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Diagnóstico do conteúdo da Educação Física Escolar: o atletismo em foco

Diagnóstico del contenido de la Educación Física Escolar: el atletismo en foco

 

*Docente do Curso de Educação Física da UNIVAP

Doutorando em Engenharia Mecânica na UNESP, Guaratinguetá/SP

**Docente do Departamento de educação Física da UNESP, Rio Claro/SP

Coordenadora do GEPPA, Grupo de estudos Pedagógicos e Pesquisa em Atletismo
(Brasil)

Adriano Percival Calvo*

pcdez@yahoo.com.br

Sara Quenzer Matthiesen**

saraqm@rc.unesp.br

 

 

 

 

Resumo

          O Atletismo pode ser difundido na sociedade pela mídia, por relatos de atletas e pelas aulas de Educação Física Escolar. Consideramos que a Educação Física Escolar é a mais eficiente das três formas de difusão de conteúdo. Em função disso, resolvemos diagnosticar quais os conteúdos do Atletismo são aplicados dentro do contexto escolar básico. Participaram do estudo 22 graduandos de Educação Física que tiveram contato com o Atletismo nas aulas de Educação Física Escolar. Constatou-se que o conteúdo do Atletismo aplicado nas aulas é focalizado para o público adolescente, aparentemente apenas na forma procedimental. Os conteúdos que exigem maior destreza motora e/ou reflexões e discussões entre alunos e professores não foram identificados. Isso contribuiu para um conteúdo aquém do esperado ao público mais jovem que a adolescência e não relacionados à saúde, à antropologia e à história do esporte. Além disso, foi diagnosticado que escolas privadas foram mais comprometidas que os outros tipos de escola quanto ao desenvolvimento do Atletismo escolar. Uma possível justificativa para isso seria a promoção de estímulos para capacitações dos profissionais educadores de tais instituições. Assim, concluiu-se que, além de esquecido, o Atletismo é negligenciado nas aulas de Educação Física Escolar. Contudo, esperamos estes resultados sirvam de referência para que ações pedagógicas a respeito deste descaso sejam desenvolvidas com maior eficiência.

          Unitermos: Atletismo. Educação Física Escolar. Diagnóstico.

 

 
EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 164, Enero de 2012. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    As mídias impressa, televisiva e eletrônica são os meios de comunicação mais eficientes para difundir uma modalidade esportiva. No entanto, o modo de difusão do esporte se restringe às técnicas de movimentos e aos resultados e recordes das competições, e em muitos casos, apenas das competições com repercussão mundial. Um exemplo desse fato é o conhecimento generalizado que as sociedades de regiões brasileiras que possuem altos índices de desenvolvimento e, conseqüentemente, de informação (i.e. região sul e sudeste) possuem acerca do Atletismo.

    Por outro lado, muito do conhecimento que existe a respeito do Atletismo se restringe às experiências pessoais de adultos, jovens e crianças que praticaram ou praticam esta modalidade esportiva. Na grande maioria dos casos, são indivíduos com características sociais de classes menos favorecidas que buscam ascensão social praticando o Atletismo (MATTHIESEN, CALVO, 2003). Porém, estes relatos esportivos não são suficientes para difundir ou mesmo retratar o Atletismo de maneira completa.

    De acordo com Saviani (1983), há três tipos de educação vigentes no contexto educacional brasileiro: (i) Educação Difusa, (ii) Educação Popular, (iii) Educação Escolar. A Educação Difusa se refere ao conhecimento que o indivíduo adquire por meio de conteúdos fornecidos pela mídia. A Educação Popular trata-se do conhecimento que o indivíduo adquire por meio de trocas de experiências ou estímulos da própria sociedade que ele está inserido. No entanto, estas duas formas de educação ocorrem de forma não sistematizada, o que compromete o aprofundamento do conteúdo adquirido pelo indivíduo.

    Ao contrário dessas formas de educação, a Educação Escolar ocorre por meio de um ensino sistematizado. Desta maneira, é garantido ao indivíduo constante transmissão-assimilação de conteúdo erudito que promove a formação do Homem Culto (SOARES, 1986).

    Portanto, a mídia (i.e. Educação Difusa) e os relatos esportivos (i.e. Educação Popular) são incapazes de difundir todas as possibilidades de uma modalidade esportiva, inclusive do Atletismo. Assim, tendo em vista a característica sistematizada da Educação Escolar, é interpretado que conteúdos mais aprofundados do Atletismo seriam desenvolvidos na Educação Física Escolar.

    No Brasil, o ensino escolar atua conforme especificações das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL; LDB - Lei 9394/96). Paralelamente, foram desenvolvidas propostas educacionais que contemplam as especificações da LBD - Lei 9394/96e norteiam a atuação dos educadores no âmbito escolar intitulado: Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). De acordo com o PCN (BRASIL, 1996), o conhecimento escolar deve ser aplicado atendendo os pressupostos dos Blocos de Conteúdos: (i) Conceitual, (ii) Atitudinal, e (iii) Procedimental. Isto significa que o conhecimento teórico e prático assimilado pelo indivíduo deve ser capaz de modificar suas atitudes diárias e que estas permaneçam ao longo da vida.

    Em outras palavras, os conteúdos esportivos da Educação Física Escolar devem ser aprofundados além da perspectiva do esporte de rendimento. Portanto, outros conteúdos adjacentes ao esporte são esperados das aulas de Educação Física escolar, por exemplo, (i) Atletismo e a inserção social, (ii) história, evolução técnica e tecnológica, e particularidades do Atletismo, (iii) cultura corporal de movimento e o Atletismo, (d) Atletismo como promotor de qualidade de vida, lazer e bem-estar, entre outros conteúdos.

    Entretanto, é equivocado interpretar que o ensino sistematizado da escola tenha capacidade de atender essas expectativas a respeito do aprofundamento do esporte. Conforme Calvo e Matthiesen (2011), a minoria dos graduandos em Educação Física de uma universidade do interior paulista havia tido contato com o Atletismo no período da educação básica. Este resultado levou os autores a concluir que o Atletismo está sendo esquecido como conteúdo da Educação Física Escolar.

    Resultados como estes contribuem para reafirmar que a Educação Física Escolar é tratada como uma disciplina secundária dentro do ambiente escolar (SOARES, 1986). No entanto, não é suficiente para afirmar que o conteúdo do Atletismo, dos poucos favorecidos que tiveram contato no período de educação básica, foi aplicado de forma indiscriminada. Assim, uma avaliação sobre o conteúdo do Atletismo administrado na Educação Física Escolar seria importante visto que forneceria dados para detectar falhas na aplicação do conteúdo do Atletismo e, conseqüentemente, favorecer a criação de planos de ação e de ensino mais eficientes para reverter a realidade que o Atletismo enfrenta atualmente. Portanto, o objetivo deste estudo foi diagnosticar os conteúdos aplicados do Atletismo nas aulas de Educação Física Escolar.

Método

    Participaram do estudo 22 adultos de ambos os gêneros, matriculados no curso de Educação Física da UNESP - Rio Claro, e que não haviam cursado a disciplina de “Fundamentos do Atletismo” e que tiveram contato com o Atletismo durante a educação básica. Os participantes foram entrevistados com o uso de um questionário com perguntas fechadas, aplicado coletivamente. Os dados coletados foram tabulados e transferidos a um software de planilha de dados e analisado com estatística descritiva do tipo freqüência de incidência/ocorrência ou porcentagem.

Resultados

    Dos 22 entrevistados, seis tiveram contato com os conteúdos do Atletismo no Ensino Fundamental do Ciclo I, oito tiveram contato no Ensino Fundamental do Ciclo II, e 11 tiveram Atletismo no Ensino Médio (Figura 1).

Figura 1. Período escolar em que os entrevistados tiveram contato com o conteúdo do Atletismo na escola

    Quanto ao tipo de escola que tiveram contato com o Atletismo, dos 22 entrevistados, quatro tiveram contato com o Atletismo em escolas públicas, 17 tiveram contato em escolas privadas, e um teve contato com o Atletismo em escola do SESI (i.e. Serviço Social das Indústrias) (FIGURA 2).

Figura 2. Tipo de escolas em que os entrevistados tiveram contato com o conteúdo do Atletismo no período escolar

    Quanto ao tipo de provas que tiveram contato, dos 22 entrevistados, todos tiveram contato com as provas de pista, e 18 tiveram contato com as provas de campo (FIGURA 3).

Figura 3. Tipo de provas do Atletismo que os entrevistados tiveram contato no período escolar

    Quanto ao tipo de corridas que tiveram contato, dos 22 entrevistados, 21 tiveram contato com as corridas de velocidade, e 13 tiveram contato com as corridas de resistência (FIGURA 4).

Figura 4. Tipo de corridas do Atletismo que os entrevistados tiveram contato no período escolar

    Quanto ao tipo de saltos que tiveram contato, dos 22 entrevistados, 17 tiveram contato com os saltos em distância, três tiveram contato com os saltos triplo, 11 tiveram contato com os saltos em altura, e um teve contato com o salto com vara (FIGURA 5).

Figura 5. Tipo de saltos do Atletismo que os entrevistados tiveram contato no período escolar

    Quanto ao tipo de arremessos e lançamentos que tiveram contato, dos 22 entrevistados, 10 tiveram contato com o arremesso de peso, três tiveram contato com o lançamento de pelota, quatro tiveram contato com o lançamento de dardo, dois tiveram contato com o lançamento do disco, e um teve contato com o lançamento do martelo (FIGURA 6).

Figura 6. Tipo de arremessos e lançamentos do Atletismo que os entrevistados tiveram contato no período escolar

Discussão

    Quanto ao período em que ocorreu o contato com o Atletismo no ambiente escolar, percebe-se que sua aplicação ocorreu de forma mais acentuada conforme a progressão escolar em que os participantes do estudo se encontravam. Uma possível justificativa para isso, é que o educador aplicou os conteúdos de forma extenuante. Ou seja, que possui maior exigência motora e/ou metabólica e são práticas compatíveis às do perfil esportista desta modalidade. Conforme os preceitos do desenvolvimento humano, os adolescentes são menos sensíveis às exigências aeróbio-metabólicas e possuem coordenação motora mais refinada (BARBANTI, 2009; WEINECK, 1999), justificando a aplicação do conteúdo do Atletismo desta maneira a este público. No entanto, este tipo de aplicação do conteúdo da Educação Física Escolar é compatível com as práticas docentes do modelo pedagógico Esportivista (DARIDO, 1999; DARIDO; RANGEL, 2007).

    Este modelo pedagógico foi altamente criticado pelas vertentes/abordagens que surgiram a partir da década de 80 (SOARES et al., 1992; BETTI, 1991; FREIRE, 1989; TANI et al, 1988) entre outras. Segundo a nova era pedagógica da Educação Física Escolar, o modelo Esportivista não atingiu seus objetivos na década de 70 (i.e. identificação de talentos esportivos) e não possui corpo de conhecimento suficiente para se consolidar como um modelo pedagógico. Desta forma, a Educação Física no contexto escolar se reduziria à prática pela simples prática esportiva e sem nenhuma finalidade para a construção de um cidadão-atuante em sua sociedade, que é uma das propostas do ensino sistematizado brasileiro (DARIDO, 1999; DARIDO; RANGEL, 2007). Portanto, embora o conteúdo do Atletismo tenha sido desenvolvido no período da educação básica desses participantes, ele aparentemente se restringiu à reprodução de gestos motores, mantendo apenas a perspectiva técnica de treinamento (MATTHIESEN; CALVO; FAGANELLO; SILVA, 2003).

    Quanto ao tipo de escola, notou-se que o conteúdo do Atletismo é aplicado com maior freqüência em escolas privadas, comparado às escolas públicas e ao SESI. Considerando os implementos que compõem o Atletismo, é esperado que materiais e espaços físicos das provas menos complexas sejam adaptados com facilidade pelo educador para elaboração e aplicação de seus planos de ensino referente ao Atletismo. Desta forma, não julgamos que a falta de materiais tenham contribuído para a discrepância dos resultados entre tipos de escola.

    Uma das possíveis justificativas para este resultado seja o incentivo à constante manutenção das habilidades do educador. Aprofundando-se no acervo bibliográfico desta modalidade esportiva, nota-se que até 2000 os livros eram relativamente antigos e se restringiam às corridas e saltos, focalizando a perspectiva técnica não pedagógica do Atletismo na maioria dos casos (MATTHIESEN; CALVO; FAGANELLO: SILVA, 2003). A partir de 2001, a literatura para os profissionais de Educação Física na área do Atletismo atualizou-se, principalmente do ponto de vista pedagógico da modalidade esportiva (MATTHIESEN; CALVO; FAGANELLO: SILVA, 2003; MATTHIESEN; CALVO; FAGANELLO: SILVA, 2005; MATTHIESEN, 2007; KUNZ, 2001). Assim, escolas que estimulam atualizações de seus profissionais educadores, como participação em cursos de capacitação, em palestras ou mesmo com a aquisição de livros, podem contribuir para a aplicação do Atletismo, e outros esportes não evidenciados pela mídia, nas aulas de Educação Física Escolar.

    Quanto ao tipo de provas, evidenciou-se que o conteúdo do Atletismo se restringe às provas de corridas (i.e. as provas praticadas dentro da pista de Atletismo), às provas de saltos menos complexas e ao arremesso do peso. Em nosso ponto de vista, este resultado pode representar dois fatos indissociáveis. O primeiro é a formação e capacitação continuada do profissional a respeito da área em questão. Ou seja, para o professor ministrar aulas com técnicas motoras mais elaboradas do Atletismo, é necessário que ele compreenda a Biomecânica e o Comportamento Motor incluso (i) nos giros do lançamento do disco e do martelo, (ii) nas passadas do lançamento da pelota e do dardo, (iii) nas passadas do salto triplo, (iv) na corrida de aproximação, no manejo da vara, na impulsão e na fase de vôo do salto com vara. Considerando o perfil Esportivista que as aulas do Atletismo apresentam neste estudo, é importante que a capacitação do profissional de Educação Física seja mais elevada que o necessário para as outras provas.

    O segundo fato é a preocupação do profissional com o bem estar de seus alunos. No contexto escolar, aulas dessas provas mais complexas são possíveis apenas com uma ótima adaptação de materiais, visto que os implementos oficiais não são objetivos de aquisição e investimento das maiorias das instituições de ensino. Portanto, além da técnica do gesto motor, também se faz necessária a criação adequada dos materiais adaptados, e por isso são dois fatos indissociáveis. Sem os materiais adequados ou adaptados de forma satisfatória, não há como promover uma aula tecnicista apropriada e, principalmente, segura para seus alunos.

    Ainda quanto ao tipo de provas, a análise de tais resultados mostrou que conhecimentos teóricos a respeito do Atletismo não foram desenvolvidos em quaisquer dos períodos do ensino básico, reforçando novamente o perfil Esportivista. Assim, o conteúdo referente às provas combinadas, ao cross-country e às corridas nas montanhas foi desconsiderado como conteúdo da Educação Física Escolar. Portanto, o conteúdo do Atletismo administrado na escola não possuiu pausas para reflexões e discussões com os alunos sobre a história do esporte, sua importância na cultura corporal de movimento, sua importância como prática para a qualidade de vida e bem estar, e sobre suas reais possibilidades como esporte de rendimento.

Conclusão

    Como qualquer modalidade esportiva, o Atletismo pode ser difundido na sociedade pela mídia, por relatos de atletas e pelas aulas de Educação Física Escolar. Comparando as três formas de difusão, a Educação Física Escolar possui melhor estrutura e sistema de ensino para apresentar ao indivíduo todas as possibilidades deste esporte.

    Considerando a abordagem Esportivista, apresentada pelas aulas de Educação Física Escolar que os participantes deste estudo receberam, diagnosticamos que o Atletismo é retratado de forma restrita e procedimental, focalizado principalmente para as características dos adolescentes. Desta forma, seu conteúdo mostrou deficitário nas faixas etárias inferiores à adolescência, e os conteúdos voltados à saúde, à antropologia e à história do esporte foram considerados irrelevantes em qualquer faixa etária.

    Diagnosticamos ainda que os conteúdos que envolvem gestos motores mais complexos e/ou reflexões e discussões entre alunos e professores foram nulos. Evidenciando, do ponto de vista do modelo Esportivista, a inabilidade técnica dos profissionais de Educação Física presentes nas escolas.

    Além disso, verificou-se que escolas privadas foram mais comprometidas comparadas às escolas públicas e ao SESI quanto ao desenvolvimento do Atletismo como conteúdo escolar. Possivelmente, devido ao estímulo promovido à capacitação dos profissionais de Educação Física fornecido por tais instituições.

    Portanto, concluímos que além de esquecido nas aulas de Educação Física Escolar, o Atletismo também está sofrendo negligências da aplicação do seu conteúdo, independente da abordagem pedagógica que se utilize como referência (i.e. modelo Esportivista, PCN ou novas abordagens pedagógicas). Contudo, esperamos a partir deste estudo, novas propostas de intervenção e planos de ação surjam para reverter este quadro num futuro breve.

Bibliografia

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