A abordagem pedagógica sistêmica: um modelo sociológico para a Educação Física Brasileira El abordaje pedagógico sistémico: un modelo sociológico para la Educación Física Brasileña |
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Graduado em Educação Física, Especialista em Educação Física Escolar e em Metodologia da Preparação Física, Mestre em Educação Física Professor e Coordenador do curso de Educação Física da Estácio Radial de SP |
Prof. Ms. Sérgio Frank Carvalho (Brasil) |
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Resumo A trajetória histórica da Educação Física Brasileira foi permeada por inúmeros questionamentos quanto as suas possibilidades no contexto educacional. Entre os “tantos” caminhos percorridos pelos profissionais da área na história da Educação Física Brasileira, pretendemos neste estudo apresentar uma síntese de uma abordagem pedagógica que se firmou na década de 90 como uma forte presença no cenário da produção do conhecimento em Educação Física no universo escolar. Nesta perspectiva, optamos por meio de revisão bibliográfica, apresentar a abordagem sistêmica, pois acreditamos que a mesma apresenta propostas consistentes e viáveis que podem alicerçar a prática pedagógica e fortalecer o atual cenário educacional. Unitermos: Educação Física Escolar. Abordagem sistêmica.
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EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 159, Agosto de 2011. http://www.efdeportes.com |
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Introdução
A trajetória histórica da Educação Física Brasileira foi permeada por inúmeros questionamentos quanto as suas possibilidades no contexto educacional. Estes questionamentos são frutos de reflexões de estudiosos que sempre buscaram a melhor maneira de otimizar o conhecimento desta área na inter-relação professor-aluno.
Ao assumir o papel docente percebemos facilmente que esta inter-relação depara-se constantemente com situações novas e imprevisíveis. Este cenário de incertezas constitui-se porque somos humanos relacionando com humanos, somos história relacionando com história, signos relacionando com signos, ou seja, vivemos constantemente recebendo e regendo uma prática complexa de relações multidimensionais.
Entender esta prática complexa possibilita que o professor deixe de ser um mero transmissor de informações e passe a ser um educador que visa transmitir e compartilhar conhecimento com seu aluno.
Compartilhar o conhecimento é assimilar e transmitir o conteúdo pretendido retroativamente de acordo com as diferentes situações, pois o conhecimento muda à medida que o ser humano muda e como este processo é cíclico e dinâmico, podemos afirmar que as discussões pedagógicas presentes na Educação Física não buscam um fim, mas sim, entender o presente para se preparar para o futuro.
No presente, vislumbramos a preocupação por parte dos docentes quanto às possibilidades pedagógicas existentes no ato de transmitir e compartilhar o conhecimento referente à Educação Física. Esta preocupação é pertinente, pois demonstra o interesse em galgar um caminho que concilie a prática pedagógica aos aspectos sociais, afetivos, biológicos e culturais inter-relacionados.
Para apresentar este caminho precisaremos primeiramente nos apropriar dos fatos ocorridos no passado, aprendermos com ele e adequá-lo a realidade presente. Conhecer o passado possibilita vislumbrar os acertos, evitar os erros e antecipar as imprevisibilidades futuras.
Para isto, pretendemos neste estudo apresentar uma síntese de uma abordagem pedagógica que se firmou na década de 90 como uma forte presença no cenário da produção do conhecimento em Educação Física no universo escolar. Nesta perspectiva optamos apresentar a abordagem sistêmica, pois acreditamos que a mesma apresenta propostas consistentes e viáveis para o atual cenário educacional.
O surgimento da Abordagem Sistêmica da Educação Física Brasileira
As Abordagens Pedagógicas da Educação Física podem ser definidas como movimentos engajados na renovação teórico-prático com o objetivo de estruturação do campo de conhecimentos que são específicos da Educação Física. Tanto que, Souza Júnior (1999) afirma que estes movimentos surgem “Na busca de uma nova dimensão, tais proposições sugerem desde o que entendem como elemento específico (objetivo de estudo) da Educação Física, passando por operacionalização de conteúdos do ponto de vista pedagógico, indo até o entendimento de como avaliar o aluno” (p.20-21).
Acompanhando a trajetória da Educação Física brasileira pudemos constatar que muitas foram às influências adquiridas por meio da política educacional de determinado período e contexto histórico.
Estas influências quase sempre objetivavam criar estratégias que pudessem por meio das instituições educacionais “moldar” uma concepção de ser humano considerado ideal.
Esta tentativa de padronização de ser humano em prol de alguns interesses políticos específicos geraram entre outras coisas, algumas indagações quanto aos reais objetivos da Educação Física dentro da escola. Ora, como podemos educar desconsiderando a diversidade presente em uma turma de alunos heterogêneos?
Pode-se dizer que esta indagação constitua entre outras, o núcleo da problemática, objeto da investigação, do professor percussor do pensamento que deu origem à abordagem sistêmica.
O professor Mauro Betti expressa em seu livro Educação Física e Sociedade (1991), toda a sua preocupação a respeito desta problemática e volta-se para discursos pedagógicos críticos sobre a Educação Física brasileira que, a partir de meados dos anos 80 conseguem substanciais avanços no plano sócio-filosófico, mas que ainda não logrou a mesma efetividade em transladar este discurso crítico para a prática pedagógica.
O obstinado discurso pedagógico da Educação Física brasileira, traduzido nas máximas “A Educação Física é Educação” e “A Educação Física visa o desenvolvimento do homem integral” contrasta com a realidade e a prática. Por toda parte o panorama é quase o mesmo nas escolas de 1° e 2° graus: professores despreparados e desmotivados, alguns abandonados nas quadras, programas reduzidos à prática do futebol, o esporte escolar elitizado e reprodutor, a Educação Física totalmente desvinculada do projeto educacional das escolas, ausência de planejamento e objetivos claros, comportamento docente ora autoritário ora omisso. No sistema esportivo o contraste é ainda mais chocante: violência, desonestidade, especialização precoce, etc. Ao lado disso, o valor educativo da Educação Física vem tradicionalmente associado à disciplina, obediência, uniforme, civismo e ordem unida. (p.11)
Podemos notar que os problemas são muitos e que não estão situados na individualidade de cada professor, mas sim na sua prática profissional associada à história e a vida em sociedade.
Refletindo sobre as palavras de Mauro Betti (1991), percebemos que além dos problemas já citados a dificuldade em firmar o discurso no plano sócio-filosófico se dá muitas vezes pelo comodismo de alguns professores de Educação Física que se deixam seduzir pela simplicidade ineficaz de praticas pedagógicas baseadas nas teorias reprodutivistas presentes no sistema educacional brasileiro.
Estas Teorias reprodutivistas visam reproduzir segundo Saviani (1995), as relações sociais e as estruturas de classe por meio da reprodução da cultura, isto é, da ideologia da classe dominante.
Para combater esta prática que desrespeita e desconsidera a diversidade humana, Mauro Betti (1991), admite por pressuposto que só o nível sociológico de análise permite uma interpretação destas questões. Por isto Mauro Betti (1991), influenciou por meio do seu livro Educação Física e Sociedade, o desenvolvimento de uma abordagem sociológica que aliada à teoria de sistemas pudesse sugerir caminhos que sanassem ou minimizassem os problemas da área de Educação Física no contexto educacional brasileiro.
Podemos considerar que desde então fomos presenteados com um estudo que apresenta a abordagem sistêmica voltada à realidade da Educação Física escolar. Esta importante ferramenta pedagógica proporcionou um novo modo de olhar para o aluno, pois nela vislumbramos um processo que permite compreender que é a partir de um sistema que surge um conjunto de elementos que interagem entre si.
Para compreender esta inter-relação entre os diversos elementos, Mauro Betti (1991), apresentou de forma ordenada alguns fatores que pudessem explicar a origem dos problemas na área de Educação Física e as possíveis soluções a estes, baseados em um contexto histórico, sócio-cultural e econômico.
Em seu estudo Mauro Betti (1991), faz uma investigação histórica sobre a origem da Educação Física e do Esporte no mundo ocidental contemporâneo e particularmente no Brasil. Nesta investigação, Mauro Betti buscou refletir filosoficamente e sociologicamente sobre o valor educativo da Educação Física e do Esporte com foco em uma análise que confrontasse os diversos discursos com os resultados de suas práticas pedagógicas, ou seja, buscou desvelar se os diversos discursos evidenciados nestas últimas décadas deram conta de atender a prática pedagógica ao nível do trinômio professor-aluno-conteúdo?
Para responder a estas questões Mauro Betti (1991), analisou a Educação Física escolar numa perspectiva sociológica procurando:
Evidenciar as relações escola-sociedade (política educacional) com as propostas pedagógicas surgidas entre o período de 1930 até 1986;
Elaborar um modelo sociológico explicativo para Educação Física inter-relacionando-o dentro de uma abordagem sistêmica.
Após um levantamento sobre as propostas pedagógicas surgidas entre o período de 1930 até 1986, Mauro Betti dedicou-se a elaborar um modelo sociológico explicativo para Educação Física dentro de uma abordagem que pudesse atender efetivamente as necessidades pedagógicas. Esta abordagem direcionada a Educação Física apóia-se em um sistema sócio-cultural adaptativo complexo.
Característica da Abordagem Pedagógica Sistêmica |
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Principal autor |
Mauro Betti |
Obra e publicação |
Educação Física e Sociedade |
Área base |
Sociologia e Filosofia |
Autores de base |
Bertalanfy |
Finalidades e objetivos |
Transformação Social |
Temática principal |
Cultura corporal |
Conteúdos |
Vivência corporal do jogo, esporte, dança e ginástica. |
Estratégia Metodológica |
Tematização |
Avaliação |
Observação sistematizada |
Fonte: Adaptado a partir de DARIDO (1998, p. 64) e SOUZA JÚNIOR (1999, p. 21).
A abordagem sistêmica caracteriza-se pela sua capacidade de olhar para o humano como um ser capaz de influenciar e de ser influenciado pela sociedade, adaptando sua estrutura e reequilibrando-se num nível mais elevado de complexidade à medida que a sociedade se transforma.
Na Abordagem Sistêmica, sua essência reside no entendimento de que é um sistema aberto onde sofre e interage influenciando a sociedade.
Estas influências estão pautadas em um sistema hierárquico que possibilita aos níveis superiores, padrões mais amplos, flexíveis e menos previsíveis de decisão, já nos níveis inferiores os padrões apresentam-se mais limitados e, portanto mais mecanizados, estereotipados e previsíveis.
Nesta perspectiva a Educação Física se apresenta em um sistema adaptativo complexo e aberto constituído de quatro níveis hierárquicos:
Política educacional: Serve de mecanismo para transposição dos valores e prioridades sociais para o sistema educacional e escolar;
Escola: Um instrumento de operacionalização da política educacional, que também define o perfil do egresso do sistema;
Objetivos da Educação Física: Transpõe a política educacional, os objetivos do sistema escolar e os interesses de outros sistemas sociais para a prática da Educação Física;
Processo ensino-aprendizagem: Onde apresenta o relacionamento do trinômio professor-aluno-matéria de ensino.
Na abordagem pedagógica sistêmica estes componentes se interagem produzindo diferentes objetivos educacionais.
Apesar das influências exercidas pela sociedade na escola, pudemos notar que, nestas últimas décadas as mudanças de discursos e de objetivos educacionais sobre a finalidade da Educação Física não levaram necessariamente a novas práticas na Educação Física Escolar. Este fato levou Mauro Betti a questionar se a mudança do discurso é suficiente para produzir mudanças no processo ensino-aprendizagem da Educação Física?
Para responder a esta pergunta a abordagem sistêmica sugere um olhar do ponto de vista sociológico que considere os mecanismos intrínsecos à atividade física. Para isto, esta abordagem visa adentrar no interior do processo ensino-aprendizagem, na prática pedagógica e no trinômio professor-aluno-conteúdo, por meio da compreensão de sua dinâmica social.
Na abordagem pedagógica sistêmica o processo ensino-aprendizagem é considerado como um processo de tomada de decisões por parte do professor e do aluno. Isto se dá porque nesta abordagem o professor e o aluno são vistos como seres compostos de significados sociais.
Como um ser social o professor toma suas decisões com base na sua formação cultural, nas suas concepções filosóficas e pedagógicas e por esta razão é importante que ele tenha esta consciência e que consiga dirigir e induzir um estilo particular dentro de sua prática pedagógica.
Para completar a caracterização da abordagem pedagógica sistêmica, Mauro Betti (1991) a concebe como polaridades cujos extremos envolvem tanto variáveis didático-pedagógicas quanto variáveis socio-psicológicas.
Nas variáveis didático-pedagógicas, Mauro Betti destaca:
Conteúdo - formal em uma extremidade e não-formal em outra;
Estilo de ensino - pautado nas extremidades de comando à resolução de problemas.
Quanto às variáveis sociopsicológicas, a partir de teorias da sociologia do esporte, Mauro Betti destaca:
Finalidade – onde apresenta o trabalho em uma extremidade e jogo em outra, representando assim o caráter de seriedade ou de ludicidade das atividades;
Interação social – apresenta a competição em uma extremidade e cooperação em outra, refletindo a “superioridade” de indivíduos ou de grupos sobre outros, ou a associação destes para obtenção de objetivos comuns;
Resolução de conflitos – apresenta o controle externo em uma extremidade e interno em outra. Nesta representação o controle pode ser exercido por indivíduos externos ao grupo (inspetor, professor, monitor etc) ou pelos próprios alunos;
Regras – rígidas e flexíveis, onde de acordo com a extremidade podem envolver atividades físicas padronizadas e não permeáveis a adaptações e variações dentro das características e interesses dos alunos participantes, ou atividades adaptáveis e flexíveis segundo interesses e necessidades dos alunos participantes;
Profissionalização de atitudes – que apresenta em suas extremidades a vitória de um lado e a honestidade do outro, representando a vitória como a busca do desempenho habilidoso e progressivo visando jogar tão bem quanto possível e a honestidade como uma tendência de levar o participante a uma atitude de profissionalização ou honestidade (p.144).
Dentro deste modelo de polaridades, Mauro Betti (1991), buscou identificar ao longo da trajetória da Educação Física brasileira a opção feita pelos métodos de ensino: Francês, Desportivo Generalizado e Esportivo.
A partir da visão sistêmica e da reflexão comparativa entre as variáveis do modelo de polaridades, foi possível perceber que ao longo do período histórico da Educação Física brasileira o que predominavam no contexto ensino aprendizagem eram:
Formalidade dos conteúdos;
Comando como estilo de ensino;
Identificação da atividade física com as características do trabalho;
Rigidez das regras;
Controle externo na Mediação de conflitos.
Partindo desta análise, notamos que ao longo da trajetória de Educação Física brasileira a função pedagógica presente nos principais métodos de ensino contrariavam o olhar com características sociais, pois, baseavam-se em adotar uma postura pré-definida e imutável, desconsiderando o aluno como um ser carregado de signos e como um ser capaz de solucionar situações problemas.
Na abordagem pedagógica sistêmica o processo de ensino e aprendizagem alicerça-se nos princípios da não exclusão e da diversidade de atividades, propondo à Educação Física escolar a valorização de uma maior diversidade de vivências esportivas, rítmicas e de expressão.
Considerações finais
Diversos estudiosos tentaram encontrar ao longo dos anos, meios que pudessem aquietar as aflições dos professores quanto aos conteúdos adequados no processo de ensino para aprendizagem na Educação Física Escolar brasileira.
Muitas teorias, métodos e abordagens surgiram como esperança de um caminho a ser seguido, como uma solução para o problema da falta de identidade ou como um ponto final nesta desgastante e incessante busca de algo que tínhamos dificuldade para saber o que é.
È isto mesmo, muitas vezes as abordagens pedagógicas que fizeram parte da história da Educação Física brasileira não conseguiam responder o que é a Educação Física na escola e o que queríamos com ela. Isto porque nunca levaram em conta que a vida é uma “metamorfose ambulante” onde a aparente solução de hoje se apresentará amanhã como um novo e verdadeiro desafio a ser sobreposto.
Desconsiderar esta “metamorfose” é desconsiderar o ser humano, e desconsiderar o ser humano é a principal falha daqueles que buscam uma única resposta.
A abordagem pedagógica sistêmica da Educação Física não esta amparada em uma única resposta, pois visa integrar e introduzir os alunos no mundo da cultura física, formando-os cidadãos que vão usufruir, compartilhar, produzir e transformar as formas culturais da atividade física.
Sendo assim o que ficou claro na obra Educação Física e Sociedade de Mauro Betti é que não existe uma única resposta, e sim várias interligadas. Estas respostas conciliam harmoniosamente a uma prática pedagógica que inter-relaciona atividades específicas da Educação Física com as peculiaridades sociais. Nesta perspectiva o aluno é visto como um ser social que influencia e que é influenciado constantemente por outros e pelo meio que o cerca.
Para contemplar esta visão abrangente a prática pedagógica do professor deve ser complexa e capaz de estruturar os caminhos que devem ser traçados no processo de ensino para aprendizagem.
Esta prática pedagógica complexa deve ser regida pelo professor com bom senso, sabedoria, criatividade e acima de tudo responsabilidade, que saiba ainda respeitar as especificidades inerentes nele, no outro, no meio, no mundo e no universo.
Bibliografia
BETTI, M. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.
DARIDO, S. C. (1998). Apresentação e análise das principais abordagens da Educação Física Escolar. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 1998.
JÚNIOR, M. S. O saber e o fazer pedagógicos: a Educação Física como componente curricular...? isso é história? Recife: EDUPE, 1999.
SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Autores Associados, 1995.
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