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Perfil psicomotor: caracterização de alunos da 3º e 4º
séries do ensino fundamental do Núcleo Cruz Vermelha - PEI,
Programa Escolinhas Integradas

   
PEI/UNISINOS.
(Brasil)
 
 
Edilson Ferreira Gonçalves
edilsongon@terra.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
     Esta pesquisa de campo objetivou caracterizar o perfil psicomotor de alunos do Programa Escolinhas Integradas - PEI/UNISINOS, a fim de analisar semelhanças e diferenças quanto ao desempenho psicomotor em sete fatores: tonicidade, equilibração, lateralização, noção do corpo, estruturação espaço-temporal, praxia global e praxia fina. Levou-se em consideração o gênero (masculino e feminino). Participaram do estudo 33 crianças com idades entre 9 e 13 anos. O instrumento utilizado para coleta de dados foi a Bateria Psicomotora de Fonseca (1995). Os resultados coletados constaram que não há um perfil dominante entre as crianças pesquisadas. Observa-se que em relação ao gênero, a diferença foi mínima nos fatores tonicidade, noção de corpo e praxia fina. Sendo que nos fatores equilibração e estruturação espaço-temporal, o sexo feminino obteve melhor classificação e o sexo masculino ficou melhor classificado nos fatores lateralização e praxia global.
    Unitermos: Perfil psicomotor. Escolares. Educação Física. Educação pelo esporte.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 13 - N° 120 - Mayo de 2008

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Introdução

    O Programa Escolinhas Integradas (PEI) é um espaço sócio educativo caracterizado pela prática esportiva de forma reflexiva e crítica, atendendo crianças e adolescentes provenientes de famílias de baixa renda da cidade de São Leopoldo em quatro núcleos de atuação. È vinculado à Ação Social da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) e tem como parceiro o Instituto Ayrton Senna (IAS/AUDI) desenvolvendo o Programa de Educação pelo Esporte. O PEI tem como objetivo, entre outros, ser um espaço de formação integral, utilizando o esporte como meio, e contribuir para o ingresso, retorno, permanência e sucesso das crianças e adolescentes na escola.

    A formação integral, segundo Hurtado (1988), é objetivo da educação física por meio do desenvolvimento e aprimoramento das qualidades físicas e psíquicas, contribuindo na formação de uma personalidade emocionalmente equilibrada, socialmente ajustada e funcionalmente desenvolvida.

    Para Mattos e Neira (2005) a educação pelo movimento é uma educação psicomotora de base, que trabalha os aspectos afetivos, motores e intelectuais. Para Vayer (1986) a educação psicomotora é uma ação pedagógica que utiliza os meios da educação física com o fim de normalizar ou melhorar o comportamento da criança. Ajuriaguerra (1980) define a psicomotricidade como a expressão de um pensamento pelo ato motor preciso, econômico e harmônico. Conforme Fonseca (1995), o perfil psicomotor representa a qualidade da comunicação entre o psíquico e o motor em um determinado momento do desenvolvimento da criança.

    Mattos e Neira (2002) chamam a atenção para práticas escolares onde são impostas a crianças de diferentes idades rígidas restrições posturais. Pelo papel que o movimento desempenha à percepção e afetividade, é a impossibilidade de mover-se que pode dificultar o pensamento e a atenção desejadas. A falta de atividade física pode retardar o desenvolvimento motor e dificultará a execução de movimentos mais complexos em atividades futuras.

    A atividade motora exige envolvimento, concentração, atenção, agilidade de pensamento para operar conceitos e resolver problemas de todos os tipos. A criança se apropria do mundo pelo seu agir sobre o mundo, apodera-se da realidade pela ação (MATTOS E NEIRA, 2002).

    Diante disso, o sucesso na aprendizagem escolar está associado ao perfil psicomotor, como mostrou estudo desenvolvido por Sanches et al (2004) com alunos da rede publica de São Paulo.

    Considerando os objetivos do PEI em contribuir na formação integral e no sucesso escolar, esse estudo buscou identificar o perfil psicomotor - através do BPM (bateria psicomotora) de Fonseca(1995) - de crianças da terceira e quarta série do ensino fundamental, que freqüentam o núcleo Cruz Vermelha.


Método

    Este estudo caracterizou-se como uma pesquisa de campo descritiva. A amostra constitui-se de 33 crianças, sendo 21 meninos e 12 meninas, entre 9 e 13 anos, estudantes da terceira e quarta séries da uma Escola de Ensino Fundamental de São Leopoldo/RS, que funciona em regime de semi-internato e é parceira do PEI.

    Após o consentimento da diretora, as crianças foram avaliadas em uma sala da própria escola durante o turno e contra-turno escolar. As tarefas foram previamente explicadas às crianças, afim de deixá-las tranqüilas.

    O Perfil Psicomotor das crianças foi avaliado por meio do protocolo de Bateria Psicomotora (BPM) elaborado por Fonseca (1995), que consiste na mensuração de 7 fatores psicomotores: tonicidade, equilibração, lateralização, noção do corpo, estruturação espaço-temporal, praxia fina e praxia global. Cada tarefa realizada para avaliação dos fatores psicomotores foi pontuada de 1 a 4, sendo que cada ponto classifica o desempenho da criança. A tabela 1 apresenta a classificação do perfil psicomotor, detalhando cada um deles.

    Estes dados foram analisados quanto ao gênero (masculino e feminino) e comparado a literatura pesquisada. Para a analise, os dados foram tratados através de estatística descritiva (média e percentual) e utilizados gráficos e tabelas para apresentar as informações levantadas na pesquisa de campo.


Resultados e discussão

    A Figura 1 mostra a distribuição dos 33 alunos em relação ao gênero.

    Os resultados encontrados para o fator tonicidade podem ser visualizados no gráfico 1.

    O gráfico 1 mostra que a maioria das crianças apresentou perfil 4 (hiperpráxico ou excelente) no fator psicomotor tonicidade e que nenhum apresentou perfil 1 (apráxico ou fraco). Menos da metade das crianças se distribuíram nos perfis 2 e 3 (dispráxico/satisfatório e eupráxico/bom)

    A tonicidade é considerada o alicerce fundamental da psicomotricidade. O músculo, mesmo em repouso, apresenta uma relativa tensão, conhecido com tono ou tônus muscular. O grau de tônus em que os músculos se encontram para realizar determinadas tarefas, tanto em repouso, quanto em movimento, tem papel fundamental no desenvolvimento motor e psicológico (FONSECA, 1995).

    O gráfico 2 mostra os resultados referentes a equilibração.

    O gráfico 2 demonstra uma distribuição quase uniforme em todos os perfis, sendo que os meninos apresentam 30% perfil hiperpráxico e as meninas 27% perfil dispráxico.

    A equilibração é condição básica da organização psicomotora, pois envolve uma multiplicidade de ajustamentos posturais antigravíticos que dão suporte a qualquer resposta motora. Com insegurança no equilíbrio, toda a instabilidade emocional se desencadeia e nenhuma atenção ou controle postural é possível, comprometendo o desenvolvimento emocional e psicomotor, favorecendo as dificuldades de aprendizagem (FONSECA, 1995).

    Os resultados dos testes de lateralização são apresentados no gráfico 3:

    Os resultados apontam um perfil hiperpráxico e eupráxico para as meninas (45% e 42% respectivamente) e um perfil eupráxio e hiperpráxico para os meninos (46% e 31% respectivamente).

    A lateralidade é a capacidade de integração sensório-motora dos dois lados do corpo, funcionando como se fosse um radar psíquico de relação e orientação com o mundo. Desse radar vão decorrer, então, as relações de orientação face aos objetos, às imagens e aos símbolos, razão pela qual a lateralização vai interferir nas aprendizagens escolares de uma maneira decisiva. (FONSECA, 1995)

    O gráfico 4 apresenta os resultados do fator psicomotor noção do corpo.

    Nesse resultado o perfil 2 (dispráxico) predomina com 70% para os meninos e 75% para as meninas. O perfil 3 (eupráxico) aparece com 30% para os meninos e 25% para as meninas.

    A noção do corpo compreende a recepção, a análise e o armazenamento das informações vindas do corpo. Le Boulch (1987) afirma que é através do corpo que se toma consciência do mundo. Conforme Ajuriaguerra (1980), quanto mais a criança evolui, mais ela vai aprofundando o conhecimento de seu corpo. A criança é o seu corpo e é através dele que ela elabora todas as suas experiências de vida e organiza a sua personalidade. Para Fonseca (1995), uma fraca noção de corpo prejudica a coordenação de movimentos e de atenção, podendo apresentar instabilidade e experiências frustrantes na vida social ou escolar.

    O gráfico 5 mostra os resultados do fator Estruturação Espaço-temporal.

    No perfil dispráxico, como mostra o gráfico 5, ficaram 52% dos meninos e 50% das meninas. As meninas também apresentaram um resultado de 29% no perfil hiperpráxico e os meninos 33% no perfil eupráxico.

    As estruturas espacial e temporal estão interligadas, sendo a estrutura espacial, segundo Mattos e Neira (2005) "a tomada de consciência do seu corpo em um meio ambiente" que se relacionam com localização, orientação, conservação da distância, velocidade, entre outras. A Estruturação temporal relaciona-se com a ordem, duração, ritmo, processamento, armazenamento e rememorização (FONSECA, 1995). O fraco desempenho escolar (escrita, leitura e cálculo matemático) pode ser decorrente da falta de ritmo, uma das bases da experiência temporal.

    Os resultados do fator Praxia Global está apresentada no gráfico 6.

    Esse resultado mostra que os meninos estão, na sua maioria, no perfil 3 (eupráxicos) com 47% e as meninas no perfil 4 (hiperpráxicas), e o perfil 2 (dispráxico) mostra um resultado de 26% e 25% para os meninos e meninas respectivamente.

    A praxia é um movimento intencional, voluntário, consciente e auto regulado. A praxia global contribui para o desenrolar da atividade global de integração, sendo que uma série de fatores auxilia na execução dessa atividade, como o tônus, o controle gravitacional (equilíbrio), a lateralização e as noções de corpo, espaço e tempo. Todos esses componentes psicomotores são responsáveis pela integração da praxia (FONSECA, 1995).

    O gráfico 7 mostra os resultados do fator Praxia Fina.

    O gráfico 7 mostra um equilíbrio de perfis entre os gêneros. No perfil 4 (hiperpráxico/excelente) as meninas têm 58% e os meninos 53% e no perfil 3 (eupráxico/bom) os meninos e as meninas tem ambos 42% de representação.

    A praxia fina é um dos fatores mais importantes da aprendizagem escolar, uma vez que a mão dispõe de palpação e discriminação tátil, transformando-se em principal instrumento de relação com o meio, sendo capaz de puxar, segurar, alcançar, bater, riscar, cortar, lançar, empurrar, reconhecer, entre outras. Para Fávero (2004) as brincadeiras de esconde-esconde, bolinha de gude, amarelinha, soltar pipa ou subir em árvores proporcionavam as bases psicomotoras para o desenvolvimento motor e cognitivo da criança,permitindo a ela aprender com facilidade as atividades de recortar, colar, pintar, ler e escrever aos sete anos de idade, quando então, ingressavam na escola.

    A tabela 2 apresenta o perfil psicomotor em relação ao gênero nos sete fatores psicomotores.

    Pode-se constatar um equilíbrio entre os sexos na classificação dos fatores tonicidade, noção de corpo e praxia fina. Nos fatores equilibração e estruturação espaço temporal, o sexo feminino obteve melhor classificação e o sexo masculino ficou melhor classificado nos fatores lateralização e praxia global.

    Os resultados diversificados podem ser atribuídos ao fato de que os tipos de brincadeiras desempenhadas pelas meninas e pelos meninos muitas vezes diferem-se. Segundo Teixeira e Myotin (2001) as brincadeiras dos meninos exigem coordenação motora ampla, como soltar pipa, subir em arvore e jogar futebol, enquanto que as meninas passam boa parte do tempo brincando em ambiente fechados (dentro de casa).

    Conti e Sperb (2001) constataram que os meninos brincam mais de bola, carrinho, espada, revólver, Superman, Batmam, polícia e ladrão e brincadeiras de luta (motora global). Por sua vez as meninas preferiam bonecas, maquilagem, dança, canto, casinha, bebê e roda. E algumas brincadeiras são comuns para os gêneros, como andar de bicicleta, pega-pega, escolinha e jogos de montar.

    Segundo Pereira (2005) as brincadeiras influenciam na aprendizagem motora e no desempenho das atividades das crianças. Dessa forma, sempre haverá diferença na performance motora entre meninas e meninos.

    Barreiros e Neto (2005), citando Gallahue (1982) e Malina (1973) explica que a variação encontrada entre os gêneros pode ser de ordem maturacional, de desenvolvimento físico, de fatores hereditários e das experiências vividas. Ainda, que essas diferenças podem ser intrínsecas, incluindo o nível socioeconômico e características da família e extrínsecas, incluindo as oportunidades de práticas, estimulação na infância, disponibilidade e qualidade de brinquedos, etc.

    O Gráfico 8 apresenta a porcentagem obtida em cada perfil nos 7 fatores psicomotores da BPM.

    No gráfico 8, observa-se que nos fatores tonicidade, lateralização e praxia fina o perfil hiperpráxico foi dominante. O fator praxia global apresentou um equilíbrio entre o perfil hiperpráxico e eupráxico. O perfil dispráxico prevaleceu nos fatores noção de corpo e estrutura espaço-temporal. O fator equilibração apresentou diferença mínima entre todos os perfis.

    Sanches et al. (2004) analisaram o perfil psicomotor relacionado com o desempenho escolar e perceberam que as crianças com pontuação menor em estruturação espaço-temporal e praxia fina eram as que tinham menor desempenho escolar.

    A estruturação espaço-temporal, se bem desenvolvida, tem papel fundamental na resolução de problemas de aprendizagem escolar (BUENO, 1998). Lembrando que Piaget marcou como as dimensões fundamentais da ação humana o espaço e o tempo.

    Fávero (2004) relata em estudo com alunos da terceira série do ensino fundamental da rede pública do Paraná, que alunos com baixo desempenho de coordenação, equilíbrio e orientação espaço-temporal eram os que demonstravam dificuldade de aprendizagem acentuada.


Conclusão

    As crianças da terceira e quarta séries da escola de ensino fundamental que freqüentam o núcleo Cruz Vermelha apresentam predomínio de perfil hiperpráxico nos fatores psicomotores tonicidade, lateralização e praxia fina, equilíbrio de perfil hiperpráxico e eupráxico no fator psicomotor praxia global, predomínio do perfil dispráxico nos fatores psicomotores noção de corpo e estruturação espaço-temporal e um equilíbrio dos quatro perfis no fator equilibração.

    Esses resultados explicitam a área onde as crianças têm maior defasagem psicomotora, e reconhecendo as desvantagens que isso significa para a aprendizagem escolar, deve-se estimular uma educação pelo movimento, que como afirma Le Boulch (1987), significa contribuir com o desenvolvimento psicomotor da criança, de quem depende ao mesmo tempo a evolução de sua personalidade e o sucesso escolar.


Referências bibliográficas

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  • BARREIROS, J., NETO, C. O Desenvolvimento Motor e o Gênero. Faculdade de Motricidade Humana. Universidade Técnica de Lisboa. Disponível em acessado em 05/12/2006

  • BUENO J..M. Psicomotricidade Teoria e Prática, Estimulação, Educação e Reeducação Psicomotora com Atividades Aquáticas. São Paulo: Lovise, 1998.

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  • FÁVERO, M. T. M. Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem da Escrita. Seminário de Pesquisa do PPE. Universidade Estadual de Maringá . 2004

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  • LE BOULCH, Jean. Educação psicomotora: a psicomotricidade na idade escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987.

  • MATTOS, Mauro Gomes, NEIRA, Marcos Garcia. Educação Infantil: construindo o movimento na escola. 5.ed. São Paulo: Phorte, 2005.

  • MATTOS, Muro Gomes, NEIRA, Marcos Garcia. Educação Infantil: inter-relações moviemtno, leitura e escrita. São Paulo: Phorte, 2002.

  • PEREIRA, Karina. Perfil psicomotor: caracterização de escolares da primeira série do ensino fundamental de colégio particular. São Carlos: UFSCar, 2005. Dissertação (mestrado em fisioterapia), Universidade de São Carlos, 2005

  • SANCHES et al. Perfil psicomotor associado a aprendizagem escolar. http://www.efdeportes.com/ Revista Digital. Buenos Aires. Ano 10, N° 79, Dezembro de 2004

  • TEIXEIRA, A. G. A., MYOTIN. E. Cultura Corporal das Meninas: Análise sob a Perspectiva de Gênero. Revista Motriz. Jan-Jun 2001, Vol. 7, n.1, pp. 45-48.

  • VAYER P., PICQ L. Educação Psicomotora e Retardo Mental. 4ª ed. São Paulo: Manole, 1988.

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