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Atividades de aventura e qualidade de vida.
Um estudo sobre a aventura, o esporte e
o ambiente na Ilha de Santa Catarina

   
Profª. Ms. Curso de Educação Física
Bom Jesus - IELUSC, Santa Catarina
 
 
Ana Cristina Zimmermann
anacristinaz@bol.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este artigo apresenta reflexões sobre atividades físicas de aventura na natureza e elementos, associados a estas atividades, que permitem pensar qualidade de vida em função das relações que estabelecemos com o ambiente. As experiências colhidas a campo indicam uma oportunidade de reconhecimento de um sujeito corporal, que constrói seu conhecimento a partir do corpo, do movimento, do seu estar no mundo e a importância que assim adquirimos na constante re-construção que é o cotidiano.
    Unitermos: Aventura. Ambiente. Atividades físicas na natureza.
 Resumen
    Este artículo presenta reflexiones acerca de las actividades físicas de aventura en la naturaleza y elementos para pensar la calidad de vida con atención a las relaciones con el ambiente. Las experiencias apuntam una oportunidad de reconocimiento de un sujeto corporal, que elabora su conocimiento a partir del cuerpo, del movimiento, del estar en el mundo y la importancia que así adquirimos en la reconstrución del cotidiano.
    Palavras clave: Aventura. Actividades en la naturaleza. Medio natural.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 93 - Febrero de 2006

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Introdução

    Este artigo pretende apresentar reflexões oriundas de uma pesquisa, de caráter qualitativo, sobre Atividades Físicas de Aventura na Natureza (ZIMMERMANN, 2001 Através de contribuições colhidas a campo, de experiências realizadas na Ilha de Santa Catarina com atividades de aventura, e do diálogo com a literatura, utilizando como referência a Fenomenologia da Percepção (MERLEAU-PONTY, 1994) encontramos elementos para algumas reflexões sobre aventura, atividade física, corpo, saúde, ambiente, ecologia, inter-relações, percepção, entre outros. É em meio a todos estes aspectos que uma pluralidade de perspectivas está inscrita. A possível relação estabelecida entre atividades de aventura e qualidade de vida(QV) não pretende sugerir como melhorar a QV através destas atividades mas sim indicar o que podemos pensar a partir destas práticas e, sobretudo, lembrar ao conhecimento acadêmico que o saber é algo vivido por pessoas.

    Aparentemente, entre as muitas transformações que acompanham o homem em sua construção histórica, o progresso tecnológico representou um afastamento humano do meio natural e uma diminuição da necessidade de movimentos amplos nas atividades do cotidiano. No contexto da modernidade, com o afastamento do homem e de suas relações com os ambientes naturais, as cidades cresceram, limitando os espaços de liberdade. Adaptaram-se também as formas de manifestação do lúdico; os brinquedos industrializados e as brincadeiras "apropriadas" aos espaços disponíveis criaram uma "geração de imobilização". Por outro lado, as atividades físicas e desportos, enquanto fenômenos sociais, assumem a cada dia maior importância na forma de vida do homem.

    Atualmente é possível constatar, com facilidade, crescentes manifestações lúdico-desportivas, vinculadas à idéia de aventura em que o praticante reconhece a participação do meio na composição da atividade. A caminhada em trilhas, cavalgada, escalada, o mountain bike, rafting, surf, vôo livre e o rapel, por exemplo, encontram-se entre tais manifestações.

    Muitas nomenclaturas se encarregam de definir este grupo de práticas: esportes selvagens, atividades de aventura na natureza, desportos californianos, esportes de aventura, atividades deslizantes na natureza, outdoor adventure recreation, esportes radicais, entre outras. Betrán e Betrán (1995b) sugerem a denominação Atividades Físicas de Aventura na Natureza (AFAN), como "aquelas atividades físicas de tempo livre, que buscam uma aventura imaginária, sentindo emoções e sensações hedonistas fundamentalmente individuais e em relação com um ambiente ecológico ou natural" (p.112). Difícil uma definição que delimite, com exatidão, os contornos deste grupo de atividades, talvez porque uma de suas características é justamente não possuírem contornos rígidos. Pelas suas características, estas atividades se transformam em um "autêntico e diferenciado universo dentro das possibilidades e manifestações do movimento do ser humano."(RODRÍGUEZ et al.,1996, p.07)


Atividades Físicas de Aventura na Natureza

    No meio acadêmico, tanto na área do turismo (turismo alternativo ou ecoturismo) como na Educação Física, estas manifestações já estão consolidadas como objeto de estudo, sob diferentes perspectivas, abordando os mais variados temas. Alguns pesquisadores, por exemplo, destacam a dimensão imaginária (FEIXA, 1995), outros abordam a perspectiva do desenvolvimento sustentável (COSTA, 1997); o desejo de reconciliação com a natureza (BRUHNS, 1997); trata-se também sob a ótica de uma sociedade pós-industrial (BETRÁN & BETRÁN, 1995a), questionam-se as emoções e a participação feminina (LACRUZ & PERICH, 2000; SILVA, MARINHO, SCHWARTZ, 2005) entre outros.

    Estas práticas estariam surgindo junto aos novos paradigmas centrados na auto-realização e melhora da qualidade de vida, os quais querem substituir os de competição, esforço e tensão. Pelas suas características de incerteza e liberdade, as atividades de aventura podem sugerir uma crítica ao racionalismo da modernidade. Por outro lado, o potencial econômico destas práticas relacionadas ao turismo e à mídia é outra questão a ser considerada. Termos como aventura, emoção, ecologia, natureza e adrenalina são veiculados massivamente por campanhas publicitárias, revistas e artigos.

    Miranda et al (1995) buscam estabelecer características comuns às muitas definições apresentadas: não estão sujeitas a uma regulamentação fixa e horários; sua forma de prática, intensidade, modo e ritmo podem variar a gosto do usuário; são originais, criativas e modificáveis; substituem o tradicional paradigma de esforço pelo paradigma de equilíbrio; têm em grande estima a busca do prazer sensomotor e o componente de aventura é essencial. O risco está sendo substituído pela noção de sensação. Destaca-se, ainda, como característica, a utilização de condutas motoras aproveitando as energias livres da natureza - energia eólica, dos mares e força da gravidade.

    As atividades de aventura, com a roupagem atual, são estudadas como manifestações recentes, com pouco mais de 20 anos, já representadas por um bom número de adeptos. Contudo, grande parte destas atividades surgiu de adaptações de antigas formas de movimento e interação com o meio, como, por exemplo, a cavalgada, a caminhada em trilhas, o surf, o mergulho, a escalada, a canoagem, o mountain bike, o sandboard. Outras, como o parapente, se tornaram possíveis graças ao desenvolvimento tecnológico que permitiu a elaboração de equipamentos adequados. Salvo nestes casos, em que a atividade só existe devido a algum aparato altamente sofisticado, estas manifestações têm o mesmo envolvimento com a tecnologia que qualquer outra atividade humana nesta virada de milênio. Ou seja, o envolvimento com os mesmos é mediado pelo praticante: é ele quem vai adaptar a atividade que realiza aos seus interesses e equipamentos disponíveis (não podemos negar que apetrechos aprimorados, coloridos e com designer arrojado, além da utilidade prática que provavelmente tenham, funcionam como atrativo e realizam uma certa sedução).

    É possível perceber que estas antigas formas de movimento apresentam-se, correspondendo ao contexto histórico atual, fortemente relacionadas ao debate ecológico e à tecnologia. Estas atividades estão também freqüentemente associadas à liberdade, aventura e integração com o meio. Contudo, liberdade e aventura, sob a perspectiva deste estudo, são características que se estabelecem em uma relação, ou seja, não necessariamente descrevem uma atividade, mas uma forma de construi-la. As possibilidades de construção nos remetem ao entendimento de homem enquanto sujeito histórico.

    O movimento é inerente ao homem, enquanto ser individual e social na construção de sua própria história. Porém, esta história é também a de toda a humanidade. A história, relação corpo/espaço e criação cultural, é um universo de possibilidades em constante reconstrução; ela não nos determina nem nos limita, mas oferece os elementos a partir dos quais estamos constantemente construindo-a.


O homem e o ambiente

    O que significa descobrir o mundo? É incorporá-lo, integrá-lo ao corpo. Não um corpo naturalista, fechado no espaço, mas sim uma compartimentação temporal do espaço, ou seja, permite que o espaço seja uma unidade de sentido. O espaço flui no tempo através do corpo. A história, então, é o tempo que continua disponível. O que é espacial decai num horizonte temporal, permitindo uma nova espacialidade da qual a anterior é agora o horizonte. O mergulhador, por exemplo, carrega com ele a caverna explorada e todas as suas experiências.

    No caso das atividades de aventura na natureza, por mais que exista um objetivo - executar determinada manobra, por exemplo - na maioria das vezes confundem-se fins e meios. Ou seja, o mais importante deixa de ser chegar ao fim da trilha, mas percorrê-la. Difícil resumir uma "surfada", ou um salto de parapente, em números, ou mesmo conceitos; ou, ainda, antecipar exatamente o que (e como) vai acontecer. O importante não é terminar mais rápido, mas conviver por mais tempo, estabelecendo uma idéia diferente de relação com o meio. A qualidade está nas relações estabelecidas - de onde encontramos os conceitos de harmonia e equilíbrio sempre citados em trabalhos referentes a tais atividades.

    Em um esporte de aventura, o "envolver a natureza" significa que o praticante "se dá conta" do meio como fundamental na realização da atividade. O meio não apenas existe, ou é espaço para um deslocamento, ele faz parte do próprio deslocamento. No contato intenso com a natureza, ou contato íntimo, o homem se sente bem consigo mesmo.

    A natureza, neste caso, apresenta-se como o lugar do imprevisto, do inesperado, exigindo respostas, sugere troca, relação. Mas esta característica seria especial destas atividades? O meio é a diferença ou a diferença está na relação com o meio? É possível que ambas as situações ocorram: no cotidiano dos centros urbanos estamos cheios de lugares comuns, formas geométricas repetidas, facilitadores que nos exigem pouca criação; por outro lado é também a nossa forma de estar que faz o meio. Assim, o mundo não é algo exterior ao corpo, está integrado a nossa existência pragmática.

    O meio está a todo o momento se apresentando através dos obstáculos, exigindo interação, criação, para que dele tenhamos experiência. Natureza não é uma coisa, mas algo que nos envolve, somos a natureza e assim estamos espontaneamente, a todo o momento, estabelecendo novas relações. Neste momento, principalmente, poderia aproximar esta análise com discussões freqüentes na ecologia. Da mesma forma que a pessoa interage com o meio, também o faz com os outros elementos que compõem o contexto da atividade.

    A importância dada ao conhecer o clima, ou o tempo, como é encontrado em muitos relatos de praticantes de esportes de aventura, indica não só uma relação direta com o meio, mas também o caráter criativo de um mundo em constante transformação. Para conhecer o tempo não bastam os conceitos; é preciso ter experiência suficiente para sentir, ou mesmo pressentir, intuir as modificações de vento, temperatura, maré, por exemplo, e reagir, re-criar a partir deste pressentimento. Nesta mesma linha, aparece também a importância de conhecer a si próprio, e isto significa reconhecer-se como agente da ação.

    A relação do homem com a natureza, ou melhor ainda, a relação com o meio parece ser um dos temas principais suscitados pelo estudo dos esportes de aventura. Segundo Coelho dos Santos (1997), "estas novas práticas corporais testemunham um novo modo de relação cuja regra de ouro é: sentir, experimentar e, a seguir, compor, negociar, entrar em acordo. Trata-se da relação estética com a natureza."(p.14)

    Idéias tais como ética e estética acompanham uma discussão bastante atual ao se falar em natureza e ecologia. Novos enfoques sugerem diferentes maneiras do homem perceber o meio e sentir-se parte deste. Neste contexto, a cultura e a tradição são integrantes do universo de relações estabelecidas na elaboração do presente.

    Atualmente, palavras como ecologia, ambiente e natureza, relacionadas a uma diversidade de idéias e propósitos, aparecem com freqüência. Tais propósitos podem variar desde a noção de proteção ambiental como condição de sobrevivência, ou sugerindo uma nova proposta de desenvolvimento, ou, ainda, entre tantas outras propostas, apenas servindo ao mercado, vendendo todo o tipo de produto (ser ecologicamente correto, hoje, representa status). Considerando o fato de todo conhecimento ser construído culturalmente, variando no tempo e no espaço, as tantas variações conceituais encontradas com relação a este tema, se em alguns momentos podem causar confusões, por outro lado permitem entender a forma pela qual a civilização está se construindo.

    Trabalhar com idéia de natureza (associada à ambiente natural) requer, por exemplo, considerar tanto as construções históricas pelas quais este conceito passou, bem como as percepções e contribuições individuais que significam diferentes elaborações.

    No cotidiano, pensar em natureza frequentemente sugere a imagem de uma mata, de rios e árvores, mares e montanhas intocados pelo homem. Mas por que toda esta distância?

    Uma abordagem bastante utilizada para entender a relação homem/natureza destaca as transformações oriundas das idéias proclamadas com o Iluminismo (séc. XVIII). A partir de então, a razão assume o controle da produção de conhecimento. O homem passa a ver o mundo como uma grande máquina, composta por partes isoladas, passíveis de análise, estudo e compreensão. A sensibilidade é excluída da forma científica de conhecer o mundo, assim como também se fortalecem as oposições homem/natureza, sujeito/objeto, razão/emoção. Assim o homem (representando a razão) é o senhor de todas as coisas (objetos) podendo manipulá-las, construi-las e destrui-las. O conhecimento assume um caráter pragmático e, entre outros, institui-se uma sociedade de consumo.

    Entendemos que a relação natural/cultural não precisa necessariamente ser de oposição, mas sim de convívio. De acordo com Santos (1997), "no processo de desenvolvimento humano, não há uma separação do homem e da natureza. A natureza se socializa e o homem se naturaliza" (p.89). Neste sentido, talvez seja interessante destacar que uma crítica à modernidade não significa uma crítica ou desvalorização a todas as conquistas da ciência e tecnologia, mas sim à forma pela qual são construídas através das relações humanas, que, da mesma forma, as influenciam. "Os avanços da industrialização e sua repercussão em todo o mundo levam a um progressivo aumento do bem-estar, embora desigualmente distribuído" (SANTOS, 1997, p.38).

    A partir do que podem nos dizer as atividades de aventura, ambiente, conceito presente nesta discussão, também ultrapassa seu significado de dicionário, ("aquilo que cerca ou envolve os seres vivos ou as coisas, por todos os lados, espaço"; FERREIRA, 1986, p.101). Santos (1997) sugere espaço como "nem uma coisa, nem um sistema de coisas, senão uma realidade relacional: coisas e relações juntas" (p.26).

    Muito se tem discutido sobre a questão ambiental, uma preocupação estabelecida principalmente a partir do início deste século, quando passou a ser evidente a relação entre a ação do homem, o clima mundial e as possibilidades de sobrevivência da maioria das espécies de fauna e flora, incluindo o próprio homem. A partir da década de 1960, surgem vários movimentos criticando não só o modo de produção, mas também o modo de vida. De acordo com Gonçalves (1995), "emergem nesta década vários movimentos sociais, de jovens, das mulheres, das 'minorias' étnicas, entre outros." (p.11)

    Denuncia-se a insustentabilidade da civilização, considerando o atual sistema de valores. Grün (1996) aponta como antecedentes históricos desta situação o crescimento populacional, a exploração dos recursos naturais, a utilização de tecnologias poluentes, o grande consumo de energia e um sistema de valores que incentiva ao consumo. (MORAES, 1997; REIGOTA, 1995).

     Abarcando as discussões levantadas no parágrafo anterior, surgem a Educação Ambiental e a Ecologia. Considerando a forma de tratamento da Educação Ambiental, Grün (1996) apresenta algumas críticas a posturas nostálgicas, "que parecem estar relacionadas a um tipo de apelo ao sagrado, a uma natureza personificada e deificada, repleta de metáforas biológicas e bíblicas" (p.72). Da mesma forma, equivocado estaria o pessimismo por vezes apresentado, onde qualquer atitude é irrelevante mediante o caos no qual nos encontramos.

    O termo ecologia (do grego oikos=casa) criado, em 1866, pelo biólogo alemão Ernest Haeckel, ao propor uma disciplina científica para estudar as relações entre as espécies animais e seu ambiente orgânico e inorgânico adquiriu atualmente um enfoque multidisciplinar. A partir da percepção da complexidade dos sistemas naturais e das inter-relações, a ecologia leva ao questionamento de todos os tipos de relações - sociais, de trabalho, de lazer, de consumo - transitando pela ciência, filosofia e política. "Não há, praticamente, setor do agir humano onde ocorram lutas e reivindicações que o movimento ecológico não seja capaz de incorporar" . (GONÇALVES, 1995, p.12)

    Entre tantas discussões, muitas idéias interessantes são suscitadas pelo debate ecológico: relações de interdependência, reciprocidade, equilíbrio auto-regulado, transformação permanente e fluxo constante de matéria e energia. Neste sentido, falar de diversidade corresponde à estabilidade.

As profundas alterações por que já passou nosso planeta com a formação/destruição de montanhas, avanços e recuos das calotas polares, invasões e recuos da água do mar fazem da história da natureza um campo onde, em vez de ser ressaltada a estabilidade dos ecossistemas em estado de clímax, deveríamos ressaltar a aptidão que apresentam para construir estabilidades novas. (GONÇALVES, 1995, p. 69)

    Essas discussões, divergindo ou aproximando-se, fornecem subsídios para estudos que podem ser transferidos a todas as esferas de organização humana. Para Morin (1977), a aptidão para reorganização e re-construção de novas estabilidades é a virtude suprema da eco-organização. "O dogma do crescimento dá lugar à doutrina do equilíbrio sustentável e da qualidade de vida" (LUTZENBERGER,1990, p.47).


Atividades de aventura e qualidade de vida

    A valorização do "contato com a natureza" e todas as discussões acerca do tema podem remeter ao popular debate sobre qualidade de vida. Thomas (1989) observa que "o gosto pela pastoral somente surgiu depois de crescerem as cidades, pois os homens não ansiaram pelo campo enquanto viveram em termos de familiaridade cotidiana com ele" (p.298). É possível observar atualmente muitos discursos carregados de nostalgia, sobre um tempo em que homem e natureza (entendida neste caso como um determinado meio) viviam mais integrados, porém desde há muito tempo a substituição das matas por plantações simboliza o triunfo da civilização. "A cidade era o berço do aprendizado, das boas maneiras, do gosto e da sofisticação" (THOMAS, 1989, p.290) Este mesmo autor observa que a preocupação com o ambiente, mesmo na Idade Média, sempre foi muito vinculada a questões econômicas, como a necessidade de madeira para a construção naval, uso doméstico e combustível. E, mesmo antes disso, a preservação das florestas reais esteve associada ao hábito da caça. Contudo, destaca-se que "já bem antes de 1802, tornara-se lugar comum sustentar que o campo era mais bonito que a cidade. [...] Em parte, essa convicção se devia à deterioração do ambiente urbano." (THOMAS, 1989, p. 291) Já neste período e contexto, o campo representava uma fuga da fumaça e ruído, dos vícios e das tensões urbanas. "O culto ao campo era, sob vários aspectos, mistificador e escapista. Nem mesmo atestava, necessariamente, um genuíno desejo de viver fora da cidade(...) Os prazeres, vitalidade e oportunidades econômicas da vida metropolitana eram irresistíveis" (THOMAS, 1989, p.299).

    Ao mesmo tempo em que os seres humanos acompanham um aumento incalculável do conforto e bem-estar materiais, por outro lado, dão-se conta de relações equivocadas de exploração do meio e de outras formas de vida. Mesmo a moda do debate ecológico pouco influencia grandes modificações na forma de viver. Por que é preciso fugir para ficar bem, se a cidade e a tecnologia são empreendimentos humanos em prol do bem-estar? Talvez o foco da discussão não devesse ser a preservação do ambiente, mas como se dá a preservação dos seres humanos, ou melhor, sobre a maneira com a qual os homens constróem sua própria existência, pois, como já foi mencionado, estar no mundo pressupõe eterna reconstrução.

    Mesmo que, com algumas ações equivocadas, a busca por melhores condições de vida é, provavelmente, tão antiga quanto a civilização, porém a expressão Qualidade de Vida é de origem recente, e vem se popularizando a partir da segunda metade do século XX juntamente com outros conceitos como meio ambiente e ecologia. (SETIÉN, 1993)

    Qualidade de Vida é um conceito que nos parece próximo e ao mesmo tempo distante. Próximo por pretender abranger os incontáveis fatores que influenciam na vida dos seres humanos; distante pelo fato de que ao querer dizer muito pode acabar dizendo nada. Parece-nos não ser um conceito muito claro porque ser um "constructo" de conceitos constantemente em reconstrução, como a própria vida. Segundo Setién (1993) o surgimento do interesse pela qualidade de vida representa um dilema social sobre o que significa desenvolvimento, uma forma alternativa de abordar o estudo do bem-estar.

    Atualmente, o discurso sobre Qualidade de Vida parece querer orientar inclusive qual marca de margarina é mais apropriada para o consumo. Elaboramos determinados conceitos que, na utilização, acabam banalizados. A idéia de qualidade de vida compõe-se de uma pluralidade de conceitos e admite perspectivas muito diversas. Entendemos, entretanto, que é no dia-a-dia que se constrói este conceito, e não ele quem constrói o dia-a-dia. Felizmente no meio acadêmico muitos estudos tratam de redimensionar constantemente o conhecimento na área. De acordo com Seidl & Zannon (2004) "o interesse crescente pelo construto qualidade de vida pode ser exemplificado, ainda, por indicadores de produção de conhecimento, associados aos esforços de integração e de intercâmbio de pesquisadores e de profissionais interessados no tema." (p.581)

    Então, qualidade de vida é o que todas as discussões, tratadas até então, nos dizem; é sentir-se parte do ambiente, agente de transformação; é fazer o que se gosta, ou "pelo menos ter a possibilidade de". Este tema sugere uma discussão contextualizada sobre condições sociais, sobre política econômica, sobre bem-estar, porém esclareça-se: qualidade de vida não se compra nem se vende, se constrói. Enquanto conceito pouco pode nos ensinar e é o nosso viver que pode ensinar ao conceito, para que, quando preciso, seja usado de forma a aproximar-se da complexidade à qual se propõe.

    Para alguns praticantes de esportes de aventura, por exemplo, qualidade de vida pode não ser um conceito muito claro, mas está vinculada ao estresse, e combater o estresse é esquecer os problemas, quando o pensamento se dá no mesmo momento da prática. Da mesma forma, é freqüente a idéia de "troca de energias". O praticante não recebe passivamente novas energias, é preciso ser/estar na natureza, estar na ação. A relação com o meio dá uma idéia de fluxo, o tempo é o tempo vivido, não o refletido. O que é o estresse? Pressão, condição perturbadora ou inquietante, tensão. Não poderia dizer então que quando o gostar é o principal ou o único motivo da ação diminui-se o estresse? É interessante que para descansar a mente é preciso levar o corpo para passear, reconhecendo-se então uma unidade.

    Da mesma forma a relação com a saúde pode ser assim analisada. "Os determinantes e condicionantes do processo saúde-doença são multifatoriais e complexos."(SEIDL; ZANONN, 2004, p.580) As pessoas praticam determinadas atividades porque querem, porque têm vontade, porque se sentem bem. Se estas atividades eliminam o estresse, porque absorvem o praticante, o fazem "pensar em mais nada", então, se fosse objetivar saúde, já estaria quebrando esta relação de gratuidade, ou seja, se a atividade for um meio para outro fim perderá parte de seu valor.

    Estar preso ao aspecto técnico ou preocupado com quantas calorias serão queimadas, pode fazer do esporte mais um motivo de tensão; o que é diferente da sensação de estar "livre, leve e solto." Estas questões só estariam sugerindo cuidado na veiculação e utilização da relação atividade física/saúde.

    A falta de objetividade ao tratar-se de qualidade de vida, ou mesmo saúde justifica-se por ambos os conceitos estarem fortemente relacionados à vida, e vida e morte, como diz Chauí (1997), não são para nós apenas acontecimentos biológicos, são significações, possuem sentido e fazem sentido.

    A atividade física, qualquer que seja, está vinculada à saúde, e da mesma forma à qualidade de vida, mas não como uma pílula cujos efeitos podem ser controlados, e sim porque é uma forma de movimento, e enquanto nos movimentamos estamos vivos. Só é possível falar em saúde quando nos referimos à vida, pois saúde é uma certa forma de estar no mundo. "Enquanto vivos, somos tempo e mudança, estamos sendo." (CHAUÍ, 1997, p.365)


Considerações finais

    Temas como ecologia, saúde e qualidade de vida são discussões inseridas em nosso cotidiano e esperamos que, a partir do que indicam os estudos das atividades físicas de aventura na natureza seja possível reconhecer a importância que assim adquirimos na constante re-construção que é o cotidiano.

    Sugere-se, aqui, estabelecer algumas relações entre vivências e conceitos. Partir do corpo para o entendimento de história, de construção cultural. Não necessariamente a relação entre as atividades de aventura na natureza e o contexto no qual estão inseridas, mas, partindo deste, apresentá-las como uma das oportunidades de reconhecimento de um sujeito corporal, que constrói seu conhecimento através do corpo, do movimento, do seu estar no mundo. "O mundo é não aquilo que eu penso, mas aquilo que eu vivo; eu estou aberto ao mundo, comunico-me indubitavelmente com ele, mas não possuo, ele é inesgotável."(MERLEAU-PONTY, 1994, p.14)


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