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A busca de um novo paradigma para organização
técnica e funcional do desporto de elevado rendimento

Coordenador de Preparação Física do Sport Club Internacional.
Professor do Curso de Mestrado Ciencia do Movimento Humano ESEF UFRGS.
Professor Licenciado em Educação Física Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Especialista em Ciencia do Esporte Faculdade Católica de Medicina RGS.
Mestre em Educação Pontifícia Universidade Catolica do RGS.
Doutor em Ciencia da Educação Universidade de Barcelona - 1995

Elio Carravetta
ecarravetta@internacional.com.br
(Brasil)

Resumo
    O esporte de elevado rendimento está sustentado de maneira quase unilateral pelo tecnicismo do paradigma científico e pela fragmentação das contribuições da Ciência do Desporto. A filosofia do treinamento está fundamentada em teorias condutivistas e em ações unidisciplinares, onde todo o problema do treinamento está atomizado em suas especificidades, excluindo as inter-relações com as áreas mais amplas do conhecimento. Nas duas últimas décadas, as marcantes transformações na história do pensamento humano, resultaram na contestação da corrente positivista. Surgem reflexões sobre as contradições dos modelos teóricos dominantes na organização técnica e funcional do esporte de elevado rendimento. Alguns autores começam a romper as barreiras do condutivismo e da visão unidisciplinar, e passam oferecer soluções de maior eficácia, com diferentes pontos de vista teóricos, procuram, cada qual a seu modo, discutir as propostas de ações cognitivas e interdisciplinares.
    O estudo busca uma reflexão crítica sobre o paradigma reducionista expresso pelo pensamento linear, dominante no sistema desportivo federado e procura abordar uma nova visão e compreensão da organização técnica e funcional do desporto de elevado rendimento.
    Unitermos: Desporto de elevado rendimento. Interdisciplinaridade. Cognitivismo.

    Abstract The search for a new model of technical and functional organization in high performance sport High performance sport is almost exclusively founded upon the methodology of scientific model and fragmentation of the contribuitions of sports science.
    Training philosophy is based upon conductivist theories and single discipline activity, in which training is atomized into specific areas, inhibiting links with other disciplines.
    In recent decades, marked transformtions in human thinking have resulted in challenges to positivist opinion. Questions relating to the contradictions of the dominant theoretical models of technical and functional organization in high performance sport have emerged. Some authors have begun to break the barriers of condctivism and the single discipline view and offer more efficient solutions. Starting from different theoretical viewpoints, they are in their different ways discussing cognitive and interdisciplinary proposals for action.
    This study aims to offer a critique of the reductionist model expressed by linear thinking which has been dominant in the sports federations and seek a new approach to the understanding of the technical and functional organization of high performance sport.

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 5 - N° 25 - Setiembre de 2000

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1. Os processos de relações no sistema de treinamento para o esporte de elevado rendimento

     O sistema esportivo passou a viver nas últimas décadas do século XX um processo pluralístico de transformações científicas, econômicas, pedagógicas, sociopolíticas e culturais. Paralelamente, também se evidenciou como um eficiente meio de comunicação multinacional que se difundiu entre culturas e etnias bem diferentes.

    O esporte transformou-se, pela sua dimensão internacional, por sua audiência monumental e pelas suas próprias características, em um pólo emissor de evolução tecnológica, e em um segmento que transmite informações e novidades.Constituiu-se em uma área de aplicação e de experimentalidade básica para o desenvolvimento da esponsorização1, onde estão incluídos os patrocínios, a publicidade, a venda de produtos e imagens, no novo sistema comunicativo.

    Desde a restauração dos jogos olímpicos, com o surgimento do esporte moderno, os subsistemas esportivos (clubes ou associações) em suas unidades funcionais (departamentos esportivos) contribuíram para o desenvolvimento do desporto alicerçados em estruturas semifechadas, caracterizadas por um limitado processo de informação, moldadas nas impressões, história, bagagens e preconceitos da cúpula que os dirigia, freqüentemente sustentadas pela simbiose relacional do treinador com o dirigente esportivo. Os clubes, mantenedores das equipes esportivas, geradores dos espetáculos esportivos, responsáveis pela formação e especialização de atletas, mantiveram sua estrutura funcional regida por leis fixas e invariáveis dificultando as conexões com o todo da realidade.

    Os dirigentes esportivos, favorecidos pelo contexto sócio-cultural e pela corrente de pensamento que predominou no mundo do esporte, com a contribuição de uma parcela significativa de técnicos esportivos, foram os inspiradores das correntes de pensamentos hegemônicos das modalidades esportivas. As linhas de pensamentos evocavam a visão centralizadora, o tecnicismo2, o egocentrismo, a conservação e a exclusividade da informação, assim como as manifestações de procedimentos condutivistas3 e as recompensas extrínsecas.

    Historicamente os técnicos esportivos, foram legitimados por preencherem os requisitos configurados pelos dirigentes para o desenvolvimento técnico das modalidades esportivas. Com freqüência são favorecidos os ex-atletas, por vivências e experiências em competições esportivas, onde os recordistas, os campeões nacionais e internacionais gozam de facilidades para transformar-se, de forma meteórica, em supertécnicos esportivos e muitas vezes, sem a experiência necessária para o exercício da atividade profissional, desconsiderando-se, inclusive as exigências mínimas de fundamentação teórica.

    A formação empírica e tecnicista de uma parcela representativa de treinadores converteu suas atividades profissionais, sob relevante inspiração positivista (exclui a teoria em favor da explicação em sentido restrito), em agentes técnicos de produção. Alguns treinadores são responsáveis pelo monopólio da informação, limitando os canais de comunicação em suas unidades funcionais e os processos de relações, rechaçando com veemência qualquer ameaça de invasão. Estes treinadores mantêm fundamentadas suas relações por modelos estereotipados, prontos, acabados e referenciados em experiências práticas fechadas em si mesmas. Nos programas de treinamentos predominam as funções intuitivas, sintéticas e místicas. Desencadeiam processos de ensino - aprendizagem - treinamentos convencionais, condutivistas, mecânicos e repetitivos. Não percebem as relações de forma integrada; apenas perseguem seus objetivos em busca de resultados de maneira fragmentada. Reinam como soberanos e inatingíveis no seu território do saber; freqüentemente ultrapassam as fronteiras de sua área de atuação, contestando a atuação das diferentes áreas de desenvolvimento da performance. Realizam intervenções e exercem o monopólio do poder nas áreas do treinamento desportivo, da saúde, da administração, da logística e em outras, com limitada qualificação para interpretar as verdadeiras funções destas áreas do conhecimento no desenvolvimento do desporto. Tentam explicar toda a realidade de maneira fracionada, pela especificidade do desempenho físico, técnico e tático ou pelos resultados de seus atletas ou equipes, desvinculando a visão global da realidade. A relação recíproca com as linhas de pensamento dos dirigentes esportivos reforça esta visão individualista e conservadora, que geralmente resiste às inovações que acompanham as evoluções pedagógicas, científicas, tecnológicas e culturais do esporte.

    O atleta é considerado como uma unidade composta de partes, onde cada área do conhecimento atua por sua conta, com mecanismos de comunicação e integração bastante restritos. Todo o problema do treinamento esta atomizado em sua especificidade, excluindo a inter - relação com as áreas mais amplas do conhecimento. Aportam-se os conhecimentos desde o ponto de vista da unidisciplinaridade, o que favorece o monopólio do poder e do saber por parte dos técnicos desportivos, uma vez que a especificidade técnica do conhecimento dá-se em nível de cúpula, e é dominada pelos que detém o poder em benefício de suas metas. As outras áreas do conhecimento são meros instrumentos oscilantes que atuam isoladamente como prestadores de serviço.

     Nos esportes olímpicos, o COI, as federações e os clubes regulam a prática esportiva da seguinte forma: o COI controla o funcionamento da prática esportiva através da Carta Olímpica que expressa o código que resume os princípios fundamentais, as normas e os textos de aplicação. Dirige a organização e o funcionamento do Movimento Olímpico e fixa as condições para a celebração dos Jogos Olímpicos. Os códigos esportivos representam os modos de proceder nas competições esportivas. São constituídos em grande escala pelas federações que através de seus diretores ajustam suas atuações a suas normas. Os clubes aplicam os procedimentos e fixam, em seus estatutos e em seus regulamentos, diversos mecanismos para regular a conduta de suas equipes, treinadores e atletas. Os dirigentes em suas unidades funcionais são reprodutores dos modelos estabelecidos, se valem de suas concepções e vivências e das experiências práticas do técnico desportivo para estabelecerem as metas e os procedimentos técnicos - administrativos. Os técnicos orientam em seus departamentos e em suas respectivas categorias, os programas esportivos, os conteúdos e os métodos de treinamento. Os programas de treinamento inseridos nas unidades funcionais de esportes federados geralmente se organizam da iniciação esportiva até o elevado rendimento. Os treinadores declaram que possuem autonomia e liberdade para a planificação dos programas esportivos com base na sua especialização, que tem por finalidade respectivamente detectar o talento esportivo e maximizar o rendimento esportivo de atletas e equipes. Observam que freqüentemente ocorre uma disputa interna entre as unidades funcionais ( departamentos esportivos ) pela eficácia de resultados, pela busca de hierarquia, e por uma ascensão profissional. Estabelece-se sistematicamente uma rivalidade acirrada entre os treinadores pela conquista de promoção no sistema esportivo federado. Destacam, entre suas características, o trabalho individual, a especificidade do conhecimento em suas modalidades esportivas e a responsabilidade de elaborar, aplicar e avaliar o treinamento desportivo com eficácia, autoridade e disciplina, priorizando o triunfo na competição. São evidenciadas regras sociais que surgem da relação entre treinadores e atletas, muitas vezes se manifestam através de uma atitude hierárquica de supra-ordenação e submissão.

    No período de treinamento e durante as competições os atletas se inclinam frente ao conhecimento técnico superior, à habilidade e ao poder dos treinadores. Os técnicos esportivos segundo suas próprias convicções, com relativa freqüência, encaminham seus atletas para diferentes especialistas que possam contribuir para a maximização do rendimento, freqüentemente estes especialistas não são integrantes de suas unidades de saúde. Por outro lado, estas unidades em muitos clubes atuam dissociadas da realidade do departamento (unidade funcional), e chegam a ponto de ser terceirizadas, em clubes com respeitada tradição no desenvolvimento de desporto. Ou seja, uma parcela significativa do sistema esportivo federado, assim como os subsistemas esportivos (clubes) e suas unidades funcionais (departamentos) estão compartimentados, evidenciando o significado dos meios, adequado ao fim de desenvolver os resultados esportivos (marcas e vitórias) o que significa na ideologia do sistema esportivo federado um dos valores mais representativos. Constata-se que o esporte federado está sustentado de maneira quase unilateral pelo tecnicismo do paradigma científico e pela fragmentação das contribuições da Ciência do Desporto.


2. A busca de um novo paradigma

     Nas duas últimas décadas, uma convulsão eclodiu no interior da história do pensamento humano, tendo como resultado a contestação da corrente positivista. Autores como Thomas Kuhn4 procuraram mostrar que não existem teorias livres de alguma dimensão interpretativa. As noções de significado, comunicação e interpretação tornaram-se relevantes para as teorias científicas. A teoria sistêmico - cibernética5 apresenta a realidade como um todo inter - relacionado, envolvendo as estruturas pensantes organizacionais, heurísticas6 e comunicativas passíveis de retroalimentação pelos seus receptores. Assim como certas tradições filosóficas passaram a ser vistas com maior atenção: a fenomenologia, a hermenêutica, e a teoria crítica, sobretudo a representada mais recentemente na obra de Habermas7. E essas linhas de pensamentos passaram a contaminar a reflexão sobre as contradições dos modelos condutivistas e unidisciplinares, conseqüência do acontecer altamente complexo a que passamos a estar submetidos.

    Paralelamente aparecem os modelos cognitivos na aplicação do treinamento desportivo, que fazem frente aos modelos condutivistas fundamentados na simples adaptação do atleta ao modelo, na padronização dos comportamentos, na formação dos estereótipos e nas fórmulas consagradas segundo as características da modalidade esportiva. O modelo cognitivista leva uma integração mais abrangente do conhecimento, considera a importância das representações mentais, não apenas pelo que expressam, mas especialmente pelo que as pessoas podem fazer com elas. Esta expressão refere-se à crença de que os indivíduos têm idéias, imagens e várias linguagens no interior de sua mente - cérebro; essas representações são reais e importantes e são suscetíveis de mudança por parte dos técnicos - desportivos. Nesta perspectiva, os processos de aprendizagem - treinamento buscam uma melhoria na capacidade de interpretação do atleta e estabelecem as relações interdisciplinares da aquisição e da utilização dos componentes coordenativos, condicionais e cognitivos para o desenvolvimento do rendimento esportivo.

    A visão unidisciplinar, ponto de convergência e de expressão do paradigma mecanicista e cientificista, produto da conjugação do empirismo8 e do racionalismo9, começa a provocar controvérsias. Alguns autores começam a romper as barreiras da unidisciplinaridade, e passam oferecer soluções de maior eficácia, com diferentes pontos de vista teóricos, procuram, cada qual a seu modo, discutir as propostas de ação interdisciplinar.

    A interdisciplinaridade constitui-se, enquanto objeto de produção e prática pedagógica de socialização do conhecimento, um pressuposto básico para organização técnico-funcional e para o desenvolvimento da performance de atletas e de equipes. A interdisciplinaridade contribui para mediar a comunicação entre os especialistas e entre eles e o mundo do senso comum. Cria-se uma linguagem referência entre os diferentes profissionais, de diferentes campos, disciplinas ou especialidades, mediante a qual eles compreendem as inter-relações de sua própria especificidade com a do outro. Possibilita-se a compreensão das diferentes áreas do conhecimento e das formas de cooperação a um nível bem mais crítico e criativo entre os especialistas.

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