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Aspectos técnicos, táticos e regulamentares 

do futsal sob a ótica de treinadores experts

 

* Pós Graduando do Curso de Especialização em Treinamento Esportivo
e Fisiologia do Exercício UCB-RJ / META Produções

** Professor Doutor da UFRRJ e Líder do Grupo de Pesquisa em Pedagogia de Educação Física e Esporte / CNPq.

*** Mestre em Ciências da Motricidade Humana pela UCB-RJ

Daniel Carvalho de Freitas*

José Henrique**

Ronaldo César Nolasco***

henriquejoe@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          O futsal, esporte eminentemente nacional, nasceu da fusão entre o futebol de salão e futebol de cinco. O objetivo desta pesquisa é caracterizar o conhecimento sobre os aspectos técnicos, táticos e regulamentares do futsal sob a perspectiva da expertise. O modelo de pesquisa é descritivo de caráter qualitativo. A amostra é composta de quatro treinadores de grandes clubes do Rio de Janeiro – Brasil, os quais apresentam o perfil de experts na modalidade esportiva de futsal. O instrumento de coleta de dados foi um questionário aberto respondido por escrito pelos treinadores selecionados. A análise de dados foi realizada através de análise de conteúdo. Os resultados mostram que os treinadores de futsal mobilizam um conjunto de conhecimentos necessários à organização e sistematização de inúmeras variáveis que interagem simultaneamente, as quais são dinâmicas e, por isso, tornam altamente complexo o processo decisório desses indivíduos no meio esportivo de alta performance.

          Unitermos: Futsal. Expertise. Treinador. Educação Física. Treinamento. Tática.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 125 - Octubre de 2008

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1. Introdução

    O futsal é um desporto de criação Nacional, nascido da fusão do futebol de salão e do futebol de cinco. Ocupa um lugar de destaque no cenário brasileiro e mundial, e é homologado oficialmente pela FIFA (FERREIRA, 2002). Como a maior parte desta pesquisa se concentra na questão relacionada à formação tática das equipes, é de grande valia que tenhamos em mente o conceito de tática. Segundo Mutti (2003), tática

    “é uma forma racional e planejada de aplicar um sistema e seus vários esquemas, a fim de combinar o jogo de ataque e defesa, tirando proveito de todas as circunstâncias favoráveis da partida, com o objetivo de dominar o adversário e conseguir a vitória” (p. 177).

    Dentre os principais fatores que devem ser considerados e influenciam a tática de jogo de uma equipe destaca-se a atenção com o adversário (fator preponderante para a preparação esportiva), a condição técnica e características pessoais dos jogadores, o condicionamento físico dos atletas, além de outras variáveis psicológicas tais como a motivação, a confiança e a tranqüilidade que são igualmente essências à performance esportiva. A capacidade de observação dos treinadores no decorrer das partidas contribui para a possibilidade de gerar mudanças táticas do contexto de jogo. Finalmente, as regras e regulamentos enformam a elaboração da tática de qualquer equipe.

    A tática de uma equipe se caracteriza a partir dos sistemas e padrões de jogo, bem como das variações de esquemas previamente definidos no processo de preparação esportiva.

    Os sistemas de jogo se configuram através da disposição dos atletas em quadra de modo que suas ações e manobras neutralizem o ataque adversário e iluda a defesa adversária (APOLO, 2004). Os sistemas mais recorrentemente citados na literatura são o 2X2 (com ou sem variação), o 2X1X1, 3X1, 1X3, 4X0, 0X4 e os sistemas em rodízio. O sistema de jogo representa a base de formação da equipe e funciona de modo interdependente com os esquemas e padrões de jogo. Segundo Mutti (2003), o padrão de jogo se configura em diversas formas de movimentação dos atletas, situação em que ocorre a troca de posições de modo planejado e organizado, no intuito de confundir a marcação adversária e provocar erros em seu sistema defensivo, visando a infiltração na defesa contrária em busca de melhores condições para a finalização em gol. Existem vários padrões de jogo em função dos sistemas empregados pelas equipes. Os padrões envolvem movimentos de circulação laterais ou diagonais, contando ou não com a participação do goleiro (MUTTI, 2003). Quando se conta com o goleiro linha, este se posiciona como base, sendo o último jogador da defesa. São exemplos de padrões de jogo: (a) o padrão roda; (b) o padrão em oito; (c) o padrão oito por trás; (d) o padrão pelo meio; (e) Padrão invertido; (f) padrão cruzado; (g) padrão em “X”; (h) padrão em elástico; (i) padrão com goleiro linha (Para aprofundamento vide MUTTI, 2003). Os esquemas se concretizam em manobras estratégicas definidas a partir dos sistemas e padrões de jogo adotados por uma equipe (APOLO, 2003). Funcionam como combinações inerentes à formação adotada pela equipe e se desenvolve mediante a sincronização de movimentos e passes preconcebidos, visando criar oportunidades de jogo sem abrir mão do equilíbrio defensivo.

    Na seqüência descrevemos a formação e as características dos principais sistemas de jogo utilizados no futsal.

1.1.     Sistemas de Jogo no Futsal

Figura 1. Sistemas de jogo 2X2, 2X1X1, 3X1 e 1X3

    O sistema 2x2 é o mais simples entre todos os sistemas, utiliza dois jogadores na defesa e dois jogadores no ataque (Figura 1). Por ser de fácil assimilação é utilizado nas categorias de iniciantes e equipes tecnicamente inferiores. Este sistema pode ser considerado como precursor de outros sistemas tais como: 3x1, 1x3. Em termos dinâmicos, quando um atacante recua para ajudar na defesa se transforma em 3x1, e quando um defensor avança para ajudar no ataque passa a 1x3 (MUTTI, 2003).

    O sistema 2x1x1, relativamente simples e de fácil aprendizagem, é constituído de dois jogadores na defesa, sendo um de cada lado da quadra denominados de alas, um jogador no meio da quadra e um quarto jogador denominado pivô, que se localiza avançado perto da área adversária. Este sistema é bastante utilizado pelas equipes nas saídas de bola no tiro de meta.

    O sistema 3x1, como pode ser visualizado na Figura 1, se caracteriza com um jogador fixo na frente de sua área defensiva, dois jogadores abertos pelas alas – que tanto auxiliam na defesa quanto no ataque; e um pivô que joga sempre um pouco mais adiantado. Este sistema pode ser mais facilmente observado pelos expectadores quando uma equipe começa a fazer manobras em sua área defensiva visando uma ação ofensiva.

    No sistema 1X3, considerado excessivamente ofensivo, a formação da equipe apresenta um jogador fixo na defesa e três jogadores posicionados no ataque. Este é um sistema considerado “suicida” por Apolo (2004), mas Mutti (2003) admite ser viável em equipes de elevado nível técnico.

    O sistema 4x0 caracterizado pela colocação dos quatro jogadores na parte defensiva da quadra de jogo (Figura 2), é uma formação considerada moderna, pois faz com que as equipes tenham uma grande movimentação, alternando o posicionamento de seus jogadores constantemente. Isso dificulta a marcação das equipes adversárias. A utilização deste sistema pela sua complexidade fica mais restrita a times de alto nível.

Figura 2. Sistemas 4X0, 0X4, rodízio de 3 e rodízio de 4 pelo meio

    O sistema 0x4 é uma opção de formação tática na qual os quatro jogadores se colocam no ataque. Este sistema pode ser utilizado como opção quando nos momentos finais do jogo a equipe encontrar-se em desvantagem no placa. Outra situação em que se admite a sua utilização é quando a equipe dispõe de um goleiro que tenha um bom controle da bola com os pés.

    Como pode ser observado na Figura 2, o sistema rodízio de três se configura com três jogadores colocados em sua parte defensiva da quadra e um jogador no ataque. Este sistema se caracteriza pela movimentação dos três jogadores de defesa, fazendo uma sucessiva troca de posições entre o fixo e os alas e esperando uma melhor oportunidade para realizar a ligação com o ataque.

    A última ilustração da Figura 2 caracteriza o sistema rodízio de quatro. Esta situação tática exige uma grande movimentação dos jogadores. A dinâmica empregada neste sistema exige atenção, concentração e sincronia dos jogadores. O rodízio pode ser realizado tanto pelo meio da quadra quanto pelas alas. No rodízio pelo meio dois jogadores se localizam na ala direita, sendo um no ataque e outro na defesa (jogadores 1 e 3), enquanto os outros dois jogadores se colocam na ala esquerda distribuídos da mesma forma, ou seja, um no ataque e outro na defesa (2 e 4). O rodízio se inicia com um jogador de defesa (jogador 1), estando em posse da bola, passa ao companheiro que esta ao seu lado na meia quadra defensiva (jogador 2) e corre pelo meio da quadra visando ocupar a posição do atacante na ala correspondente a que se encontrava na defesa (posição do jogador 3). Na seqüência, o jogador de ataque do mesmo lado (jogador 3) retorna à defesa pela lateral ocupando a posição defensiva deixada pelo jogador 1, onde terá a oportunidade de realizar posteriormente a mesma movimentação de seu companheiro (jogador 1). Esta dinâmica ocorrerá da mesma forma pela ala esquerda envolvendo os jogadores 2 e 4.

    Cabe referir que também existe o rodízio de quatro realizado pelas alas. A dinâmica de sua realização abrange deslocamentos de três jogadores entre a meia quadra defensiva e ofensiva pela lateral da quadra de jogo, enquanto um jogador fica restrito à área defensiva suportando de forma cíclica o rodízio realizado pelos companheiros (para aprofundamento vide APOLO, 2004).

1.2.     Tipos de marcação

    Os esquemas defensivos se configuram através do tipo de marcação adotada pelo treinador. Entre as mais referenciadas na literatura destacam-se a marcação Individual (ou Homem a Homem), que pode ser realizada em situação de marcação pressão e meia pressão, e marcação por Zona, que pode ser configurada em forma de losango e quadrado.

    A marcação individual ou homem-a-homem se caracteriza pela responsabilidade de cada defensor sobre um jogador adversário (o seu atacante) previamente determinado. Neste caso o defensor deve acompanhar o adversário sob sua responsabilidade em todo o espaço da quadra de jogo. Este sistema admite a possibilidade de realização sob pressão ou meia pressão (MORATO, 2004). A marcação pressão exige a constante ação do defensor sobre o atacante em qualquer local da quadra em que este se encontre. do defensor uma ação sobre o adversário (MUTTI, 1994). A marcação meia pressão se difere da anterior pelo fato de se direcionar a marcação individual exclusivamente sobre o adversário que possui o domínio da bola. Quando o oponente não tem a posse de bola, o defensor deve marcá-lo a distância, tendo ainda a possibilidade de dar cobertura a outro companheiro que esteja efetivamente pressionando o seu atacante direto.

    A marcação por zona ou setores se caracteriza pela responsabilidade que cada defensor tem sobre uma determinada região do campo de jogo e, assim, pelo atacante direto que a ocupa (MUTTI, 2003). Diferentemente da marcação individual, em que a marcação é fixa num adversário previamente determinado, na marcação por zona a prioridade assumida pelo defensor é a marcação de um setor definido. Neste tipo de marcação o posicionamento dos defensores ocorre em função do deslocamento da bola (BAYER, 1994), e por isso são comuns as constantes trocas de marcação. Na marcação por zona em forma de losango os alas direito e esquerdo cobrem as áreas 1 e 2 em suas respectivas posições realizando um balanço em função da posição da bola, isto é, o ala do lado em que se encontra a bola estará avançado, enquanto o ala contrário recuará para cobertura, e vice-versa, quando a bola mudar de uma ala para a outra. O fixo e o pivô repartem a responsabilidade pela marcação das áreas centrais 1 e 2 (Figura 3).

Figura 3. Marcação por zona em losango em função da posição da bola (Fonte: MORATO, 2004)

    A marcação por zona em forma de quadrado tem como base os sistemas 2X2 ou 4X0. Nesta formação dois jogadores ocupam as áreas 1 e 2 pela esquerda, enquanto outros dois procedem da mesma forma no lado direito, configurando um quadrado imaginário (MORATO, 2004). Da mesma forma como ocorre na marcação em losango, os jogadores avançados realizam o movimento de balanço em função da posição do adversário de posse da bola (Figura 4).

Figura 4. Marcação por zona quadrado em função da posição da bola (Fonte: MORATO, 2004)

    Tendo em vista que este estudo se desenvolveu sob a perspectiva da expertise, na seção seguinte nos ocupamos em conceitualizar esta teoria, no intuito de esclarecer os parâmetros determinantes da expertise e a mais valia que as pesquisas sob esta perspectiva podem acrescentar ao conhecimento sobre a preparação esportiva em contextos competitivos e de alta performance relativamente ao desenvolvimento do futsal.

1.3.     Características e desenvolvimento da expertise

    Os estudos sob a perspectiva da expertise têm origem na obra do psicólogo alemão Anton DeGroot, publicada em 1965 abordando os pensamentos e ações de jogadores de xadrez (thought and choice in chess) (BERLINER, 1994). Esta obra foi fundamental para a sistematização do modelo de pesquisa nos moldes contemporâneos, chegando a assumir o status de paradigma de investigação. O termo expert denomina indivíduos altamente experientes em seu ramo de trabalho, os quais conseguem alcançar com distinção níveis de proficiência face ao ampliado período de prática reflexiva numa área de atuação. Em geral, no âmbito da educação física e esportes, o estudo da expertise se propõe a analisar os pensamentos de ações de professores e treinadores considerados experts, isto é, indivíduos que demonstram possuir um alto nível de domínio e conhecimento relacionado ao ensino de conteúdos escolares e ao treino de modalidades esportivas, respectivamente.

    O modo através do qual indivíduos se tornam experts em sua área de atuação foi objeto de conceitualização por autores como Berliner (1994) e Bell (1997). Ambos os autores propõem que o desenvolvimento da expertise ocorre através de distintas etapas. Berliner (1994) identifica cinco estágios de desenvolvimento (ou níveis de expertise), a saber: principiante, principiante avançado, competente, proficiente e expert (perito ou experto), enquanto Bell (1997), baseado no mesmo modelo, exclui o estágio de principiante sob a alegação de que o indivíduo carrega um conjunto de vivências que reduzem o impacto da ação no campo de atuação profissional. Ou seja, as vivências pregressas do treinador, quer como atleta quer durante a formação acadêmica, possibilita um conjunto de experiências que permitem a iniciação profissional com algum nível de instrumentalização.

    A expertise do treinador se desenvolve com base no conjunto de fatores tais quais os conhecimentos adquiridos, motivação, metas pessoais e a extensiva experiência num contexto específico e em uma área de atuação. O tempo de experiência é altamente valorizado na literatura, embora se reconheça a necessidade de interação com as demais variáveis (SIEDENTOP; ELDAR, 1989; SCHEMPP, 2003). O domínio do conteúdo de ensino/treino, juntamente com a experiência exercida num contexto específico, constitui um dos sustentáculos da expertise (HENRIQUE, 2004). Assim, a ampla vivência num determinado ambiente e com o objeto de treino, por si só, não conduz ao desenvolvimento da perícia, mas se constitui numa das condições necessárias para viabilizar a experiência e, conseqüentemente, tornar a sua prática eficaz. Certamente, todos os professores experts apresentam uma extensiva experiência no campo de atuação profissional (BELL, 1997).

    A experiência está intimamente relacionada com o contexto específico em que se desenvolve o exercício profissional e com o conhecimento sobre o objeto de ensino/treino. Um professor/treinador expert em futebol de campo não manterá, obrigatoriamente, a expertise no âmbito do futsal, e vice-versa. Baker; Horton; Robertson-Wilson; Wall (2003), destacam que o expert possui um destacado conhecimento específico na área de atuação, acumula e acessa o conhecimento de forma mais efetiva, detectam e reconhecem padrões de jogo e tomam decisões com destacada rapidez e propriedade. O treinador expert dispõe de um conjunto de rotinas armazenadas em vista de suas vivências pregressas, que lhe permitem atuar automaticamente diante de novas situações.

    A construção do conhecimento do expert é dinâmica e evolui desde a sua formação profissional. As primeiras vivências durante a formação profissional são profícuas para o desenvolvimento da expertise, quando o indivíduo conta com a cooperação de orientadores com quem possa discutir a própria prática. Segundo Siedentop & Eldar (1989), esta interação é fundamental para o desenvolvimento da expertise no meio esportivo porque proporciona um feedback sobre a performance na atividade. A partir do início da prática profissional a troca de informações com outros indivíduos mais experientes na área de atuação continua a implicar para a aquisição/aprofundamento de conhecimentos, bem como para o desenvolvimento de competências práticas. O estudo de Schempp (2003) ratifica a importância da troca informal de conhecimentos no âmbito profissional. Na pesquisa conduzida pelo autor, as fontes de conhecimento consideradas mais úteis pelos treinadores experts, embora não excluíssem a busca de literatura concernente, foram os contatos com outros treinadores e a própria atividade prática. Enquanto as trocas com outros profissionais da área lhes proporcionaram novos e diferentes subsídios, as vivências no treino permitiram mais tempo de prática, observação de situações diversificadas – implicando em aprofundamento de conhecimentos, e interações com os atletas, sendo esta importante para a avaliação de suas práticas.

    Do momento em que recebe um estímulo até o momento de solução do problema, o treinador recorre a uma rede de informações estruturadas e acumuladas na memória de longo prazo. Ao perceber, interpretar e representar o problema, o treinador põe em ação um complexo mecanismo que promove o estabelecimento de associações entre blocos de informações estruturadas a partir de seu vasto conhecimento, as quais alimentam o processo decisório permitindo ao treinador solucionar de forma rápida e precisa um determinado problema (HENRIQUE, 2004; ERICSSON & STASZEWSKI, 1989; ENNIS, 1994). Portanto, a ação de treinadores experts dispensa o processamento cognitivo de informações no nível analítico e deliberativo que, para Siedentop & Eldar (1989), fomentam a capacidade para discriminar as informações com antecedência e apresentar respostas rápidas e precisas.

2.     Objetivo

    Caracterizar o conhecimento de treinadores experts sobre os aspectos técnicos, táticos e regulamentares do jogo de futsal, no sentido de compreender as bases cognitivas que orientam a sua ação no contexto esportivo de alta performance.

3. Metodologia

3.1.     Tipo de Pesquisa

    O modelo de pesquisa se caracteriza como descritivo de caráter qualitativo, na medida em que visa descrever as cognições de treinadores experts na modalidade futsal, a partir da interpretação e análise de respostas a um questionário aberto. Segundo Gil (2002), a pesquisa descritiva visa descrever as características de determinada população ou fenômeno, sendo uma de suas características mais significativas a utilização de técnicas padronizadas de coleta de dados, tais como o questionário, entre outros.

3.2.     Amostra

    A amostra neste estudo é composta por 4 treinadores de grandes clubes que disputaram o Campeonato Estadual de Futsal do Rio de Janeiro – Brasil, no ano de 2007, na categoria adulto masculino. A expertise dos treinadores foi garantida pelo tempo de experiência na área de atuação, considerando que os indivíduos apresentam em média 10,7 (± 2,2) anos de experiência na condição de treinadores, 20,0 (± 7,9) anos como atletas da modalidade e 15,0 (± 4,9) anos de experiência na área de atuação em funções de assistência técnica e arbitragem.

3.3.     Instrumento

    Foi utilizado um questionário aberto com registro de respostas pelos próprios indivíduos da amostra. Segundo Hill & Hill (2000), apesar das exigências interpretativas e do tempo de aplicação, este instrumento permite a coleta de informações mais ricas e detalhadas.

    O questionário é composto de 10 perguntas abertas, através do qual os treinadores foram solicitados a expressarem seus conhecimentos sobre as questões táticas do jogo (formação tática ofensiva e defensiva de uma equipe e relações entre a preparação física e tática), bem como as suas apreciações sobre as freqüentes mudanças ocorridas no futsal e em relação ao desenvolvimento do futsal no Rio de Janeiro em relação aos demais Estados brasileiros.

    Em vista pouca disponibilidade de tempo dos treinadores, os questionários foram lhes foram entregues e recolhidos quando os pesquisadores foram informados que os mesmos haviam sido completamente respondidos.

3.4.     Análise dos dados

    Após a recolha dos questionários as respostas foram interpretadas e analisadas mediante a técnica de análise de conteúdo. A codificação das unidades de análise respeitou exclusivamente os temas de interesse da pesquisa enunciados anteriormente. O processo de interpretação e codificação das respostas dos treinadores foi realizado por dois pesquisadores, visando preservar a validade das análises (HILL & HILL, 2000).

4.     Apresentação dos resultados

    Em relação à opção por tipos de marcação, todos os treinadores informaram que o sistema defensivo deve ser definido considerando fatores tais como as características de seus atletas, as características do adversário, o tempo de que dispunham para os treinamentos, bem como para o conhecimento do grupo de atletas a sua disposição. Apesar dessa unanimidade, um treinador demonstrou atitude mais positiva pelo sistema defensivo individual, mas não deixou de destacar que isso só seria possível se contasse com atletas que possuíssem características específicas para este tipo de jogo. Outro treinador declarou que os sistemas baseados na marcação por zona demandam mais tempo para o aperfeiçoamento.

    Quanto ao sistema defensivo, além de levar em consideração as características da própria equipe e da forma de jogar do adversário, o Treinador 2 destacou que quando confronta equipes com goleiros “chutadores” prefere o recurso ao sistema de marcação em “losango”, ao passo que quando se defronta com equipes em que o goleiro atua mais como passador, opta pelo sistema em “quadrado”.

    Em alguns casos (goleiro chutador) losango, em alguns casos (passador) quadrado. Se for em termos de marcação zona, sempre losango. (TREINADOR 2)

    Para o Treinador 1 a utilização destes sistemas depende de fatores tais como as características dos atletas, as dimensões da quadra e o momento do jogo.

    Como todos os sistemas, ambos devem obedecer a algumas condições: quem vai executar, dimensões da quadra, momento do jogo e etc. (TREINADOR 1)

    Quando os treinadores foram questionados sobre como administravam a individualidade dos atletas e a formação tática da equipe, mais uma vez a tática aparece na dependência das características individuais dos atletas. Um treinador argumentou que o atleta deve usar a individualidade com responsabilidade e sempre a favor da equipe. A interação individualidade/coletividade é valorizada quando facilita a compreensão mútua das ações entre os atletas. Em geral, para estes treinadores, a individualidade deve somar para a coletividade da equipe, sendo potencializada no sistema tático implementado, como fica claro na seguinte assertiva:  

    A individualidade é a marca do bem sucedido, desde que colocada à serviço do coletivo. A tática deve ser utilizada, para que a individualidade possa aflorar com maior segurança. (TREINADOR 1)

    Relativamente ao nível de prioridade conferida à tática e às possibilidades de criatividade do atleta, todos os treinadores revelaram que a fluência da criatividade dos atletas deve ser valorizada, mas dentro do padrão tático da equipe, denotando implicitamente o alto valor que conferem à disciplina tática.

    O atleta sempre tem a oportunidade de criar, desde que não fuja do padrão tático definido. O aumento das quadras, de uma forma geral, ao mesmo tempo em que modificou a forma de jogar, criou mais espaços para a criatividade. (TREINADOR 2)

    Sim, [a tática] foi mais trabalhada, mais as quadras com dimensões maiores deram aos atletas a oportunidade ou a liberdade de criar mais (no momento certo) seguindo a parte tática. (TREINADOR 3)

    Ainda que valorizando o trabalho tático, o Treinador 4 declara seu ceticismo com relação à atual valorização do jogo-força baseado na supremacia do trabalho tático e físico em prejuízo da criatividade e qualidade individual dos atletas.

    Eu diria que a parte tática foi trabalhada em demasia, os espaços passaram a existir, mas a qualidade do jogador caiu muito. Foi dada muita ênfase ao binômio tático-físico, e com isso a qualidade individual foi deixada de lado.[...] A tática foi (excessivamente) aprimorada, melhorou a condição física, mas deixamos a arte bastante abandonada. (TREINADOR 4)

    Apenas o Treinador 4 demonstra uma preconcepção de que o relevo exarcebado conferido aos aspectos físicos e táticos limita a manifestação das qualidades individuais e ação criativa do atleta. Os demais treinadores consideram que a preparação física fundamental para a evolução em outras dimensões da preparação de uma equipe.

    Como seria de esperar, a opção dos treinadores pelos distintos esquemas de jogo varia em função de fatores como o tamanho do terreno de jogo, as características dos atletas de sua equipe, bem como da formação e características das equipes e atletas rivais. A opção pelo esquema 4X0 aparece associada às dimensões do campo de jogo, isto é, as quadras de maiores dimensões permitem atrair o adversário para o próprio campo, com isso, permitindo maiores espaços ofensivos. Já no terreno de jogo com dimensões menores que a medida oficial, parece ser unânime que o esquema 3X1 possibilita maior equilíbrio à equipe. Para o Treinador 1, o esquema 4X0 permite maior ofensividade, enquanto o esquema 3X1 permite maior equilíbrio, com a possibilidade de variar para o esquema 2X1X1. A utilização do rodízio depende das características dos atletas e do tempo disponível para a preparação da equipe, como fica evidente no relato do Treinador 2, alegando que naquele ano recorreu ao pivô fixo, por não dispor de condições de trabalhar os “quatro rodando”.

    Finalmente, os treinadores foram questionados quanto às conseqüências das modificações das regras ocorridas nos últimos anos para o jogo de futsal. Todos os treinadores informaram que não houve dificuldade para a adaptação às novas regras. No entanto, identificaram aspectos positivos e negativos para o desenvolvimento da modalidade. Os Treinadores 2 e 4 avaliaram que as mudanças das regras têm influenciado de forma significativa o desenvolvimento tático na modalidade, implicando na necessidade de constante adaptação do jogo das equipes. Três dos quatro treinadores aprovaram a intenção de universalização das regras do esporte, mas consideram que a quantidade de alterações ocorreram num período muito curto de tempo. Dentre os aspectos positivos, foi quase unanimidade (a) a liberdade conferida ao goleiro dando-lhe a possibilidade de atuar ofensivamente; (b) o “tiro de 10 metros” (tiro livre sem barreira); (c) a dinâmica nas substituições; e (d) a alteração das dimensões do terreno de jogo, muito embora em relação a esta última, o Treinador 4 considerou a ampliação exagerada opinando que deveria ser de no máximo 36 metros. Dentre os aspectos negativos destaca-se (a) a possibilidade da bola lançada pelo goleiro na cobrança do arremesso de meta; (b) o fato de nem todas as faltas serem computadas de forma cumulativa (tiro livre indireto) a qual, para o Treinador 3, representa um grande retrocesso; e a possibilidade do goleiro lançar a bola diretamente para o meio campo adversário. Em geral, todos os treinadores reclamaram do fato de não haver o jogo adaptado para jovens iniciantes, pois acreditam que esta medida, a exemplo do que ocorre em outras modalidades (mini-basquete, mini-handebol, etc), possibilitaria uma formação de base mais adequada às capacidades infantis.

    O maior erro do futsal é não atentar para uma adequação das regras nas categorias de base. Um goleiro de 08 anos de idade,defende em traves com as mesmas dimensões para um adulto. (TREINADOR 1)

5.     Conclusões

    A pesquisa envolvendo experts visa a análise de indivíduos que demonstram diferenciada performance numa área de atuação, no intuito de gerar conhecimento que contribua para o desempenho profissional e/ou promova a reflexão de indivíduos menos experientes de modo a também lhes permitir o alcance da expertise. Quando pensamos em indivíduos experts no meio esportivo, recordamos de sua experiência, de suas vitórias e títulos conquistados. A expertise se opõe ao amadorismo e por isso a pesquisa com estes profissionais ajuda a elucidar a sua forma fluida de conceber soluções quando se confrontam com problemas em sua área de atuação. Esta abordagem se torna ainda mais significativa numa área em que prevalece a construção da teoria a partir do conhecimento prático adquirido no trabalho de campo. Esta pesquisa se propõe a analisar as cognições que orientam as ações de treinadores de futsal face às decisões/opções táticas características desta modalidade esportiva.

    Consonante com a literatura revisada, as ações dos treinadores experts estão subordinadas à análise de um complexo conjunto de variáveis que envolvem tanto as características de sua equipe e atletas, quanto àquelas do adversário. Assim, as decisões sobre os sistemas, esquemas e padrões táticos refletem um exame sistemático e metódico de inúmeras variáveis tais quais as características psicológicas, físicas e técnicas dos atletas; o tempo disponível para a preparação esportiva; a natureza das competições e dos adversários; os espaços onde se realizam os jogos; e, principalmente no futsal jogado nos últimos anos, a adaptação tática às regras do jogo que denotam grande quantidade de modificações num curto espaço de tempo.

    As opções pela adoção de sistemas defensivos se apresentam dependentes das características individuais dos atletas e/ou do tempo disponível para a preparação visando aprimorar o entrosamento dos atletas. O jogo da equipe adversária influencia as decisões do treinador, tendo sido referido a adequação de sistemas defensivos com o jogo de equipes adversárias que atuam com “goleiro linha”. Em situações de menor ofensividade do goleiro (passador) a maior parte dos treinadores recorrem á marcação em “losango”, enquanto quando confrontam as equipes com goleiros “chutadores” prevalece a opção por sistema em “quadrado”. Constata-se, então, como as novas regras e, com isso, a promoção de possibilidades ofensivas aos goleiros, influenciaram a dinâmica do jogo de futsal e conseqüentemente a reflexão e adaptação dos treinadores a uma nova realidade do jogo. Os tipos de marcações são encarados como opções que devem se adequar à situação do jogo, sendo relevadas as características técnicas dos jogadores para a implementação de defesas individuais e o tempo de preparação para a implementação de defesas por zona para que funcionem de maneira eficaz.

    Embora não deixem de levar em consideração os fatores já citados anteriormente, a variável mais referenciada pelos treinadores experts ao se referirem à adoção de sistemas de jogo foi a dimensão da quadra. Nas quadras maiores adotam sistemas dinâmicos, mais modernos e ofensivos, enquanto nas quadras com dimensões mínimas optam por sistemas de jogo mais equilibrados. As variações de um sistema para outro e o recurso aos sistemas em rodízio são valorizadas em função do tempo disponível para a preparação das equipes e de como se apresenta o contexto de jogo.

    Os treinadores experts valorizam a habilidade individual e criatividade dos atletas, mas percebem-na como elementos que, obrigatoriamente, devem se integrar à dimensão tática da equipe de futsal, percepção que revela serem extremamente exigentes quanto à disciplina tática dos jogadores. Para eles a criatividade e habilidades individuais devem ser utilizadas com responsabilidade pelo atleta e em sintonia com o binômio individualidade/coletividade e padrão de jogo da equipe.

    Observa-se a importância conferida ao plano do treinamento nas suas distintas dimensões (Técnica, física, tática e psicológica), mas a preocupação destes treinadores extrapola o contexto de seu atual trabalho, na medida em que reclamam adaptações na formação de base, a exemplo do que ocorre em outras modalidades esportivas, visando a qualificar a preparação jovens atletas de futsal. Aliás, apesar de concordarem que as constantes mudanças de regras nos últimos anos trouxeram benefícios ao jogo, citam como prejuízo a inexistência de adaptações na iniciação esportiva.

    Como afirma Oliveira, Voser & Hernandez (2004), o treinador comumente exerce funções que vão além de suas responsabilidades, muitas vezes atuando, mesmo, como dirigente, psicólogo, educador, conselheiro, etc. Suas ações influenciam a performance dos atletas e, conseqüentemente, o desempenho da equipe. A expertise não deve apenas se basear na experiência de campo. A função do treinador, complexa como se apresenta, demanda que os indivíduos recorram constantemente ao estudo e à pesquisa no sentido de habilitá-lo a interagir de forma positiva com seus atletas, bem como no meio no meio profissional, pois as conseqüências de seu comportamento refletem na satisfação, desempenho e coesão do grupo social em que intervêm.

    Finalizamos com uma referência de Guilherme (1975), citada por Oliveira, Voser & Hernandez (2004), a qual entendemos refletir o papel do Professor/Treinador:

    o treinador deve-se conduzir de tal modo que sirva aos praticantes de ontem como uma recordação agradável de sua juventude; aos praticantes de hoje, como um exemplo de sacrifício, de dedicação e de dignidade, e aos praticantes de amanhã, como uma esperança a mais em seu futuro.

Referências

Outro artigos em Portugués

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