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Foge Capoeira: em movimento a história se faz presente

Foge Capoeira: en movimiento la historia se hace presente

 

*Acadêmico do Curso de Licenciatura em Educação Física

da Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc

**Professor do Curso de Licenciatura em Educação Física

da Universidade do Extremo Sul Catarinense – Unesc

(Brasil)

Lucas Barbosa Domingos*

barbosa_lucasnegao@hotmail.com

Bruno Dandolini Colombo**

br_colombo@hotmail.com

 

 

 

 

Resumo

          Este trabalho pretende responder o seguinte problema de pesquisa: Qual a importância pedagógica do jogo Foge Capoeira para o ensino da Capoeira? Logo, o objetivo é compreender a importância pedagógica do jogo Foge Capoeira para o ensino da Capoeira. Adotamos como procedimento de pesquisa os estudos bibliográficos. A Capoeira é uma manifestação cultural que se articula, se complementa e se constituí com a história de luta de classe no Brasil escravocrata. A brincadeira Foge Capoeira possibilita o ensino e a apreensão dos gestos, dos movimentos e da história da Capoeira, tratando-a de forma simultânea e confrontando conhecimentos populares com os conhecimentos científicos universais desta. O acesso aos conhecimentos da Cultura Corporal interligada de forma indissociável à sua totalidade histórica e social, nos parece uma das lutas da Capoeira para a contribuição da efetiva transformação social, ou seja, para o fim da condição social de opressores e oprimidos.

          Unitermos: Capoeira. Brincadeira Foge Capoeira. Crítico Superadora.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 19, Nº 195, Agosto de 2014. http://www.efdeportes.com

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Introdução

    A capoeira é uma manifestação cultural que se articula, se complementa e se constituí com a história de luta de classe no Brasil escravocrata. Representa a luta pela liberdade do povo escravo frente a opressão dos senhores de engenho.

    Eis a importância de resgatarmos a história da Capoeira, para compreendermos melhor o movimento social que nos formou. Necessário também se faz compreendermos como se manifesta a Capoeira na sociedade atual, seus movimentos, gestos e sua possibilidade pedagógica nas aulas de Educação Física.

    Embasamo-nos na tendência teórico pedagógica da Educação Física Crítico Superadora, tendo como pressuposto educativo a socialização do conhecimento historicamente constituído pelo conjunto dos homens.

    O interesse pela pesquisa surgiu com a relação intensa e amorosa do autor com a Capoeira. Sendo capoeirista e na condição de acadêmico do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) se apropriou de saberes pedagógicos que o fizeram repensar o papel do professor de Educação Física no trato com a Capoeira.

    Nesse sentido, ao longo do percurso de formação acadêmica o autor se deparou com conhecimentos e vivências teórico-práticas das concepções pedagógicas da Educação Física, confrontou saberes populares da Capoeira com saberes científicos, enfrentou concepções de mundo e de homem. Acumulou pelo caminho aprendizagens e dúvidas, anseios e desejos.

    Neste percurso surgiu o problema de pesquisa: Qual a importância pedagógica do jogo Foge Capoeira para o ensino da Capoeira?

    Logo, o objetivo é compreendermos a importância pedagógica do jogo Foge Capoeira para o ensino da Capoeira.

    Quanto à organização do texto, tratamos inicialmente a história da Capoeira e a relação com a história da luta por liberdade dos escravos no Brasil. Em seguida, apresentamos os princípios e as categorias básicas da tendência pedagógica da Educação Física que nos embasa: Crítico Superadora. Após, apresentamos, descritivamente, o jogo Foge Capoeira.

    Convidamos o leitor a mergulhar no universo da Capoeira e por ela entender melhor a história cultural do povo brasileiro, seus movimentos e suas possibilidades educativas para o contexto atual.

Capoeira: origem e história

    O processo de colonização do século XV, em que os países europeus, principalmente, Espanha e Portugal, por intermédio das Grandes Navegações, expandiram seus horizontes comerciais e políticos, marcou o início do processo de universalização e consolidação da lógica burguesa de organização social: capitalismo.

    Durante esse processo o Brasil, colônia portuguesa, se organizou sobre a lógica agrário-exportadora. Os senhores de engenho dominaram econômica e politicamente as relações de produção de açúcar. Pela necessidade de acelerar a produção, a exportação e, com esta, a necessidade de acumular mais lucro, os senhores de engenho começaram a importar a mercadoria escravos, oriundos, principalmente, da África Ocidental. O Brasil, por ter um vasto território, foi a Colônia portuguesa com maior recepção de escravos. Esses escravos africanos eram submetidos À adoção da língua portuguesa, da religião católica e do trabalho árduo, controlados pelos senhores de engenho. (CAMPOS, 2009)

    A escravidão definido como escravatura, escravismo ou escravagismo se caracteriza como forma de dominação onde um ser humano assume direitos de propriedade sobre outro. Em algumas sociedades, desde os tempos mais remotos, os escravos eram legalmente definidos como mercadoria. (CAMPOS, 2009)

    Os escravos, maioria negros, eram usados nos mais diversos tipos de serviços. Eram plantadores, roceiros, semeadores, moedores de cana, vaqueiro, remeiros, mineiros, artífices, pescadores, lavradores, caldeireiros, marceneiros, pedreiros, oleiros e ferreiros; eram domésticos, pajens, guarda costas, capangas, capatazes, feitores e capitães do mato. (CAMPOS, 2009)

    As grandes fazendas das propriedades rurais do Brasil Colônia surgiram a partir do século XVI. Os senhores de engenho, donos da fazenda e “da casa grande”, iniciavam a organização social, política e econômica local, estrategicamente construída perto dos locais onde os escravos ficavam alojados. (CAMPOS, 2009)

    As senzalas eram os locais que ficavam ou alojavam-se os escravos nas fazendas. Estas eram galpões de porte médio ou grande, onde escravos ali padeciam acorrentados. Na sua maioria eram construções muito simples feitas geralmente de madeira e barro, desconfortáveis com a mínima condição de sobrevivência. Nas senzalas os escravos dormiam no chão duro de terra batida ou sobre palha. E para castigar os escravos desobedientes na frente das senzalas era construindo um pelourinho (tronco usado para amarrar e castigar os escravos). (CAMPOS, 2009)

    O Feitor se encarregava de administrar e organizar as senzalas. Foram grandes inimigos dos escravos, pois agiam com punições torturas, tentando sempre descobrir as tentativas de fuga dos escravos. No controle dos escravos os feitores muitas vezes estrategicamente eram os escravos que apresentavam liderança neste cenário, ganhando em troca alguns benefícios dos senhores de engenho. A violência contra os escravos marcou em especial a atuação dos feitores na época da escravidão. (CAMPOS, 2009)

    O capitão do mato, em sua grande maioria, eram os ex-escravos que tinham sua liberdade conseguida em troca de serviços para os senhores de engenho. Sua principal tarefa era de caçar escravos que fugiam. O capitão do mato nestas capturas ganhava prêmios. (DARIDO, 2007)

    Os escravos, que fugiam para as florestas do território brasileiro, formavam em áreas remotas da mata Brasileira os chamados quilombos, locais onde eles se instalavam e de forma mais organizada planejavam novos ataques. Os quilombos foram inicialmente assentamentos simples, alguns quilombos evoluíam atraindo mais escravos fugitivos, indígenas ou até mesmo europeus que fugiam da lei ou da repressão religiosa católica. (CAMPOS, 2009)

    Os quilombos são definidos e caracterizam-se como manifestação que nega o sistema escravista, surgindo com espaços de resistência e de isolamento da população escrava, seja dentro ou fora das fazendas. (DARIDO, 2007)

    E foi nos quilombos que surgiram personagens importantes da guerra travada entre escravos e opressores. Um dos principais personagens foi Zumbi de Palmares. Zumbi nasceu na Serra da Barriga em 1655, Capitania de Pernambuco, e foi criado por um missionário. Na sua fase adulta foi uma dos principais líderes do quilombo de palmares, um dos mais resistentes quilombos da época da escravidão no Brasil, participando de muitas batalhas contra a coroa portuguesa. (CAMPOS, 2009)

    Em meio às manifestações de revolta contra o tratamento em que eram submetidos, os escravos desenvolveram a Capoeira.

    A origem da palavra Capoeira, assim como a sua história, não se sabe ao certo sua real versão, mas ela tem suas raízes na cultura indígena, que traduzem na sua grande maioria uma relação da palavra com a natureza em que o negro vivia ou para onde ele fugia. (CAMPOS, 2009)

    De acordo com Darido (2007, p. 224)

    Capoeira é uma palavra de origem tupi que significa vegetação que nasce após a derrubada de uma floresta. No Brasil Colônia, esse nome foi também dado ao “jogo de angola”, que apareceu nas fazendas e cidades desde que os primeiros grupos negros de origem banto foram escravizados e trazidos para cá.

    A capoeira era um luta que se disfarçou de dança, para escapar à perseguição dos feitores e senhores de engenho. (CAPOEIRA, 2006).

    A Capoeira juntamente com outras manifestações gerou uma contraposição, através de uma fusão de culturas que gradativamente preocupava o Estado vigente. Este, por sua vez, proibiu, no final do século XVIII, a Capoeira em todo território nacional. (CAMPOS, 2009)

    De acordo com Campos (2009, p. 30) “nessa época crítica de formação do Estado Nacional, como expressão combativa da massa escrava negro-africana, que monopolizava o trabalho na cidade, a capoeira foi o canal expressivo da resistência escrava, e por isso vítima permanente da violência senhorial e policial”.

    É neste momento que a Capoeira inicia um longo caminho para poder sair da ilegalidade afirmada pelo Código Penal Brasileiro. Iniciou-se, portanto, um processo de desmarginalização da Capoeira.

    Foi neste contexto que, na década de 30, duas pessoas foram de fundamental importância para a Capoeira. Foram eles: Manoel dos Reis Machado (Mestre Bimba) e Vicente Ferreira Pastinha (Mestre Pastinha). Ambos capoeiristas, criaram e desenvolveram segmentos de Capoeira diferentes em sua linguagem corporal, mas que buscaram intensamente discutir e efetivar a liberdade dos escravos no Brasil. (DARIDO, 2007)

    Mestre Bimba criou o Método Regional. Defendia o não preconceito da sociedade, influenciado pelas ações do Estado, sobre o capoeirista. Ele lutou para que a Capoeira fosse aceita como importante manifestação social. (CAPOEIRA, 2006)

    Mestre Bimba foi um dos percussores do estilo Capoeira Regional Baiana, que surgiu na década de 30, valorizando e possibilitando um crescimento e aceitação da Capoeira enquanto manifestação social. (CAPOEIRA, 2006)

    Pastinha que fundou sua academia anos após a de Bimba, criou o estilo tradicional: a “Capoeira Angola”, defendendo uma diferenciação ao estilo Regional, enfatizando em sua metodologia de ensino costumes africanos, permanecendo e mantendo as raízes que a criaram. (CAPOEIRA, 2006)

    Na verdade, Mestre Bimba e Mestre Pastinha, são “ancestrais mitológicos” (são avôs) de todos os jogadores de capoeira. Os capoeiristas representam (ou tentam representar) o que estes homens foram. (CAPOEIRA, 2006)

    Abrimos parênteses para destacar a importância da musicalidade na Capoeira. Ela resgata e preserva a memória da cultura que envolve a capoeira, mantendo vivis os costumes e tradições brasileiras. O canto expressa o cotidiano deste mundo, ressalta elementos e citações vividas pelo praticante de capoeira.

    Ressaltamos a letra do Mestre Toni Vargas em que diz (e canta) que:

E todo dia nasce mais um Capoeira ,

fruto de sonho , magia e brincadeira

Já nasce dando rasteira, mandingueiro, de herança

Guerreiro que não se cansa em inventar sua história

Hoje em dia na França, ou no Japão, o Capoeira diz não

Com cabeçada e pisão, não aceita qualquer tipo de corrente ou chicote

Chama pra luta de morte, e joga o opressor no chão.

    Reabrindo a discussão da história da Capoeira é importante ressaltar a importância desta na luta pela superação da realidade escravocrata brasileira, que se instalou no século XV, em que submetia a servidão dos escravos aos senhores de engenho. Estes eram donos dos primeiros. Os escravos eram oprimidos e os senhores de engenho opressores.

    E hoje? Esta relação se faz presente no âmbito da organização social?

    Respondemos que a relação escravos subsumidos às ordens dos senhores de engenho foi de certa forma superada, com a transformação do sistema escravocrata ao capitalismo. No entanto, a relação oprimido e opressor se faz presente. É certo que a luta pela libertação tão sonhada pelos escravos naquele momento histórico cumpriu um papel essencial para a história no avanço da classe oprimida frente à classe opressora, mas ainda, o sistema capitalista preserva a condição histórica entre opressor e oprimido, agora não mais numa relação antagônica entre senhores de engenho e escravos, mas sim, entre capitalista e trabalhador.1

    O trabalhador vende sua força de trabalho para o capitalista. Ambos tem interesses antagônicos, imediatos e históricos. A classe capitalista luta historicamente para a manutenção do status quo e imediatamente para acumular dinheiro e riquezas. A classe trabalhadora, no imediato resiste para sobreviver e historicamente busca superar essa condição.

    A história de todas as sociedades até agora tem sido a história das lutas de classe. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membros das corporações e aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em contraposição uns aos outros e envolvidos em uma luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre com a transformação revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio conjunto das classes em conflito. (MARX, 2008, p. 8)

    De acordo com o Coletivo de Autores (1992, p. 75) “A capoeira encerra em seus movimentos a luta pela emancipação dos negros no Brasil escravocrata. Em seu conjunto de gestos, a capoeira expressa, de forma explícita, a “voz” do oprimido na sua relação com o opressor”

    Na atualidade acreditamos que a importância da Capoeira está na sua garantia de acessibilidade, enquanto elemento da cultura corporal, aos indivíduos. Acreditamos, embasados na Crítico Superadora, que a apropriação, pela classe trabalhadora, dos conhecimentos historicamente constituídos pelo conjunto dos homens é fundamental na contribuição para superação da condição opressora posta.

    Com esse propósito apresentamos a seguir os princípios e categorias que orientam a Tendência Teórico metodológica Crítico Superadora.

A Capoeira e a Tendência Teórico Pedagógica Crítico Superadora

    A proposta teórico pedagógica da Educação Física Crítico Superadora foi desenvolvido por um Coletivo de Autores: Valter Bracht, Lino Castellani Filho, Michele Ortega Escobar, Carmem Lúcia Soares, Celli Taffarel e Elizabeth Varjal, Suas maiores contribuições teórico-pedagógicas estão no livro Metodologia do Ensino de Educação Física, elaborado por este Coletivo de Autores. Este livro foi lançado em 1992 e até então, apesar das limitações didático-pedagógicas apontadas pelos próprios autores, orienta a prática pedagógica de professores de Educação Física por todo o Brasil.

    Esta tendência traz um sentido pedagógico caracterizado na luta entre as classes sociais, discutindo os interesses de cada uma e se posicionando a favor dos interesses da classe trabalhadora. Ela é embasada no materialismo histórico-dialético. Nesta abordagem o homem é visto como um ser histórico social e que, portanto, é capaz de coletivamente superar a condição posta pela sociedade capitalista.

    Fundamentando suas ações pedagógicas na ética e justiça social a tendência Crítico Superadora faz uma reflexão pedagógica sobre as ações dos homens na relação social formada por oprimido e opressor.

    A reflexão pedagógica possui algumas características específicas. Ela é diagnóstica, judicativa e teleológica. (COLETIVO DE AUTORES, 1992)

    Diagnóstica, porque remete à constatação e leitura dos dados da realidade. Esses dados carecem de interpretação, ou seja, de um julgamento sobre eles. Para interpretá-los, o sujeito pensante emite um juízo de valor que depende da perspectiva de classe de quem julga, porque os valores, nos contornos de uma sociedade capitalista, são de classe. (COLETIVO DE AUTORES, 1992, p. 15)

    Teleológica, porque determina um alvo aonde se quer chegar, busca uma direção. E judicativa porque julga a partir de uma ética que representa os interesses de determinada classe. (COLETIVO DE AUTORES, 1992)

    A proposta orienta o professor de Educação Física da importância de se ter o projeto político pedagógico bem definido. Projeto no sentido de perspectiva, de objetivo. Político decorrente da diretividade intencional de suas ações; e pedagógico por refletir sobre as ações dos homens na sociedade. É preciso, portanto, ter bem claro qual o projeto de homem e sociedade que defendo. (COLETIVO DE AUTORES, 1992)

    O objeto de estudo desta tendência é a cultura corporal, manifestada nos jogos, na ginástica, nas lutas, nas acrobacias, na Capoeira, na mímica, no esporte, entre outras práticas corporais. (Coletivo de autores, 1992).

    Destacamos a Capoeira. Ela, nesta tendência é abordada em relação histórica com a luta de classes na generalidade do mundo e na singularidade do cenário brasileiro. Ressalta a riqueza de sua prática, de seus movimentos e gestos articulados com sua riqueza histórica.

    De acordo com o Coletivo de Autores (1992, p. 75) “a Educação Física brasileira precisa, assim, resgatar a capoeira enquanto manifestação cultural, ou seja, trabalhar com a sua historicidade, não descamá-la do movimento cultural e político que a gerou”.

    A organização e sistematização dos conhecimentos da Capoeira devem centrar na análise sobre sua origem e o que determinou a necessidade de seu ensino. Devem se ater à realidade histórico social, visando a formação humana na sua integralidade.

Foge Capoeira: uma possibilidade pedagógica no trato com o conteúdo Capoeira

    Apresentamos neste momento o jogo chamado Foge Capoeira. Este jogo tem como objetivo ensinar os alunos a história, os movimentos e os gestos da Capoeira, vivenciando, discutindo e percebendo as relações sociais que a envolve.

    Ele foi fruto de estudos e intervenções do autor e de professores do Curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC) orientado para a organização e sistematização dos princípios curriculares no trato com o conhecimento, defendidos pela Crítico Superadora. Enfatizamos, principalmente, dois princípios pedagógicos na realização do Foge Capoeira: confronto e contraposição de saberes e simultaneidade dos conteúdos enquanto dados da realidade.

    O princípio do confronto e contraposição de saberes pretende confrontar os saberes populares (senso comum) com o conhecimento científico.

    Para o Coletivo de Autores (1992, p. 33)

    O confronto do saber popular (senso comum) com o conhecimento científico universal selecionado pela escola, o saber escolar, é, do ponto de vista metodológico, fundamental para a reflexão pedagógica. Isso porque instiga o aluno, ao longo de sua escolarização, a ultrapassar o senso comum e construir formas mais elaboradas de pensamento.

    O princípio da simultaneidade do conteúdo enquanto dados da realidade pretende tratar os conteúdos de ensino, organizá-los e apresentá-los aos estudantes de forma simultânea, confrontando o isolamento de conteúdos e o etapismo tão presentes no ensino das manifestações da Cultura Corporal nas aulas de Educação Física.

    Em nível de exemplo, ensina-se o voleibol no primeiro bimestre, depois se ensina o basquetebol no segundo bimestre e não se faz ligação alguma entre eles, nem em seus aspectos técnicos e táticos, nem em sua dimensão histórica.

    O conhecimento do professor de Educação Física no trato com a Capoeira e na especificidade do ensino da brincadeira Foge Capoeira devem ser orientados, principalmente, por esses dois princípios curriculares.

    A brincadeira embasa-se no jogo do Congelar Americano, em que pegadores congelam e os fugitivos fogem e descongelam, num espaço determinado coletivamente entre professores e alunos. Delimitam-se também pegadores e fugitivos. Os pegadores deverão congelar. Congelar é o ato de “encostar” no colega que está fugindo e este, então, ficará parado no local do congelamento, até que outro fugitivo o descongele também se encostando ao colega congelado. Muda-se, no consenso professor e aluno, as formas de descongelar, podendo ser várias. Destacamos estas: passar entre as pernas dos colegas, imitando a imagem (estátua) que o aluno congelado construir, com a utilização de crachás, dentre outras.

    No Foge Capoeira o que muda é o trato com os conteúdos da Capoeira na hora de brincar de congelar americano. Os espaços ganham nomes históricos (senzala, quilombola, grandes fazendas), os alunos cumprem papeis históricos ao brincar (Capitão do Mato e Feitores que são normalmente os pegadores que tentam controlar e capturar os escravos fugitivos, Zumbi dos Palmares, que é um dos principais “salvadores”)

    O objetivo é reconstituir o cenário histórico da luta pela emancipação dos escravos frente aos senhores de engenho, brincando.

    Não bastasse o trato histórico que o Foge Capoeira possibilita, através de sua reconstituição ao brincar, enfatiza-se no ato de descongelar movimentos e gestos da Capoeira, que para o propósito deste trabalho, apenas citaremos: Cocorinha, meia lua de frente, negativa, meia lua de compasso, tesoura, esquiva lateral, armada, entre outras.

    O trato dos conteúdos da Capoeira, enfatizando os gestos, movimentos e história desta, simultaneamente ao brincar de pegar (outro tema importante da Cultura Corporal) e confrontando conhecimentos populares com os conhecimentos científicos universais, nos parece a contribuição do Foge Capoeira para o ensino desta importante manifestação da Cultura Corporal nas aulas de Educação Física na perspectiva Crítico Superadora.

Reflexões finais

    A Capoeira como manifestação da Cultura Corporal, representa desde sua gênese a luta de classe do oprimido com o opressor. Representou na sua origem efetivamente a luta por liberdade dos escravos frente aos senhores de engenho. Estes continham aparatos legais e estratégicos para frear esta luta. Formaram-se, nesse sentido, os capitães do mato, os feitores, as senzalas. Tudo pela produção e o poder, político e econômico. Os escravos tentando contrapor-se a essa lógica produziram os quilombos e a Capoeira.

    A Capoeira é uma manifestação cultural que se articula, se complementa e se constituí com a história de luta de classe no Brasil escravocrata. Importante se faz compreende-la para compreendermos a história brasileira.

    A brincadeira Foge Capoeira possibilita o ensino e aprendizagem de conteúdos importantes da Capoeira. Destacamos os movimentos, gestos e a história desta. Na efetivação da brincadeira é necessário se ater aos princípios curriculares no trato com o conhecimento que constituem a tendência Crítico Superadora. Destacamos nesta brincadeira o princípio do confronto e contraposição de saberes e o princípio da simultaneidade do conteúdo enquanto dados da realidade.

    A brincadeira Foge Capoeira possibilita o ensino e a apreensão dos gestos, dos movimentos e da história da Capoeira, tratando-a de forma simultânea e confrontando conhecimentos populares com os conhecimentos científicos universais desta.

    O acesso aos conhecimentos da Cultura Corporal interligada de forma indissociável à sua totalidade histórica e social, nos parece uma das lutas da Capoeira para a contribuição da efetiva transformação social, ou seja, para o fim da condição social de opressores e oprimidos.

Nota

  1. Esta questão merece aprofundamento, que não será possível neste momento de nosso estudo.

Referências

  • COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992.

  • CAPOEIRA, Nestor. Pequeno manual do jogador de Capoeira. 8ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2006.

  • CAMPOS, Hellio. Capoeira Regional: a escola de Mestre Bimba e seu aluno, Mestre Xaréu. Salvador: EDUFBA, 2009.

  • DARIDO, Suraya. Para ensinar educação física: possibilidades de intervenção na escola. Campinas: Papirus, 2008.

  • MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Expressão Popular, 2009.

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