Um ensaio histórico sobre o surgimento do futebol, dos clubes de futebol carioca: Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo e suas tendências elitizadas e populares |
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*Docente de Educação Física da Universidade Castelo Branco (UCB/RJ) Diretor do Colégio Santa Mônica (RJ) Músico Profissional **Graduando em Educação Física da Universidade Castelo Branco (UCB/RJ) Diretor de Esportes do Diretório Central do Estudantes (DCE) da UCB. |
Bruno Castro* brunocastro@colegiosantamonica.com.br Rafael Valladão** (Brasil) |
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Resumo A presente pesquisa analisou as circunstâncias históricas do surgimento do futebol, no final do século XIX, no Brasil, pela figura do jovem paulistano Charles Willian Miller; o surgimento dos principais clubes do futebol carioca: Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo; e a proliferação dos clubes do rio através de duas grandes tendências: a elitizada, de valores do higienismo, do cavalheirismo, do fair play e do amadorismo, e a popular, das camadas populares, que promoveu a inclusão de negros e operários no futebol. Através do universo do futebol, que por si só possui a força de unir as pessoas e expressar as paixões populares do cidadão brasileiro, poderemos construir instrumentos que nos auxiliem na transmissão desses saberes. Unitermos: Futebol carioca. Higienismo. Camadas populares. Abstract This research examined the historical circumstances of the emergence of football at the end of the nineteenth century, in Brazil, the figure of the young Paulistano Charles William Miller, the emergence of major football clubs in Rio: Vasco, Flamengo, Fluminense and Botafogo, and the proliferation of clubs from the river by two major trends: the elitizada, values of hygienism of chivalry, of fair play and amateurism, and popular, grass-roots, which promoted the inclusion of blacks and workers in football. Through the world of football, which alone has the power to unite people and express the passions of the popular Brazilian citizen, we can build tools that help in transmission of such knowledge. Keywords: Football carioca. Hygienism. Popular classes. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 126 - Noviembre de 2008 |
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Introdução
As circunstâncias em que os principais clubes do futebol carioca surgiram, estão ligadas a diversos fatores sócio-culturais que ajudam a revelar elementos fundamentais de suas histórias e que se entrelaçam com a história da sociedade, trazendo à tona elementos importantes para manutenção da cultura regional e nacional.
O futebol, importado da Inglaterra, no final do século XIX, foi provido do ideal de Charles Willian Miller que viria introduzi-lo no Brasil.
O Vasco da Gama, clube de remo fundado em 1898 por imigrantes portugueses, foi o primeiro clube do Brasil a promover a inclusão de negros e operários no futebol carioca. O Flamengo, que surgira em 1895 da iniciativa de três amigos de, também, fundar um clube de remo, teve sua origem bastante conturbada, pois o barco da fundação, o Pherusa, naufragou. O Fluminense, ignorando o remo, fundou um clube de futebol, em 1902, que representava a elite da sociedade carioca. A mais polêmica fundação, em 1894, foi a do Club de Regatas do Botafogo por ter seu idealizador envolvido com a Revolta Armada, o que ocasionou a perseguição e prisão deste, pelo governo de Floriano Peixoto. No ano de 1904 seria fundado o Botafogo Football Club, que se fundiria com o Club de Regatas, formando o Botafogo de Futebol e Regatas em 1942.
Duas grandes tendências, basicamente, reproduziram o ideário dos times cariocas: a primeira tendência, a elitizada, que era orientada pelos valores do higienismo, do cavalheirismo, do fair play e do amadorismo, envolvendo a elite da sociedade; a segunda foi a popular dos times improvisados pelas camadas populares da sociedade brasileira.
Surgimento do futebol e dos clubes cariocas
A prática do futebol, no Brasil, não se encontra na produção intelectual o mesmo desenvolvimento da prática esportiva em si. Se considerar que o futebol é o fenômeno cultural mais difundido no mundo, na atualidade, faz-se necessário abandonar a sua suposta simplicidade e perceber que por meio deste emerge uma série de elementos culturais, históricos e sociais presentes em vários campos da vida do homem, que auxiliam-nos a compreender as diversas contradições da sociedade brasileira e nos estimula à investigação, à pesquisa, à um estudo aprofundado, para um melhor entendimento e/ou transformação da sociedade em que vivemos (FRANCO JÚNIOR, 2007). Alguns intelectuais brasileiros, no início do século XX, como Rui Barbosa e Graciliano Ramos, atribuindo, talvez, a suposta simplicidade, não acreditavam que o futebol tomaria a dimensão de esporte nacional, se tornando um símbolo do povo brasileiro.
O sucesso do futebol ampliava a lista de seus detratores. Em 1916, Rui Barbosa referiu-se aos jogadores da seleção que disputaria o Campeonato Sul-Americano na Argentina, com Friedenreich no time titular, como corja de malandros e vagabundos. Naquele mesmo ano, Graciliano Ramos definiu o futebol como efêmero modismo estrangeiros (FRANCO JÚNIOR, 2007, p.69).
O futebol adentraria às terras brasileiras no final do século XIX, com a iniciativa do jovem paulistano Charles Willian Miller, considerado o pai do futebol no Brasil, filho de um engenheiro Escocês aqui radicado. Ao retornar da Inglaterra para o Brasil em 1894 trouxera em sua bagagem uma série de materiais: dois uniformes, um par de chuteiras, duas bolas, uma bomba de ar, um livro de regras e um forte desejo de desenvolver o esporte entre seus pares, que mais tarde seria realizado (MELO 2000). A Inglaterra sempre exportando tais fenômenos sociais e culturais, dentre eles o futebol, cuja origem conferia ares de modernidade. Foi nesse clima cultural que nasceram muitos dos clubes que estariam dentre os grandes da história do futebol como, por exemplo, o Vasco da Gama no final do século XIX.
Vasco
O clube de Regatas Vasco da Gama foi fundado, em 1898, período marcado pelo fim do império e a proclamação da República, com 62 sócios assinando presença, no dia 21 de agosto de 1898, no Clube Dramático Filhos de Talma.
Na década de 1920 quatro jovens: Henrique Ferreira Monteiro, Luís Antônio Rodrigues, José Alexandre d ‘Avelar Rodrigues e Manuel Teixeira de Souza Júnior, cansados de viajar a Niterói para remar com barcos do Club Gragoatá, decidiram fundar uma agremiação de remo (VASCO DA GAMA, 2008).
A forte presença lusitana, influenciando a cultura do clube e o próprio nome, se deu pela adesão de caixeiros portugueses, que gostavam de esportes e não tinham dinheiro para o ciclismo, em voga na época que antecedeu a fundação.
No ano de 1904, em um período que o preconceito racial era exorbitante, foi eleito Cândido de Araújo o primeiro presidente não-branco da história dos clubes esportivos cariocas. Onze anos depois surgiria o futebol no clube, com um equívoco sobre a cruz de malta, até hoje cometido por seus torcedores.
No dia 26 de novembro de 1915, nascia o futebol do Vasco. Pouco mais de cinco meses depois, no dia 3 de maio de 1916, vestindo uma camisa preta com a Cruz da Ordem de Cristo - equivocadamente chamada de Cruz-de-Malta - à altura do coração, o time do Vasco estreou, no campo do Botafogo, contra o Paladino Futebol Clube, na Terceira Divisão da Liga Metropolitana de Sports Athleticos (LMSA). (VASCO DA GAMA, 2008, s/p.).
No ano de 1922, o clube chegaria à primeira divisão do futebol, e no ano seguinte ganharia o título principal do futebol da cidade.
Em 1924 era muito difícil vencer o Vasco em campo, o que motivou os dirigentes dos clubes rivais a investigar as posições profissionais e sociais dos jogadores, pois o futebol ainda era amador e não poderiam receber como empregados, como constava nas leis da Liga Metropolitana. Os vascaínos com o intuito de não perder seus atletas registraram estes, em estabelecimentos comerciais dos portugueses.
Ao esgotarem todas as possibilidades e talvez por não admitirem “um time formado por negros, mulatos e operários, arrebanhados nas áreas pobres da cidade do Rio de Janeiro” (VASCO DA GAMA, 2008, s/p.), ganhando títulos, os adversários optaram pela criação da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA).
No Rio de Janeiro, o Vasco da Gama de dirigentes portugueses enriquecidos, clube que já havia elegido um presidente negro em 1904, Cândido de Araújo, seria campeão na sua estréia na primeira divisão, em 1923, com jogadores negros e trabalhadores brancos, o que o tornou o clube mais popular da cidade durante as décadas de 1920 e 1930. (...) O triunfo do Vasco provocou uma crise no Rio de Janeiro. Fluminense, Botafogo, Flamengo, América, Bangu e São Cristóvão criaram em 1924 a Associação Metropolitana de Esportes Amadores (AMEA) (FRANCO JÚNIOR, 2007, p. 71).
A AMEA, que inscreveu todos os grandes clubes, recusou o Vasco da Gama com a alegação de que seus atletas teriam profissões duvidosas e um estádio em más condições.
Realmente as condições do estádio não eram boas, porém a discriminação por parte da AMEA ficou clara na proposta feita ao clube, de excluir 12 jogadores, justamente os negros e operários. A proposta foi recusada em uma carta do presidente do clube na época, José Augusto Prestes, datada de 7 de Abril de 1924.
Estamos certos de que Vossa Excelência será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno de nossa parte sacrificar, ao desejo de filiar-se à AMEA, alguns dos que lutaram para que tivéssemos, entre outras vitórias, a do Campeonato de Futebol da Cidade do Rio de Janeiro de 1923 (...) São 12 jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de suas carreiras. Um ato público que os maculasse nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles com tanta galhardia cobriram de glórias (...) Nestes termos, sentimos ter de comunicar a Vossa Excelência que desistimos de fazer parte da AMEA (VASCO DA GAMA, 2008).
Sem pertencer a AMEA restou ao Vasco disputar o campeonato da Liga Metropolitana de Desportos, com times de menor expressão como Bonsucesso, Engenho de Dentro, entre outros.
No ano seguinte por intervenção de Carlito Rocha, dirigente do Botafogo, o Vasco foi aceito na AMEA. Realizando seus jogos no campo do Andaraí, onde é hoje o Shopping Iguatemi, os dirigentes do clube já se movimentavam para a construção do Estádio São Januário, que seria inaugurado em 21 de abril de 1927, motivado pela discriminação ocorrida nos anos anteriores.
Flamengo
Fundado no dia 17 de novembro de 1895 o, inicialmente chamado, Grupo de Regatas do Flamengo começou a surgir da idéia de José Agostinho Pereira da Cunha que, numa noite de setembro de 1895, perguntou a Nestor de Barros, Mário Spíndola e Augusto da Silveira Lopes o que achavam em de se fundar um clube de remo, “era só uma frase, dita numa mesa de bar. Nunca poderiam adivinhar que ela seria a centelha de uma paixão que iria incendiar milhões de pessoas e influir no destino dos esportes no Brasil” (CASTRO, 2001, p. 29). Estes concordando, e logo a notícia se espalha pelo Largo do Machado, tendo várias adesões na noite seguinte.
Pherusa foi o nome dado ao barco, comprado pelo grupo, de qualidade duvidosa pois “era de segunda ou terceira mão, já passara por mar brabo e precisava de reparos” (CASTRO, 2001, p. 29). Os sete membros do grupo formado para apanhar o barco, comandados por Mário Spíndola, partiram numa tarde. Saíram com o Pherusa para Ponta Caju, que não resistiu ao vento e a chuva e naufragou.
Os tripulantes de uma lancha salvaram a todos, com exceção de Bahia que havia sumido ao tentar nadar até a praia para procurar ajuda. Bahia havia conseguido chegar à praia mas só reencontrou seus amigos, já desesperançoso, no dia seguinte.
Um novo barco foi adquirido e denominado Scyra, reunindo um grupo de dezoito pioneiros, que elegeram a primeira diretoria, escolhendo as cores do uniforme, inicialmente o azul e ouro em listras horizontais, que posteriormente seria trocado pelo rubro-negro em 1896. Enfim estava fundado o Grupo de Regatas do Flamengo, que “Em 1902, por sugestão do poeta Mario Pederneiras, grande carioca e já rubro-negro roxo, outra mudança nos estatutos corrigiria o nome oficial do grupo, para Clube de Regatas do Flamengo – para sempre” (CASTRO, 2001, p. 31).
Fluminense
O Fluminense Football Club que representava a elite da sociedade carioca, teve sua fundação em 21 de julho de 1902, onde sua seção de fundação, realizada em 21 de julho de 1902, foi presidida por Manuel Rios e secretariada por Oscar Cox como presidente do clube, na residência de Horácio da Costa Santos, na Rua Marquês de Abrantes. Em 17 de outubro deste mesmo ano o clube já estava instalado, com sua sede em Laranjeiras, bairro nobre do Rio de Janeiro (NAPOLEÃO, 2003, p. 7, 8).
Em julho de 1910, a Proclamação da República estava próxima dos seus doze anos. A febre amarela era a grande preocupação da população. O melhor meio de transporte era o bonde. Os esportes favoritos dos cariocas eram o remo e o turfe. O futebol, esporte introduzindo no Brasil, por Charles Miller, já era bem organizado em São Paulo, que realizava o seu primeiro campeonato. Mas no Rio de Janeiro não despertava tanta atenção (NAPOLEÃO, 2003, p.5).
O jovem Oscar Cox, que voltava da Suíça em 1901, onde estudou no Colégio La Ville, em Lausane, e aprendeu a gostar de futebol, acabou por fundar um time de futebol, com seus companheiros, e partiram para Niterói para enfrentar outro time formado por ingleses, no campo do Rio Cricket and Athletic.
O primeiro jogo do Fluminense foi em 19 de Outubro de 1902 contra o Rio Football Club, no campo do Payssandu Cricket Club, onde “massacrou o adversário, vencendo por 8 a 0” (NAPOLEÃO, 2003 p.10). Fato que o tornaria o primeiro clube de futebol carioca, sendo o mais antigo entre os grandes clubes brasileiros, a implementar o futebol, até porque o Fluminense surgiu como clube específico para futebol. A camisa inicialmente era cinza, mas em 15 de julho de 1904, após Assembléia Geral Extraordinária, o Fluminense trocou a camisa anterior pela tricolor. (NAPOLEÃO, 2003, p.9)
Botafogo
A história do Botafogo pode ser dividida em três partes: Club de Regatas Botafogo, Botafogo Football Club e Botafogo de Futebol e Regatas. Inicialmente surgiu o Club de Regatas Botafogo, que como os grandes clubes do rio, tiveram inicialmente o remo como destaque.
Sua primeira fundação foi conturbada, pois era a época da Revolta Armada, uma rebelião arquitetada pela Marinha do Brasil contra o governo de Floriano Peixoto, além da politização de seus membros e uma forte tendência anti-governo, até porque Luiz Calda, conhecido por seu apelido o “Almirante”, era monárquico. O Botafogo foi impedido de continuar suas atividades, tendo Luiz Caldas preso. Com a morte do “Almirante” em 23 de Junho de 1894, os sócios voltaram a se reunir e como resposta ao governo fundaram o Club de Regatas Botafogo.
Luiz Caldas, o “Almirante”, descontente com o ambiente de jogatina que campeava no Club Guanabarense, transformou o Club de Botafogo, sua facção interna, já disputante em 1886, no grupo de Regatas Botafogo em 1891. Monarquista, foi preso em 1893, em consequência da Revolta Armada, vindo a falecer em 23 de junho de 1894. Não chegou a assistir a transformação do Grupo em Club de Regatas Botafogo, a 1° de julho de 1894. Seus companheiros sempre o consideraram fundador e benemérito, como consta na homenagem, de 1905. Posteriormente o Club criou um troféu de natação com seu nome (Botafogo, o glorioso: uma história em preto e branco, 1996, p. 14).
Seus fundadores foram: Alberto Lisboa da Cunha, Arnaldo Pereira Braga, Arthur Galvão, Augusto Martins, Carlos de Souza Freire, Eduardo Fonseca, Frederico Lorena, Henrique Jacutinga, João Penaforte, José Maria Dias Braga, José Teixeira, Julio Kreisler, Julio Ribas Junior, Luiz Fonseca Quintanilha Jordão, Oscar Lisboa da Cunha e Paulo Ernesto de Azevedo (Botafogo, o glorioso: uma história em preto e branco, 1996, p. 13).
O Club de Regatas Botafogo foi o primeiro campeão brasileiro de remo em 1902.
É do Botafogo o mais antigo título de campeão brasileiro em qualquer esporte. Em 1902, pela primeira vez, organizou-se, no Rio de Janeiro, um campeonato brasileira, o de remo. Foi vencido por Antonio Mendes de Oliveira Castro, que, assim, deu ao Botafogo o primeiro título brasileiro jamais existente e com um recorde, até hoje, não igualado para canoé a um remador, façanha elogiada pela “Semana Sportiva” de 1° de novembro de 1902 (Botafogo, o glorioso: uma história em preto e branco, 1996, p. 19)
No ano de 1904 surgiria o Botafogo Football Club, da idéia de dois estudantes Flávio Ramos e Emmanuel Sodré. Estasiados da aula de álgebra, no Colégio Alfredo Gomes, ministrada pelo general Júlio Noronha, Flávio passa um bilhete a Emmanuel que dizia: "O Ithamar tem um clube de futebol na rua Martins Ferreira. Vamos fundar outro no Largo dos Leões? Podemos falar aos Werneck, ao Arthur César, ao Vicente e ao Jacques" (NAPOLEÃO, 2000, p. 9,10).
Os meninos, moradores do bairro de Botafogo, logo convenceram outros colegas a aderir a idéia e o clube incialmente se chamaria Electro Club, fundado em um casarão no Largo dos Leões no dia 12 de Agosto, cedido por Dona Chiquitota, avó materna de Flávio. Porém o nome só durou até o dia 18 de Setembro de 1904, quando na casa da avó de Flávio, ela disse: “Como vocês são sem imaginação! Escolher um nome tão feio! Morando aqui onde moram, o nome tem que ser Botafogo” (NAPOLEÃO, 2000, p. 11).
A idéia foi aceita por todos imediatamente. E o nome Electro Club foi mudado para Botafogo Football Club e, assim, eleita uma nova diretoria: Presidente – Alfredo Guedes Mello, Vice-presidente – Ithamar Tavares, Secretários – Mário Figueiredo, Tesoureiro – Alfredo Chaves. A assembléia foi realizada no mesmo local da primeira (o velho chalé em ruínas), onde segundo Flávio Ramos, Basílio Vianna desenhou em naquim o primeiro escudo do Botafogo (NAPOLEÃO, 2000, p. 11)
O Botafogo Futebol e Regatas fundado em no dia 8 de dezembro de 1942, foi o resultado da fusão de dois clubes de mesmo nome: Club de Regatas Botafogo e Botafogo Football Club. A fusão se deu em um acontecimento trágico. Em jogo de basquete pelo campeonato carioca, os dois clubes disputavam no Mourisco Mar, sede do Club de Regatas Botafogo, quando o jogador Armando Albano, do Football Club, foi fulminado por uma síncope, no intervalo. Quando os médicos confirmaram o seu falecimento, a partida foi interrompida faltando dez minutos para o final, o placar marcava 21 pontos para Club de Regatas e 23 para Football Club. No momento em que o corpo passava em frente ao Mourisco Mar, houve uma parada e os presidentes do dois clubes se pronunciaram:
O presidente, Augusto Frederico Schimidt, pronunciou um elogio que se encerrou com palavras comoventes: “Comunico nesta hora a Albano que a sua última partida resultou numa nítida vitória. O tempo que resta do jogo interrompido, os nossos jogadores não disputarão mais. Todos nós queremos que o jovem lutador desaparecido parta para grande noite como um vitorioso. E é assim que o saudamos.” O presidente do Botafogo Football Club, Eduardo Góis Trindade, respondeu: “Nas disputas entre os nossos clubes só pode haver um vencedor: o Botafogo!” A resposta de Schimidt foi definitiva: “O que mais é preciso para que os nossos dois clubes sejam um só?” (NAPOLEÃO, 2000, p. 22, 23).
A partir dessa data iniciou-se o processo de fusão entre os dois clubes, que acarretaria em algumas modificações na bandeira, no escudo e o time passaria a jogar com calções pretos, mantendo a camisa listrada.
As tendências populares e elitizadas na consolidação dos clubes cariocas
A proliferação de clubes e times de futebol, sobretudo nas populosa cidades do Rio de Janeiro, obedeceu basicamente a duas grandes tendências.
A primeira tendência, orientada pelos valores do cavalheirismo, do “fair play” e do amadorismo, envolveu a elite da sociedade brasileira que buscava uma aproximação aos valores da modernidade européia. Um exemplo disso é o Fluminense, fundado em 1902. Este times foi fundado através de iniciativas ligadas a associações atléticas que por sua vez estavam ligadas a estabelecimentos de ensino. Outros times surgiram a partir de clubes independentes, como o Botafogo fundado em 1904. Alguns clubes, dedicados a outras modalidades esportivas, introduziram o futebol posteriormente como o Flamengo em 1911. Colégios e clubes constituíam-se em espaços restritos de formação, lazer e sociabilidade. Nestes espaços pretendia-se representar a pretensa superioridade da elite da sociedade brasileira, que procurava se fortalecer, por meio da difusão de vínculos de solidariedade e do afastamento dos demais setores sociais (FRANCO JÚNIOR, 2007).
A segunda tendência demonstrou que as fronteiras sociais do futebol começaram a ser transpostas desde cedo com a formação de times improvisados pelos setores populares que jogavam com bolas desgastadas, em terrenos ainda não ocupados pelo processo de urbanização. O futebol oportunizou a estes grupos uma inclusão negada, até então, em outras esferas sociais. Como exemplo principal dessa tendência, está o Vasco da Gama, fundado por imigrantes portugueses, um dos primeiros times a promover a inclusão de negros e operários no futebol carioca (VASCO DA GAMA, 2008)
O início da organização do futebol nacional assiste então a uma dupla concepção: a elitista e a popular. A concepção elitista abrigou os ideais higienistas pelos quais podia-se perceber um contexto de assepsia social, bastante propalado por intelectuais do período sendo Rui Barbosa um deles (GUIRALDELLI, 2007). Por sua vez a concepção popular tinha nos gestos acrobáticos da capoeira e nas ações coletivas do movimento operário, saberes, expressões e habilidades que viriam a ser determinantes na maneira de se jogar futebol no Brasil.
Conclusão
O futebol desempenha papel de extrema importância na formação da identidade do cidadão carioca. Os clubes do futebol do Rio de Janeiro, talvez representem, na dimensão sociológica, o casamento mais bem sucedido com o carioca, que tão bem alicerça o nosso sentimento de brasilidade, no Brasil e no exterior.
A análise das circunstâncias histórico-sociais em que surgiu o futebol no Brasil, pela figura de Charles Willian Miller e o surgimento dos principais clubes do futebol carioca, ressaltou nuances de cada período histórico, mostrando nossas contradições e nos ajudando a entender o passado para que possamos no presente desenvolver estudos relacionados à estética, a ética, a lógica, que nos auxiliem a tornar nossa cidade além de maravilhosa, justa e democrática em suas oportunidades para todos que nela vivem. O Club de Regatas Botafogo, por exemplo, revelou em sua história, que seus integrantes anti-governo republicano, ligados à Revolta Armada, foram perseguidos, porém, depois de tantos empecilhos, conseguiram efetivamente fundar o club de remo.
Observa-se também, a proliferação dos clubes do rio através das duas grandes tendências - a elitizada e a popular – que nortearam a consolidação dos clubes cariocas. Uma orientada por valores do higienismo, do cavalheirismo, do “fair play” e do amadorismo - a elitizada. E a outra composta pelas camadas populares, com seus times improvisados, promovendo a inclusão de negros e operários – a popular.
Além da importância educacional, filosófica, histórica e social, o estudo do futebol e dos clubes do rio, representa, também, um aprofundamento às proposições do manifesto mundial, da Educação Física, publicado pela Federação Internacional de Educação Física (FIEP), que estimula a cultura de paz e do Fair Play no esporte. Concluímos que através do universo do futebol, que por si só possui a força de unir as pessoas e expressar as paixões populares do cidadão brasileiro, poderemos construir instrumentos que nos auxiliem na transmissão desses saberes.
Referências
Botafogo, o glorioso: uma história em preto e branco
CASTRO, Ruy. O vermelho e o negro: Pequena grande história do Flamengo. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2001.
FRANCO JÚNIOR, Hilário. A dança dos deuses: futebol, cultura e sociedade. São Paulo: Companhia das letras, 2007.
GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo. Educação Física Progressita: A Pedagogia Crítico-Social dos Conteúdos e a Educação Brasileira. 10 ª ed. São Paulo: Loyola: 2007.
MELO, V. A. de. Futebol: que história é essa?. In: CARRANO, P. C. R. (Orgs.). Futebol: paixão e política. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
NAPOLEÃO, Antonio Carlos. Botafogo: história, conquistas e glórias no futebol. Rio de Janeiro: Mauad, 2000.
NAPOLEÃO, Antonio Carlos. Fluminense Football Club: história, conquistas e glórias no futebol. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.
VASCO DA GAMA, C. R. Club de Regatas Vasco da Gama, Site Oficial. Disponível em: http://www.crvascodagama.com/?display=HISTORIA-2, Acessado em: 26 jun. 2008.
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