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Adaptações fisiológicas e morfológicas das
mitocôndrias ao treinamento de endurance

   
*Pós-Graduação em Fisiologia do Exercício - Universidade do Estado da Bahia
Graduação em Educação Física - Universidade Estadual de Feira de Santana
**Prof. Ms. UFBA / UEFS
 
 
Gilmar Mercês de Jesus*
Admilson Santos**

gilmj@yahoo.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    A atividade contrátil muscular crônica produz biogênese mitocondrial no músculo esquelético. Essa adaptação resulta em uma significativa mudança no metabolismo, que reflete uma melhora no desempenho aeróbio. Praticar regularmente exercícios induz profundas adaptações fisiológicas no músculo esquelético, sendo uma das mais importantes, ocorrida no aumento da capacidade da via oxidativa, que é refletida por incrementos na densidade mitocondrial e na atividade máxima de enzimas do processo mitocondrial de respiração celular. Esse estudo é uma revisão do mecanismo bioquímico-fisiológico das adaptações no tamanho e no número das mitocôndrias ao treinamento de endurance.
    Unitermos: Mitocôndria. Biogênese mitocondrial. Treinamento de endurance
 
Abstract
    The chronic contractile muscle activity produces mitochondrial biogenesis in the skeletal muscle. That adaptation results in a significant changein the metabolism, which reflects an improvment in the aerobic perform. To pactise exercises regularly induces to deep physiological adaptations in the skeletal muscle, being one the most important adaptations occured in the increase in the capacity of the oxidative pathaways, that is reflected by an increase in mitocondrial density and in the maximal activity of enzymes of the mitochondrial process of cellular respiration.That study is a review of biochemical-physiological mechanism of adaptations in the size and number of mitochondrias to endurance training.
    Keywords: Mitochondria. Mitochondrial biogénesis. Endurance training
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 63 - Agosto de 2003

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Introdução

    O presente estudo trata de uma revisão bibliográfica sobre as adaptações fisiológicas e morfológicas das mitocôndrias, especialmente, tamanho e número, ao treinamento com exercícios de endurance.

    É consenso na literatura científica que praticar regularmente exercícios físicos induz profundas adaptações fisiológicas no músculo esquelético, sendo uma das mais importantes, o aumento da capacidade da via oxidativa, que é refletida por incrementos na densidade mitocondrial e na atividade máxima de enzimas do processo mitocondrial de respiração celular (GOLLNICK & HOLLOSZY, 1967; KING, 1969; BARNARD, EDGERTON & PETER, 1970; HOPPELER et al, 1973; BENZI et al, 1975; DAVIES, PACKER & BROOKS, 1981; GREEN, et al, 1991; GREEN, et al, 1992; WILMORE & COSTILL, 2001).

    As mitocôndrias são organelas celulares presentes em todas as células eucarióticas e têm como finalidade principal converter energia em uma forma biologicamente utilizável nas variadas reações celulares, sendo responsáveis exclusivas pelo processo de respiração celular (ALBERTS, 1997). Em tamanho e forma, as mitocôndrias são muito semelhantes a bactérias, possuindo um processo de replicação muito semelhante a estes seres, por bipartição. Na maioria das células o processo de replicação do material genético mitocondrial e a divisão da mitocôndria ocorrem ao longo do ciclo celular. Esse não é o caso da célula muscular, pois, trata-se de uma célula especializada sem a capacidade de divisão em situações normais. Isto ressalta a existência de um fator externo que sinaliza a replicação do material genético da mitocôndria e a divisão desta organela.

    Nesse sentido, é evidenciado que a atividade contrátil muscular crônica produz biogênese mitocondrial no músculo (HOOD, 2001).

    Os efeitos do treinamento de endurance podem ser descritos em relação às adaptações sistêmicas, bioquímicas e no tipo de fibra muscular, e tecido conjuntivo (FOSS & KTEYIAN, 2000). Todas essas adaptações estão envolvidas com o aumento da capacidade do músculo em gerar ATP (MCARDLE, KATCH & KATCH, 1998; FOSS & KETEYIAN, 2000; POWERS & HOWLEY, 2000; WILMORE & COSTILL, 2001).

    Uma vez que modificações morfológicas e fisiológicas nas mitocôndrias, ocasionadas pelo treinamento com exercícios de endurance, influenciam diretamente o desempenho aeróbio dos indivíduos (SATARRIRT, ANGUS & HARGREAVES, 1999), torna-se importante o esclarecimento dos detalhes dessa temática para os profissionais de Educação Física dedicados à prescrição de programas de treinamento, fundamentados em princípios científicos, para a obtenção dos melhores resultados em termos de desempenho físico.

    Assim, a investigação tem como objetivo principal identificar o processo fisiológico que explica o aumento no tamanho e no número das mitocôndrias em resposta ao treinamento com exercícios de endurance e o estímulo específico responsável por desencadear esse processo.

    Mitocôndria: características principais da organela, aspectos evolutivos e estruturais

    Na ausência da mitocôndria, as células animais seriam anaeróbias, dependendo da pouco eficiente glicólise anaeróbia para a produção energética. Existem evidências de que bactérias atuais produzem energia de forma similar à mitocôndria, o que faz avançar a teoria da descendência das células eucarióticas atuais de seres anaeróbios primitivos (ALBERTS, 1997). A partir de certo momento na escala temporal da evolução, bactérias aeróbias foram engolfadas e passaram a conferir à célula hospedeira a capacidade para utilização de oxigênio na produção de energia para as suas reações (ALBERTS, 1997).

    As mitocôndrias exibem numerosas semelhanças com células procarióticas de vida livre. Em tamanho e forma, são muito parecidas com bactérias. Possuindo DNA próprio, um filamento circular (CLAYTON, 1991) e com capacidade de síntese protéica, além de se dividirem por bipartição, processo comum às bactérias (ALBERTS, 1997).

    Andersson et al (1999) descreveu a seqüência genética completa do parasita intracelular obrigatório Rickettsia Prowazekii, agente causador da epidemia de Tifo, e encontrou que o perfil funcional dos genes do parasita apresenta semelhanças com os genes da mitocôndria: uma série completa de genes codificando os componentes do Ciclo do Ácido Cítrico e da Cadeia de Transporte de Elétrons, dentre outros aspectos. Dessa forma, concluiu que a produção de energia na Rickettsia Prowazekii é igual à da mitocôndria e, a partir de análises filogenéticas, indicou que a Rickettsia Prowazekii é mais intimamente relacionada à mitocôndria do que alguns micróbios estudados até então (ANDERSSON, et al 1999).

    As mitocôndrias são fundamentais para o metabolismo energético na maioria dos eucariotos. Durante a origem simbiótica da organela, centenas de genes foram transferidos do genoma da organela para o núcleo (LIAUD et al, 2000). Isso tornou a mitocôndria dependente de numerosas proteínas codificadas pelo genoma celular para a realização de suas funções, incluindo a própria via oxidativa e seu processo de replicação. Em contrapartida, a célula hospedeira tornou-se dependente da energia gerada pela mitocôndria. O advento da mitocôndria está associado com a especialização da membrana plasmática, permitindo a evolução das células eucarióticas (ALBERTS, 1997).


Mecanismo mitocondrial de produção de energia

    A via pela qual as mitocôndrias e, até mesmo bactérias, mobilizam energia para seus propósitos biológicos, é dirigida pelo processo de acoplamento quimiosmótico em que, se utiliza a energia proveniente dos nutrientes para acionar bombas de prótons em uma movimentação entre as membranas mitocondriais (ALBERTS, 1997). Esse movimento produz um gradiente eletroquímico de prótons através da membrana que é utilizado para viabilizar as reações dependentes de energia (ALBERTS, 1997).

    A produção de ATP ocorre no interior das mitocôndrias e envolve duas vias metabólicas cooperativas o Ciclo do Ácido Cítrico (Ciclo de Krebs), e a Cadeia de Transporte de Elétrons (Cadeia Respiratória) (POWERS & HOWLEY, 2000).

    O Ciclo do Ácido Cítrico tem como objetivo principal terminar a oxidação de carboidratos, lipídios e proteínas (POWERS & HOWLEY, 2000). É iniciado com o Piruvato originário principalmente como um produto da glicólise dos carboidratos no citoplasma, e produz CO2 e elétrons que são levados à Cadeia Respiratória para a produção aeróbia de ATP (POWERS & HOWLEY, 2000).

    O exercício, segundo Powers e Howley (2000), representa um desafio às vias de produção de energia do músculo exercitado, indicando que "durante um exercício intenso o gasto energético total do organismo pode ser de quinze a vinte e cinco vezes o gasto energético de repouso". Essa maior produção de energia provê ATP para os músculos em atividade (FOSS & KETEYIAN, 2000; POWERS & HOWLEY, 2000).

    Como observado, a produção de energia aeróbia ocorre nas mitocôndrias. Portanto, segundo Wilmore e Costill (2001), "não é surpreendente que o treinamento aeróbio também induza alterações da função mitocondrial que melhoram a capacidade de produção de ATP das fibras musculares". Isso é, ainda, reforçado por Wilmore e Costill (2001) quando afirmam que:

"a capacidade de utilizar oxigênio e produzir ATP através da oxidação depende da quantidade, do tamanho e da eficiência das mitocôndrias do músculo. Todas essas três qualidades melhoram o desempenho aeróbio".


Efeitos fisiológicos do treinamento de endurance

    Os efeitos do treinamento de endurance podem ser descritos em relação às adaptações sistêmicas, bioquímicas e no tipo de fibra muscular, e, tecido conjuntivo (FOSS & KTEYIAN, 2000). Todas essas adaptações estão envolvidas com o aumento da capacidade do músculo em gerar ATP (MCARDLE, KATCH & KATCH, 1998; FOSS & KETEYIAN, 2000; POWERS & HOWLEY, 2000; WILMORE & COSTILL, 2001).

    Assim as adaptações bioquímicas podem ser destacadas pela maior concentração de mioglobina, melhorando o fornecimento de oxigênio para as mitocôndrias. Wilmore e Costill, (2001) e Foss e Ketryian (2000), citando Molé, Oscai e Holloszy (1971), indicam que o treinamento de endurance revelou incrementar o conteúdo muscular de mioglobina de 75% a 80%. Uma oxidação mais eficiente de glicogênio, por conta de um aumento no tamanho das mitocôndrias (COSTILL et al 1976; GOLLNICK & KING, 1969; HOLLOSZY, 1967) e da atividade máxima das enzimas oxidativas (GREEN, et al, 1992; GREEN, et al, 1991; HOPPELER et al, 1973; BARNARD, EDGERTON & PETER, 1970; BENZI et al, 1975; DAVIES, PACKER & BROOKS, 1981). E uma oxidação, também, mais eficiente dos lipídios (GOLLNICK, 1977; MOLÉ, OSCAI & HOLLOSZY, 1971; OSCAI, WILLIAMS & HERTIG, 1968), devendo-se basicamente a maiores estoques lipídicos musculares encontrados em humanos após o treinamento de endurance (HOPPELER, 1973; TAYLOR, 1975), contribuindo para o melhor desempenho de endurance, com a preservação de glicogênio (BORENSZTAJN et al 1975; COSTILL et al 1977; HICKSON, 1977).

    As alterações nos tipos de fibras musculares, principalmente das fibras de contração lenta (Tipo I), que, em resposta ao estímulo do treinamento de endurance tornam-se de 7% a 22% maiores em comparação com as de contração rápida (SALTIN et al, 1976). Além disso, é apontado por Foss e Keteyian (2000) que pode haver uma conversão das fibras do Tipo IIb (glicolíticas rápidas) para o tipo IIa (glicolíticas oxidativas rápidas).

    As alterações sistêmicas podem ser resumidas em uma hipertrofia cardíaca, com maior cavidade ventricular, maior volume sistólico, por uma maior capacidade de enchimento do ventrículo esquerdo, menor freqüência cardíaca, aumento do volume sanguíneo e na concentração de hemoglobina, e uma maior densidade capilar (WILMORE & COSTILL, 2001; FOSS & KETEYIAN, 2000; MCARDLE, KATCH & KATCH, 1998).

    Enfim, as adaptações ocasionadas pelo treinamento de endurance favorecem uma transição mais rápida entre o estado de repouso e o exercício (POWERS & HOWLEY, 2000).

    Muitas dessas adaptações estão sustentadas em alterações bioquímicas e estruturais da célula muscular. Nesse ponto, alterações típicas ao treinamento de endurance, são as sofridas pelas mitocôndrias, que têm seu número e tamanho, aumentados, além do incremento em sua capacidade oxidativa, provinda do aumento na atividade máxima de suas enzimas (STARRIT, ANGUS & HARGREAVES, 1999).

    A literatura científica é consensual no que diz respeito às adaptações fisiológicas e morfológicas das mitocôndrias, principalmente no que diz respeito ao aumento no número e tamanho (HOLLOSZY et al, 1971), e capacidade oxidativa (HOLLOSZY & COYLE, 1984; GREEN, et al, 1991; GREEN, et al, 1992; WIBOM, et al 1992; SPINA et al, 1996; PHILLIPS et al, 1996; STARRIT, ANGUS & HARGREAVES, 1999; LEEK, et al, 2001) ao treinamento de endurance. Estudos em modelos animais e humanos atestam essas adaptações (LAWLER et al, 1993; MCCALLISTER et al, 1997; SIU et al, 2003).

    Segundo Alberts (1987) "as mitocôndrias nunca são formadas de novo", são originadas pela divisão de uma já existente. A observação de células vivas indica que essas organelas não só se dividem como também se fundem umas às outras. "Em média, entretanto, cada organela deve dobrar a sua massa e então se dividir ao meio uma vez a cada geração celular". Assim:

"O número de organelas por célula pode ser regulado de acordo com a necessidade; um grande aumento do número de mitocôndrias (de cinco a até dez vezes), por exemplo, é observado se um músculo esquelético em repouso é repetidamente estimulado a se contrair por um período prolongado".

    È importante considerar as evidências que sugerem a existência de populações mitocondriais morfológica e bioquimicamente diferentes no músculo esquelético e cardíaco, com respostas diferenciadas ao treinamento de endurance (BIZEAU, WILLIS & HAZEL, 1998). Duas frações mitocondriais foram isoladas do músculo esquelético, a porção intermiofibrilar (IMF), localizada entre as miofibrilas, e a porção subsarcolemal (SS), localizada próximo ao sarcolema. A fração mitocondrial subsarcolemal constitui ~10-15% do volume total de mitocôndrias e quase invariavelmente se adapta mais facilmente a variações no uso ou desuso do músculo (HOPPELER et al, 1973; HOPPELER, 1986; KRIEGER et al, 1980; BISWAS et al, 1999; BROOKS, 1999).

    Estímulo que Desencadeia o aumento do Tamanho e do Número das Mitocôndrias em Resposta ao Treinamento de Endurance

    O processo de biogênese mitocondrial em resposta à atividade contrátil muscular requer uma ação conjunta dos genomas mitocondrial e nuclear (HOOD et al, 2000).

    A atividade contrátil inicia uma série de eventos fisiológicos e bioquímicos que levam à biogênese da mitocôndria. A biogênese é iniciada com um sinal, que tem sua magnitude relacionada com a intensidade e a duração do estimulo contrátil. É proposto que o exercício de endurance provoca um maior estímulo à biogênese da organela. Segundo Hood (2001) esse sinal influencia a ativação ou inibição de fatores de transcrição, o que afeta a taxa de transcrição do material genético, influencia a ativação de fatores de estabilidade do RNA mensageiro (mRNA), altera a eficiência da tradução e a cinética mitocondrial de importação de proteínas e, ainda, pode ter um efeito mais direto sobre a mitocôndria, iniciando a replicação ou transcrição do DNA mitocondrial (mtDNA) ou ter um efeito direto sobre a tradução do RNA mitocondrial (mtRNA) e na montagem de enzimas.

    Hood (2001), indica que no início da atividade contrátil, ocorrem rápidos eventos que podem constituir parte do processo de sinalização inicial ligado à síntese de proteínas e lipídios. No entanto, em relação à biogênese mitocondrial, os eventos sustentados por evidências experimentais, senão os mais importantes, são a sinalização do Cálcio e do ATP (HOOD, 2001).

    Quando liberado pelo retículo sarcoplasmático, o Cálcio permite, na fibra muscular, a interação entre a actina e a miosina, sendo também reconhecido como um importante segundo mensageiro em variados tipos de células (CRUZALEGUI & BADING, 2000), incluindo a célula muscular (KUBIS et al, 1997; WALKE et al, 1994). Elevações na concentração citosólica de Cálcio podem ativar algumas quinases (calmodulina kinase II, proteína kinase C - PKC) e fosfatases que finalmente transmitem seus sinais para o núcleo, alterando a taxa de transcrição de genes. Aumentos no Cálcio citosólico influenciam diretamente a taxa de respiração mitocondrial (KAVANAUGH, AINSCOW & BRAND, 2000). Isso ocorre via ativação de desidrogenases, que requerem Cálcio para a sua atividade (MCCORMACK & DENTON, 1994).

    Dessa forma, o suprimento de ATP mitocondrial, ligado a alterações na homeostase do Cálcio, pode desencadear a indução do sinal de via de tradução, ligado a fosforilação, transcrição e/ou fatores de estabilidade. Assim, pode ser indicativo dos eventos de sinalização da atividade contrátil, sendo o Cálcio um provável formador de parte de uma ampla série de sinais que mediam as modificações na síntese dos componentes mitocondriais (HOOD, 2001).

    Com relação ao ATP, é proposto por Hood (2001) que o aumento na respiração mitocondrial, ou o déficit entre a demanda celular de ATP e o suprimento mitocondrial de ATP, provê um estímulo para a indução seqüencial de uma variedade de genes envolvidos na biogênese da mitocôndria.

    Há muitas evidências em relação ao efeito positivo do exercício sobre a ativação de uma variedade de quinases que poderiam estar potencialmente envolvidas na fosforilação de fatores de transcrição (HOOD, 2001). Entre as quinases ativadas está a PCK (RICHTER et al, 1987) e AMPK (WINDER, 1998).

    Nesse sentido, Winder et al (2000) indica evidências do envolvimento da proteína quinase 5' - AMP - ativada (AMPK) em associação ao efeito da contração muscular, como algumas das adaptações ao treinamento com exercícios.

    A proteína quinase 5'- AMP - ativada (AMPK) tem sido recentemente implicada como importante chave metabólica no músculo, controlando ambos metabolismos de gorduras e consumo de glicose (WINDER & HARDIE, 1999). É provado que a atividade da AMPK aumenta no músculo de ratos correndo sobre um esteira, e em resposta à estimulação elétrica (WINDER & HARDIE, 1996; WINDER & HARDIE, 1999). As observações de Winder et al (2000) sugerem que a ativação da AMPK pode estar envolvida na mediação do efeito do exercício sobre algumas adaptações bioquímicas do músculo.

    Geralmente, a transcrição celular é regida por proteínas chamadas de fatores de transcrição, que se ligam a regiões regulatórias de genes. Os fatores de transcrição implicados na biogênese da mitocôndria incluem o NRF-1 e NRF-2, sendo o NRF-1 ativador do (mTFA) fator A de transcrição mitocondrial (HOOD, 2001).

    Bergeron, et al (2001) indica que a AMPK é ativada pelo estresse energético, como a fome e a isquemia (HARDIE & CARLING, 1997), sendo ativada pelo declínio em ambas proporções de ATP/AMP e conteúdo de fosfocreatina (PONTICOS et al, 1998) que ocorrerem normalmente durante o exercício. Concomitantemente, a atividade da AMPK é aumentada durante o exercício no músculo esquelético de roedores (WINDER & HARDIE, 1996) e humanos (CHEN et al, 2000; FUJII et al, 2000; WOJTASZEWSKI et al, 2000). O consumo de glicose do músculo esquelético é estimulado pela ativação aguda da AMPK por um ativador químico não específico, AICAR (MERRILL et al, 1997). Estudos recentes sugerem que esse fenômeno pode ser importante para a estimulação do consumo da glicose mediada pela contração (BERGERON et al, 1999; DALE et al, 1995; IHLEMANN et al, 1999). A AMPK está localizada no núcleo, sugerindo que essa proteína pode estar envolvida na regulação da expressão genética (SALT et al, 1998). Essa hipótese tem sido recentemente confirmada em células hepáticas isoladas, onde a ativação da AMPK foi apresentada por inibir a expressão da enzima ácido graxo sintase e o gene piruvato quinase nos hepatócitos (FORETZ et al, 1998, LACLERC, KAHN & DOIRON, 1998). A ativação crônica de AMPK por AICAR repetida diariamente por 04 semanas, para simular o treinamento com exercícios, foi associada com aumentos no conteúdo de GLUT-4 assim como a atividade das enzimas oxidativas mitocondriais (OJUKA, NOLTE & HOLLOSZY, 2000; WINDER et al, 2000). Esses dados sugerem que repetidas sessões de exercício físico podem gerar adaptações bioquímicas no músculo esquelético através da ativação repetida da AMPK.

    O ácido beta-guanadinopropionico (B-GPA) é um análogo da creatina que compete para o transporte da creatina no músculo esquelético e inibe a atividade da creatina quinase. Segundo Bergeron, et al (2001), como resultado, quando o B-GPA é adicionado à dieta de ratos, a reserva de creatina fosfato muscular é depletada em >85% e as concentrações de ATP são diminuídas em ~40-50%. A alimentação das células do músculo esquelético com B-GPA em estado de estresse energético crônico é tipicamente associada com um número de adaptações do músculo esquelético que parecem com aquelas observadas após o treinamento de endurance, tais como aumentos na atividade da citrato sintase, e da capacidade oxidativa (BERGERON et al, 2001).

    Uma hipótese é que o fator nuclear respiratório-1 (NRF-1), fator de transcrição que age sobre uma série de genes nucleares requeridos para a transcrição de proteínas respiratórias, assim como a transcrição e replicação mitocondrial, pode ser uma agente chave no aumento da capacidade oxidativa das células do músculo esquelético em resposta ao estresse energético tal como o exercício e a alimentação com B-GPA (BERGERON et al, 2001).

    Complementando, Gordon, et al (2001) conduziu um estudo para identificar o processo regulatório na expressão do mTFA e sua relação com a expressão do mtDNA durante a biogênese mitocondrial induzida pela atividade contrátil muscular. Seus resultados indicaram que o mTFA parece ser um fator chave responsável pelo aumento na expressão gênica mitocondrial e capacidade oxidativa, observada na biogênese mitocondrial induzida pela atividade contrátil do músculo esquelético.

    No estudo de Bergeron, et al (2001), foi examinada a hipótese que o estresse energético crônico provocado pela alimentação com B-GPA, ativa a AMPK, que em conseqüência ativa a NFR-1, que por sua vez está ligada ao aumento na biogênese mitocondrial. Seu estudo apresentou uma forte associação entre a ativação da AMPK muscular, aumento na atividade da NFR-1 e o aumento na densidade mitocondrial. Os dados de Bergeron, et al (2001) sugerem que a AMPK pode ter um importante papel nas adaptações do músculo ao estresse energético crônico, via regulações na biogênese mitocondrial e expressão de proteínas respiratórias através da ativação do NFR-1, esses resultados são semelhantes em resposta ao exercício de endurance.

    Além disso, a ação da AMPK, comprovadamente aumentada no músculo submetido ao estresse do exercício e da estimulação elétrica crônica (WINDER & HARDIE, 1996; WINDER & HARDIE, 1999), está associada com aumentos na atividade de enzimas oxidativas mitocondriais, sugerindo que repetidas sessões de exercício físico podem gerar adaptações bioquímicas no músculo esquelético através da ativação repetida da AMPK (OJUKA, NOLTE & HOLLOSZY, 2000; WINDER et al, 2000).

    A ativação da AMPK também está associada com a fosforilação de fatores de transcrição, dentre eles, possivelmente o NRF-1, fator de transcrição implicado na biogênese mitocondrial, que regula o mTFA, fator A de transcrição mitocondrial (HOOD, 2001). De forma resumida, a atividade contrátil muscular estimula a AMPK que conseqüentemente estimula o NFR-1, que por sua vez estimula o mTFA, produzindo aumento da densidade mitocondrial. Isso pode representar a via de ligação com estímulos fisiológicos externos para a regulação da replicação mitocondrial. Porém, segundo Bergeron, et al (2001) a via que liga a ativação da NFR-1 é pouco conhecida.



Conclusão

    De forma geral, a atividade muscular crônica produz biogênese mitocondrial no músculo esquelético. Essa adaptação resulta em uma significativa mudança no metabolismo, que é encarregada, entre outros aspectos, dos melhoramentos na resistência à fadiga (HOOD, 2001).

    A atividade contrátil inicia uma série de eventos fisiológicos e bioquímicos que levam à biogênese da mitocôndria. A biogênese é iniciada com um sinal, que tem sua magnitude relacionada com a intensidade e a duração do estimulo contrátil. É proposto que o exercício de endurance provoca um maior estímulo à biogênese da organela. Segundo Hood (2001) esse sinal influencia a ativação ou inibição de fatores de transcrição, o que afeta a taxa de transcrição do material genético, influencia a ativação de fatores de estabilidade do RNA mensageiro (mRNA), altera a eficiência da tradução e a cinética mitocondrial de importação de proteínas e, ainda, pode ter um efeito mais direto sobre a mitocôndria, iniciando a replicação ou transcrição do DNA mitocondrial (mtDNA) ou ter um efeito direto sobre a tradução do RNA mitocondrial (mtRNA) e na montagem de enzimas (HOOD, 2001).

    Os eventos mais importantes desse sinal são a sinalização do Cálcio, agindo como segundo mensageiro (WALKE et al, 1994; KUBIS et al, 1997; CRUZALEGUI & BADING, 2000) e do ATP (HOOD, 2001). Ainda, há muitas evidências em relação ao efeito positivo do exercício sobre a ativação de uma variedade de quinases, potencialmente envolvidas na fosforilação de fatores de transcrição (HOOD, 2001). Entre as quinases ativadas está a PCK (RICHTER et al, 1987) e AMPK (WINDER, 1998).

    Nesse sentido, Winder et al (2000) indica evidências do envolvimento da proteína quinase 5' - AMP - ativada (AMPK) em associação ao efeito da contração muscular, como algumas das adaptações ao treinamento com exercícios, especialmente as adaptações bioquímicas do músculo (OJUKA, NOLTE & HOLLOSZY, 2000; WINDER et al, 2000). A ativação da AMPK pelo estresse energético provocado pela alimentação e também pelo exercício físico é implicada, por sua vez, na ativação de fatores de transcrição (NFR-1) associados com o aumento na biogênese mitocondrial (BERGERON et al, 2001).

    Finalmente o estímulo à biogênese mitocondrial proporcionado pelo treinamento com exercícios de endurance produz um sinal que influencia a ativação ou inibição de fatores de transcrição, afetando a taxa de transcrição do material genético, ou ainda agindo mais diretamente na replicação ou transcrição do genoma mitocondrial. Essa sinalização é experimentalmente evidenciada com a ação de segundo mensageiro do Cálcio, liberado durante a contração muscular, e o déficit entre a demanda celular e a produção mitocondrial de ATP (HOOD, 2001).


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