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Variabilidade do tempo de movimento durante a fase aérea da braçada do nado costas em indivíduos de diferentes estágios da aprendizagem motora

   
*Especialista em Ciência do Movimento Humano
Mestranda em Atividade Física Relacionada à Saúde
Universidade Federal de Santa Catarina
**Professora Doutora do Centro de Educação Física e Desportos da
Universidade Federal de Santa Maria
***Professor Doutor do Centro de Educação Física e Desportos da
Universidade Federal de Santa Maria

 
 
Maria Angélica Binotto*
Sara Teresina Corazza**
Carlos Bolli Motta***

manbinotto@yahoo.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    O objetivo deste estudo foi verificar se o tempo de movimento é um aspecto variante na fase aérea da braçada do nado costas de sujeitos em diferentes estágios da aprendizagem. A amostra selecionada de forma intencional, compôs-se de 8 sujeitos, 4 do grupo intermediário e 4 do grupo avançado de aprendizagem. A tarefa constituiu-se em nadar o estilo costas numa distância de 75 metros individualmente, com velocidade natural, sendo que para a filmagem foram desconsiderados os primeiros 5 metros na saída e os últimos 5 metros na chegada de cada percurso de 25 metros. A medida utilizada correspondeu ao tempo total de movimento durante a fase aérea da braçada do nado costas. A análise dos dados foi realizada por meio da estatística descritiva (médias, desvios padrões e coeficientes de variações), análise percentual e testes não paramétricos (U Mann-Whitney para a comparação entre os grupos e teste de Wilcoxon para a comparação entre os braços). Considerou-se para os testes um nível de significância de 0,05. Para tabulação dos dados utilizou-se o programa Microsoft Excel e para análise estatística o programa statistica 6.0. Conclui-se a partir dos resultados obtidos, que a inconsistência no tempo de movimento ocorreu em ambos os grupos, porém, houve maior variabilidade no grupo avançado em relação ao grupo intermediário na habilidade fechada nado costas.
    Unitermos: Aprendizagem motora. Variabilidade de movimento. Estágios de aprendizagem.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 93 - Febrero de 2006

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Introdução

    As possibilidades motoras do ser humano evoluem amplamente de acordo com a idade e tornam-se cada vez mais variadas, completas e complexas. O estudo de como ele aprende a movimentar-se envolve todo um processo de maior complexidade e abrangência, com características multidisciplinares.

    Numa perspectiva mais atual, a aquisição de habilidades motoras melhor se explicaria se vista como um processo cíclico e dinâmico de estabilidade-instabilidade-estabilidade, que resulta em crescente complexidade. Levando-se em consideração a concepção hierárquica de um programa de ação, o mesmo estrutura-se em dois níveis: a macroestrutura que é orientada à ordem na qual compreendem os aspectos invariantes como a consistência evidenciada no seqüenciamento, na dimensão relativa, no timing relativo e a micro estrutura orientada para a desordem na qual incluem aspectos variantes como a variabilidade representados pelo tempo total de movimento e o pelo tempo total de pausa (Tani, 2000). Esta variabilidade foi vista por muito tempo como um fator negativo na performance, devendo, para alguns estudiosos ser eliminada. Newell & Corcos (1993), dizem que tradicionalmente, a variabilidade de movimento era, e em grande medida ainda é, interpretada como um problema do sistema motor. Essa interpretação tradicional de ruído ou variabilidade no controle motor é negativa se considerarmos que variabilidade é vista como um problema a ser eliminado ou minimizado. Entretanto, sabe-se que a presença de variabilidade em parâmetros do movimento é essencial para a performance habilidosa (Freudenheim, 2000). Em termos práticos, uma pessoa habilidosa é capaz de variar sua estratégia conforme as necessidades do ambiente, enquanto que, uma pessoa menos habilidosa, apresenta comportamentos mais rígidos. Sendo assim, o controle do movimento através da análise de desempenho torna-se indispensável para verificar esta variabilidade em qualquer habilidade motora.

    Em relação às mudanças externas, diretamente observadas, Pellegrini (2000) descreve o comportamento ao longo do processo da aprendizagem em estágios: o primeiro é caracteriza-se como inexperiente (novato) onde o indivíduo busca identificar as características invariantes da tarefa, a estrutura da tarefa; nesta busca o executante parece descoordenado, apresenta uma grande variabilidade de respostas motoras. O segundo estágio é caracterizado como intermediário na qual o executante vai eliminando os movimentos desnecessários à tarefa, e com isso descobre como economizar energia e tempo; a seqüência de movimentos ganha progressivamente fluência e harmonia; o controle visual da ação vai dando lugar ao controle cinestésico; o padrão motor tende a se estabilizar e por fim o estágio caracterizado como avançado onde o executante tem certeza de como alcançar a meta da ação, eficiência estão presentes neste estágio; o executante precisa de um mínimo de atenção para realizar a tarefa (automatização); o padrão motor é relativamente estável.

    Quando consideramos a relação entre a variabilidade e os tipos de habilidades fechadas ou abertas, pode-se verificar que enquanto nas habilidades motoras fechadas a variabilidade no padrão deve ser a menor possível, nas abertas à variabilidade no padrão motor acompanha a variabilidade dos estímulos relevantes para a ação.

    No campo das investigações, a variabilidade tem sido um tópico que abrange muitas linhas de pesquisa no estudo do controle e aquisição das habilidades motoras. Abordagens recentes têm enfatizado o papel construtivo da variabilidade na organização de ações motoras, ficando mais evidente a necessidade de identificar aspectos variantes em diferentes contextos esportivos, tornando-se fundamental verificar como esta variabilidade se apresenta considerando diferentes estágios da aprendizagem. É de interesse acadêmico também a compreensão de como a presença de variabilidade em parâmetros do movimento torna-se essencial para a performance habilidosa.

    Neste estudo tem-se questionado sobre a variabilidade da habilidade motora do nado costas considerado segundo a classificação de Schmidt & Wrisberg (2001), como uma habilidade contínua e fechada. A primeira é caracterizada como uma habilidade que, freqüentemente se repete e que é rítmica por natureza, com seqüência fluindo por vários minutos e a segunda caracterizada por ser realizada em um contexto estável e previsível. Diante disso, o objetivo deste estudo é verificar se o tempo de movimento é um aspecto variante na fase aérea da braçada do nado costas de sujeitos em diferentes estágios da aprendizagem.


Material e Método

    A população deste estudo constituiu-se de praticantes de natação da Escolinha de Natação da Associação Desportiva da Universidade Federal de Santa Maria (ADUFSM) localizada no Centro de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Santa Maria - RS.

    A amostra foi selecionada a partir de um teste criado e validado por Kroth, Motta, Marques, Turra, Etchepare, Porciúncula e Canfield (1999), na qual avaliou-se itens como posição do corpo, movimento de pernas, fase de recuperação dos braços, fase de propulsão dos braços, coordenação da respiração e coordenação geral do nado. Este teste também foi usado foi usado para classificar os sujeitos de acordo com os estágios propostos por Pellegrini (2000). Após a aplicação do teste selecionou-se oito sujeitos, com uma média de idade de 25,5 anos, classificando quatro sujeitos no estágio intermediário e quatro no estágio avançado de aprendizagem. O teste foi aplicado por pessoas previamente treinadas, que conhecem e atuam na área da natação.

    Para a coleta de dados os sujeitos foram orientados quanto à execução da tarefa, que compreendeu nadar o estilo costas por uma distância de 75 metros, individualmente, com velocidade natural. Para a filmagem foram desconsiderados os primeiros 5 metros na saída e os últimos 5 metros na chegada de cada percurso de 25 metros.

    A análise cinemática foi realizada a partir de uma filmagem bidimensional, utilizando uma câmera do sistema Peak Motus para a captação das imagens do movimento. Para análise deste estudo utilizou-se a freqüência de 60 Hz. Visando facilitar a observação e conseqüente análise dos dados, foram utilizados marcadores externos (fita isolante preta), envolvendo as falanges distais de ambas as mãos de cada sujeito.

    A captação das medidas de tempo de movimento foram definidas a partir da identificação dos seguintes eventos, durante os ciclos das braçadas: evento 1 saída da falange distal do dedo polegar direito; evento 2 entrada da falange distal do dedo mínimo direito; evento 3 saída da falange distal do dedo polegar esquerdo e finalmente o evento 4 como a entrada da falange distal do dedo mínimo esquerdo.


Análise Estatística

    Primeiramente foi feita a análise dos dados através das medidas descritivas: média aritmética, coeficiente de variação e o desvio padrão e análise percentual. Após foi verificada a normalidade dos dados através do teste de Lilliesors, e detectado que os dados apresentaram uma distribuição anormal, então, utilizou-se os seguintes testes não paramétricos: U Mann-Whitney para a comparação entre os grupos e o teste de Wilcoxon para a comparação entre os braços. Considerou-se para os testes um nível de significância de 0,05.


Resultados e Discussões

    Para melhor entendimento e compreensão deste estudo, os dados serão discutidos, mediante análise específica de cada sujeito dos grupos intermediário e avançado (intragrupo) e entre os grupos intermediário e avançado (intergrupo).

Tabela 1 - Média, Desvio Padrão (s) e Coeficiente de Variação (CV %) da Variável Tempo (segundos) no Estágio Intermediário x Estágio Avançado.

    Ao visualizarmos os valores da Tabela 1 podemos inferir que a variabilidade é maior no estágio avançado em relação ao estágio intermediário, principalmente quando analisarmos o coeficiente de variação.

    Fazendo-se a comparação entre os grupos no braço direito, observou-se que existe diferença entre os grupos (p = 0,004); o mesmo valendo para o braço esquerdo (p = 0,00395), ou seja, o grupo avançado apresentou tempo de movimento maior na fase aérea (tanto esquerdo como direito).

    Estes resultados se opõem ao estudo realizado por Filho, Basso, Madureira, Serra & Freudenheim (2002), que objetiva verificar se havia diferença na organização temporal das braçadas de indivíduos em níveis distintos de desenvolvimento do nado crawl. Nesta pesquisa o tempo total de movimento em relação ao braço direito de crianças no grupo iniciante foi mais longo que em crianças no grupo avançado, concluindo que os iniciantes permanecem mais tempo na fase de recuperação do que na fase propulsiva da braçada do nado crawl.

    Comparando-se os tempos entre braços para o mesmo grupo observou-se que não há diferença entre os mesmos. Ou seja, não existe diferença (p = 0,1441) entre os tempos do braço esquerdo e direito para o grupo intermediário o mesmo valendo para o grupo avançado (p = 1,00).

    Fazendo-se uma análise, considerando a relação do tempo total do ciclo da braçada e o tempo total da fase aérea podem-se obter os valores de tempos relativos em percentuais ilustrados a seguir.

Tabela 2 - Média e Desvio Padrão da variável Tempo relativo (%) no Estágio Intermediário

    Analisando a Tabela 2 a média para o braço direito entre os sujeitos no estágio intermediário observa-se que o sujeito 2 em relação aos demais sujeitos do grupo apresentou um maior tempo de movimento na fase aérea (39,8%) considerando o ciclo total da braçada e o sujeito 4 o menor tempo de movimento na fase aérea (25,7%). Fazendo a mesma análise para o braço esquerdo pode-se dizer que o maior tempo de movimento na fase aérea em relação ao ciclo total da braçada foi obtido pelo sujeito 3 e o menor pelo sujeito 1.

    Levando em consideração a medida de dispersão para o braço direito observou-se maior variação (3,9 %) para o sujeito 1 e menor (2,4 %) para o sujeito 2 considerando o tempo total da fase aérea em relação ao tempo total do ciclo da braçada. Para o braço esquerdo a maior variação (3,5%) foi observada no sujeito 3 e a menor variação (1,5%) encontra-se no sujeito 2 para a mesma variável.

Tabela 3 - Média e Desvio Padrão da variável Tempo relativo (%) no Estágio Avançado

    Analisando a Tabela 3 considerando os sujeitos no estágio avançado em relação aos tempos relativos da fase aérea da braçada observa-se considerando a média para o braço direito que o sujeito 3 apresentou um maior tempo de movimento na fase aérea (44%) e o sujeito 2 o menor (33,8%) para a mesma variável. Em relação ao braço esquerdo o sujeito 1 apresentou uma maior (37,7%) tempo de movimento enquanto que o sujeito 3 apresentou menor (35,2%) para a mesma variável.

    Considerando o desvio padrão como medida, os valores encontrados para o braço direito apontam que houve maior (6,6%) variação para o sujeito 1 e menor (1%) para o sujeito 2. Analisando a mesma variável para o braço esquerdo percebemos que houve maior (5,7%) variação para o sujeito 4 e menor (2,8%) para o sujeito 1.

Tabela 4 - Média, Desvio Padrão e Coeficiente de Variação da variável Tempo relativo (%) no Estágio Intermediário x Estágio Avançado.

    Na Tabela 4 está ilustrado os valores de tempo relativo da braçada do nado costas entre os sujeitos nos estágios intermediário e avançado e com isso, pode-se dizer que os sujeitos no estágio avançado apresentam um tempo de movimento durante a fase aérea da braçada maior que os sujeitos no estágio intermediário e a variação destes tempos também é maior para os sujeitos no estágio avançado. Portanto os sujeitos no estágio avançado permanecem relativamente um tempo maior na fase aérea da braçada do nado costas quando comparado com os sujeitos do estágio intermediário.

    Evidências empíricas interpretando os aspectos variantes e invariantes, dentro de um programa de ação, consideram o tempo de movimento como um aspecto que muda de tentativa para tentativa, dando uma configuração única a cada padrão de movimento. Neste estudo o tempo de movimento da fase área da braçada do nado costas é uma medida representativa dos aspectos variantes, indo ao encontro do que a literatura propõe e principalmente corroborando com o comportamento dos sujeitos no estágio avançado que apesar de demonstrarem um padrão de movimento automatizado apresentam variabilidade de movimento.


Conclusões

    Considerando que o objetivo deste estudo foi de verificar se o tempo de movimento é um aspecto variante na fase aérea da braçada do nado costas de sujeitos em diferentes estágios da aprendizagem, pode-se concluir a partir dos resultados obtidos, que a inconsistência no tempo de movimento ocorreu nos dois estágios, porém, houve maior variabilidade de movimento no grupo avançado em relação ao grupo intermediário na habilidade fechada nado costas.

    A literatura existente sobre variabilidade ainda é muito restrita e é em razão disso e dos resultados obtidos neste estudo que sugere-se mais investigações tais como a verificar se a discrepância entre os braços direito e esquerdo em relação ao tempo total de movimento da fase aérea é similar ao da fase aquática em nadadores de alto nível ou ainda verificar se o tempo total de movimento durante o processo tem correlação direta com o desempenho final.


Referencias bibliográficas

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  • PELLEGRINI, A. M. A Aprendizagem de Habilidades Motoras I: o que muda com a prática. Revista Paulista de Educação Física, supl. 3, São Paulo, 2000.

  • SCHMIDT, R. & WRISBERG, C. Aprendizagem e Performance Motora: uma abordagem da aprendizagem baseada no problema. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2001.

  • TANI, G. Processo Adaptativo em Aprendizagem Motora: O Papel da Variabilidade. Revista Paulista de Educação Física. São Paulo, supl. 3, 2000.

Outro artigos em Portugués

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revista digital · Año 10 · N° 93 | Buenos Aires, Febrero 2006  
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