrados os tempos de movimento das cinco tentativas realizadas pela mão dominante e mão não-dominante. Durante o uso da mão não-dominante, a mão dominante foi contida baseada na Terapia por Contensão Induzida (TCI).
Análise estatística
A variável dependente foi o tempo de movimento, mensurado a cada tentativa das fases de pré-teste e pós-teste. Inicialmente foi calculada a média de tempo das cinco tentativas individuais para cada mão (dominante e mão não-dominante). Quanto maior o tempo, mais laboriosa era a execução da tarefa para a criança, consequentemente, quanto menor o tempo, melhor o controle motor. Os resultados dos testes foram analisados em função das médias das pontuações individuais e, em seguida, a média do grupo e os respectivos erros-padrão. Para analisar o desempenho de cada grupo ao longo dos testes (pré-teste, pós-teste) utilizou-se da análise descritiva (média e erro padrão) e uma análise de variância de três fatores, 2 (Grupo: GC x GE) x 3 (Teste: pré x pós) x 2 (Mão: dominante x não-dominante) com medidas repetidas nos dois últimos fatores, utilizando o programa Statistica v.8. Comparações post hoc foram realizadas por meio do teste de Tukey. Em todas as análises o nível mínimo de significância foi estabelecido em 5%.
Resultados
A análise estatística revelou efeito de interação significante para o fator teste x grupo F1,4= 16,96; p<0,05, decorrente do grupo experimental apresentar menor tempo de movimento no pós-teste em comparação com ao pré-teste, enquanto que não houve diferença significante para o grupo controle (Figura 1).
Por meio da análise descritiva, pode-se observar que o grupo experimental, após a fase de prática apresentou menores valores de tempo de movimento no pós-teste tanto para a mão dominante quanto para a mão não dominante em comparação ao pré-teste, como mostra a Figura 1, indicando uma tendência de transferência bilateral no aprendizado de tarefa de preensão e encaixe de objetos entre as crianças com PC.
Figura 1. Média e erro padrão (barras verticais) do tempo de movimento (s) das mãos dominante
e não dominante, dos grupos controle e experimental em função dos testes (pré-teste e pós-teste)
Discussão
De acordo com os resultados obtidos nesta pesquisa, verificou-se que o GE apresentou diminuição do tempo de execução da tarefa entre a primeira e a última fase dos testes, em detrimento da prática, utilizando tanto a mão dominante quanto a mão não-dominante. A prática leva o indivíduo a executar menos movimentos desnecessários, com otimização de energia e diminuição de tempo de realização da tarefa e dessa forma, os movimentos ficam mais harmoniosos e com mais fluência (Monteiro et al., 2010). A experiência e prática motoras permitem a aquisição e modificação, relativamente permanente, das capacidades de um indivíduo executar uma tarefa (Florindo & Pedro, 2014). Os achados do presente estudo podem ser contrastados com algumas pesquisas que foram realizados com crianças com PC no âmbito da aprendizagem motora. Na tarefa de percorrer caminho em um labirinto, identificou-se, através da transferência, que a capacidade de aprendizagem motora estava preservada em crianças com PC (Monteiro et al., 2010). Um outro estudo sobre a tarefa de alcançar e agarrar objeto confirmou a ocorrência de transferência de aprendizagem em crianças com PC, mostrando que esta população em especial é capaz de desenvolver uma habilidade motora por meio da prática e realizar a transferência do aprendizado. (Robert et al., 2013)
Durante o desenvolvimento dos testes cada criança passou por duas fases. A fase inicial revelou erros e inconsistência na execução da habilidade motora, além de uma forte demanda de atenção, concentração e maior gasto de tempo. Já a fase final foi marcada por menos erros, maior consistência, menos atenção, menor concentração e menor tempo na realização da tarefa. Ficou claro que a prática levou à menor ocorrência de erros e consequentemente à diminuição do tempo de realização da tarefa. Estas inferências não foram avaliadas na presente pesquisa, sendo somente observadas pelo avaliador de forma indireta. Um pesquisa sobre a aprendizagem motora através do treinamento da tarefa de alcançar objetos e posterior análise da retenção e da transferência, concluiu que crianças com PC podem aprender a usar novos padrões motores e reter melhorias após a prática, além disso, habilidades motoras aprendidas com a prática podem ser transferidas para movimentos semelhantes (Robert et al., 2013). A TBA observada na pesquisa pode ser explicada, também, pelo nível de comprometimento motor das crianças, sendo aquelas com menor déficit neuromotor as que apresentam melhor qualidade de transferência de aprendizagem para uma tarefa similar.
Existem poucos trabalhos na literatura referentes à aprendizagem motora em crianças com PC e, menos ainda, relacionados especificamente à TBA. Sendo assim, é importante enfatizar a necessidade de outras pesquisas para maior compreensão da aquisição de habilidades motoras e posterior transferência para membro contralateral com uma amostra maior, visto que esta foi a limitação enfrentada, pois de acordo com os critérios de inclusão e exclusão poucos usuários do serviço puderam participar da pesquisa.
Conclusão
No presente estudo, as crianças diagnosticadas com PC do tipo diparesia espástica apresentaram transferência bilateral de aprendizagem da tarefa de preensão manual e encaixe de objetos, da mão dominante para a mão não-dominante, isto pôde ser observado por meio da diminuição do tempo de execução da habilidade motora. Os dados encontrados mostram grande significância para o processo de reabilitação neuromotora de crianças com PC acompanhadas pelo profissional da fisioterapia, pois os pacientes praticam habilidades na clínica para poderem desempenhá-las corretamente no seu ambiente cotidiano, destacando desta forma a importância da prática na aprendizagem motora.
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