Aspectos epidemiológicos dos portadores de infecção do trato urinário: uma revisão Aspectos epidemiológicos de los portadores de infección del tracto urinario: una revisión |
|||
*Graduandos em medicina pelas Faculdades Integradas Pitágoras, Montes Claros, MG, Brasil. **MD, Professor Assistente do Departamento da Saúde da Mulher e da Criança. CCBS, Unimontes e da graduação em Medicina das Faculdades Integradas Pitágoras, Montes Claros, MG (Brasil) |
Bruna Tupinambá Maia* Eduardo Gonçalves** Camila Matos Versiani* Gilson Gabriel Viana Veloso* Giselle Mayara Messias Dias* |
|
|
Resumo A infecção do trato urinário é uma das afecções mais prevalentes na prática médica diária, com estimativas que apontam cerca de 150 milhões de casos por ano em todo o mundo. No que se refere ao Brasil, não existem estimativas oficiais relacionadas a esta patologia, porém, à semelhança de outros países, as infecções urinárias estão entre as causas mais comuns de infecções comunitárias, juntamente com as infecções do trato respiratório e as infecções entéricas. O quadro clínico varia desde a ausência de sintomas até a queixa de disúria, urgência miccional, tenesmo vesical, polaciúria, nictúria e dor suprapúbica. Sendo assim, o diagnóstico definitivo é baseado no crescimento de microrganismos na urocultura. A bacteriúria significativa caracteriza-se por crescimento bacteriano > 105 colônias/ml, porém valores mais baixos são aceitos em algumas situações: > 102 colônias/ml de coliformes em mulher sintomática; qualquer crescimento em urina colhida através de punção suprapúbica; > 103 colônias/ml em homem sintomático. A abordagem terapêutica deve, idealmente, basear-se no antibiograma, com o intuito de reduzir o fenômeno de resistência bacteriana. O presente artigo consiste em uma revisão literária e abrange os principais temas referentes à infecção do trato urinário. Unitermos: Infecção do trato urinário. Epidemiologia. Diagnóstico e tratamento.
|
|||
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires - Año 18 - Nº 180 - Mayo de 2013. http://www.efdeportes.com/ |
1 / 1
Introdução
A infecção do trato urinário (ITU) é uma afecção muito comum, e responde por grande parte dos processos infecciosos, comunitários e hospitalares (VIEIRA-NETO, 2003). Pode ser caracterizada como sendo a invasão e multiplicação de microrganismos nos tecidos do trato urinário, desde a uretra até os rins (MENDO et al., 2008). É pertinente comentar, conforme relatam Goldman e Ausielo (2009), que a urina normalmente é um meio estéril.
Segundo Camargo et al. (2010), a ITU é uma infecção causada maioritariamente por microrganismos gram-negativos oriundos da microbiota comensal do intestino ou da genitália (PÊGO, 2008). Esta infecção pode afetar um único local, tal como a uretra, próstata, bexiga ou rins; embora, frequentemente, mais de um sítio esteja envolvido. Uma infecção restrita à urina pode apresentar-se como bacteriúria assintomática, mas pode, subsequentemente, levar a uma infecção clínica.
Epidemiologia
Ocorrem, no mínimo, 150 milhões de casos de ITU sintomáticas a cada ano em todo o mundo. Considerando que muitos pacientes com ITU apresentam infecções recorrentes, o número o número de novos casos é, relativamente, baixo. Em geral, 90% dos pacientes com ITU manifestam cistite, enquanto 10% desenvolvem pielonefrite. As infecções são esporádicas em aproximadamente 75% dos pacientes e recorrentes em 25%. Cerca de 2% dos pacientes apresentam infecções complicadas relacionadas com fatores que aumentam o risco de estabelecimento e manutenção da bacteriúria. Esses geralmente têm a infecção com recorrências frequentes. Se fatores que aumentam a gravidade de uma infecção renal forem incluídos, a frequência de infecções complicadas é aproximadamente 8% (GOLDMAN; AUSIELO, 2009).
A maioria dos autores consideram às ITUs como as infecções bacterianas mais comuns, as quais são responsáveis por 80 em cada 1.000 consultas clínicas. Ademais, cerca de 15% dos óbitos por insuficiência renal resultam de lesão secundária à infecção crônica renal. Conquanto as ITUs ocorram com a devida frequência em crianças até os seis anos de idade e em mulheres jovens, a prevalência dessas infecções se eleva com a idade, passando a representar doença de grande importância em adultos idosos (DALBOSCO et al., 2003).
Não há, no Brasil, de modo geral, segundo Goldman e Ausielo (2009), estimativas oficiais consistentes com relação às ITUs. À semelhança de outros países no mundo, as ITUs estão entre as causas mais comuns de infecções comunitárias, juntamente com as infecções do trato respiratório e as infecções entéricas. Considerando as infecções associadas à assistência à saúde, elas constituem a principal complicação em pacientes internados, geralmente associada ao cateterismo vesical.
Pego (2008) comenta que existe uma grande variabilidade internacional e mesmo interregional no que diz respeito à epidemiologia e aos padrões de resistência dos microrganismos causadores de infecções urinárias. É, por isso, fundamental conhecer com precisão os principais agentes etiológicos de ITU de cada país, região, e mesmo instituição a fim de otimizar as opções terapêuticas.
Fatores de risco
Brandino et al. (2007) revelam que durante o primeiro ano de vida, devido ao maior número de malformações congênitas, especialmente envolvendo a válvula uretral posterior, a ITU acomete preferencialmente o sexo masculino (75%). A partir deste período, durante toda a infância e principalmente na fase pré-escolar, as meninas são acometidas 10 a 20 vezes mais do que os meninos.
Na vida adulta, a incidência de ITU se eleva e o predomínio no sexo feminino se mantém, o que pode estar relacionado à atividade sexual, com picos de maior acometimento durante a gestação ou na menopausa, de forma que 48% das mulheres apresentam pelo menos um episódio de ITU ao longo da vida. Na mulher, a susceptibilidade à ITU se deve à uretra mais curta e a maior proximidade do ânus com o vestíbulo vaginal e uretra (HEILBERG; SCHOR, 2003). Em concordância, Lopes e Tavares (2004A) listam outros fatores que aumentam o risco de ITU nas mulheres: episódios prévios de cistite, o uso de certas geléias espermicidas, o diabetes (apenas no sexo feminino) e a higiene deficiente, a qual é mais frequente em pacientes com piores condições socioeconômicas e obesas.
No homem, o maior comprimento uretral, maior fluxo urinário e o fator antibacteriano prostático são protetores. O papel da circuncisão é controverso, mas a menor ligação de enterobactérias à mucosa do prepúcio pode exercer proteção contra ITU (HEILBERG; SCHOR, 2003). Os estudos de Lopes e Tavares (2004A) corroboram com esta hipótese, por explicitarem que as taxas de ITU são maiores nos indivíduos com prepúcio intacto. Estes mesmos estudos também demonstram que estas taxas de ITU são bem maiores nos homossexuais masculinos devido à prática mais frequente de sexo anal não protegido.
A partir da quinta à sexta década, a presença do prostatismo torna o homem mais suscetível à ITU. Como em outras infecções, ocorre uma interação entre o agente agressor e o hospedeiro. Nesse caso, estão em jogo a virulência da bactéria e os fatores relacionados ao hospedeiro como: alterações mecânicas que contribuiriam para a migração de enterobactérias para o trato urinário, diminuição da resposta imune sistêmica e local, alterações anatômicas e/ou funcionais como distúrbios do padrão miccional, refluxo vésico-ureteral (RVU), obstruções do trato urinário, tratamento tardio, entre outros (BRANDINO et al., 2007).
Trabalhos de Vieira- Neto (2003), Heilberg e Schor (2003) e Goldman e Ausielo (2009) estabelecem e explicam alguns fatores de risco para ITU:
Obstrução do trato urinário: a estase urinária propicia a proliferação bacteriana e a distensão vesical reduz a capacidade bactericida da mucosa.
RVU: inserção lateral do ureter na bexiga, sem constrição na contração do detrusor, permite refluxo de urina durante a micção e manutenção de posterior volume residual, tornando o ambiente propício à proliferação de bactérias.
Cateterização urinária: catéteres de demora predispõem à bacteriúria significante (geralmente assintomática), especialmente em condição de drenagem aberta, e o risco de bacteriemia por gram-negativo que já é de cinco vezes, é proporcional ao tempo de cateterização. Além de crescerem em suspensão, algumas bactérias produzem uma matriz de polissacáride ou “biofilme” que as envolve e protege das defesas do hospedeiro, conferindo ainda resistência aos antimicrobianos utilizados. Adicionalmente, a presença de germes neste “biofilme” cria um ambiente favorável à formação de encrustrações na superfície interna do catéter, levando à obstrução.
Gravidez: comumente observa-se bacteriúria assintomática, do início da gestação ao 3º trimestre e se não tratadas podem evoluir para infecção sintomática, inclusive pielonefrite. ITU em gravidez se associa a um maior índice de prematuridade, baixo peso e mortalidade perinatal, além de maior morbidade materna. As alterações mecânicas e fisiológicas da gravidez que contribuem para ITU incluem: dilatação pélvica e hidroureter; aumento do tamanho renal (1 cm); modificação da posição da bexiga que se torna um órgão abdominal e não pélvico; aumento da capacidade vesical devido à redução do tônus vesical hormôniomediado; relaxamento da musculatura lisa da bexiga e ureter progesterona-mediados.
Diabetes mellitus: certas alterações nos mecanismos de defesa do diabético, o torna mais suscetível às complicações decorrentes de ITU como: defeito no poder quimioterápico e fagocítico dos leucócitos polimorfonucleares (PMN) devido ao ambiente hiperosmolar; doença microvascular levando à isquemia tecidual local e fraca mobilização leucocitária e por fim, a neuropatia vesical (bexiga neurogênica). A infecção iatrogênica decorre da necessidade frequente de hospitalização e cateterização nestes pacientes. Certas complicações clínicas como pielonefrite enfisematosa (90% dos casos são diabéticos), abscesso perinéfrico e necrose papilar são muito mais comuns entre este tipo de paciente.
Relação sexual / Métodos contraceptivos: a associação entre atividade sexual e cistite aguda (historicamente “cistite da lua de mel”), em decorrência da bacteriúria pós-coito, está bem estabelecida e, a menor ocorrência de bacteriúria assintomática entre celibatárias corroboram com esta associação.
Uso de diafragma e geléia espermicida: a presença do diafragma pode levar à uma discreta obstrução uretral que não se associa a maior risco de infecção. Contudo, quando associado com espermicida, ocorrem alterações do pH e da microbiota vaginal que podem favorecer a ascendência de germes ao trato urinário.
Prostatismo (hipertrofia prostática benigna ou carcinoma de próstata): traduz numa situação de obstrução ao fluxo urinário com consequente esvaziamento vesical incompleto. Nestes casos a ITU decorre da presença de urina residual e também da necessidade mais frequente de cateterização urinária.
Menopausa: a falta de estrógeno na menopausa expõe a mulher a um maior risco de bacteriúria e ITU sintomática, pela redução do glicogênio, ausência de lactobacilos e elevação do pH vaginal. Sabe-se que a colonização vaginal por E. Coli é um pré-requisito para ascendência da bactéria ao trato urinário.
Transplante renal: os agentes infecciosos podem ser adquiridos a partir do rim do doador, da ferida cirúrgica, do uso de catéteres urinários e do ambiente hospitalar. Microrganismos endógenos latentes podem também ser reativados devido ao uso de drogas imunossupressoras.
A microbiota comensal da vagina, da região periuretral e da uretra inclui microrganismos que constituem uma barreira protetora contra a colonização por agentes uropatogênicos (PÊGO, 2008). Vieira-Neto (2003) explica que em condições normais, esta competição (mlcrobiota vaginal x uropatógenos) é constituída predominantemente por lactobacilos. A colonização da vagina é facilitada, principalmente, pelo uso de antibióticos e pela má higiene perineal. A migração para a uretra e bexiga é desencadeada, principalmente, pela atividade sexual, pelo uso de contraceptivos com espermicida, e pela alteração do pH vaginal, que pode ocorrer com a alteração da microbiota pelo uso de antibióticos e pelo hipoestrogenismo que, habitualmente, ocorre na menopausa.
Não se pode deixar de destacar a importância das infecções causadas pelo vírus da imunodeficiência humana, pois conforme exposições de Lopes e Tavares (2004A), infecção por este vírus, por si só, é um fator de risco para ITU, aumentando em relação direta com a queda dos níveis dos linfócitos CD4+.
Classificação
Goldman e Ausielo (2009) explicam que é importante classificar as ITUs pelo tipo de infecção, presença ou ausência de sintomas, tendência à recorrência e presença ou ausência de fatores complicadores. As infecções recorrentes podem ser subdivididas em reinfecções causadas por novas cepas bacterianas ou pelas mesmas cepas que causaram as infecções presentes. Os fatores complicadores são os do hospedeiro (já listados anteriormente) que facilitam o estabelecimento e, a manutenção da bacteriúria ou o agravamento do prognóstico das ITUs que acometem os rins.
Segundo Heilberg e Schor (2003), a ITU não complicada ocorre em paciente com estrutura e função do trato urinário normais e é adquirida fora de ambiente hospitalar. Vieira-Neto (2003) expõem que a ITU não complicada acomete indivíduos com as seguintes características: sexo feminino, não grávida; ausência de alterações anatômicas e funcionais do trato urinário; ausência de catéteres urinários; ausência de alterações da imunidade; adquirida na comunidade.
A ITU complicada associa-se com condição subjacente que eleva o risco de falha terapêutica: causa obstrutiva (hipertrofia de próstata, tumores, urolitíase, estenose de junção uretero-piélica, corpos estranhos, etc.); anatomofuncionais (bexiga neurogênica, RVU, rim-espongiomedular, nefrocalcinose, cistos renais, divertículos vesicais); metabólicas (insuficiência renal, diabetes mellitus etc.); uso de catéter de demora ou qualquer tipo de instrumentação; derivações ileais (HEILBERG; SCHOR, 2003). Em concordância com as exposições de Helberg e Schor (2003), Vieira-Neto (2003) acrescentam ainda, patógeno multirresistente e imunossupressão.
Etiopatogênese
De acordo com Lopes e Tavares (2004A), os agentes etiológicos mais frequentemente envolvidos com ITU adquirida na comunidade são, em ordem de frequência: a Escherichia coli, o Staphylococcus saprophyticus, espécies de Proteus e de Klebsiella e o Enterococcus faecalis. A E. coli, sozinha, responsabiliza-se por 70% a 85% das ITUs adquiridas na comunidade e por 50% a 60% em pacientes idosos admitidos em instituições. Contudo, quando a ITU é adquirida no hospital, em paciente internado, os agentes etiológicos são diversificados, predominando as enterobactérias, com redução na frequência de E. coli (embora ainda permaneça habitualmente como a primeira causa), e um crescimento de Proteus sp, Pseudomonas aeruginosa, Klebsiella sp., Enterobacter sp., Enterococcus faecalis e de fungos, com destaque para Cândida sp..
Existem essencialmente três vias de infecção: a ascendente, a hematogênica e a linfática. A maioria dos microrganismos causadores de ITU tem origem na microbiota comensal do trato gastrointestinal e atinge o trato urinário por via ascendente a partir da uretra até a bexiga e, por vezes, até o rim. A ITU de origem hematogênica ou linfática constitui uma minoria dos casos. A via hematogênica é a principal via de ITU nos recém-nascidos (RN), condicionando, na maioria das vezes, um quadro infeccioso sistêmico – urosepse. A ITU por via linfática é rara e pode ocorrer em contexto de infecção intestinal grave ou de abscesso retroperitoneal. Camargo et al. (2001) explicam que infecções hematogênicas podem causar abscessos únicos ou múltiplos no parênquima renal. Embora a doença renal inflamatória (nefrite) possa resultar de uma variedade de causas, admite-se, apenas, a infecção bacteriana como a causa de pielonefrite.
A infecção ascendente é, claramente, a via mais comum pela qual as bactérias têm acesso ao rim, sendo que o primeiro passo para a patogenia parece ser a colonização da uretra distal e intróito por coliformes, pela capacidade de adesão às células vaginais ou da uretra (CAMARGO et al., 2001).
Pêgo (2008) comenta que não é crucial a existência de RVU permanente para o desenvolvimento de pielonefrite por via ascendente, pois o edema associado à inflamação aguda da bexiga pode provocar alterações significativas na junção vésico-ureteral capazes de condicionar um refluxo de urina temporário. Além do RVU, o efeito antiperistáltico que as endotoxinas bacterianas exercem nos ureteres vai favorecer a progressão bacteriana ao longo do trato urinário. O processo é ainda exacerbado pelo aumento da pressão intrarrenal secundária à obstrução ureteral ou ao RVU.
Segundo Camargo et al. (2001) as infecções agudas são mais comuns nas mulheres que nos homens. Os sítios mais comuns de ITU na mulher são a uretra e a bexiga - uretrocistite. Além de, como já dito, apresentar a uretra mais curta, a mulher possui a bexiga maior, podendo armazenar a urina por mais tempo e ausência de propriedades antimicrobianas, como as encontradas no líquido prostático, além do fato de que a proximidade anatômica entre vagina e ânus, associada ao alto grau de umidade local, cria uma verdadeira “ponte” líquida, proporcionando livre acesso dos microrganismos ao sistema urinário feminino. Diante disso a uretrocistite é uma causa importante de morbidade, mas, é mais importante como fonte potencial para a disseminação da infecção com comprometimento renal. Bactérias da família Enterobacteriaceae estão envolvidas em quase todas as uretrocistites não gonocócicas, sendo a E. coli identificada em aproximadamente 80% dos casos, entre mulheres na idade fértil. S. saprophyticus, por não fazer parte da microbiota bacteriana vaginal de mulheres, em fase pré-sexual, é importante agente etiológico de ITU em mulheres jovens. Uma curiosidade a se comentar é que este dado, inclusive, está sendo testado como indicador de abuso sexual em vítimas sem rompimento de hímen, mesmo quando há ausência da fosfatase ácida, prostática, na vagina. Alguns dados mostram que a simples presença deste grupo de bactérias seria um forte indício de contato peniano-vaginal, já que elas estão presentes na microbiota normal do pênis.
Na pielonefrite aguda, até 90% dos pacientes têm E. coli como agente etiológico. Os demais pacientes têm várias outras bactérias entéricas (por exemplo: Klebsiella sp., Enterobacter sp., Proteus sp. e Enterococcus sp.). O S. aureus é raramente encontrado na pielonefrite aguda. A incidência de E. coli, como agente etiológico na pielonefrite crônica, vem diminuindo, mas permanece ainda como o agente mais comum. Infecções mistas podem ocorrer, quando há obstrução do trato urinário ou o uso de catéteres (CAMARGO et al., 2001).
Conforme relatos de Heilberg e Schor (2003), fatores de virulência da bactéria influenciam no grau de acometimento da infecção. As enterobactérias se caracterizam pela presença ou não das seguintes estruturas: flagelo ou antígeno “H”, responsável pela motilidade; cápsula ou antígeno “K”, que confere resistência à fagocitose; polissacarídios ou antígeno “O” sempre presentes na membrana externa da bactéria, que são determinantes antigênicos de anticorpos específicos; fímbrias ou pili ou adesinas, responsáveis pela adesão da bactéria ao urotélio e transmissão de informação genética a outras bactérias via DNA dos plasmídeos. Existem dois tipos de pili: tipo I (manose-sensível) cujos receptores são a manose ou a proteína de Tamm-Horsfall e tipo 2 (manose-resistente) cujo receptor é parte de um glicoesfingolípide (Gal-Gal). Os fagócitos do hospedeiro, incluindo PMN e macrófagos, reconhecem os pili tipo I e são capazes de fagocitar e matar a bactéria na ausência de anticorpo específico. É possível que anticorpos contra pili tipo I diminuam a resistência à infecção e é por esta razão que este antígeno não deve ser incorporado a uma eventual vacina. Bactérias que possuem pili tipo II aderem ao urotélio e também a antígenos do grupo sanguíneo tipo P. Isto se deve à presença de antígenos do grupo sanguíneo P na superfície de uroepitélio. Em concordância, Vieira-Neto (2003) incluem ainda, aos fatores de virulência, a hemolisina, toxina polipeptídica, que provoca lise de hemácias e a aerobactina, quelante de ferro secretado, devido à importância deste no crescimento e divisão bacteriana
Segundo Vieira-Neto (2003) pode ocorrer uma bacteriúria assintomática, caracterizada pela presença de bacteriúria significativa em pacientes sem sintomas atribuíveis ao trato urinário. Para que se possa diferenciar da contaminação, deve ocorrer o crescimento do mesmo germe em 2 uroculturas e com contagem de colônias > 105/ml ou próxima a esse valor.
Manifestações clínicas e diagnóstico
A cistite (ITU baixa), quando sintomática, exterioriza-se clinicamente pela presença habitual de disúria, urgência miccional, tenesmo vesical, polaciúria, nictúria e dor suprapúbica. Febre, neste caso, não é comum. Na anamnese, a ocorrência prévia de quadros semelhantes, diagnosticados como cistite, deve ser valorizada (LOPES; TAVARES, 2004A). Vieira-Neto (2003) explicita que cerca de 30% das ITU baixas apresentam comprometimento alto oculto, e o tratamento nestes casos deve ser feito para ITU alta. Este mesmo autor atenta para a síndrome uretral, na qual os sintomas de disúria e polaciúria são exuberantes, porém com urocultura negativa, e sedimento urinário normal ou com leucocitúria.
De acordo com Lopes e Tavares (2004A) o aspecto da urina pode também trazer informações valiosas: urina turva (pela presença de piúria) e/ou avermelhada (pela presença de sangue), pode ser causada por cálculo e/ou pelo próprio processo inflamatório.
Vieira-Neto (2003) explica que a pielonefrite (ITU alta, também denominada de nefrite intersticial bacteriana) caracteriza-se pela invasão e aderência de microrganismos no rim, levando a uma resposta inflamatória. Segundo Lopes e Tavares (2004A), geralmente se inicia como um quadro de cistite, sendo habitualmente acompanhada de febre (geralmente superior a 38º C), de calafrios e de dor lombar (sinal de Giordano), uni ou bilateral. Esta tríade febre + calafrios + dor lombar está presente na maioria dos quadros de pielonefrite. A dor lombar pode se irradiar para o abdômen ou para o(s) flanco(s) e, mais raramente, para a virilha, situação que sugere mais fortemente a presença de cálculo, com ou sem infecção, na dependência da presença dos outros sintomas relacionados. Os sintomas gerais de um processo infeccioso agudo podem também estar presentes, e sua intensidade é diretamente proporcional à gravidade da pielonefrite. A maioria dos pacientes com pielonefrite refere história prévia de cistite, geralmente detectada nos últimos seis meses.
Vieira-Neto (2003) explana que o diagnóstico da ITU definitivo é firmado através do crescimento de microrganismos na urocultura. A bacteriúria significativa, habitualmente, caracteriza-se por crescimento bacteriano > 105 colônias/ml, porém valores mais baixos são aceitos em algumas situações: > 102 colônias/ml de coliformes em mulher sintomática; qualquer crescimento em urina colhida através de punção suprapúbica; > 103 colônias/ml em homem sintomático.
Para Camargo et al. (2001) deve ser enfatizado que só a bacteriúria não é diagnóstico de pielonefrite, embora pacientes com pielonefrite ativa, não tratada, tenham bacteriúria. O diagnóstico exige evidências de inflamação renal, bacteriúria e estudos bacteriológicos, em urina colhida no ureter, podem ser importantes para estabelecer o diagnóstico e determinar se a infecção ativa é uni ou bilateral.
É importante salientar que a urina de pacientes que estão recebendo líquidos diuréticos pode estar diluída, reduzindo a contagem de colônias. Os cuidados na colheita, preservação e transporte da urina são da maior importância. A urina a ser pesquisada bacteriologicamente não deve ser colhida em urinol ou “comadre”, e sim em frasco estéril, identificado, sendo examinada ou refrigerada, o mais rapidamente possível, entre 4 – 6 °C, pois, sob refrigeração, as contagens bacterianas permanecem em ritmo lento de replicação por (pelo menos) 24 horas nessas condições, embora não parem totalmente a replicação (CAMARGO et al., 2001).
Apesar de existirem outros métodos como fitas reagentes ou sedimento urinário que auxiliam no diagnóstico, Martino et al. (2002) narram que a urocultura é o exame considerado “padrão ouro” no diagnóstico laboratorial da ITU. A cultura de urina quantitativa, avaliada em amostra de urina colhida assepticamente, jato médio, poderá fornecer, na maioria dos casos, o agente etiológico causador da infecção e trazer subsídio para a conduta terapêutica. Sua importância crescerá quando, diante de falha da terapia empírica, possibilitará a realização do teste de sensibilidade in vitro (antibiograma) que orientará uma nova conduta terapêutica. Fator limitante à importância da cultura de urina é a demora habitualmente exigida para a obtenção do seu resultado. Na grande maioria das vezes, a paciente com cistite não complicada, tratada empiricamente, já está clínica ou mesmo microbiologicamente curada quando o resultado da cultura é fornecido; nestas situações este exame torna-se inútil, além de dispendioso (LOPES; TAVARES, 2004A).
Abordagem terapêutica
Brandino et al. (2007) destacam que, para a interpretação da ITU e um emprego mais restrito de antibióticos, é fundamental a evolução dos conhecimentos clínicos e sobretudo microbiológicos. Portanto, realiza-se urocultura sempre que se suspeita de infecção bacteriana. Para a interpretação correta deste método, algumas informações são consideradas muito úteis, como: em paciente com sintomas de ITU, avaliar: leucocitúria, idade/sexo, gestante; tipo de coleta: jato médio, coletor, punção de sonda vesical em sistema fechado, punção supra-púbica, etc.; uso prévio de antibióticos à coleta da presente amostra, etc.
Teste de sensibilidade in vitro a antimicrobianos (TSA): o antibiograma, como é habitualmente reconhecido este exame, atua complementarmente à cultura de urina. Na rotina das cistites não complicadas, sua utilidade é pequena, haja vista a predominância maciça e resolutiva da terapia empírica. No entanto, naqueles casos em que ocorre falha desse tipo de terapia, nas pielonefrites e nas ITUs hospitalares, a presença do antibiograma é de grande utilidade. Igualmente sua importância cresce nas cistites complicadas, quando o risco de insucesso da terapia empírica aumenta. O antibiograma fornecerá os antimicrobianos potencialmente úteis a serem prescritos (LOPES; TAVARES, 2004A).
Conclusão
Por meio dos dados obtidos na presente pesquisa pudemos, satisfatoriamente, avaliar o perfil epidemiológico das afecções do trato urinário.
No que se refere à incidência, foi constatado que houve um crescimento no número de novos casos de ITU. Quanto ao gênero dos paciente já diagnosticados com ITU, observa-se uma elevada prevalência no sexo feminino, quando comparada ao sexo oposto. A grande diferença de valores sugere uma maior vulnerabilidade feminina para o desenvolvimento desta afecção, a qual pode ser explicada pelas diferenças anatômicas do aparelho urogenital entre os dois gêneros. Percebe-se também que a faixa etária mais acometida é aquela que abrange os adultos jovens. Este dado, somado à esmagadora prevalência no gênero feminino, concorda com a afirmação de que a ITU é uma patologia comum às mulheres jovens que possuem vida sexual ativa.
Devido aos frequentes relatos de resistência bacteriana aos diversos antibióticos é de suma importância o conhecimento do perfil de susceptibilidade desses microorganismos, para a erradicação eficaz do foco infeccioso. O uso inadequado desses fármacos no tratamento das ITU, bem como de outras infecções, podem levar ao agravamento do quadro e contribuir para o surgimento de cepas bacterianas resistentes. Portanto, se faz necessário o desencorajamento do uso indiscriminado e da automedicação de antibióticos para o tratamento das ITU. Tal objetivo pode ser alcançado mediante orientação da equipe médica e da população sobre os riscos deste ato.
Referências
BRANDINO, B. A. et al. Prevalência e Fatores Associados à Infecção do Trato urinário. NewsLab, São Paulo/SP. ed. 83, 2007.
CAMARGO, I. L. B. C. et al. Diagnóstico bacteriológico das infecções do trato urinário - uma revisão técnica. Revista Medicina Ribeirão Preto, v. 34, p. 70-78, jan./mar. 2001.
DALBOSCO, V.; SROUGI. M.; DALL’OGLIO. M. Infecções do Trato Urinário. Revista Brasileira de Medicina, v. 60. n. 6, p. 320-336, 2003.
GOLDMAN, L.; AUSIELLO, D. Cecil tratado de medicina interna. 23. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. 3458 p.
GUIDONI, E. B. M. TOPOROVSKI, J. Infecção urinária na adolescência. Jornal de Pediatria. v. 77, supl. 2, 2001.
HEILBERG, I. P.; SCHOR, N. Abordagem diagnóstica e terapêutica na infecção do trato urinário- ITU. Revista da Associação Médica Brasileira, v.49, n.1, p. 109-116. 2003.
LOPES, H. V.; TAVARES, W. Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira de Urologia. Infecções do Trato Urinário: diagnóstico. Projeto Diretrizes - Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. jun. 2004A.
LOPES, H. V.; TAVARES, W. Sociedade Brasileira de Infectologia e Sociedade Brasileira de Urologia. Infecções do Trato Urinário não Complicadas: Tratamento Infecções do Trato Urinário: diagnóstico. Projeto Diretrizes - Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. jun. 2004B.
MENDO, A. et al. Frequência de Infecções Urinárias em Ambulatório: dados de um laboratório de Lisboa. Parte I. Revista Lusófona de Ciências e Tecnologias da Saúde. v. 5, n. 2, p. 216-223, 2008.
PÊGO, C. M. S. Infecção urinária na criança: proposta de protocolo de abordagem diagnóstico e terapêutica. 2008. 97 fls. Dissertação (Mestrado em Medicina) - Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior. Covilhã/Portugal. Agosto de 2008.
SEIJA, V. et al. Etiología de la infección urinaria de adquisición comunitaria y perfil de susceptibilidad de Escherichia coli a los principales agentes antimicrobianos. Rev. Med. Urug., Montevideo, v. 26, n. 1, p. 14-24, Mar. 2010.
VIEIRA-NETO, O. M. Infecção do Trato Urinário. Revista Medicina Ribeirão Preto, v. 36, p. 365-369, abr./dez. 2003.
Outros artigos em Portugués
Búsqueda personalizada
|
|
EFDeportes.com, Revista Digital · Año 18 · N° 180 | Buenos Aires,
Mayo de 2013 |