Conteúdos culturais do lazer e relações com o esporte Los contenidos culturales de la recreación y sus relaciones con el deporte |
|||
Doutor em Educação Física pela Faculdade de Educação Física da UNICAMP Mestre em Educação pela Universidade de São Paulo - USP Licenciado em Educação Física pela Universidade de São Paulo - USP São Paulo, Capital |
Ubiratan Silva Alves (Brasil) |
|
|
Resumo O tempo dos sujeitos atualmente está tomado por atividades, principalmente as de caráter profissional. Ao que parece, quanto menos tempo as pessoas têm, mais atividades conseguem fazer. E o tempo parece ser apenas algo mostrado por relógios. Nesta discussão de tempo e de atividades profissionais, entra a temática do Lazer que, mesmo não sendo uma atividade desenvolvida exclusivamente fora dos horários de trabalho pois pode também ser desenvolvida em horários fora das obrigações sociais, causa ainda muita polêmica. Nesta temática surgem os conteúdos culturais do Lazer que explicitam determinadas direções em cada situação. E, por estarmos no Brasil passando por um momento histórico onde o esporte aparece de modo incisivo nos meios de comunicação e políticos, as relações destes conteúdos culturais do Lazer com o esporte suscitaram uma temática atual e interessante neste contexto. Unitermos: Lazer. Esporte. Cultura.
Recepção: 24/10/2014 - Aceitação: 10/11/2014.
|
|||
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 198, Noviembre de 2014. http://www.efdeportes.com/ |
1 / 1
Introdução
As atividades de Lazer são compreendidas via de regra associadas a dois quesitos básicos: prazer e livre escolha. As práticas de Lazer devem ter o caráter de prazer do indivíduo que está envolvido, ou seja, suas escolhas estão diretamente associadas ao prazer, ao bem estar em sua intervenção. A escolha destas atividades deve estar desprovidas de qualquer tipo de compromisso caracterizada pelo caráter pessoal e individual. Não que as atividades sejam necessariamente desenvolvidas de modo individual, mas sim sua opção independe da vontade de terceiros. Acrescenta-se ainda que estas atividades sejam desenvolvidas em tempos fora das obrigações do trabalho, da família, da religião ou da política.
Estas práticas também se caracterizam por situações onde a intervenção do sujeito pode ou não acontecer, ou seja, se não acontecer em nada vai prejudicar terceiros. Essa situação se difere das atividades profissionais onde o sujeito tem prazer e ate certo ponto é envolvido por questões lúdicas, como é o caso dos jogadores de futebol ou cartunistas.
Porém, um jogador de futebol ou um cartunista não pode simplesmente deixar de executar suas funções em determinados momentos por qualquer motivo pois sua ausência (no caso do jogador de futebol) ou sua produção (no caso do cartunista) vai prejudicar a equipe onde joga ou o veículo de divulgação da charge criada.
Como expressão da cultura e tempo liberado das obrigações sociais, o Lazer pode ser constituído como um espaço de emergência de valores e concepções que pode manter os valores humanos no homem almejando-se um equilíbrio entre sua função e sua forma, aponta Brunhs (1997).
Conteúdos culturais do lazer e esporte: relações
Dumazedier (1980) distingue cinco categorias de acordo com o conteúdo das atividades de lazer assim descritas pelos seus interesses: físicos, artísticos, intelectuais, práticos/manuais e sociais. Dois autores acrescentam outros interesses ao de Dumazedier que são interesses turísticos apresentados por Camargo (2003) e os interesses virtuais apresentados por Schwartz (2003). Nessa classificação, as categorias são divididas de acordo com o predomínio que cada interesse explicita.
Outro conceito pertinente ao Lazer, nos mostra Pereira (1998), está relacionado ao Lazer passivo e ao ativo. No primeiro caso, refere-se ao lazer de consumo como é o caso dos cinemas, teatros, Shopping Center, televisão. Soma-se ainda a contemplação como é o caso da leitura e de alguns jogos que estão incluídos como propostas em parques, calçadões e outros espaços de Lazer. O Lazer ativo refere-se aquele ligado principalmente às atividades físicas como as caminhadas, as práticas esportivas e as lúdicas através de brincadeiras e alguns tipos de jogos.
O esporte é um fenômeno sócio cultural extremamente importante desde o início deste século (Paes, 2009) e que faz parte das manifestações culturais do homem, inclusive as de Lazer. O esporte, não necessariamente precisa ser praticado da mesma maneira que as Instituições oficiais o apresentam, mostra Alves (2014).
Diante disso, a partir do esporte, acreditamos ser possível desenvolver os conteúdos culturais do Lazer.
Os interesses físicos se relacionam com as práticas corporais de movimento, principalmente as esportivas que tem ampla difusão pela mídia. As atividades esportivas efetivamente podem fazer parte destes interesses sendo que, nessa vertente, os esportes não necessariamente precisam ser orientados pelas rígidas regras impostas pelas organizações que comandam estas práticas. As adaptações, as adequações e as recriações das práticas esportivas em nível de regras, espaços e materiais, podem ser bons facilitadores para a participação dos indivíduos.
Os esportes não devem ser a única possibilidade de prática em se tratando de interesses físicos. Mesmo tendo uma grande divulgação e repercussão em nível mundial e considerado um dos maiores fenômenos das sociedades modernas, não deve ser a única manifestação de interesse físico. Existem outras possibilidades de atividades físicas, como por exemplo, a dança, a ginástica que também podem ser incorporadas pelos interesses artísticos além dos físicos. Ressalta-se que, de acordo com as possibilidades e com a própria prática, estes interesses podem aparecer de modo unido, complementar.
Neste interesse físico predomina o dito Lazer ativo pois a intervenção, a atuação, a participação ocorre de modo incisivo. Pode haver, relacionado ao esporte, a contemplação, a admiração e a intervenção como espectador de práticas esportivas o que neste caso envereda pelo Lazer passivo.
Nos interesses artísticos, o predomínio é estético, o imaginário, as emoções e sentimentos. É uma forma de linguagem importante no sentido de educação das sensibilidades. As experiências estéticas podem resultar em algumas descobertas antes camufladas. A possibilidade neste interesse se dá através de novas linguagens e da vivência e experimentação de novas experiências.
Relacionando o interesse artístico ao esporte, poderíamos vislumbrar os participantes expressando suas emoções e sentimentos através, por exemplo, da imitação de ídolos esportivos (atletas/árbitros/técnico/dirigentes) ou ainda na participação como espectador, seja ao vivo no evento ou pela televisão, rádio ou internet.
Não é difícil ver em grandes arenas esportivas os espectadores criando coreografias, cantos e palavras de ordem que cativam os torcedores de modo bastante envolvente, efusivo. A famosa “ola” (onda em espanhol), criada por torcedores em estádios de futebol, pode caracterizar bem esse interesse artístico relacionado ao esporte. Nas torcidas organizadas há membros que praticamente não assistem ao espetáculo ficando apenas organizando as manifestações dos membros da torcidas.
Existem ainda locutores que ficam dentro das arenas (não necessariamente nos estádios de futebol) com microfones conversando com os espectadores, agitando as torcidas e oferecendo prêmios e brindes aos presentes promovendo "gritos" e coreografias de incentivo aos atletas. Temos visto isso em jogos da Seleção Brasileira de voleibol quando acontecessem no Brasil. Os mascotes também são figuras muito presentes nos eventos esportivos (inclusive no futebol) fazendo várias intervenções e manifestações com o público relacionadas aos interesses artísticos.
Já nos interesses intelectuais temos o contato com o real, o racional, com as informações, o desenvolvimento do intelecto. Nestes interesses os sujeitos participam, por exemplo, de alguns jogos (de estratégia, quebra-cabeça) ou de palestras e cursos.
Os esportes têm uma vasta literatura produzida em várias vertentes como por exemplo biografias de esportistas, tipos de treinamentos, eventos esportivos, estatísticas das mais variadas, entre outras. Relacionados a este interesse, pode-se investir em leituras de obras, investigação de documentários, possíveis pesquisas sobre dados relativos a recordes, curiosidades esportivas.
Muitos esportistas têm enveredado nas carreiras de palestrantes apresentando suas carreiras, suas glórias e frustrações. Oscar Schmidt, o "Oscar mão santa" do basquete (ex atleta) e Bernardo Rocha Rezende, o "Bernardinho" do voleibol (ex atleta e técnico de voleibol) são dois nomes muito solicitados para palestrar em instituições das mais variadas áreas. Dependendo da situação, o Lazer ativo ou o Lazer passivo estarão presentes neste interesse.
Os interesses manuais são caracterizados pela manipulação no sentido de criar ou transformar objetos e materiais. Soma-se ainda o manuseio de locais, de espaços.
Relacionado aos interesses manuais, os esportes podem ser entendidos e praticados como possibilidades de criação, recriação e adaptação de espaços e materiais, ou seja, a partir das características ditas oficiais das modalidades esportivas, o interesse manual pode desenvolver, criar e recriar utensílios e aparatos que se assemelham aos utilizados nas práticas institucionais originais e podem assim favorecer essa prática esportiva de forma adaptada.
Partindo do pressuposto que as modalidades esportivas para serem praticadas sob as imposições oficiais das Instituições organizadoras têm um custo elevado e impedem em boa parte as possibilidades criativas de intervenção do indivíduo, materiais adaptados e espaços recriados podem favorecer uma maior envolvimento, participação e interesse das pessoas. Bolas, redes, raquetes, tacos, tabelas/cestas, "gols" podem fazer parte de um grupo de materiais a serem criados, recriados ou adaptados para as possibilidades de práticas esportivas adaptadas. No nível individual pode-se criar "caneleiras" (com papelão), espadas (com cabos), capacetes (de jornal) possibilitando um tipo de prática esportiva prazerosa. O Lazer ativo predomina neste interesse.
Neste interesse manual, vê-se o caráter mimético apresentado por Taussig (1993) em seu conceito de mimesis nos auxiliando a entender que a faculdade mimética pertence à “natureza” que têm as culturas de criar uma segunda “natureza”. Todavia, essa faculdade não acontece meramente pela cópia do original, mas também por meio de ressignificações que cada cultura consegue desse original, influenciando, como consequência, o próprio original.
Os indivíduos que manipulam materiais com fins de criar ou recriar possibilidades de uso no esporte, fazem suas interpretações e suas reinterpretações dos novos destinos suscitados nestas investidas. O Lazer ativo tem predomínio neste interesse.
Os interesses sociais são alcançados através da busca de contatos e do convívio social que visam, em grande parte a sociabilidade. Muitas vezes as pessoas buscam situações para ter contato com outras pessoas e momentos que favoreçam o convívio social, o encontro com sujeitos. Em tempos de tecnologia, muitos destes encontros e o convívio social ocorrem principalmente através das redes sociais de modo virtual o que tem afastado as pessoas dos encontros presenciais. Esse é o fato atual sem questionamentos da negatividade ou positividade destas relações virtuais.
As práticas esportivas, podem ser um aglutinador de pessoas que procuram estes encontros presenciais de convívio com o outro. É muito comum em algumas empresas a composição de equipes de corrida onde os empregados/atletas se reúnem para treinar e participar de competições principalmente as corridas de rua. As relações profissionais existentes entre os membros do grupo deixam de existir naqueles encontros de treinos ou provas para formar uma grande equipe de competição visando não apenas os resultados mas principalmente este convívio fora do ambiente de trabalho caracterizando bem as atividades de Lazer.
Recentemente vimos pela mídia um campeonato de futebol realizado entre os trabalhadores que constroem o estádio de futebol do Sport Club Corinthians Paulista o que mostra também esta possibilidade de convívio social a partir do esporte em práticas de Lazer.
Algumas pesquisas feitas em academias de ginástica apontam que grande parte dos usuários, assim o fazem, para ter convívio e para conhecer com outras pessoas seja com fins de relacionamentos ou apenas de amizades. Consequentemente estes espaços, além de oferecer diretamente atividades físicas, ainda proporcionam situações de convivência social em momentos de Lazer.
Os parques que tem quadras, pistas de corrida, caminhada ou ciclismo, também são espaços onde os usuários podem desfrutar destas práticas além de ter a possibilidade de conhecer pessoas que também buscam estes locais com os mesmos fins.
Existem também espaços com quadras ou campos esportivos onde as pessoas se reúnem para, além de praticarem os esportes, terem a possibilidade de estar perto de outras pessoas onde possam conversar, discutir enfim, conviver de maneira harmoniosa a partir da prática esportiva.
Essa relação de esporte, saúde e convívio social fica bem explicitada neste interesse pois quando o indivíduo busca um espaço para convívio social estará praticando atividades físicas e melhorando sua saúde não apenas nos quesitos físicos e biológicos, mas também sociais e emocionais sendo o enfoque destas ações o Lazer ativo.
O interesse turístico exalta o foco por novos lugares e novas culturas que se dá através de deslocamentos ou de viagens. As possíveis relações de práticas esportivas com interesses turísticos podem ser evidenciadas no que tange as especificidades regionais de algumas atividades adaptadas e concebidas no próprio local como é o caso das práticas nas geleiras (esqui na neve), nas montanhas (montanhismo, alpinismo), nos mares (pesca, vela, surf) ou nos rios (rafting).
Existem ainda criações ligadas a algumas tradições regionais como é o caso das tribos indígenas que desenvolvem os chamados jogos indígenas com disputas de Zarabatana, corrida com toras entre outras não tão comuns a nossa sociedade. Este evento já tem uma organização bem desenvolvida.
Os interesses turísticos sugerem possibilidades de conhecer novos lugares sendo possível assim acoplar estes lugares as práticas esportivas neles existentes possibilitando o indivíduo conhecer e por que não experimentar estas práticas que sejam pouco conhecidas favorecendo ambos os interesses, turísticos e esportivos.
Não necessariamente precisa existir viagens para se ter o contato com novas práticas esportivas. Muitas vezes um usuário de determinado espaço se limita a usá-lo apenas naquilo que lhe é de agrado e desconhece muitas vezes outras possibilidades que o local pode oferecer. No caso de parques isso é muito comum onde o usuário utiliza determinado espaço e deixa de lado outras possibilidade oferecidas no local.
Um bom exemplo de prática esportiva ligada ao interesse turístico que chega ao Brasil é a caminhada nórdica que tem sua concepção como uma caminhada utilizando-se de bastões semelhantes aos do esqui. Teve sua origem nas regiões onde há muito gelo e suas possibilidades de uso também foram trazidas a espaços que não existe gelo. No caso apenas de conhecer as novas práticas esportivas há um predomínio do Lazer passivo que se torna Lazer ativo a partir do momento que o indivíduo faz uso destas práticas.
O interesse virtual é relacionado pela conexão em rede podendo ser enfatizado pelo foco social ou pela diversão. No caso do interesse social, cabem as salas de bate papo, troca de correspondências, redes sociais, blogs entre outros. A diversão vem através do uso de jogos virtuais ou da construção de programas e aplicativos.
As relações possíveis deste interesse com o esporte pode ser mostrada através da possibilidade de jogos que tenham em seu conteúdo práticas esportivas. Alguns jogos virtuais de futebol, basquete, tênis entre outros mostram de modo bem próximo ao real as jogadas e os fatos que efetivamente ocorreriam num jogo real. É possível também nestas práticas virtuais ter contato com outros usuários que, ao mesmo tempo, esteja onde estiver, podem jogar um mesmo jogo seja como adversário ou como parceiro.
É evidente que a prática motora nestes jogos fica restrita a manipulação dos controles. Entretanto já existem jogos onde o usuário deve fazer efetivamente a ação "real" do jogo sendo reproduzida através de sensores espalhados pelo corpo ou de câmeras de vídeo a ação do jogador para a tela tornado-o assim, quase que o próprio jogador.
Não que estas práticas substituam as ações reais de se estar numa quadra ou num campo mas não podemos, enquanto área, desconsiderar essa nova possibilidade de relação da tecnologia com o esporte.
Outra relação possível entre a tecnologia e o esporte se dá no âmbito da pesquisa científica onde aparelhos mostram como é o desempenho do atleta o que favorece novas possibilidades de treinamentos com fins específicos da correção de erros. Estes programas ou aplicativos utilizados de modo profissional podem também fazer parte de uma construção a partir de práticas de Lazer seja ativo ou passivo.
Considerações
Nestas relações apresentadas ressalta-se que devem servir apenas de guia sem rigidez com predomínio de um ou outro conteúdo, interesse. Os profissionais que atuam nesta área devem procurar desenvolver os vários conteúdos e ampliar os interesses dos indivíduos nos programas e projetos sejam públicos ou privados.
Parker (1978) mostra que, como o Lazer implica em livre escolha, deve-se promover oportunidades para o exercício desta escolha fornecendo uma grande diversidade e reconhecendo a existência de uma multiplicidade de metas individuais e sociais. No lugar de interesses individuais, os objetivos devem ser pluralistas, como por exemplo, fornecer uma larga esfera de oportunidades de lazer de forma a oferecer uma grande opção de escolhas.
Referencias
ALVES, Ubiratan Silva. Educação Física escolar: uma abordagem ampliada do esporte. São Paulo: Avercamp, 2014.
BRUHNS, Heloísa Turini (Org.). Introdução aos Estudos do lazer. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1997.
CAMARGO, Luiz O. de L. O que é lazer? São Paulo: Brasiliense, 2003.
DUMAZEDIR, Joffre. Valores e conteúdos culturais do lazer. São Paulo: Sesc, 1980.
MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: Uma Introdução. Campinas, SP. Editora Autores Associados, 1996.
PAES, Roberto Rodrigues; Montagner, Paulo Cesar; Ferreira, Henrique Barcelos. Pedagogia do Esporte: iniciação e treinamento em Basquetebol. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.
PEREIRA, S. C. A prática do lazer em Blumenau: execução ou apropriação do espaço. DYNAMIS, Blumenau, 6 (23): 227- 245, abr/jun, 1998.
TAUSSIG, Michael. Mimesis and alterity: a particular history of the senses. Nova York/Londres: Routledge, 1993.
SCHWARTZ, Gisele M. O conteúdo virtual: contemporizando Dumazedier. In LICERE, Belo Horizonte, v.2, nº 6, p.23-31, 2003.
Outros artigos em Portugués
Búsqueda personalizada
|
|
EFDeportes.com, Revista
Digital · Año 19 · N° 198 | Buenos Aires,
Noviembre de 2014 |