Sobre teoria e prática: manifesto pela redescoberta da educação física Sobre teoría y práctica: manifiesto por el redescubrimiento de la educación física On theory and practice: manifest for rediscovering physical education |
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Licenciado em Educação Física Mestre em Educação Física Doutor em Filosofia da Educação Professor Adjunto do Departamento de Educação Física da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista - campus de Bauru |
Prof. Dr. Mauro Betti mbetti@fc.unesp.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 10 - N° 91 - Diciembre de 2005 |
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Sobre a necessidade de redescobrir a educação física
Em várias universidades, no Brasil e ao redor do mundo, a Educação Física constituiu uma "massa crítica" (de cuja ausência muito se falava no contexto brasileiro da década de 1980), com de alta qualidade acadêmica. É nelas que se poderá gestar algo novo, desde que nos engajemos em um projeto de Educação Física e para a Educação Física. "Projeto" é a intenção de fazer ou realizar algo no futuro; provém etimologicamente do latim: pro- ( a favor de), jectus (lançar para a frente), segundo Houaiss (2001). Implica, portanto, em lançar-se a favor de algo, tomar posição.
Podemos agora ter a nosso favor um instrumental poderoso, de que não puderam dispor as gerações que nos antecederam: o método científico. Mas desde que a Ciência moderna pôs-se em marcha, não cessa de a tudo ob-jetivar (do latim ob- diante de; jact- lançar, colocar), quer dizer, distanciar-se dos fenômenos, colocá-los diante de si, para analisá-los e explicá-los.
Para nosso desespero, começamos a perceber que as chamadas Ciências Humanas/Sociais também o fazem, e ao fazê-lo, os historiadores, sociólogos e antropólogos da Educação Física retiram-se do interior do seu próprio projeto e limitam-se a examiná-lo com as lentes dos modelos teóricos gestados em outras áreas. A tal ponto chegou esta retirada que alguns jovens doutores, embora docentes em curso de graduação em Educação Física, gabam-se por publicar e participar de sociedades científicas de outras áreas, para as quais o esporte, o jogo ou a ginástica são apenas detalhes, circunstâncias. E, ao abandoná-la, vêem nisso um sinal de avanço da Educação Física, porque reconhecida por áreas academicamente mais legitimadas. Quem se atreve a apontar-lhes essas contradições é imediatamente tachado de "corporativista". Daí também decorre a sensação de que apenas os biólogos/fisiólogos de fato produzem pesquisas em Educação Física, porque utilizam a categoria do exercício - ledo engano, porque também a objetivaram, e tanto faz que se apresentem nos Congressos de Biologia Experimental ou nos da Educação Física.
No mesmo contexto poderemos entender o apelo desesperado dos professores de Educação Física escolar que, maltratados e acuados por todos os lados, não se reconhecem nos conhecimentos produzidos na Academia, mas, pressentindo que há algo importante neles, pedem ajuda.
Já disse Merleau Ponty (1999) que estar vivo é empenhar-se continuamente em projetos no mundo, é confundir-se com eles - e temos que admitir que as duas gerações de professores de Educação Física que nos antecederam1 tinham um projeto de Educação Física, empenharam-se nele, con-fundiram-se com ele. Realizavam, em ato, a "formação integral do indivíduo (bio-psico-social)", que agora buscamos exasperadamente apreender por meio das representações lingüísticas dos discursos científico e filosófico. Um exemplo? O francês Auguste Listello, idealizador do conhecido "Método Desportivo Generalizado" na década de 1950, que buscava manter o esporte, que então galgava crescente autonomia e importância social, sob o "domínio" pedagógico da Educação Física (BETTI, 1991). Ele e outros de sua geração sabiam do que tratava a Educação Física, porque a viviam, só talvez não o conseguissem exprimir em palavras científica e filosoficamente fundamentadas, à luz do que sabemos hoje. É portanto cômodo exercitar nossa atual capacidade de reflexão crítica e apontar-lhes as limitações, pois, afinal, toda experiência humana singular é histórica.
Mas de que serve o que sabemos se não o retornamos à Educação Física viva? Incomodados, em crise e cheios de dúvidas, fomos às diversas disciplinas científicas e à filosofia, em um primeiro movimento, para melhor compreender a Educação Física, e depois, realimentar o nosso projeto de Educação Física. Mas a maioria de nós, fascinados pelas respostas encontradas (às vezes de modo muito fácil e rápido), passamos a acreditar demasiadamente nelas, e estamos sendo incapazes de concretizar este segundo movimento, de retorno ao interior da Educação Física viva, para re-interrogar nossas dúvidas e a cada momento nos remetermos ao projeto inicial que nos impulsionou.
Só para isso nos poderá servir o método científico (e não "a Ciência", entidade abstrata): para abalar nossas crenças, para que a tradição não nos imobilize, para que possamos sempre renová-la. Mas também é necessário admitir que ciência alguma esgotará completamente a complexidade, ambigüidade e originalidade da vida, em cujo fluxo se inserem as vivências humanas compartilhadas no jogo, no esporte, nas ginásticas... Caso contrário, mataremos a Educação Física, ao transformá-la em objeto de análise fragmentária de cada uma das diferentes teorias científicas que elegemos. Porque "por mais que o mundo das ciências se desenvolva indefinidamente para frente, o objeto cujo sentido ele explicita está sempre atrás, como esse mundo da experiência primordial do qual a ciência não terá jamais acabado de falar" (DARTIGUES, 2003, p. 80).
E onde está essa "experiência primordial" da Educação Física, sua vida viva? Está nas escolas, clubes, academias, quadras, ginásios, piscinas, ruas, favelas, praias, parques públicos, terrenos baldios e onde quer que crianças, jovens, adultos, alunos, professores, atletas, técnicos, clientes ou profissionais - não importa os rótulos - exercitem suas motricidades, relacionem-se e comuniquem-se com o meio e com as pessoas, ensinem e aprendam algo. Cumpre-nos participar dessa vida, e não apenas observá-la com as lentes de teorias pré-fabricadas, sob pena de nos desligarmos da nossa própria origem. É só lá que a Educação Física poderá encontrar problemáticas significativas (porque originais) que re-alimentem a vida da Educação Física, e não a matem em objetivações pseudo-científicas.
Desse modo, se quisermos ser honestos conosco mesmos e com a comunidade da Educação Física, devemos apontar qual é o nosso projeto de Educação Física, e como o vivenciamos e perseguimos no ensino, na pesquisa e na extensão. Mas se continuarmos a negar a possibilidade de redescoberta do projeto da Educação Física a partir do seu próprio interior, condenamo-nos a realizar os projetos dos outros: descobrir os futuros "craques" do esporte (o projeto das mídias), compensar as mazelas de uma sociedade violenta e desigual (o projeto dos políticos profissionais), ou produzir conhecimentos abstratos para a "Ciência" (o projeto ainda hegemônico na comunidade científica).
Esboço de um projeto de inspiração fenomenológica para a educação física 2Somos seres cuja relação original com o mundo e com os outros é corporal-motora (MERLEAU-PONTY, 1999). Possuímos uma infinita capacidade de "movimento para...", quer dizer, nossa motricidade é regida por intencionalidades. Santin (1987) destaca que os elementos fundantes da Educação Física são: o ser humano (uma totalidade indivisível) e o movimento, o qual possui componentes/elementos intencionais internos e externos. Dentre outros, são componentes intencionais internos do movimento humano: o prazer intrínseco à execução dos próprios movimentos, a superação de si próprio e a fruição estética; elementos externos seriam aqueles que provém de fora do campo do próprio movimento, como troféus, recompensas financeiras, bem como a busca de valores extrínsecos ao movimento em si, como a saúde. E tais componentes intencionais internos e externos podem ser articulados de diferentes modos, a partir de diferentes valores - entendendo valor como uma possibilidade de escolha (ABBAGNANO, 2000). Por exemplo, a saúde pode ser promovida ou prejudicada, dependendo da articulação que se faz entre os componentes intencionais do movimento, já que ela não é, em si, um componente intencional interno do movimento humano.
É a exercitação intencionada, e em geral sistemática, da motricidade humana (que dizer, nossa capacidade de movimento para... ) que foi construindo, ao longo da história, as formas culturalmente codificadas que hoje conhecemos como esporte, ginásticas, dança etc., as quais constituem os meios e conteúdos que a Educação Física (que não surgiu previamente a estas formas) articula a partir de diferentes intencionalidades pedagógicas. É a este processo e produto que denominamos "cultura corporal de movimento" (BETTI, 2003a, 2005), já que não existe movimento sem um corpo que se movimente (DARTIGUES, 2003). São estas também as formas culturais que interessam às mídias, aos empresários, aos políticos, cada qual buscando extrair delas diferentes valores, de acordo com suas intencionalidades. Contudo, é importante explicar que o termo "intencionalidade" não é usado aqui apenas com um conotação utilitarista no sentido de obter, de modo consciente e previamente planejado, alguma vantagem de ordem "prática" com alguma ação.
Vamos a um exemplo. Didi, um dos maiores jogadores de futebol que o Brasil já conheceu, atuante até início da década de 1960, descreveu, em entrevista à televisão, a que eu tive a oportunidade de assistir, como inventou a "folha seca", um chute de longa distância no qual a bola se elevava muito e, já próxima à meta adversária, descia rapidamente, enganando o goleiro. Pois bem, tal modo de chutar a bola não foi fruto de um processo de "treino", de experimentação controlada com o propósito de criar um novo tipo de chute mais eficiente para atingir o objetivo do futebol ("fazer gols"), mas decorreu do fato de estar com o calcanhar machucado, o que o obrigou a chutar apoiado na ponta dos pés, criando involuntariamente uma nova mecânica do chute. Quer dizer, ele não "pensou", não refletiu antecipadamente sobre como chutar a bola nessa nova situação corporal que a contusão lhe impôs, mas o corpo organizou a ação motora espontaneamente, intuitivamente - isto é exatamente o que se chama intencionalidade operante, que tem a ver com os meios que o corpo oferece naturalmente, atualizando hábitos na percepção, em proveito de uma nova significação (MERLEAU-PONTY, 1999). É claro que a biomecânica poderá explicar a "folha seca" nos termos da Física, assim como professores de Educação Física e treinadores esportivos poderão apropriar-se desse movimento e inseri-lo em uma pedagogia de ensino/treinamento do futebol - estaríamos aí, então, no âmbito da cultura. Mas tais procedimentos são posteriores, assim como, a posteriori, o próprio Didi pode compreender racionalmente o que fez, e pode explicá-lo em palavras.
O depoimento de Didi, então, além de nos servir para exemplificar o conceito de "intencionalidade operante", também serve para nos mostrar de onde vem o novo, onde está a fonte na qual a cultura corporal de movimento "bebe" a matéria prima do seu dinamismo, pois, afinal, a cultura não é estática, ela não apenas reproduz os jogos, os esportes, as danças, mas os produz, os transforma, os cria e re-cria. Observemos as crianças em suas brincadeiras; os jovens pobres nas periferias e favelas improvisando jogos e danças; famílias nos parques públicos rebatendo uma bola por sobre uma corda amarrada entre duas árvores; nas praias, meninos e meninas fazendo malabarismos com uma bola nos pés, ou deslizando por dunas de areia com pedaços de tábua encerada. Aí encontraremos a exercitação mais original da motricidade humana, e original em dois sentidos: como origem das formas que adquirirão posteriormente codificação cultural, e original porque inovadoras, não-codificadas, transgressoras em certa medida. "Brincar" de rebater uma bola de plástico por sobre uma corda amarrada entre duas árvores é, nesse sentido, mais original que o volibol regulamentado como esporte formal-federativo.
Nessa mesma direção, Baitello Jr. (1999) evidenciou como, para os teóricos da semiótica da cultura, o jogo/brinquedo, na qualidade de atividade não direcionada a um fim utilitário, é um dos nascedouros da cultura humana e alimento para sua ampliação, ao lado do sonho, dos desvios psicopatológicos e das situações de êxtase/euforia
Se a televisão faz crianças tomarem contato precoce com as formas codificadas do esporte, se para uma garota jogar volibol é sacar "viagem" e "cortar" contra um bloqueio triplo, e se no imaginário de um garoto ele é o Ronaldinho quando chuta uma bola, mesmo que velha e esgarçada num chão de terra, o professor/profissional de Educação Física que os recebe deve considerar isso, e trabalhar a partir disso. Mas não pode confundir este ponto de partida com o ponto de chegada, assim como deve saber que esse simbolismo presente na atividade esportiva de uma criança, para cuja constituição as mídias são decisivas, não pode confundir-se com a forma desta atividade (BETTI, 2001); quer dizer, o professor/profissional deve adaptar a forma de jogar futebol e volibol para que não haja discrepância entre o que a criança/aluno espera e o que lhes é oferecido.
Como? Por exemplo, resgatando o que é originalmente o volibol: um jogo de rebater a bola por sobre um obstáculo (que pode ser uma rede oficial ou uma corda), cuja dinâmica deve ser preservada. Ora, se não é possível a uma criança realizar o saque "por cima" com uma bola e altura da rede oficiais, talvez ela poderá fazê-lo com a rede mais baixa, com uma bola maior e mais leve. Nada há de errado em que um garoto vista a "camisa 9" da seleção brasileira e "sinta-se" o Ronaldinho (de fato, ele o "é" nesse momento), o que importa é que lhe seja dada a oportunidade de participar plena e ativamente do jogo de futebol, chutando, passando e fazendo gols, e não apenas fique correndo de um lado para outro, sem receber a bola, monopolizada pelos mais hábeis, como sempre se vê nas "escolinhas" de futebol por aí. Para isso, é necessário à Educação Física investir em uma pedagogia do esporte na qual o esporte não seja um fim em si mesmo, e que, sem ignorar suas influências, não se submeta contudo aos interesses das mídias e das grandes corporações econômicas.
Da mesma forma, o profissional da Educação Física que atua nas academias deve considerar a busca pela beleza corporal como uma motivação aparente, por trás da qual se escondem desejos mais profundos desse ser (humano) complexo e ambíguo. Mas deve, sem dúvida, partir desta motivação aparente (afinal, não há nada de errado com ela, pois não se trata de fazer um juízo de valor) para revelar ao cliente/aluno como o exercício físico (assim como o jogo, o esporte, a dança...) pelas suas propriedades intrínsecas, pode propiciar uma experiência existencial gratificante, porque não há como exercitar apenas o físico. Lembremo-nos aqui de Santin (1987): os componentes intencionais externos do movimento (no caso, obter emagrecimento, definição muscular etc.) não podem ser desarticulados dos componentes intencionais internos (por exemplo, o prazer inerente ao próprio fato de movimentar-se).
Só assim a Educação Física poderá redescobrir sua tarefa educativa. Só assim a Educação Física, sob um fundo de natureza, poderá, conforme expressão colhida em Carmo Júnior (1988) tornar-se elemento dinâmico da cultura, e não mera técnica de intervenção sobre o físico. Só assim ela será tanto educação como física.
Implicações para a pesquisa: o exemplo da educação física escolarFoi a perda dos vínculos da pesquisa científica e da teoria com a vida viva da Educação Física que fez com as relações teoria-prática permaneçam como o problema principal na Educação Física. Por exemplo, já é claro para muitos de nós que o formidável avanço teórico que se obteve na Educação Física brasileira, nas últimas duas décadas, não se reverteu em melhorias na prática da Educação Física escolar. Tal contradição é facilmente identificável, até por estudantes em seu primeiro ano de graduação. Uma vez que se aceite este diagnóstico problemático, a resposta mais equivocada que se pode dar é culpar os professores por isso; ou propor que, na formação dos professores, se tenha mais teoria.
Contudo, como afirmou Elliott (1993), o problema para os professores não é a teoria, mas a relação teoria-prática. Em nosso entendimento, tais relações podem ser consideradas nas perspectivas: (i) tradicional-técnica; (ii) legitimadora e/ou crítica; e (iii) reflexiva.
Tradicional-técnicaA pesquisa científica produz abstrações e generalizações a partir da prática - ou seja, teorias - as quais se pretende sejam aplicáveis de modo direto a todos os contextos da prática. Tende-se assim a ignorar as contingências que operam nos ambientes escolares concretos (por exemplo, turmas heterogêneas), assim como não facilitam indicações sobre como atuar para implantar o modelo ideal preconizado pela teoria. A relação teoria-prática torna-se, então, uma ameaça para o professor, na medida em que a teoria supõe um alijamento do conhecimento prático das contingências da vida em aula, de seu conhecimento e experiências profissionais, e imputa ao professor a responsabilidade pela diferença entre a teoria e a prática.
Em síntese, na perspectiva tradicional-técnica, embora exista uma referência inicial à prática, a relação teoria-prática finda por dar-se dá em "mão única", sem qualquer mediação, fluindo da teoria para a prática.
Legitimadora e/ou críticaSegundo Carr e Kemis (1988, p. 30), nas décadas de 1960 e 1970, disciplinas como a psicologia, sociologia, história etc, as quais passaram a fornecer as sínteses teóricas, estratégias conceituais e critérios de validação para a teoria educacional, "como se tal desenvolvimento não fosse possível por conta própria". Em decorrência, os princípios educativos passaram a ser justificados independentemente das práticas educativas (pelo recurso aos conhecimentos psicológicos, sociológicos etc.) e estas, por sua vez, se distanciaram das teorias. Para Stenhouse (apud DICKEL, 1998), por meio das teorias psicológicas, sociológicas, etc., é possível ter acesso a teorias sobre o conteúdo e as condições da ação educativas, mas não ao estudo da ação educativa em si mesma, já aquelas teorias preocupam-se mais em conduzir a pesquisa que guiar o ensino.
Então, nessa perspectiva, teorias levam a teorias, pela necessidade que tem qualquer teoria, ao buscar legitimar ou criticar práticas, de melhor fundamentar seus argumentos, dentre outros motivos, pela concorrência de teorias rivais. Nessa dinâmica, a relação inicial com a prática se esvaece.
A frase que se segue, pronunciada por uma professora de ensino fundamental de uma escola pública, ao ser a mim apresentada, resume bem as dificuldades a que levaram estas duas perspectivas: "Você é um daqueles que fica na sua sala estudando para dizer como NÓS devemos trabalhar ?"
ReflexivaPropõe a reconstrução e transformação da prática. Em contraposição às perspectivas anteriores, Stenhouse (apud DICKEL, 1998) propõe que os problemas delimitados pela pesquisa em educação sejam selecionados em função de sua importância para a compreensão da ação educativa. Tratar-se-ia de uma pesquisa realizada no interior do empreendimento educativo, e que pudesse contribuir para o seu enriquecimento.
Para Elliott (1993), a pesquisa não deve separar-se da prática; a prática mesma é a forma de investigação, pois nessa situação desconhecida são levantadas hipóteses para além da atual compreensão do professor. As ações são avaliadas de forma retrospectiva como meio de ampliação do problema prático (reflexão sobre a ação). Essa compreensão se desenvolve por meio da modificação da prática, e não antes (PEREIRA, 1998). Nesse sentido, a produção teórica deriva das tentativas de mudar as práticas, e estas são o meio pelo qual se elaboram e comprovam as suas próprias teorias, ou seja, as práticas constituem-se em categorias de hipóteses a comprovar. A teoria adquire um sentido de unidade com a prática, não no sentido estático de dar explicações às questões práticas, mas no sentido dinâmico de auxiliar o encaminhamento, a direção refletida, crítica e criativa da situação. A teoria é vista como reveladora de várias alternativas e, pela análise e diálogo com a situação, contribui para fazer avançar o conhecimento sobre a validade de cada uma delas, e assim são geradas relações de interrogações mútuas entre a teoria e a prática, em decorrência do que ambas se transformam.
Conclusão: alternativas metodológicas para a superação do distanciamento entre teoria e prática na educação física escolarNão é pacífico o entendimento de que o método fenomenológico possa ser transportado da Filosofia para a pesquisa empírica, como propõe, por exemplo, Moreira (2002), o que permitiria tomar em conta as "coisas mesmas", dando destaque às experiências vividas pelos sujeitos, e, portanto, permitiria acessar a vida viva da Educação Física, sem intermediários.
Enquanto isso, metodologias de pesquisa cujas origens não são estranhas à Fenomenologia colocam-se hoje, mesmo que precária e timidamente, como alternativas para quem se coloca na perspectiva reflexiva antes aludida: a pesquisa de tipo etnográfico em educação (ANDRÉ, 1995, 1997) e, principalmente, a pesquisa-ação, em especial tal como concebida por Stenhouse (1996) e Elliott (1990, 1993).
A pesquisa-ação ou investigação-ação na educação, segundo Pereira (1998), surgiu nos anos 1960 como uma tentativa (dos acadêmicos) de superar as lacunas existentes entre o ensino e a pesquisa, e de resolver o problema da relação entre teoria e prática. Com diferentes ênfases, pretende ao mesmo tempo conhecer (pesquisa) e atuar (ensino) e, portanto, superar a diferença entre pesquisador e professor, pois o professor é visto como produtor de conhecimentos a partir de sua prática, e o pesquisador "externo" (um professor universitário, por exemplo) atua como facilitador e colaborador. No Brasil, poucos trabalhos têm feito uso da pesquisa-ação na Educação Física escolar; dentre eles destacam-se Bracht (2002) e Betti (2003b, 2005).
Apesar das possíveis limitações presentes no uso da pesquisa-ação, dentre as quais destacamos a necessidade de melhor integrar os alunos nessa dinâmica metodológica, trata-se de uma possibilidade viável de evitar o distanciamento, na Educação Física Escolar, entre teoria e prática, pesquisa e ensino, "sujeito-pesquisador" e "sujeito-pesquisado". Enfim, é possibilidade para quem deseja redescobrir a Educação Física escolar em seu contexto vivo, onde professores e alunos compartilham uma experiência humana. Mas aprofundar essas questões é assunto para outro momento...
Notas
Por "nós" entenda-se aí os graduados em Educação Física na década de 1970 e início da seguinte, que hoje encontram-se em plena maturidade intelectual e profissional.
Não é nosso objetivo aqui apresentar os fundamentos da Fenomenologia, para o que recomendamos as obras "Fenomenologia da Percepção"(MERLEAU-PONTY, 1999) e "O que é a Fenomenologia" (DARTIGUES, 2003).
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revista
digital · Año 10 · N° 91 | Buenos Aires, Diciembre 2005 |