Avaliação diagnóstica sobre a ocorrência de bullying em duas escolas estaduais de Lavras, MG: perspectivas para o planejamento em Educação Física escolar Evaluación diagnóstica sobre la aparición del bullying en dos escuelas estatales de Lavras, MG: perspectivas para la planificación en Educación Física escolar |
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*Graduanda do 6° período em Educação Física Licenciatura na Universidade Federal de Lavras, UFLA **Licenciado em Educação Física. Mestre e Doutor em Educação pela USP e atualmente é professor Adjunto I do Departamento de Educação Física da Universidade Federal de Lavras, UFLA |
Rafaela Silva Araujo* Prof. Dr. Fabio Pinto Gonçalves dos Reis** (Brasil) |
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Resumo A escola é um espaço social de convívio intensificado entre muitas crianças que, dessa maneira, podem estar sujeitas a vários tipos de violência. Dentre essas tipologias mais comuns, uma que está sendo amplamente discutida pela sociedade é o bullying. Esta manifestação caracteriza-se por qualquer agressão gratuita e recorrente, com intuito de intimidar, ridicularizar, inferiorizar, excluir, humilhar o outro individuo sem motivo aparente, mas com intencionalidade de demonstrar poder sobre ele. Com base nessas preocupações, o objetivo deste estudo foi averiguar a ocorrência ou não de bullying em duas escolas estaduais de Lavras - MG, buscando diagnosticar esta realidade escolar para que se fosse planejado e desenvolvido um projeto de intervenção em Educação Física. Participaram do estudo 207 estudantes na faixa etária entre 6 a 18 anos de idade, distribuídos por gênero e ano escolar entre as Séries Iniciais e o Ensino Médio das respectivas instituições escolares. De acordo com os resultados, constatamos que 42% dos alunos já sofreram agressões ou intimidaram seus colegas, de modo que cerca de 88% das meninas relataram nunca terem tido esta atitude. Cabe ressaltar que há prevalência desses casos dentro da sala de aula. Os resultados encontrados corroboram com as conclusões de outras pesquisas diagnósticas que denunciam os meninos como sendo aqueles que mais praticam violência para assegurar seu status social na escola e exibirem seu suposto poder para impressionar as meninas. Unitermos: Bullying. Diagnóstico. Educação Física.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 17, Nº 167, Abril de 2012. http://www.efdeportes.com/ |
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Introdução
O termo bullying refere-se à exposição repetida de ações propositais que ferem ou prejudicam o indivíduo, caracterizando-se pela disparidade de poder entre os pares, ao passo que uma pessoa é dominada por outra. A escola é um espaço social de convívio intensificado entre muitas crianças que podem estar sujeitas a esse tipo de manifestação de violência.
De acordo com Calbo (2009), o desequilíbrio de poder e as atitudes negativas entre iguais constituem as principais características que viabilizam a intimidação do alvo/pessoa por meio de agressão psicológica ou física. Nesse sentido, podemos identificar dois tipos de ações de bullying, isto é, as ações diretas: subdivididas em físicas (bater, chutar, tomar pertences) e verbais (apelidos, insultos, atitudes preconceituosas); e as ações indiretas (ou emocionais): relacionam-se com a disseminação de histórias desagradáveis, indecentes ou pressões sobre outros, para que a pessoa seja discriminada e excluída de seu grupo social.
Nesse campo conceitual Lopes Neto (2007) amplia a reflexão ao apontar que o termo “violência escolar” diz respeito a todos os comportamentos agressivos e anti-sociais no respectivo espaço institucional, incluindo os conflitos interpessoais, danos ao patrimônio, atos criminosos, entre outros. Portanto, a comunidade escolar deve se mobilizar e trabalhar com mais cuidado essa tipologia de agressividade, pois a escola e a educação devem ser entendidas como um meio de capaz de promover o pleno desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania.
Considerando-se que uma parcela significativa dos atos de bullying ocorre fora da visão dos adultos e que parte das vítimas não reage ou fala sobre a agressão sofrida, podemos entender os motivos pelos quais professores e pais subestimam a sua ocorrência e não interferem de forma suficiente para a sua redução ou interrupção dessas situações. No caso da escola, para que as estratégias de intervenção do bullying sejam eficazes, deve ser envolvido nos projetos de intervenção além do aluno, o corpo docente, os funcionários da escola, os familiares e a comunidade do entorno.
As aulas de Educação Física proporcionam um ambiente favorável para as manifestações de bullying, pois pela sua característica específica pode favorecer a exclusão dos alunos menos habilidosos, a discriminação das meninas por questões de gênero, a segregação dos mais “gordinhos”, entre outros. Estes são apenas alguns dos inúmeros exemplos em que o bullying pode se apresentar nas aulas de Educação Física, porém, outras características individuais podem tornar o indivíduo uma vítima potencial, tais como a sua etnia, sua orientação sexual e a diferença de idade e tamanho (DAWKINS, 1995; SMITH, 2002 apud CALBO, 2009). Vale dizer que muitas dessas situações dependem de fatores externos, cujas intervenções podem estar além da competência e capacidade das entidades de ensino e de seus funcionários. Faz-se necessário que os profissionais preocupados com a formação ética e cidadã dos alunos busquem informações e orientações adequadas para prevenir e até mesmo combater o fenômeno bullying e seus efeitos.
Neste contexto, percebemos o lugar que a avaliação diagnóstica ocupa no planejamento do professor de Educação Física com a finalidade de considerar o trabalho com as dimensões atitudinais dos conteúdos. Assim, esse componente curricular, interagindo com outras áreas de conhecimento e sem perder sua especificidade, pode contribuir à implementação de uma política de paz no interior das escolas envolvendo alunos, professores, funcionários e pais.
Objetivo
O objetivo deste estudo foi averiguar a ocorrência de bullying em duas escolas públicas de Lavras - MG, circunscrito nos segmentos das Séries Iniciais do Ensino Fundamental ao Ensino Médio. Buscamos diagnosticar esta realidade escolar para que se fosse planejado um projeto de intervenção mais integrado (conceitos, procedimentos e ATITUDES) para as aulas de Educação Física.
Problemas de pesquisa
Qual a ocorrência de bullying entre crianças e adolescentes de 6 a 18 anos em duas escolas públicas de Lavras – MG?
Onde e em quais momentos ocorrem no ambiente escolar? Quem age e quem sobre mais nas atitudes de bullying?
Quais as implicações desse levantamento para o planejamento em Educação Física escolar?
Justificativa
É importante destacar que as situações de bullying ocorrem em diversos contextos, sem restrição quanto ao nível socioeconômico, gênero ou faixa etária, sendo observadas em escolas públicas e privadas. Inúmeras crianças e adolescentes estão expostos ao risco de sofrerem abusos regulares de seus pares por falta de programas de intervenção a esta tipologia. A cada dia percebemos a maior necessidade dos futuros professores intervirem efetivamente neste grande problema. Conforme Fante (2008), o bullying tem como marca constitutiva o desrespeito, a intolerância e o preconceito. E estes são valores e atitudes que devem ser trabalhados não somente nas aulas de Educação Física, mas em todas as áreas do conhecimento. Sendo assim, o professor deve tomar cuidado quanto à adoção de medidas repressivas e preventivas que possam ocorrer apenas de forma intuitiva, sem uma reflexão adequada por parte do professor. Uma vez que não existe receita pronta e fechada, a elaboração de um planejamento na forma de projeto que organize um processo pedagógico pautado nas vivências e discussões sobre as dimensões atitudinais dos conteúdos abordados nas aulas se torna necessário.
Metodologia
Participaram do estudo 207 estudantes, sendo 94 meninas e 113 meninos na faixa etária compreendida entre seis aos 18 anos, o que se refere aos anos escolares circunscritos entre as Séries Iniciais e o Ensino Médio das respectivas instituições escolares pesquisadas. Todos participantes receberam termo de consentimento livre e esclarecido explicitando a finalidade da pesquisa, garantindo o sigilo e anonimato do informante, sendo o mesmo assinado por responsável. Os envolvidos foram submetidos a um questionário composto por 14 questões que buscavam investigar as manifestações de bullying dentro e fora da escola. Foi utilizada a quantificação pela porcentagem para averiguação dos dados obtidos e posterior interpretação dos resultados.
Resultados
De acordo com os dados coletados verificamos que:
42% dos alunos já sofreram bullying na escola, obtendo percentuais iguais para ambos sexos.
37% dos meninos praticaram algum tipo de agressão contra os colegas, enquanto apenas 26% das meninas já o fizeram.
28 % dos pesquisados que responderam ao questionário alegam ter sofrido ou praticado bullying entre os 5 aos 11 anos.
15% relatam que na maioria das vezes os conflitos ocorrem na sala de aula.
25% dos alunos que praticaram o bullying relatam não terem sofrido nenhuma conseqüência.
22% dos pesquisados dizem ter sofrido agressão física e 15% agressão verbal.
Discussão dos resultados
Observamos em nossos resultados que 42% dos alunos já sofreram bullying na escola, o que pode ser definido de acordo com Lopes Neto (2007), como ações físicas e verbais manifestadas na interação entre sujeitos devido a fatores econômicos, sociais e culturais. Evidenciando-se nas diferentes formas de agressões, propositais e repetidas, adotadas por um ou mais indivíduos contra outro(s) em uma relação assimétrica de poder. Estas manifestações podem ocorrer em diversos espaços da escola ou fora dela, como também em ambientes virtuais nos quais os recursos da tecnologia da informação e da comunicação são utilizados no assédio.
Especificamente em nossa investigação, destacamos que 37% dos meninos já praticaram algum tipo de agressão contra os colegas, enquanto 26% das meninas tiveram alguma atitude mais agressiva investida contra seus pares. Neste sentido, observamos que os meninos apresentam uma maior freqüência de envolvimento com o bullying: ora como autores, ora como alvos. Embora com freqüência diferente em relação aos meninos, o bullying também ocorre e se caracteriza com as meninas, principalmente como prática de exclusão ou difamação (BALLONE, 2005 apud BOTELHO, 2007).
Os resultados apontam que 28 % dos alunos alegam terem sofrido ou praticado bullying com idade entre 5 a 11 anos. Dessa forma, Lopes Neto (2007) corrobora com esses números no sentido de dizer que essas agressões prevalecem em alunos com idade entre 11 e 13 anos. Isso pode ocorrer devido essa ser a fase em que a criança está passando por estresse devido seu expressivo crescimento integral. Afinal, cada fase é um sistema de relações conflitantes entre as capacidades da criança e o meio.
Em suma, a maior parte da amostra revela que os conflitos ocorrem em sala de aula, contrariando estudos que evidenciam o recreio como sendo o momento no qual mais se deflagra as manifestações de bullying. Não é difícil entender esse resultado, pois este é o espaço em que os alunos permanecem maior parte do tempo na escola. Sendo importante destacar que neste local sempre tem a presença de um professor, o qual deveria zelar pelo respeito mútuo, e implementar uma política de paz e respeito entre os mesmos.
No esteio das análises, cerca de 25% dos que afirmaram praticar bullying acabaram por relatar não terem sofrido nenhuma conseqüência desses atos. Nessa direção, Tognetta (2008) ressalta que professores, em geral, não se atentam em relação a esse tipo de intimidação entre alunos, uma vez que não lhes atingem diretamente.
Como se pode notar, as vítimas pouco se manifestam no que tange as agressões e os professores não percebem e nem intervêm adequadamente. Isso significa que os envolvidos como alvos/autores e testemunhas acabam ficando impunes e, obviamente, estes atos contribuem diretamente na continuidade deste tipo de comportamento entre os escolares. Por outro lado, Tognetta (2008) alerta para o fato de que o tema da violência na escola tem sido alvo de investigações crescentes em razão da necessidade de implantação de projetos de intervenção pelos professores.
Dando continuidade a discussão, observamos que quanto ao tipo de agressão sofrida pelos alunos, temos em primeiro lugar com 22% a agressão física e em segundo com 15% a agressão verbal. Isto parece ter sentido quando consideramos a questão de gênero, pois os meninos vitimizam mais do que as meninas utilizando a agressão física, sendo que as meninas agressoras usam mais de agressão indireta como as “fofocas”, exclusão e criação de histórias humilhantes envolvendo as vítimas (PEREIRA, 2009).
Por sua vez, as ações de combate e prevenção do bullying escolar podem ser pensadas de duas formas: as intervenções diretas – nos momentos de ‘crise’ e as intervenções indiretas – que se referem às ações que devem e podem ser realizadas cotidianamente no cotidiano escolar. Para tanto, não é demasiado ratificar que tarefa do educador é dar suporte para que as crianças e os adolescentes tenham suas intimidades e limitações respeitadas, apontando caminhos para a solução do problema. Vale destacar que todas as estratégias são importantes, mas precisam de um esforço de nossa parte para estudá-las e ajustá-las ao que acreditamos ser um princípio de uma boa educação e que permitam aos nossos alunos refletirem criticamente sobre a realidade em que estão inseridos.
Questões para a Educação Física Escolar
Após essa avaliação diagnóstica sobre a ocorrência do bullying no cotidiano escolar, consideramos necessário sublinhar que ao planejarmos nossas intervenções nas aulas de Educação Física, não devemos nos restringir ao imediatismo e a repreensão arbitrária. Além disso, devemos declinar dos discursos moralistas e rasteiros, pois têm pouco impacto sobre os alunos. Dessa forma, sugerimos que o professor de Educação Física use os conteúdos da área, ou seja, os esportes, as danças, as lutas, as ginásticas e os jogos como meio de trabalho de conceitos, procedimentos e, principalmente, dos valores e atitudes do envolvidos nas interações.
Sendo assim, devemos trabalhar os aspectos da competição de forma que não atinja patamar exagerado em que os componentes da equipe passam a ser inimigos ao invés de adversários no jogo. O professor deve também deve ter discernimento para diferenciar o bullying da agressão propriamente dita, uma vez que ela pode ser apenas uma reação. Por outras palavras, na maioria das vezes o agressor é aquele que sofre bullying.
A metodologia dos conteúdos nas aulas de Educação Física pode favorecer a integração de todos nas propostas, com ênfase nas atividades lúdicas. Outro recurso possível é aplicar conceitos da ética e da axiologia (estudo dos valores), de modo que as aulas de Educação Física devem possibilitar alunos e professores aprenderem uns com os outros, cultivando a paz e a convivência.
Considerações finais
Verificamos no contexto da nossa pesquisa que as maiores ocorrências de bullying foram localizadas nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental, ocorrendo com mais efeito na sala de aula e no pátio da escola.
Os dados evidenciaram também que esse fenômeno está fortemente associado à questão de gênero, pois os meninos vitimizam mais que as meninas utilizando o confronto físico e verbal de forma repetida. Embora com freqüência diferente em relação aos meninos, o bullying também ocorre e se caracteriza com as meninas, principalmente com a prática da exclusão ou difamação. Percebe-se que essas manifestações ocorrem, em grande proporção, fora da visão dos adultos, sugerindo os motivos pelos quais pais e professores têm pouca percepção das situações de bullying. Ainda, de acordo com nossos estudos, um número significativo de alunos envolvidos nas manifestações de bullying relataram não terem sido nem advertidos.
Constatamos que a aparente aceitação dos adultos e a conseqüente sensação de impunidade favorecem a perpetuação do comportamento agressivo, por isso faz-se necessário a criação de uma política de paz nas escolas para reduzir e prevenir a agressividade das crianças e adolescentes escolares.
As escolas devem aperfeiçoar suas técnicas de intervenção, criando projetos que busquem educar o aluno para a cidadania, evitando punições arbitrárias, pois isso não atinge efetivamente nossos alunos nas aulas de Educação Física. Assim, o professor desse componente curricular deve considerar as características sociais, econômicas e culturais da população na qual atua, pois ele pode lidar e resolver efetivamente os casos de bullying no seu contexto específico.
Referências
BOTELHO, R.G; SOUZA, J. M. C. Bullying e Educação Física na escola: características, casos, conseqüências e estratégias de intervenção. In: Revista de Educação Física. Nº 139 – Dezembro de 2007.
CALBO, A. S et al. Bullying na escola: comportamento agressivo, vitimização e conduta pró-social entre pares. In: Contextos Clínicos. 2 (2): 73-80, julho-dezembro 2009.
FANTE, C. Bullying no ambiente escolar. In: Revista de Educação Física. Nº 13 – Dezembro de 2008.
LOPES NETO, A. A. Bullying – comportamento agressivo entre estudantes. In; Jornal de Pediatria, Vol. 81, Nº 5 (Supl.), 2007.
PEREIRA, B. I. S; BERTA, M. N. Descrever o bullying na escola: estudo de um agrupamento de escolas no interior de Portugal. In: Revista Diálogo Educacional, vol. 9, núm. 28, septiembre-diciembre, 2009, pp. 455-466.
TOGNETTA, L. R. P; VINHA, T. P. Estamos em conflito, eu comigo e com você: uma reflexão sobre o bullying e suas causas afetivas. In: TOGNETTA, L. R. P. Escola, conflitos e violências. Santa Maria: UFSM, 2008.
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