Os efeitos da cafeína relacionados à atividade física: uma revisão |
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Especialista em Fisiologia do Exercício e Avaliação Morfofuncional |
Michel Santos Silva michellsantos@uol.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 66 - Noviembre de 2003 |
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Introdução
Muito provavelmente a cafeína tem sido utilizada, por seus efeitos sobre o Sistema Nervoso Central, desde o período paleolítico (BARONE e ROBERTS, 1984). Na Europa o café foi mais fortemente introduzido a partir do século XVI pelos espanhóis e holandeses, no período das conquistas ultramarinas (JAMES,1997). Antes disso o café era consumido de maneira restrita e a bebida nobre era o chá.
A cafeína, quimicamente conhecida por 1,3,7-trimetilxantina, é o ingrediente ativo do café, mas pode estar presente em muitas comidas e bebidas. Essa substância pertence ao grupo de compostos das metilxantinas, onde se inclui também o chá. As xantinas são substâncias capazes de estimular o sistema nervoso, produzindo certo estado de alerta de curta duração.
Além do café, a cafeína também é encontrada em outras bebidas, em proporções menores, tais como naquelas bebidas contendo cacau, cola, chocolate, além do chá e de alguns remédios do tipo analgésico ou contra gripes. Devido à diversidade de produtos que contém cafeína, presente em mais de 60 espécies de plantas do mundo, ela é, seguramente, a droga psicoativa mais popular no mundo (GLASS,1994; PALFAI & JANKIEWIEZ, 1991).
Considerando que a cafeína está presente no café, chá, chocolates, refrigerantes à base de cafeína ou medicamentos, pode-se dizer que cerca de 80% da população geral faz uso dessa substância diariamente, embora seja muito difícil quantificar seu consumo (STRAIN & GRIFFITHS, 2000). Nas últimas décadas, devido ao aumento do consumo de refrigerantes do tipo cola, tem crescido o consumo de cafeína, sobretudo entre os adolescentes.
Hoje a cafeína é consumida regularmente por bilhões de pessoas no mundo, configurando diversas e variadas práticas culturais, sendo até vital para algumas economias. Os países latinos têm, tradicionalmente, o hábito de tomar café mais concentrado, com maior teor de cafeína, enquanto os americanos preferem o café bem mais diluído, de preferência descafeinado. De modo geral, fora o Brasil e Cuba, os maiores produtores de café, a Grã-Bretanha, a Itália, a Escandinávia e os EUA são os maiores consumidores de cafeína do mundo (STRAIN & GRIFFITHS, 2000; JAMES,1997).
A cafeínaA cafeína faz parte do grupo das bases de purina. A purina, em si, não ocorre na natureza, mas inúmeros derivados são biologicamente significativos. As bases deste grupo que tem importância farmacêutica são todos derivados metilados da 2,6-dioxipurina (xantina). A cafeína é a 1,3,7-trimetilxantina. É sintetizada dos mesmo precursores da fea arabica dão origem às bases de purina. As drogas desse grupo são: café, cafeína, guaraná, cola, mate, chá, teofilina, cacau e teobromina.
A cafeína ocorre no café, chá, no cacau, no guaraná, na cola e na erva-mate. Embora possa ser produzida sinteticamente, em geral, é preparada a partir do chá, do pó das folhas do chá ou de seus restolhos; também pode ser retirada através de máquinas de torrefação de café.
A cafeína atravessa a barreira hemato-encefálica, tendo uma série de efeitos neurobiológicos (STRAIN,2000); em doses maiores que o consumido normalmente, a cafeína provoca inibição das fosfodiesterases e aumento do cálcio intracelular (FREDHOLM,1995). A dose letal de cafeína para o ser humano é de cerca de dez gramas, lembrando-se que uma xícara de café contém cerca de 125 mg de cafeína (JAMES,1997).
Está bem estabelecido que a cafeína é um antagonista competidor dos receptores de adenosina, atuando nesses receptores em áreas muito variadas, tais como na circulação periférica do corpo todo e no córtex cerebral.
Este último, entretanto, pode ser o mecanismo principal responsável pelos efeitos estimulantes (HOLZMAM,1991; MESTER,1995).
As ações do neurotransmissor adenosina, tanto no cérebro como no organismo em geral, são de agente inibidor e depressivo. Esses efeitos depressores ocorrem porque a adenosina promove a inibição da liberação de norepinefrina (noradrenalina) em geral e, predominantemente, no Sistema Nervoso Simpático. Antagonizando esses efeitos, a cafeína resulta numa estimulação dos sistemas envolvidos, aumentando tanto a liberação de norepinefrina como a taxa de ativação espontânea dos neurônios noradrenérgicos.
Entre os efeitos autonômicos estimulantes da cafeína como antagonista da adenosina observa-se a estimulação cardíaca, aumento da pressão arterial, redução da mobilidade intestinal (SNEDER,1984), enfim, produz-se um clássico estado de estimulação simpática (simpaticotônico), tal como se houvesse uma atitude e estresse onde as reservas corporais se mobilizariam.
Outro mecanismo inibitório sobre o Sistema Nervoso Central da adenosina, é em relação à inibição pré-sináptica da liberação de dopamina (MICHAELIS,1979). Então, diminuindo-se a ação da adenosina, como faz a cafeína, deixa de ser inibida a liberação de dopamina e seus níveis aumentam. Resumindo, consumo crônico de cafeína pode proporcionar aumento da liberação de dopamina no Sistema Nervoso Central (WALDECK,1971).
A cafeína e a atividade físicaO Comitê Olímpico Internacional classifica a cafeína, atualmente, como uma droga restrita, positiva em concentrações acima de 12mg/L na urina. (TARNOPOLSKY, 1993). A possibilidade de que a cafeína possa exercer algum efeito ergogênico nos exercícios de longa duração vem sendo investigada por diversos pesquisadores desde a década de 70. No entanto, os resultados destes estudos apresentam algumas controvérsias devido a falta de padronização das metodologias (tipo de exercício; intensidade e duração dos exercícios; dosagens de cafeína; tolerância) utilizadas nos experimentos. Além disso, este tipo de estudo é complicado uma vez que a cafeína afeta quase todos os tecidos do corpo dificultando a observação de seus mecanismos de ação. (NEHLIG et al., 1994).
A cafeína afeta quase todos os sistemas do organismo, sendo que seus efeitos mais óbvios ocorrem no sistema nervoso central (SNC). Quando consumida em baixas dosagens (2-10mg/kg), a cafeína, provoca aumento do estado de vigília, diminuição da sonolência, alívio da fadiga, aumento da respiração, aumento da liberação de catecolaminas, aumento da freqüência cardíaca, aumento no metabolismo e diurese. Em altas dosagens (15mg/kg) causa nervosismo, insônia, tremores e desidratação (CONLEE, 1991).
A cafeína nos exercícios de enduranceO interesse nos possíveis efeitos da cafeína nos exercícios de endurance, iniciou-se com o Dr. Costill e seus colaboradores. Foram examinados os efeitos da ingestão de 330mg de cafeína 1h antes de exercício em bicicleta ergométrica, a 80% VO2máx, até a exaustão ( COSTILL et al., 1978). Os avaliados deste estudo, apresentaram um aumento de 19,5% no tempo de endurance após a ingestão da cafeína (90.2 min x 75.5 min, cafeína x placebo, respectivamente).
Em um outro estudo (IVY et al., 1979) demonstraram que 250mg de cafeína foi associada a um aumento de 7% na quantidade de trabalho produzida em 2h de exercício em bicicleta isocinética. Esse estudo sugere que a cafeína causou um aumento na disponibilidade de ácidos graxos livres para o músculo, resultando em um aumento da taxa de oxidação de lipídios para a energia. Desta forma, utilizando-se mais lipídios para a produção de energia a utilização do glicogênio muscular poderia ser reduzida retardando a fadiga.
ESSING et al. (1980), relatou que o metabolismo muscular durante 30 min de exercício em bicicleta ergométrica a 65-70% VO2máximo após a ingestão de 5mg/kg de cafeína. As doses de cafeína foram administradas em relação ao peso corporal dos sujeitos. Desta vez as alterações no glicogênio muscular foram mensuradas, e os pesquisadores observaram uma economia de 42% no glicogênio muscular devido a cafeína. Além disso, demonstraram que o uso do triglicerídio muscular aumentou em 150%, o que pode ter contribuído para a redução dos valores de R (equivalente respiratório) observados no grupo tratado pela cafeína. Embora estes estudos tenham examinado somente como o metabolismo é afetado pela cafeína, baseando suas conclusões em indicadores indiretos (metabolismo de lipídios; aumentos nas concentrações de ácidos graxos livres (AGL) no plasma; diminuição dos valores de R), forneceram dados importantes para outras pesquisas.
Segundo WOLINSKY & HICKSON JR. (1996), um número grande de relatos não encontrou nenhum efeito significativo no desempenho de exercício. Este fato pode estar relacionado à falta de padronização entre as metodologias utilizadas. Devido a estas controvérsias, houve uma preocupação, por parte dos pesquisadores, em elaborar melhor os estudos, controlando assim variáveis que poderiam interferir nos resultados.
Com o objetivo de verificar os efeitos ergogênicos da cafeína em consumidores habituais, foi realizado um estudo onde 6mg/kg de cafeína foram ingeridas, 1h antes de uma corrida de 90 min na esteira a 70% VO2 máx, por consumidores habituais de cafeína (200mg/dia). Os resultados demonstraram que a habituação da cafeína neutraliza as respostas metabólicas aos efeitos normais da cafeína durante o exercício, eliminando seus efeitos ergogênicos (TARNOPOLSKY et al., 1989).
Um estudo utilizando altas dosagens de cafeína (GRAHAM et al., 1991) demonstrou que 9mg/kg de cafeína aumentaram o tempo de endurance na corrida e no ciclismo em 44 e 51% respectivamente. Por outro lado, (PASMAN et al., 1995), diferentes dosagens de cafeína foram administradas (0-5-9-13mg/kg), demonstrou um aumento significativo na performance de endurance para todas as dosagens de cafeína comparadas ao placebo. No entanto, nenhuma diferença foi encontrada entre as três dosagens, indicando que não existe relação entre as dosagens de cafeína e o aumento na performance. Este mesmo estudo teve a preocupação de verificar as concentrações de cafeína na urina dos sujeitos, após a ingestão das diferentes dosagens, e observou que somente as dosagens de 9 e 13mg/kg resultaram em concentrações urinárias acima do limite estabelecido pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) como doping.
GRAHAM et al., (1998) investigou se a cafeína exerce um melhor aumento na performance de endurance quando consumida em cápsulas (pura) ou quando consumida em café. Os sujeitos ingeriram 4.45 mg/kg de cafeína em ambas as formas (pura ou café) e após uma hora executaram testes de corrida até a exaustão a 85% do VO2máximo. O grupo que ingeriu a cafeína em cápsulas apresentou um aumento de 7.5 a 10 min no tempo total de endurance. Estes resultados demonstraram que a cafeína quando ingerida em cápsulas (pura) exerce um maior potencial ergogênico nos exercícios de endurance. O estudo sugeriu que outras substâncias contidas no café podem exercer algum tipo de efeito inibitório nos efeitos fisiológicos causados pela cafeína.
A cafeína nos exercícios de curta duraçãoNa literatura científica analisada, poucos estudos foram encontrados em relação ao treinamento de força, de alta intensidade, velocidade e potência.Os estudos analisados refletem uma controvérsia muito grande em relação ao tema em questão.
Alguns estudos apontam para um relativo aumento da força muscular acompanhado de uma maior resistência a aparição da fadiga muscular após a ingesta de doses relativamente altas de cafeína (KALMAR & CAFARELLI, 1998; LOPES,1983; PINTO & TARNOPOLSKY,1997; ROY,1994). Embora não se saiba de forma concreta o verdadeiro mecanismo de ação responsável pelo aumento da força muscular (ALTIMARI,2000).
Todavia, acredita-se que isso ocorra em maior intensidade muito mais pela ação direta da cafeína no SNC do que pela sua ação em nível periférico(KALMAR & CAFARELLI, 1998).Com relação aos exercícios máximos e supramáximos de curta duração, a maioria dos estudos dessa natureza vem demonstrando que a ingestão de cafeína pode melhorar significativamente o desempenho físico em exercícios máximos de curta duração (até 5 minutos) (GRAHAM, RUSH & VAN SOEREN,1994). O mesmo não se pode dizer com relação a tais exercícios quando precedidos por exercícios submáximos prolongados, quando o desempenho físico parece não sofrer qualquer alteração (GRAHAM, RUSH & VAN SOEREN,1994). Entretanto, esses resultados necessitam de confirmação, assim como de um maior esclarecimento quanto aos mecanismos de ação da cafeína nesses tipos de esforços.
ConclusãoPoucas são as pessoas que hoje em dia recusam uma xícara de café para dois dedos de conversa, para fumar um cigarro, para acordar e enfrentar um dia árduo de trabalho ou de aulas. Há ainda quem beba café como quem bebe água. Deformações no feto, infertilidade, problemas cardíacos, fibrose cística do peito e úlceras são alguns dos diagnósticos associados facilmente ao consumo de cafeína em quantidades elevadas e por elevados períodos de tempo. Mas será que é mesmo assim?
A nível metabólico, os investigadores acreditam que a cafeína é um antagonista da adenosina e, ao contrário do efeito sedante, provocam um efeito estimulador e, posteriormente podem reverter o efeito sedante provocado pela adenosina. Outra possibilidade relatada em estudos é a possibilidade de as metilxantinas (p.ex. cafeína) ativarem a libertação de dois aminoácidos excitatórios (glutamato e aspartato) que desempenham um papel fundamental como principais neurotransmissores estimuladores do cérebro.
Todos conhecemos os efeitos da cafeína, desde o aumento do ritmo cardíaco à diminuição do tempo de reação a estímulos visuais e auditivos. Estudos comprovam que a cafeína é capaz de aumentar a performance dos indivíduos em tarefas manuais tais como conduzir, apesar de poder diminuir a performance em tarefas que envolvam coordenação muscular complexa.
Nos 15-45 minutos após a ingestão, a cafeína começa a atuar a nível fisiológico, atingindo o máximo efeito no sistema nervoso central (SNC) entre 30 e 60 minutos após a ingestão.
Os produtos da metabolização da cafeína pelo fígado são excretados pela urina, podendo, eventualmente, ser excretados através da saliva, esperma e leite materno. A expulsão de metabólitos pode então estar associada problemas de infertilidade masculina e ao desenvolvimento de fibrose cística no peito.
Os efeitos da cafeína variam de indivíduo para indivíduo, de acordo com o seu peso e com a regularidade com que ingerem cafeína, e os seus efeitos são sentidos enquanto estiver presente na corrente sanguínea. A classificação entre não utilizadores, consumidores pontuais, consumidores regulares e consumidores impulsivos está diretamente ligada ao fato de, para além de causar dependência, a cafeína provoca o efeito de tolerância, pelo que progressivamente, maiores doses desta droga têm de ser ingeridas para atingir um mesmo efeito.. Dores de cabeça, irritabilidade, cansaço e incapacidade de concentração são alguns dos sintomas provocados pela interrupção abrupta da ingestão de cafeína.
Estudos efetuados permitiram obter valores médios de doses de cafeína de acordo com os efeitos provocados.
A degradação completa da cafeína no organismo pode variar imenso, sendo que um período de 5 - 7 horas é tido como o tempo de meia vida da cafeína. Este valor foi definido para indivíduos adultos, não fumadores (em indivíduos fumadores, o tempo de meia vida da cafeína é reduzido para cerca de metade, aproximadamente 3 horas, valor semelhante ao de um bebê). O efeito de medicação pode aumentar este período de tempo (uma mulher que ingira contraceptivos demora cerca de 13 horas a degradar metade da dose de cafeína ingerida). Uma mulher grávida pode demorar cerca de 20 horas.
É comum que as mulheres grávidas sejam aconselhadas a reduzir ou cortar totalmente a ingestão de café durante a gravidez devido ao perigo de deformações fetais. Devido à impossibilidade de efetuar experiências com humanos, experiências com ratos permitiram estimar que apenas doses superiores a 70 chávenas por dia poderiam causar deformações.
Hoje em dia, quase todos nós temos dificuldade em adormecer, uns mais que outros, uns mais freqüentemente que outros. Estudos efetuado revelam que para um adulto normal, não fumador, sem estar sobre o efeito de medicação, a ingestão de cafeína, 30 - 60 min antes de se deitar, pode provocar dificuldade em adormecer e insônias.
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