Valores éticos inerentes às atividades físicas nos âmbitos das academias e do lazer. |
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*Licenciada em Educação Física, Pós-Graduanda em Psicopedagogia, Membro Pesquisador do LEL - Laboratório de Estudos do Lazer - DEF/IB/UNESP - Rio Claro, SP; **Doutora em Psicologia pela USP, Livre Docente, Coordenadora do LEL - Laboratório de Estudos do Lazer - DEF/IB/UNESP - Rio Claro - SP. |
Graziela Pascom Caparroz* grazielacaparroz@hotmail.com Gisele Maria Schwartz** schwartz@rc.unesp.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 99 - Agosto de 2006 |
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Introdução
Indiscutivelmente, a Educação Física é uma área em expansão em todos os sentidos. O número de instituições que apostam nesse crescimento também alarga os horizontes deste setor, o qual congrega múltiplas atividades humanas. A Educação Física, por ser uma disciplina de caráter teórico-prático, que trata de assuntos relativos à cultura do movimento humano, tem a possibilidade e o dever de abordar, no seu corpo de conteúdos, assuntos relacionados à saúde, valores éticos, sociais e políticos sobre o corpo, a prática de atividade física e de esporte, bem como, as danças, as lutas, os jogos e o lazer.
A Educação Física deve proporcionar e estimular, a seus agregados, a adoção de comportamentos favoráveis para a manutenção ou aprimoramento de componentes do estilo de vida relacionados à saúde. Para isso, utiliza o processo ensino-aprendizagem, por meio de vivências sistematizadas de diversas dimensões da cultura do movimento humano (SANTOS, 2005). Também está estruturada em componentes que podem contribuir para elevar os níveis de saúde e para a maximização da qualidade de vida.
No entanto, diversas investigações, dentre elas, a de Castellani Filho (1996) têm questionado as suas intervenções "educacionais", especialmente referentes aos procedimentos éticos e de valores dos profissionais atuantes, no que se refere ao compromisso e à garantia de um contexto que promova, não só o desenvolvimento de habilidades físicas, mas também, de habilidades cognitivas, afetivas e sociais, as quais possam catalisar a possibilidade de reflexos positivos na conduta e no comportamento mais conscientes e positivos em relação à saúde e ao paradigma da qualidade de vida.
Segundo Castellani Filho (1996), aspectos relacionados à saúde e à educação no Brasil são colocados em segundo plano, quando não esquecidos, juntamente com o campo do emprego, da habitação, dos transportes, do saneamento básico e da qualidade ambiental.
Concomitante a estes fatos observa-se um crescente investimento no setor de entretenimento, por parte da iniciativa privada associada à indústria do lazer no Brasil. Mas, novamente, comparece o quadro de desigualdades sociais nele existente, porque, na maioria das vezes, os projetos de construções e programas são destinados a atender uma parcela privilegiada da sociedade, dita como a classe dominante.
Cabe aqui ressaltar a necessidade do compromisso do Estado na implantação de políticas de lazer preocupadas com uma visão não funcionalista, que, segundo Dumazedier (1980), vincularia um programa de atividades de lazer mais amplo, onde houvesse a participação de todos e que fosse de forma criativa, crítica e de melhoria de situação de vida dos participantes.
Como sugere Dumazedier (1975), a relação entre lazer e educação permanente não deve ser tratada superficialmente.
Frequentemente, segundo o autor, nas organizações de lazer, tanto governamentais como particulares, a linguagem escolar é um modelo muito forte, que não corresponde a um modelo provável da ação educativa de autoformação voluntária específica do lazer, que entra sempre em competição com a escolha do divertimento fácil. Devemos pensar na educação permanente como estimulação institucional de autoformação voluntária permanente que coloca problemas específicos.
Alguns aspectos são interessantes de serem notados na implantação de políticas oferecidas por secretarias municipais e estaduais, a exemplo do esporte, visto pelo âmbito do rendimento, sendo tomados como lucro, produtividade e mercadoria.
Porém, existem exemplos de implantações de políticas de lazer mais preocupadas com o coletivo em detrimento do individual, onde se observa o exercício da cidadania, que procura atender o interesse da maioria e não apenas do privado e do particular, como aponta Marcellino (1995).
A Educação Física, no atual sistema de ensino, não raro, é caracterizada pela prática de exercícios físicos ou práticas esportivas desprovidas de planejamento educacional com objetivos claramente estruturados, metodologia bem fundamentada e avaliação criteriosa. Isso contribui para a construção de uma concepção técnico-esportiva, que permanece hegemônica nesta área, reproduzindo e reforçando, através do esporte, um modelo de homem e sociedade excludente, alienante, tecnicista e pouco significativo, em termos de transmissão de valores éticos e de promoção da autonomia.
Sobre este aspecto, segundo Medina (1992, p.141), um profissional bem preparado com visão de totalidade do ser humano seria o responsável pela aplicação prática das técnicas corporais e dos conteúdos da Educação Física. As especializações seriam cuidadosamente estudadas, revendo-se o sentido de fragmentação, presente no ensino tecnicista.
De acordo com Santos (2005), as diversas crises sofridas por essa área profissional, fizeram com que várias questões advindas da conscientização sobre a complexidade das ações humanas, fossem trazidas para essa área tão ampla do conhecimento humano.
Questões como saúde, valores éticos, ecologia, tecnologia, cultura e qualidade de vida, passam a promover, em alguns profissionais da área, uma visão mais ampla e sistêmica da complexa realidade presente nas relações e nos comportamentos humanos.
Segundo Sadi (2005), o profissional da área de Educação Física, como elo de ligação com a sociedade, é o elemento que pode articular teorias com a prática para a difusão da qualidade social à vida, através do esporte, do jogo, das brincadeiras, da ginástica, das manifestações rítmicas, da música, das artes marciais e das atividades do contexto do lazer. Além da necessária preparação profissional, os espaços institucionais podem ser (re) criados com a perspectiva de contribuir no convívio democrático das relações. Isso significa uma aproximação entre aquele que elabora e executa ações (o profissional) e aqueles que buscam aprendizagem (os alunos).
Tal aproximação, conduzida em ambiente democrático, constitui a alternativa privilegiada da ação pedagógica e, com ela, a ética como valor fundamental, desenvolve sua potencialidade.
A partir destas questões e inquietações, foi investigado um dos significados da ética profissional da área em questão, de acordo com a resolução nº. 25/2000 do CONFEF, que dispõe sobre o código de ética dos profissionais:
"A ética tem como objetivo estabelecer um consenso suficientemente capaz de comprometer os integrantes de uma categoria a assumir um papel social, fazendo com que, através da intersubjetividade, migre do plano das realizações individuais para o plano da realização social e coletiva." (CONFEF/CREF, 2000).
Ainda conforme esta resolução tem-se que:
"O profissional de Educação Física deve respeitar a vida, a dignidade, a integridade e o direito da pessoa humana, em particular, de seus beneficiários (...) as relações do profissional de Educação Física (...) devem basear-se no respeito, na liberdade e independência profissional de cada um, na busca do interesse e do bem estar dos seus beneficiários." (CONFEF/CREF, 2000).
É com base nestas questões, que este estudo consistiu em realizar uma comparação entre as visões de profissionais de Educação Física atuantes nos espaços das academias de ginástica, dança, de artes marciais, assim como, na recreação e no lazer em clubes e instituições, sobre os valores éticos que envolvem a participação humana neste contexto profissional, evidenciando os valores éticos imanentes e as formas como estes são transmitidos nestes contextos.
MétodoEste estudo tem como natureza a abordagem qualitativa, por entender, como Richardson (1989), que a pesquisa qualitativa favorece a compreensão do universo pesquisado, ampliando as possibilidades de captar mais intensamente os fenômenos e suas mudanças, dentro do processo social. Para tanto, foi realizado em duas etapas, sendo a primeira uma revisão bibliográfica sobre a temática em discussão, e a segunda, através de uma pesquisa exploratória utilizando-se como instrumento a técnica de entrevista estruturada, a qual tem como característica apresentar-se em forma de discurso livre, porém, orientado por perguntas-chave que abordam a temática, conforme evidencia Chizzotti (1991).
A amostra foi constituída por 17 profissionais de Educação Física, de ambos os sexos, selecionados aleatoriamente, de várias academias, clubes e instituições da cidade de Jales, SP, com tempo de engajamento variado, que ministram aulas em diversas modalidades, tais como, musculação, ginástica localizada, alongamento, aulas do Body Sistem, exercícios com bola, judô, karatê, dança de salão, ballet, hip-hop, etc. e, também, com profissionais da área de recreação e lazer, os quais desenvolvem suas atividades em escolas e clubes.
Os dados foram analisados de forma descritiva, por meio da utilização da técnica de conteúdo temático e, de acordo com os profissionais pesquisados, os resultados indicam que: 100% dos entrevistados preocupam-se em transmitir valores éticos de alguma natureza para seus alunos; 70% tentam transmitir, principalmente, os valores éticos relacionados à atuação profissional; 20% transmitem, além dos valores éticos profissionais, os aspectos morais; e 10%, além dos valores éticos profissionais e morais, procuram passar outros tipos de valores, como os culturais e ambientais.
Dentro dos dados apurados, um fato relevante diz respeito a que, os 30% que se preocupam em transmitir dois ou mais tipos de valores éticos, são os profissionais que atuam com atividades como artes marciais, recreação e lazer, dança e educação física escolar e não os profissionais que atuam apenas em academias.
Dos entrevistados, 90% conseguem essa transmissão de valores, através do diálogo e também criando situações adequadas para poderem demonstrar de maneira mais efetiva, onde tais valores poderão ser utilizados no dia-a-dia de cada individuo e respeitando a individualidade do próximo; os outros 10% transmitem a partir do profissionalismo, com a atitude ética que adquiriu durante a graduação e amadurecimento profissional.
Dos sujeitos entrevistados, 100% foram unânimes em afirmar que, para serem implementados tais valores em todos os âmbitos - academias e atividades físicas em geral - é necessário muito diálogo entre aluno-professor e, principalmente, a troca de experiências entre os profissionais em questão.
De acordo com os resultados, os profissionais que atuam em atividades em que se evidenciam mais os sentidos e as emoções, conseguem transmitir mais valores éticos que geram maior integridade ao ser humano em todos os aspectos da vida, enquanto os outros profissionais, os quais atuam apenas em atividades típicas de academias, são mais tecnicistas, menos sensibilizados em passar outros tipos de valores.
Considerações finaisDiante dos dados e de acordo com Santos (2005), uma nova visão de Educação Física requer multi e interdisciplinaridade, na tentativa de juntar os pedaços de um homem fragmentado, buscando a superação de uma concepção de ser humano essencialmente biológico, para ser concebido segundo uma visão mais holística, onde se consideram os processos históricos, de ordem social, cultural, política, econômica, ambiental e tecnológica.
Nesse contexto, saúde, valores éticos e qualidade de vida não podem ser tratados como construtos exclusivamente biológicos ou psicológicos, merecendo maior atenção, inclusive no âmbito dos cursos de formação nesta área, para que se fundamente a prática reflexiva, em que o compromisso ético e de valores possa ser recorrente e inspire a atuação profissional.
Sendo assim, cabe aos profissionais e pessoas ligados ao lazer e ao esporte visualizar um caminho possível na busca de propostas de lazer que privilegiem a cooperação, a solidariedade, a inclusão social, em prol da melhoria real e concreta da qualidade de vida, sem excluir seus participantes do processo civilizatório.
Referências
CASTELLANI FILHO, L. Lazer e qualidade de vida. In: MARCELLINO, N. C. (Org.) Políticas publicas setoriais de lazer: o papel das prefeituras. Campinas, SP: Autores Associados, 1996.
CHIZZOTTI, A. Pesquisa em ciências humanas e sociais. São Paulo: Cortez, 1991.
CONFEF/CREF. Código de ética da educação física: ética e deontologia da educação física. Rio de Janeiro, 2000.
DUMAZEIER, J. Questionamento teórico do lazer. Porto Alegre: Celar, 1975.
DUMAZEDIER, J. Valores e conteúdos culturais do lazer. São Paulo: SP: SESC, 1980.
MARCELLINO, N. C. Lazer e educação. Campinas: SP: Papirus, 1995.
MEDINA, J.P.S. Reflexões sobre a fragmentação do saber esportivo. In: Moreira, W.W. (Org.) Educação Física & Esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1992.
RICHARDSON, R.J. Pesquisa social: métodos e técnicas. São Paulo: Atlas, 1989.
SADI, R.S. O Código de ética da educação física: caminhos da nova profissão no século XXI. http://mncref.vilabol.uol.com.br/a26.htm, 20/07/2005.
SANTOS, J.F.S. Educação física, saúde e qualidade de vida: uma busca por novos caminhos. http://www.evirt.com.br/artigos/severo02.htm, 20/07/2005.
revista
digital · Año 11 · N° 99 | Buenos Aires, Agosto 2006 |