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Os campos do esporte e da educação: proximidades 

e afastamentos segundo a teoria de Pierre Bourdieu

Los campos del deporte y de la educación: cercanías y alejamientos según la teoría de Pierre Bourdieu

 

*Professor Mestre em Educação Física

**Graduado - Educação Física pelo

UNIVAG - Centro Universitário

(Brasil)

Jorge Eto*

coordef@univag.com.br

Aldo Ricci Figueiredo Filho**

aldoricci@gmail.com.br

 

 

 

Resumo

          A pesquisa tratou da problemática da relação do esporte e da educação, e como uma manifestação pode ou não influenciar na outra, pois denota-se varias ações do poder público que tentam relaciona-las. Os dados teóricos foram baseados na obra de Pierre Bourdieu, principalmente no tocante a dois conceitos, campo e habitus. Os dados de campo foram coletados por meio de entrevista aplicada a três ex-atletas que competiram em nível nacional e passaram pelo processo de esportivização, através do karatê. Para as análises das entrevistas foi utilizada a técnica de análise de conteúdo temática, em que foi elencada o tema “formação e competitividade” e as categorias analisadas foram: a intenção da competição e a intenção da educação. Organizaram-se os dados pelas categorias e unidades de registros e indicando a prevalência de cada uma. Observou-se que na categoria competição as unidades de registro treino, disputa e resultado foram as que mais apareceram e na educação as unidades relacionadas ao trabalho foram as mais evidentes. Por fim, pode-se concluir que esporte e educação apresentam aspectos similares e são condicionados pelos campos políticos e sociais, considerados macros para Bourdieu.

          Unitermos: Campo. Habitus. Esporte. Educação. Pierre Bourdieu

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 143 - Abril de 2010

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1.     Introdução

    O esporte e a educação são temáticas que aparecem juntas em várias ações na sociedade atual, haja vista o grande número de projetos que tentam imbricá-las, mas a verificação de como um infere no outro no que tange aos aspectos sociais ainda carece de estudos. Nesse sentido, a pesquisa buscou clarear a noção de campo e habitus de Pierre Bourdieu e, como o esporte e a educação podem ser tratadas no mesmo campo e, consequentemente, construindo os mesmos habitus. Para tanto se investigou no primeiro momento os conceitos de campo e habitus e em seguida caracterizou educação e esporte como campo. No tocante aos dados empíricos, se utilizou entrevista aos sujeitos da pesquisa, ou seja, ex-atletas de lutas que competiram em nível nacional, pois eles passaram por todo o processo de esportivização e as lutas têm um caráter disciplinador e de respeito. A entrevista evidenciou a história de vida, a formação esportiva e a relação do esporte na formação do indivíduo.

    Nas primeiras inferências levantou-se a hipótese que o esporte constitui um elemento formador na educação, mas para uma educação que tenha um cunho de uma sociedade pautada na competição e na individualidade.

2.     Habitus e campo. Teorias sociológicas de Pierre Bourdieu

    Pierre Bourdieu apesar de ter sua formação em filosofia em uma das mais famosas instituições da França, École Normale Supérieure, é oriundo das classes camponesas no interior daquele país. Ao findar seus estudos médios recebeu uma bolsa preparatória para prova da escola superior e posteriormente ao fim do curso de filosofia, Bourdieu foi convocado para a guerra da Argélia para servir em missão de pacificação.

    Na Argélia Bourdieu foi docente assistente na Faculté des lettres d'Alger e com o despertar do interesse pela sociedade argelina desenvolveu pesquisas que revelaram a situação de desamparo dos camponeses daquele país retirados à força do ambiente rural e colocados em áreas urbanas. Na necessidade de categorias que pudessem efetivamente analisar os comportamentos e práticas de indivíduos diferentes expostos as mesmas condições, Bourdieu alicerça as primeiras idéias de habitus e campo.

    Para Mary apud Gimenez (1997) o habitus constitui resposta essencial a uma série de questões, sendo elas: qual é o princípio que rege as práticas sociais? Como se explica a unidade, a regularidade, a homogeneidade, dos grupos sociais? Como se reproduzem as formas de existência coletiva nas diversas formações sociais?

    Bourdieu (1987) responde essas questões afirmando que habitus é como um sistema de regras criado pela prática, essa sendo a base para a realização regular de certas atitudes, ou seja, a regularidade do comportamento. O habitus, portanto, faz com que os indivíduos tenham o mesmo comportamento em determinadas circunstâncias.

    Em suas primeiras definições Bourdieu (1983) caracteriza habitus como um "sistema de esquemas interiorizado que permitem gerar todos os pensamentos, percepções e ações características de uma cultura, e só a eles". (PANOFSKY ,1967).

    Para Bourdieu (1992) o habitus configura-se como possibilidade de aproximar a oposição aparente entre subjetividade e objetividade. Pode-se dizer que o habitus é a subjetividade socializada constituído na mediação entre a condição interna de cada indivíduo e os aspectos externos vivenciados, ou seja, o habitus se conforma pelas disposições estruturante (no social) e estruturadas (na mente), organizadas pelas práticas sociais e confirmadas pelo cotidiano.

    Na composição do habitus verifica-se o ethos uma espécie de moral adquirida no cotidiano que se difere da ética pela sua praticidade, o hexis ou os princípios interiorizados pelos corpos e traduzidos em gestos e ações corporais e o eidos que demonstram a intelectualidade produzida pela realidade. (BOURDIEU, 2001)

    O habitus caracteriza-se por não resumir-se em uma aptidão natural, mas construída socialmente. Por essa razão variável através do tempo, do lugar e, sobretudo no que concerne a distribuições de poder, também é transferível para os domínios da prática, o que explica a coerência que se verifica, por exemplo, entre vários domínios de consumo - na música, desporto, alimentação e mobília, mas também de escolhas políticas e matrimoniais - no interior entre indivíduos da mesma classe e que fundamenta os estilos de vida (BOURDIEU, 1984); é durável, mas não estático ou eterno, as disposições são socialmente montadas e podem ser corroídas, desmanteladas pela exposição a novas forças externas; é dotado de inércia incorporada, na medida em que o habitus tende a produzir práticas moldadas depois das estruturas sociais que os geraram, pois inclina-se a reproduzir as últimas experiências que constituíram a distribuição de poder (BOURDIEU, 1997).

    Bourdieu também compara o habitus com o sentido de jogo, pois ambos são compostos por regras, sendo que a diferenciação se faz nas regras que nem sempre estão explicitadas no habitus. As normas são reconhecidas e respeitadas, no entanto podem estar representadas pelo acordo tácito entre os agentes que compõem o campo. O jogo também apresenta inúmeras possibilidades de jogadas que nenhuma regra poderá coibir e nem refrear. As jogadas são delineadas pela regra, porém várias possibilidades poderão ser testadas no desenvolvimento do jogo. Por último estão as relações de poder contidas no interior do jogo que conferem aos agentes possuidores de uma maior parcela do capital específico as condições de jogar e serem efetivos em suas jogadas, pode-se dizer que para as jogadas fazerem efeito dentro do campo o domínio do capital é fundamental.

    A construção do habitus para Bourdieu depende de dois fatores que aparecem em conjunto, sendo eles: a inculcação e a incorporação. No tocante a inculcação essa se dá nas ações pedagógicas da família e da escola realizadas por pessoas que detém a autoridade de delegação e se valem de métodos disciplinares para consubstanciar as normas arbitrárias. A incorporação refere-se a interiorização das regularidades inscritas no âmbito de sua existência.

    A inculcação inicia-se no seio familiar, em que a trajetória histórica da formação dos pais contribuem decisivamente no processo de inclusão do agente no universo social (BOURDIEU, 1997). Contraditoriamente as experiências pessoais que se adquire confrontam-se com as condições de existência já formada em sentido e significação. Portanto, a inculcação e a incorporação relacionam-se dialeticamente entre a formação incorporada nas instituições e as representações pré-formadas do mundo social.

    O habitus promove uma visão da conformação da estrutura que advém da relação intrínseca entre o agente e o espaço social, a qual nesse espaço as relações de poder são determinantes no que concerne a consolidação das uniformidades no modo de vida do agente.

    Tratar o habitus é consequentemente inferir no campo, outra categoria que Bourdieu utiliza em seus trabalhos sociológicos, pois para o autor habitus e campo coexistem e se conectam de modo dependente.

    A sociedade moderna se organiza em vários campos autônomos, pois a realidade social é caracterizada pelo alto grau de complexidade, diferenciação e diversidade. Os campos mais comuns encontrados são os seguintes: econômico, político, religioso e intelectual. O campo, portanto é uma esfera da vida social que vai se tornando autônomo pela história das relações existentes em seu interior que o identifica em seus interesses e recursos próprios.

    Para Bourdieu (1990) o campo se apresenta como espaço estruturado de posições ou postos, cujas propriedades dependem das posições em ditos espaços e podem ser analisados de forma independente das categorias de seus ocupantes. No âmbito do campo os confrontos pelo poder são constantes e denotam-se as lutas dos recém chegados ao campo que tentarão romper com as fechaduras da entrada e os dominantes que tratarão de defender o monopólio adquirido em conflitos anteriores. As lutas que ocorrem buscam a subversão ou conservação da distribuição do capital específico.1

    Os agentes que estão dentro de uma determinada relação de força que monopolizam o capital específico conseguem a autoridade para delinear as características do campo. As estratégias utilizadas são de conservação, pelos que dominam e os desfavorecidos do capital querem a subversão e o remodelamento da estrutura. Comumente as rupturas com o tradicional pelos subversivos obrigam os dominantes a produzir um discurso defensivo que busque uma readequação das condições, porém as distribuições de poder tendem a continuar a mesma.

    Os recém chegados ao campo passam por um rito de admissão que consiste em reconhecer o valor do campo e conhecer certos princípios de funcionamento, sob pena de exclusão, caso não admitam essas normas. Os agentes de um campo são comprometidos com interesses fundamentais comuns, desse fato irradia uma cumplicidade objetiva que é subjacente a todos os antagonismos.

    Para Bourdieu (1990) os indícios claros da constituição de um campo é a presença de vestígios que relacionam obras passadas com as contemporâneas, a aparição de um corpo de conservadores de vida (biógrafos) e de obras, os historiadores de arte e de literatura que arquivam os esboços e as provas impressas, corrigindo-as e decifrando-as.

    Os campos também se diferenciam uns dos outros pela sua autonomia em criar suas regras próprias, porém apresentam graus de dependências, conforme as proximidades existentes, por exemplo, o campo da educação sofre intensa influência do campo social no que tange a sua organização e funcionamento. Também é fato que o agente em um campo não apresenta as mesmas condições em outro campo, podendo alternar dominâncias e submissões.

    Bourdieu (1984) concebe o campo como microcosmos ou espaços de relações objetivas, que possuem uma lógica própria, não reproduzida e irredutível à lógica que rege outros campos. O campo é tanto um "campo de forças", uma estrutura que constrange os agentes nele envolvidos, quanto um "campo de lutas", em que os agentes atuam conforme suas posições relativas no campo de forças, conservando ou transformando a sua estrutura.

3.     O esporte como campo

    A caracterização do esporte como campo advém das peculiaridades que o mesmo adquiriu ao longo de sua trajetória histórica. Identifica-se o esporte como dotado de condições estruturais específicas e uniformidades de atitudes que o diferenciam de outras instâncias. A Lei Pelé2 explicita que o esporte pode ser trabalhado sobre três manifestações: educacional, de participação e, de rendimento4.

    Para Myskiw (2008) o esporte pode ser caracterizado como campo por três princípios que são imprescindíveis para o seu funcionamento, são eles: a formação, o confronto e a publicização. Concorda-se com os autores, porém a formação e a publicização são derivativos do confronto.

    No que concerne a formação do esporte e suas estruturas específicas de funcionamento as mesmas não poderiam ser constituídas se não houvesse um intuito claro de sobrepujar o adversário, já no tocante a publicização, ou seja, o caráter público que tomou o esporte no sentido de entreter e divertir os espectadores a motivação das platéias advêm em assistir uma partida que determine um vencedor.

    O esporte que se conhece tem fortes parentescos com o esporte moderno originário da Europa do século XIX que evoluiu concomitantemente com a sociedade moderna.

    A democracia nascente na Inglaterra apregoou os ideais da revolução burguesa, a igualdade, a liberdade e os modos de produção direcionados pelo capitalismo. Esses fatos consubstanciaram o esporte em dois sentidos: como fonte de renovação das forças para o trabalho e para a “igualdade” no jogo, pois se fez necessário também no campo do esporte a normalização dos modos de jogar. A prática antes apreciada pela sua forma guerreira, ritualística e religiosa toma um outro significado e uma autonomia relativa demonstrada pela construção de espaços próprios para as práticas esportivas.

    Segundo Elias e Dunning (1992) o esporte sendo uma atividade de grupo organizada, centrada no confronto entre duas partes exige certo esforço físico e realiza-se de acordo com regras conhecidas e definem o limite de violência permitido. As regras determinam a configuração inicial dos jogadores e os padrões dinâmicos de acordo com o desenrolar da prova.

    Agregado aos fatores citados por Elias e Dunning (1992) foi-se difundindo no esporte o confronto como cerne das práticas envolvidas pelo campo, pois na base dos preceitos que sustentam a atividade se tem por finalidade estabelecer um vencedor. O fato da competição condiciona o campo a compor características que constituam um habitus que se estruture pela valorização do ganhar, haja vista a comum recompensa da premiação para os três primeiros colocados, o popular “quem vence fica” do futebol da rua, a forte mídia em resultados expressivos conseguidos em competições mundiais em detrimento de quase nenhuma nos fracassos, por essa e outras razões a assertiva “ninguém entra em campo para perder” configura-se como realidade no que tange o esporte.

    Nesse sentido, o esporte constrói em pessoas diferentes o habitus do competir primeiramente no interior da equipe no intuito de obter condição de participar do jogo e depois de confrontar-se com outra equipe. Mesmo que se tenha em disputa sejam poucas benesses a efetividade do jogo tende a ser mantida. Exemplo disso é o futebol de maneira descontraída, “as peladas”, que mesmo nesse caso os menos habilidosos ainda continuam tocando pouco na bola, pois isso impediria a finalidade do jogo.

    Um discurso em voga é o esporte como construtor de pessoas seguidoras de normas e regras. Questiona-se esse discurso pela naturalidade que se burlam as regras em vários casos com objetivo de ser vitorioso, sendo o reforço dado a esse tipo de fato pela mídia um motivo de demonstrar maior capacidade de conseguir um resultado favorável.

    O campo do esporte se caracteriza pelo vencer, pois em sua égide como prática autônoma ganhar é a mola propulsora das ações. Observa-se que não se coloca em discussão os atributos que o esporte possui em relação à melhoria da sociedade, pontua-se que a valoração do esporte, às vezes de maneira equivocada, forma-se por atribuir a ele a condição de resolver problemas que ultrapassam a sua esfera de atuação.

4.     A educação como campo

    Bourdieu e Passeron (2008) ao pesquisarem a educação da França afirmam que o sistema de ensino está a serviço das classes dominantes, pois formam habitus que compactuam com a manutenção do status quo. Apesar dos autores reconhecerem que existe uma autonomia relativa dos sistemas de ensino, os mesmos também confirmam que paralelamente as estruturas de classes sociais influenciam a educação.

    Os sistemas de ensino mesmo com relativa autonomia para organizar suas lógicas internas de formação sempre estão a serviço da perpetuação das relações de classes. A particular autonomia e neutralidade da educação servem para mascarar sua intencionalidade de reprodução da desigual distribuição do capital cultural.

    Para Nogueira e Nogueira (2002) a educação, na teoria de Bourdieu, perde o papel que lhe fora atribuído de instância transformadora e democratizadora das sociedades e passa a ser vista como uma das principais instituições por meio da qual se mantêm e se legitimam os privilégios sociais.

    As condições culturais que os educandos constroem durante sua vida no seio da família são fatores determinantes no âmbito escolar. O capital cultural no que concerne a educação na família indica condições mais ou menos favoráveis para o sucesso na educação da escola. Para cada classe social corresponde a um tipo de formação inicial, pois os membros dessa classe incorporariam determinados habitus comuns a essa posição. Observa-se que esses habitus adquiridos perpetuam-se para toda a vida, porém são atualizados e reformados constantemente.

    As classes sociais aplicam seus recursos, conforme a intencionalidade e suas aspirações construídas pelo habitus. Nas classes baixas os recursos destinados pela família para a educação são pequenos, já que se compreende que o avanço escolar seria um aspecto quase que inatingível pelas próprias experiências vividas em seu meio. As classes médias em busca da ascensão social dos filhos as classes dominantes é o lócus que se dispõe de maiores investimentos na educação e nas classes dominantes apesar de haver uma preocupação com a educação é fato preponderante, pois os integrantes dessa classe social já estão em posição de dominantes.

    Bourdieu e Passeron (2008) ao investigar uma população de estudantes franceses procedentes de diferentes classes sociais (populares, médias e superiores) diz que é preciso compreender que a residência parisiense está associada de um lado a vantagens lingüísticas e culturais, e de outro lado ao grau de seleção correlativo da residência parisiense não pode ser definido independentemente do fato de pertencer a uma classe, nem que seja em razão da estrutura hierárquica e centralizada do sistema universitário, bem como dos aparatos do poder. Se define em valor relativo (+, 0 ou -) a importância do capital lingüístico transmitido pelos diferentes meios familiares e o grau de seleção que implica a admissão à universidade, em Paris e na província, para as diferentes categorias sociais, sendo suficiente para se dar conta da hierarquia dos resultados no exercício do linguagem.

    Nogueira e Nogueira (2002) afirmam que cada indivíduo passa a ser caracterizado por uma bagagem socialmente herdada e faz parte dessa bagagem a categoria do capital econômico, tomado em termos dos bens e serviços a que ele dá acesso, do capital social, definido como o conjunto de relacionamentos sociais influentes mantidos pela família, além do capital cultural institucionalizado, formado basicamente por títulos escolares.

    No tocante aos procedimentos de sala de aula, Bourdieu confere ao caráter da neutralidade a característica que determinaria o trato pedagógico como igual para todos, porém a interpretação, ou não, das mensagens depende da cultura de cada educando. Nesse sentido, para os menos favorecidos a linguagem escolar seria uma anomalia fora de seu espectro de compreensão e para eles as dificuldades seriam postas pela sua “falta de inteligência” e de “moralidade”. Por outro, lado os abastados de capital cultural seriam colocados como adequados aos saberes escolares, tratados como brilhantes e possíveis de avanço e conseqüente progresso social.

    A educação para Bourdieu dissimula uma ação política e social neutra para que a inculcação do ideário das classes dominantes sejam aceitos com facilidade. A escola se esconde em sua neutralidade para legitimar a cultura das classes dos dominantes.

5.     Metodologia

    A pesquisa tratou de compreender a relação da educação e esporte pela ótica de Pierre Bourdieu. O instrumento de coleta de dados foi via entrevista semi-estruturada, a qual abordou os seguintes aspectos: a vida de cada um, ao passado esportivo e a relação do esporte com a formação educacional. Para a realização da entrevista foi solicitado que todos os sujeitos assinassem o termo de consentimento livre e esclarecido. Os sujeitos foram três ex-atletas de nível nacional na área de lutas pela condição desses já terem completado toda a vida de formação esportiva e serem advindos do karatê, que tem como aspecto relevante a formação educacional.

    As entrevistas foram analisadas pela técnica da análise de conteúdos temática, em que o tema formação competitiva e formação educacional foram elencadas para investigação. Para Bardin (2002) a análise de conteúdo temática baseia-se em operações de desmembramento do texto em unidades, ou seja, descobrir os diferentes núcleos de sentido que constituem a comunicação e, posteriormente, realizar o seu reagrupamento em classes ou categorias.

    Após as entrevistas as mesmas foram transcritas e lidas minuciosamente, em seguida formulou-se a seguinte hipótese: o esporte educa para uma sociedade capitalista. Verificou-se também a prevalência de unidades de registros relacionados ao tema proposto, sendo que se estabeleceram as categorias pela intencionalidade, conforme sugestão de Bardin (2002), sendo essas competição e educação.

    As perguntas do questionário foram: 1) comente como foi a sua vida como atleta de alto nível, 2) fale sobre seu passado esportivo antes de se tornar um atleta profissional e, 3) o que o esporte auxiliou para a formação da sua vida como pessoa.

6.     Análise e discussão dos dados

Tabela 1 - Relação do Esporte com as Intenções de Competição e Educação

Fonte: Própria (2009)

    Observa-se que as ocorrências relacionadas à competição têm maior prevalência 44 e 15 ocorrências na educação. O treino, a disputa e o resultado apresentaram 34 ocorrências, pois para o esporte moderno baseado no confronto e no ganhar fica notório que esses aspectos devem ser ressaltados e evidenciados para o sucesso esportivo. A disputa e o resultado relacionam-se com o confronto, o esforço e o condicionamento físico com a formação, a convocação e o reconhecimento com a publicização, portanto convergem os dados com as características do esporte proposta por Myskiw (2008).

    No tocante a categoria intenções do esporte em relação à educação, as unidades de registros relacionadas ao trabalho foram as que apresentaram maior prevalência de ocorrência, sendo que 8 foram as unidades de registros, 4 Ser Professor e 4 Relacionado ao Trabalho. Questões como igualdade e equidade comuns nos atuais documentos educacionais não apareceram, porém uma única ocorrência em Educação no sentido macro foi aferida pelas entrevistas realizadas com os ex-atletas de karatê. Observa-se que no que se refere às intenções educacionais houve fortes marcas do trabalho, principalmente na manutenção e na progressão social via a seletividade. Esse aspecto concerne a proximidade dos valores empreendidos pelo esporte com a competitividade profissional nas sociedades capitalistas.

    Em relação a Ser Professor compreende-se pela inculcação dos valores transmitidos dos professores aos alunos na constituição do habitus e muito desses aspiram a serem aquele que ensina e detém o poder de definição das regras do campo específico do esporte. Também se explica pela característica do sub-campo esportivo das lutas o aparecimento de valores morais, tais como respeito e disciplina que são regras básicas desveladas através dos ritos comuns, tais como reverência, denominação daquele que ensina como mestre.

7.     Considerações finais

    A Educação tratada como neutra dissimula a igualdade e equidade entre as diferentes classes sociais para a inculcação dos valores das classes dominantes, portanto tratam pessoas de origens diferentes como iguais, tendo como referência a manutenção do status quo. Nesse sentido o esporte aproxima-se desses valores, haja vista que as mesmas regras para todos os participantes comumente empregada nas competições compõem a visão da sociedade capitalista.

    Confirma-se a hipótese que o esporte educa para a sociedade capitalista, pois Educação e Esporte possuem em seus ditames condicionantes que determinam o sucesso escolar ou sucesso esportivo. Tanto na educação como no esporte essas questões são mascaradas pela condição de neutralidade de ambos os campos, portanto ao não se conseguir os avanços em um ou outro campo não se questiona as regras dos mesmos e sim os déficits de potencialidades dos seus componentes.

    Ao buscar referências da formação esportiva para a vida existe uma tendência de ratificar os valores presentes na sociedade capitalista, em que os princípios da competição e seletividade permeiam a luta pela permanência nos processos sociais. Ao contrário, o questionamento do funcionamento da própria estrutura não é ponto a ser tratado e nem discutido pelo esporte, já que suas bases tão bem se adaptaram a modernidade.

    Os campos da educação e o esporte aproximam-se e indicam formações de habitus similares, pois os campos políticos e sociais considerados como macros na perspectiva de Bourdieu inferem diretamente nas regras específicas de cada campo, portanto prescreve-se uma formação que vislumbre habitus que permitam a lutar e permanecer nas sociedades capitalistas.

Notas

  1. Bourdieu (1990) denomina capital específico todos os bens econômicos, culturais, sociais, simbólicos, elementos que determinam à correlação de força dentro do campo.

  2. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, as manifestações do esporte (Lei Pelé).

Referências

  • BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2002.

  • BOURDIEU, Pierre. Esboço de uma Teoria da Prática. SP: Atica, 1983.

  • ________________. Questões de Sociologia. RJ: Marco Zero, 1984.

  • ________________. Coisas Ditas. SP: Brasiliense, 1990.

  • ________________. A economia das trocas simbólicas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1987.

  • ________________. Razões Prática: sobre a teoria da ação. Espanha: Editora Anagrama, 1997.

  • ________________. As Estruturas Sociais da Economia. Portugal: Instituto Piaget, 2001.

  • BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Petrópolis-RJ: Vozes, 2008.

  • ELIAS, Nobert e DUNNING, Erich. Memória e Sociedade a Busca da Excitação. Lisboa: Difel, 1992.

  • GIMENEZ, Gilberto. A Sociologia de Pierre Bourdieu. Disponível em http://www.paginasprodigy.com/peimber/BOURDIEU.pdf. Acesso em 29 de abril de 2009.

  • LEI 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ LEIS /L9615consol.htm. Acesso em 09 de dezembro de 2009.

  • MYSKIW, M. Esporte e Poder Simbólico: A Noção de Campo de Bourdieu como Instrumento de Interpretação da Cultura Esportiva. Caderno de Educação Física (UNIOESTE), v. 7, p. 59-66, 2008.

  • NOGUEIRA, Maria Alice; NOGUEIRA, Cláudio M. Martins. Bourdieu e a Educação. SP: Autentica, 2002.

  • PANOFSKY, Erwin. Arquitetura Gótica e o Pensamento Escolástico. Paris: Ed. de Minuit, 1967.

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