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A retrospectiva histórica da discriminação e inserção 

dos jogadores de origem negra no futebol brasileiro

Una retrospectiva histórica de la discriminación e inclusión de los jugadores de origen negro en el fútbol brasileño

 

*Mestre *Graduando

NEPEC/IEFES - Universidade Federal do Ceará (UFC)

(Brasil)

Otávio Nogueira Balzano*

Daniel Maia Nogueira de Oliveira**

José Mário Pereira Filho**

danielmno7@gmail.com

 

 

 

 

Resumo

          O presente estudo é uma revisão de literatura sobre a trajetória de segregação dos jogadores de origem negra no futebol brasileiro. O objetivo foi descrever sobre a origem e os fatos que marcaram esta trajetória de discriminação, para entender porque estas atitudes ainda persistem no meio no futebol atual. A inserção do negro no futebol é relatada a partir da década de vinte com movimentos de “branqueamento” dos jogadores mulatos, através de artifícios como o pó de arroz, para adentarem ao meio do futebol, este dominado pela a aristocracia da época. A atitude do Clube de Regatas Vasco da Gama, primeiro clube a admitir negros em sua equipe, foi fato marcante, para aceitação dos jogadores negros. O surgimento para o mundo do futebol de Leônidas da Silva em São Paulo e a transição do amadorismo para o profissionalismo na década de trinta ratificaram a trajetória de inclusão dos atletas negros nos clubes de elite no Brasil. Desde os primeiros relatos da introdução do negro, vários foram os momentos de forte discriminação racial, com destaque para a década de 20 e as Copas de 1950/54/98. A segregação da classe dominante do período é descrita a partir dos episódios, da não aceitação dos clubes de elite, em colocar jogadores de origem negra em suas equipes, chegando aos casos de discriminação como as do goleiro Barbosa e do atacante Ronaldo Nazário. O estudo também discorre na relação de disparidade entre os atletas negros e brancos em seus clubes, nos contextos salários, prestígio e exposição na mídia. Apesar de diversos exemplos da importância do jogador de origem negra para o futebol brasileiro e mundial, persiste a problemática racista principalmente na inserção de negros em cargos de direção no futebol.

          Unitermos: Atletas negros. Futebol. Discriminação.

 

 
http://www.efdeportes.com/ EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 15, Nº 149, Octubre de 2010. http://www.efdeportes.com/

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Introdução

    Se o Brasil é o país do futebol e grande parte da população é de origem negra, e o futebol brasileiro é conhecido no mundo esportivo como o “futebol arte” pela influência dos negros, por que acompanhamos em diversos programas de televisão e rádio, notícias de discriminação e segregação do negro no futebol? Para explicar esta questão o presente estudo pretende verificar na história como aconteceram os fatos que influenciaram, na inserção e discriminação do negro no futebol brasileiro.

    O primeiro aspecto a considerar foi à inserção dos jogadores de origem negra no futebol brasileiro. Neste sentido Guterman (2009), descreve sobre a retrospectiva histórica do ingresso do negro no futebol brasileiro, passando pela década de 20, com destaque para o time do Vasco da Gama que se notabilizou, por ser o primeiro time de elite do futebol brasileiro a incluir negros na sua equipe. Na década de 30, o autor destaca a influência do jogador Leônidas da Silva na Copa do Mundo de 1938.

    A transição do amadorismo para o profissionalismo no futebol brasileiro também é uma passagem muito importante na inserção do negro no futebol (IMBIRIBA, 2003). A partir dos anos 50, segundo Mario Filho (2003), foi à década onde tivemos momentos tensos na relação sociedade x negros no futebol, com os casos das Copas do Mundo de futebol em 50 e 54, pois os jogadores de origem negra foram responsabilizados, por torcedores e imprensa, pelos fracassos da seleção brasileira. Para o autor, o caso mais grave aconteceu com o goleiro Barbosa na Copa do Mundo de 1950. Mesmo com a globalização, para Vieira (2001) ainda acontece muita diferença no tratamento dado aos jogadores negros, em detrimento dos brancos pela elite (branca) dominante no futebol.

A retrospectiva histórica da discriminação racial no Brasil

    Para realizar essa imersão no contexto específico da pesquisa se faz necessário resgatar alguns elementos do debate sobre raça e discriminação. A discussão sobre a questão racial surge no Brasil com mais fervor, no final do século XIX, tendo como referência às teorias raciais do continente europeu. O Brasil se tornou alvo da curiosidade dos naturalistas estrangeiros, que buscavam exemplares únicos da flora e da fauna local. Nosso país virou uma espécie de laboratório humano vivo. Um fenômeno chamava atenção dos cientistas, “o espetáculo da miscigenação”, que se constituía da mistura das raças heterogêneas (SCHARWARCZ, 1993).

    Dentro das teorias raciais destacaram – se duas: a primeira segundo os “evolucionistas sociais”, todos os homens seriam “desiguais entre si”, hierarquicamente desiguais em seu desenvolvimento global, com uma visão unitária da humanidade, adeptos do monogeísmo. A segunda corrente a dos “darwinistas sociais”, onde a humanidade é marcada pela diferença entre as raças, os homens estariam divididos em espécies essencialmente diversas, adeptos do poligeísmo (VIOTTI DA COSTA, 1999).

    No Brasil do final do século XIX, o tema racial esteve muito presente, nas faculdades de Direito e Medicina, estas trouxeram para si, a tarefa de discutir e interpretar os conceitos, que levavam ao destino do progresso da nação brasileira. Conforme Scharwarcz (1993), não foram só as teorias sociais que diferenciavam o negro do branco. As teorias médicas como a de Nina Rodrigues, que afirmava a inferioridade da raça negra, sem nenhuma dúvida cientifica, considerando impossível e desprezível a ideia de que representantes das raças inferiores pudessem atingir, através da inteligência, o elevado grau a que chegaram as raças superiores. Para a autora, estas teorias também colaboraram para afirmar este estigma.

    O termo “raça” antes de aparecer como um conceito fechado, fixo e natural, é entendido como um objeto de conhecimento cujo significado estava sendo constantemente renegociado e experimentado neste contexto histórico específico (SCHARWARCZ, 1993). Desta forma o conceito de “raça” escapa de uma visão apenas biológica e adentra em questões de cunho político cultural (VIOTTI DA COSTA, 1999).

    A discriminação racial com os negros brasileiros, independente da origem regional, está implantada na sociedade através dos meios de comunicação do país, desde os primórdios, mostrando situações ambivalentes, ora denunciando formas de violência, outras vezes reforçando processos de exclusão (PEREIRA E WHITE, 2001). Estes diversos tipos de discriminação permeiam a cultura brasileira refletindo também, no futebol. Desde a chegada dos primeiros negros ao Brasil para trabalhar nas lavouras de cana de açúcar, que estes homens foram vistos como seres inferiores, trazidos para o trabalho escravo, tinham muitos deveres nenhum direito, e eram totalmente submissos ao homem branco.

    Segundo Pereira e White (2001), apesar da disseminação da ideologia da “democracia racial”, (tese que abordava através da distância social no Brasil, o problema das diferenças de classe, bem mais do que os preconceitos de cor e raça) esta tese revela, os esforços das elites para ampliar sua influência e a exclusão de outros segmentos da sociedade brasileira. Para os autores a afirmação favorece o estabelecimento de uma sociedade tensa, que prega um discurso democrático e pratica os mais diferentes tipos de discriminação. O “mito da democracia racial” foi uma distorção – deliberada ou involuntária – do real padrão das relações raciais no Brasil. Este mito foi usado como um expediente pelas classes dominantes brancas (da qual Gilberto Freire e outros intelectuais de sua geração foram porta vozes) para mascarar a opressiva realidade das relações raciais (VIOTTI DA COSTA, 1999).

    Conforme Pereira e White (2001) é preciso levar em conta o fato de que a sociedade brasileira reformula continuamente ideias, que contribuem para dar novas dinâmicas ao processo de discriminação. Segundo os autores a orientação ideológica dos “Abeces dos negros” (tradição popular) indica uma visão de mundo (desde a época da colonização) que sustentam a supremacia do grupo dominante de brancos com apoio da Igreja e do estado, sobre os negros. Os “Abeces” não são chistes inocentes, eles criam significados psicológicos e sociológicos com intuito de desqualificar o outro e criar um discurso de dominação. Para os escritores os “Abeces” mais atuais ainda continuam a estabelecer um racismo baseado em aspectos morais e intelectuais negativos. Isto significa que as sociedades em seu cotidiano, ainda mantêm uma predisposição desfavorável no tocante aos negros. E o futebol sendo uma “instituição” em nosso país, não poderia escapar destas agruras.

O ingresso do negro no futebol brasileiro

    Com a chegada do futebol no final do século XIX, através de Charles Miller, o esporte era praticado pela elite branca da cidade de São Paulo. Nesta mesma época, a escravidão fora extinta há poucos anos, e os negros não eram aceitos pelos clubes sociais para a prática do futebol (GUTERMAN, 2009). Desta forma, o futebol manifestava um dos problemas cruciais da transição do Império para República, isto é, a integração do negro na sociedade de classes, como denominou Florestan Fernandes (1978). Segundo o autor, o fim da escravidão, do Império, e a generalização das relações de trabalho livre, não superaram os vícios aristocráticos da sociedade brasileira.

    A abolição, sem a reforma agrária, privou os negros recém-libertos e seus descendentes de uma base material mínima sobre a qual pudessem iniciar uma nova vida. Os inúmeros preconceitos bloquearam a incorporação dos negros na indústria nascente e no setor de serviços. Estes fatos também repercutiram no futebol. A história social do futebol brasileiro, segundo Jesus:

    “... traz em si processos dramáticos e representativos de problemáticas centrais da sociedade. Inicialmente reduto exclusivo das elites, tal esporte rapidamente rompeu os círculos aristocráticos para ganhar as ruas e tornar-se entretenimento popular de largo alcance”. (1998, p. 1).

    Nesse processo de democratização da prática do futebol, um dos momentos mais tensos foi à inserção do negro nos grandes clubes e principais campeonatos do futebol brasileiro (MARIO FILHO, 2003). Dentro da sociedade de classes, o racismo também se faz presente no futebol, desporto que mesmo assim, se transformou numa paixão nacional (DAMO, 2005). Segundo Imbiriba (2003), as primeiras evidências de racismo no esporte estiveram presentes numa fase muito importante de sua história: a passagem do amadorismo para o profissionalismo. Ao mesmo tempo essa transição no futebol foi marcada pelo ingresso de atletas pertencentes às classes populares menos abastadas formando equipes especialmente de negros e mestiços. Para o autor, existem na história do futebol incontáveis momentos em que é feita a apologia do racismo, mas vários movimentos foram contrários a estes costumes.

    A presença de jogadores negros e mestiços nos clubes pequenos era tolerada pela aristocracia, desde que não incomodasse o poder dos grandes clubes. Para as classes dominantes, era até bom jogar contra uma equipe formada por negros, mestiços e brancos pobres, uma vez que, ao derrotar esse time, estava sendo ratificada a preponderância de classe e de cor (MARIO FILHO, 2003). Existem algumas histórias populares conforme relata o trabalho de doutorado de Soares (1998), que foi nesses confrontos de times brancos contra times negros que surgiram os dribles no futebol.

    Conforme Soares:

    Quando começaram a jogar futebol por aqui, os negros não podiam derrubar, empurrar, ou mesmo esbarrar nos adversários brancos, sob pena de severa punição: os outros jogadores e até os policiais podiam bater no infrator. Os brancos, no máximo, eram expulsos de campo. Esta redução dos espaços dentro das “quatro linhas”, subproduto de uma situação social obrigou os negros a jogarem com mais ginga, com mais habilidade, evitando o contato físico e reinventando os espaços. Sim, porque o drible não é outra coisa que a criação de espaço, onde o espaço não existe. Indubitavelmente, foi o jogador negro que imprimiu no futebol brasileiro um estilo próprio de magia e arte, diferente das formas arcaicas do jogo de bola, bem como da sua descendência inglesa imediata. (1998, p.170).

    Não podemos desconsiderar que os árbitros eram brancos na ocasião, e a grande maioria dos jogadores, e do público que assistiam aos jogos, eram de predominância branca. Justificando a afirmação anterior, Mario Filho (2003) relata que foi importante a atitude de um clube que lutou para acabar com a segregação dos jogadores de origem popular: o Vasco da Gama. Foi na década de 20 conforme Máximo (1999), que o Vasco e alguns clubes do subúrbio carioca, como Bangu e América, passaram a admitir negros e mestiços em seus quadros. Conforme o autor, o Vasco estava preparando uma equipe para desestabilizar a hegemonia dos clubes de elite, representada pelas classes dominantes.

    De acordo com Guterman (2009), os negros para poderem jogar nos clubes de elite do futebol deveriam se submeter a situações como usar toucas para esconder o cabelo crespo e se maquiar com “pó de arroz” para clarear a pele, e parecerem como os jogadores brancos. Nesta época complementa o autor, o futebol era um esporte de classe, só os bens nascidos tinham acesso a ele, era “coisa de inglês”. Negros e mestiços só conseguiram ocupar seus espaços graças aos embranquecimentos artificiais. Foi o pó de arroz o mais usado pelos jogadores mulatos, como Carlos Alberto, Robson e o lendário Friedenreich, que além de usar pó de arroz alisava o cabelo. Para Máximo (1999) o investimento feito pelo Vasco em jogadores negros, e a conquista do seu primeiro título do campeonato carioca de 1923, fez com que os clubes aristocráticos passassem a criar barreiras para a sua permanência na Liga dos Clubes Amadores e, assim, excluí-lo do campeonato de 1924, alegando que os jogadores vascaínos eram profissionais e não amadores, como os jogadores das equipes oponentes.

    Segundo Helal (1997), com a saída do Vasco da Gama do campeonato de 1924, o público diminuiu muito, pois preferiu assistir a liga extraoficial, na qual o Vasco se fazia presente. O baixo público fez com que os clubes de elite convidassem o Vasco a participar da liga oficial de 1925, mas com muitas recomendações. Para o autor, apesar de todas estas exigências da aristocracia, o time mestiço do Vasco da Gama de 1923, revolucionou o futebol da época. Conforme Máximo (1999) os destaques de atletas negros como Domingos da Guia e de Leônidas da Silva pela seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1938 na Itália, foi outro fator relevante no processo de desmistificação do negro no futebol. Pois estes jogadores transformaram-se em exemplos de jogadores oriundos do futebol brasileiro. Segundo Mario Filho (2003), a era Pelé e a denominação dada pelo mundo do futebol de “futebol arte” para a seleção de 58/62/ e 70 foram marcantes para o processo de inclusão e reconhecimento do negro no futebol brasileiro.

    A entrada dos negros e dos populares em geral nos clubes de elite – até então freqüentados e comandados pela elite – não ocorreu sem que tivesse sido criada uma fronteira demarcando o status entre associados e atletas, recaindo sobre os mais prestigiados, entre os primeiros, a gestão política e administrativa dos clubes (GASTALDO 2006). Há aceitação dos negros no futebol brasileiro para Damo (2003), têm uma mistura de três fatores: o primeiro fator econômico, onde os clubes grandes e seus dirigentes perceberam quanto era importante, à presença dos negros em suas equipes, para os estádios ficarem lotados, e com isso, mais renda para os cofres de seus clubes. O segundo fator foi à habilidade técnica dos negros em relação aos brancos, e os resultados que as equipes brasileiras conquistaram com suas presenças. O terceiro fator é a paixão por este esporte, este não tendo uma explicação científica, pois o futebol faz parte da alma do povo, tornando – se quase uma religião.

Casos de discriminação de jogadores negros na Seleção Brasileira.

    Os casos de discriminação de jogadores negros no futebol brasileiro são relatados ao longo da trajetória do esporte neste país. Segundo Máximo (1999), pelos anos 20, nesta época, o presidente da República Epitácio Pessoa recomendou que não incluíssem mulatos na seleção brasileira que foi a Buenos Aires, para disputar o Campeonato Sul-Americano, pois para o presidente era importante projetar outra imagem do povo brasileiro no exterior, era absolutamente imperioso que o país fosse representado pela sua “melhor sociedade”.

    Outro caso interessante aconteceu com a primeira Copa do Mundo, realizada no Uruguai em 1930. A seleção canarinho foi composta apenas por jogadores de um combinado de times cariocas, excluindo os paulistas, e a grande maioria dos atletas era de origem branca (GUTERMAN, 2009). Na Copa de 1938, na França, cita Mario Filho (2003), nossa seleção chegou as semifinais contra a Itália e, nosso melhor jogador, Leônidas da Silva, de origem negra, “foi poupado” desse jogo para jogar a final. Resultado desta segregação: o Brasil perde o jogo para a Itália, com um pênalti cometido por Domingos da Guia. Domingos por ter cometido o pênalti leva a culpa pela eliminação da seleção brasileira. Mais uma situação de críticas aos negros, esta de grande repercussão sócio cultural, segundo Da Matta (1982), foram às perdas dos títulos mundiais nas Copas de 1950 e 1954, para o Uruguai e a Hungria.

    Essas perdas foram atribuídas aos negros e mestiços que atuavam pela equipe brasileira, sendo o racismo justificado por um suposto desequilíbrio emocional dos atletas que apresentavam cor escura, ao longo dos jogos decisivos. Para Imbiriba (2003), um dos casos mais sérios de transferência de responsabilidades aconteceu na Copa de 1950, realizada no Brasil em que à Seleção Brasileira era favorita ao título. Mas a equipe foi pega de surpresa pelo Uruguai e a derrota foi atribuída ao goleiro, o já falecido Moacir Barbosa (negro), que serviu para criar um estigma em relação aos goleiros negros, que passaram a ser preteridos em relação aos goleiros brancos na seleção.

    Casos muito curiosos conforme Imbiriba (2003) aconteceram ao longo dos anos. Segundo o autor a seleção de 1982, tida pela maioria da população brasileira e jornalistas esportivos como uma das melhores equipes já formadas, era constituída em grande parte por jogadores brancos, universitários e oriundos da classe média. Atletas negros ou mestiços estavam reduzidos a quatro: Luisinho, Toninho Cerezo, Júnior e Serginho. As críticas que surgiram em 1982 foram sobre os atletas mestiços como Toninho Cerezo, Luizinho e Serginho. Outros problemas de racismo na seleção brasileira, mais evidentes, só voltaram a acontecer na Copa de 1998, realizada na França.

    Na ocasião, foi à vez do atacante Ronaldo Nazário carregar a cruz (IMBIRIBA, 2003). A cada Copa que se aproxima e depois termina com a derrota do futebol brasileiro, surgem novos fatos para tentar explicar o fracasso brasileiro. Não foi diferente na Copa do Mundo de 2006 (Roberto Carlos, Ronaldo, Ronaldinho e Adriano) e 2010 (Felipe Melo e Gilberto Silva)). A curiosidade é que os fatores da derrota, normalmente recaem sobre os ombros dos jogadores mestiços e negros.

A diferença de tratamento entre jogadores negros e brancos em seus clubes

    As diferenças sociais, culturais, físicas estão institucionalizadas, não só no Brasil, mas em vários países do Ocidente (GIULIANOTTI, 2002). Conforme pesquisa realizada pelo sociólogo Vieira (2001) com 327 jogadores de 17 clubes do Rio de Janeiro, mostra que, enquanto 26,6% dos atletas brancos ganham um salário mínimo, entre os negros essa proporção é de 48,1%, quase o dobro. No alto da pirâmide salarial estão os brancos, com 24,8% de atletas ganhando mais de 20 salários mínimos, já somente 17,1% dos negros recebem mais de 20 salários.

    O presente estudo também demonstrou que os salários dos negros costumam atrasar mais que o dos brancos, além de receberem menos convites para aparecerem ao lado dos dirigentes dos clubes, chegando até há ser tratados com desprezo pelos cartolas. Para o autor, outra segregação está no tratamento: macaco, crioulo, gorila. Muitos nem consideram os apelidos discriminatórios. Ou seja, o racismo às vezes é tão velado, que não é identificado nem pelas próprias vítimas.

    O estudo de Vieira ainda confirma a rara presença de goleiros (exceção Dida 2006) e técnicos negros na seleção brasileira, correspondendo em proporcionalidade à ascensão sócio-econômica de negros e mulatos no Brasil. Na mesma linha para Imbiriba (2003), o preconceito em relação aos goleiros aumentou e permanece vivo muito depois do episódio vivido por Barbosa, e quanto aos técnicos, cuja cor da pele denuncia, no mínimo, ancestrais trabalhadores, apenas dois foram admitidos no comando da seleção: Gentil Cardoso, em 1957, e Wanderley Luxemburgo, se é que este se considera negro ou “pardo”.

    Outro fato pouco comentado pela imprensa brasileira refere-se à falta de dirigentes negros, que comandam as equipes de ponta do futebol brasileiro. Para Gastaldo (2006) os jogadores negros são mal pagos em relação a seus méritos e permanecerão sem usufruir outras fontes de renda, como em trabalhos de relações públicas e contratos de publicidade. O autor enfatiza a diferença, ao escrever que com a adoção do profissionalismo, a segregação social e racial foi amainada, mas os salários desses profissionais ficaram abaixo das expectativas, à exceção, dos “pop stars”.

    No Brasil de Pelé e Ronaldo Nazário (pentacampeão mundial de futebol), o jogador negro ou mulato continua a enfrentar o racismo, em geral, recebendo contratos e pagamentos inferiores aos dos brancos e não tendo no esporte uma garantia de ascensão social (DAMO, 2005).

Considerações finais

    O futebol e as primeiras ligas foram criados para atender as elites sociais, formadas por cidadãos de origem branca, ficando para as classes economicamente menos privilegiadas, em sua maioria composta por cidadãos de origem negra, o direito de jogar em ligas clandestinas. Os fatos de segregação se perpetuam ao longo dos anos, por motivos sociais, biológicos, culturais, produzidos pelas elites para, continuar no poder e afirmar a superioridade racial.

    Outro aspecto importante foi que o negro só ganhou espaço no futebol, reconhecimento da sociedade e profissionalização, através do seu talento individual, demonstrado quando do seu ingresso no Clube de Regatas Vasco da Gama nos anos 20, dos jogadores que se destacaram na seleção nacional e do “futebol arte”. Ainda permanece uma grande diferença de tratamento dado pela elite que comanda o futebol, a jogadores brancos em detrimento dos negros.

    Através desde estudo pode-se observar muitos casos de descriminação racial que aconteceram e continuam acontecendo no futebol brasileiro, bem como, a dificuldade do cidadão de origem negra ocupar cargos de comando no futebol.

Referências

  • COSTA, Emília Viotti. O mito da democracia racial no Brasil. Palestra proferida na reunião anual da Southern Historical Association, Washington, D.C., em 14 de novembro de 1975. Traduzido do inglês por Marco Aurélio Nogueira. 1975.

  • DA MATTA, Roberto. Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro, Pinakotheke, 1982.

  • DAMO, Arlei. Do dom à profissão: uma etnografia do futebol de espetáculo a partir da formação de jogadores no Brasil e na França. 2005. Tese (Doutorado) – Universidade Federal rio Grande do Sul, Porto alegre, 2005.

  • FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade brasileira. São Paulo: Ática, 1978.

  • GASTALDO, Édison. Noções em campo: Copa do Mundo e identidade nacional. - Niterói: Intertexto, 2006.

  • GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do futebol: Dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. – São Paulo: Nova Alexandria, 2002.

  • GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país. – São Paulo: Contexto, 2009.

  • HELAL, Ronaldo. Passes e Impasses: futebol e cultura de massa no Brasil. – Petrópolis, RJ: Vozes, 1997.

  • IMBIRIBA, Luis. O futebol e a atualidade do racismo. Site: www.anovademocracia.com.br. 2003. Acesso 22/05/2010.

  • MARIO FILHO, Rodrigues. O negro no futebol brasileiro. - 4º ed. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

  • MÁXIMO, João. Memórias do futebol brasileiro. Rio de Janeiro: Estudos Avançados, Relume-Dumará,1999.

  • PEREIRA, Edimilson de Almeida e WHITE, Steven F. Brasil: Panorama de interações e conflitos numa sociedade multicultural. Rio de Janeiro, Afro-Ásia, 2001. p. 257-280.

  • SOARES, Antônio Jorge. Futebol, raça e nacionalidade no Brasil: releitura da história oficial. Rio de Janeiro, UFG, PPGEF. tese de doutorado.1998.

  • VIEIRA, José Jairo. Paixão nacional e Mito Social: A participação do Negro no Futebol e Ascensão Social. UERJ - tese de doutorado. 2001.

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