Comparação da velocidade da marcha de crianças saudaveis em dois ambientes |
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* Profº. MsC da Universidade Católica de Brasília ** Fisioterapeuta da Secretaria de saúde do DF *** Profª. Drª da Universidade de Brasília **** Profº. Drº da Universidade de Brasília (Brasil) |
Allan Keyser de Souza Raimundo* Patrícia de Deus Dini** Ana Cristina de David*** Demóstenes Moreira**** allanksr@ig.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 99 - Agosto de 2006 |
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Introdução
A análise da marcha tem se tornado cada vez mais comum na prática clínica para avaliar pacientes com anormalidades da mesma, sendo frequentemente utilizada no auxílio de decisões quanto ao tratamento (SCHWARTZ et al, 2004; ZATSIORKY et al, 1994). Geralmente, em laboratórios, os dados da marcha de pacientes são comparados com dados de sujeitos controles, ou seja, sem comprometimento do padrão da marcha, os quais fornecem uma referência para o estudo de padrões patológicos da marcha (MARK & DIANE, 1996; SCHWARTZ et al, 2004).
A velocidade do caminhar é uma das características fundamentais da marcha humana e vem sendo utilizada como medida primária na análise de distúrbios da marcha (PIRPIRIS et al, 2003; LELAS et al, 2003). Muitos autores concordam que os parâmetros da marcha mudam em resposta à variação da velocidade, sendo possível que algumas características da marcha patológica possam derivar de efeitos da velocidade em vez da própria patologia (PIRPIRIS et al, 2003; VAN DER LINDEM et al, 2002). Foi observado que a velocidade do caminhar influencia fortemente as características cinéticas e cinemáticas da marcha e vários efeitos de uma caminhada mais lenta poderiam ser erroneamente atribuídos ao distúrbio (VAN DER LINDEM et al, 2002). Outros estudos afirmam que a velocidade normalizada do caminhar, mais do que idade, deve ser considerada quando comparando marcha normal com patológica (STANSFIELD et al, 2001a; STANSFIELD et al, 2001b).
Neste sentido, a marcha realizada em laboratório parece ser uma situação algo artificial para a criança submetida à investigação, mesmo existindo no local, procedimentos que tentem garantir uma velocidade mais natural. No entanto, é desconhecido se a velocidade medida nesses laboratórios é representativa da velocidade normal em crianças (GORMLEY et al, 2003). Portanto, o objetivo desse trabalho é verificar se a velocidade da marcha em crianças saudáveis sofre alteração, quando a avaliação acontece em ambiente laboratorial.
Materiais e métodosAmostra
Foram selecionadas 15 crianças saudáveis, com idade variando de 4 a 6 anos e que não atenderam a nenhum dos seguintes critérios de exclusão: a) problemas ortopédicos ou de outra natureza que interferissem na marcha; b) intervenção cirúrgica prévia que pudesse interferir no padrão da marcha; c) apresentar déficit cognitivo que interferisse na compreensão dos comandos para a realização do teste em laboratório; d) não autorização dos pais ou responsáveis para que se pudesse processar a coleta; e) algum quadro patológico que, no período de coleta, alterasse o quadro geral da criança e interferisse na realização de uma marcha natural e f) não concluírem o protocolo de coleta.
Um termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido dos pais ou responsáveis pelas crianças. O projeto do estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Brasília.
A coleta de dados constou de medição da velocidade da marcha no corredor de acesso ao laboratório e no laboratório de marcha, sendo que esse corredor caracterizou o ambiente extra-laboratorial.
Protocolo 1Foi medido, com um cronômetro, o tempo gasto para percorrer uma distância de 10 metros demarcada no corredor de acesso ao laboratório de marcha (ambiente extra-laboratorial), obtendo-se o valor absoluto da velocidade. Esse procedimento foi feito quando as crianças se dirigiam ao laboratório de marcha, sem que soubessem que estavam sendo avaliadas. Esse protocolo tinha a intenção de avaliar a velocidade da marcha das crianças em uma situação mais natural.
Protocolo 2No laboratório, foram feitas 3 demarcações no solo, respectivamente a 0, 5 e 10 metros, delimitando o percurso a ser realizado por cada criança. Uma câmera foi colocada perpendicular ao ponto que representava a metade do percurso (5 metros) estando a 3 metros de distância deste ponto central e encontrava-se a uma altura de 1 metro do solo. Esta câmera foi utilizada para determinação posterior dos parâmetros espaço-temporais da marcha: velocidade e comprimento do ciclo. As crianças, neste segundo protocolo, foram avaliadas vestindo roupa de banho e descalças e foram feitas demarcações nos seguintes pontos: sacro, espinha ilíaca ântero-superior, trocânter maior do fêmur, linha articular lateral do joelho, maléolo lateral, porção posterior do calcâneo e cabeça do segundo metatarseano, de acordo com o protocolo de Helen Hayes Marker Set (Kadaba 1990). Essas demarcações tinham como objetivo reproduzir na criança os efeitos causados pelos procedimentos habituais durante análise da marcha. As crianças eram instruídas a andar naturalmente no percurso delimitado, sendo realizadas seis repetições. As duas primeiras eram desconsideradas, sendo calculada a média da velocidade a partir das outras quatro tentativas. A velocidade também foi obtida através da cronometragem do tempo gasto para percorrer a distância de 10 metros. As variáveis obtidas através da filmagem foram discutidas em outro estudo. Em ambos os protocolos, as crianças foram avaliadas em dois dias distintos, sendo que o primeiro era apenas para adaptação das mesmas ao ambiente. Para a normalização da velocidade foi utilizada a estatura.
Análise EstatísticaPara análise dos resultados, foi utilizado o teste-t de Student para amostras pareadas, sendo aceito um nível de significância de p<0,05.
Resultados e discussãoA Tabela 1 mostra os dados para idade e estatura da amostra.
Tabela 1. Média da idade e estatura
A Tabela 2 mostra os valores absolutos e normalizados da velocidade do caminhar no corredor e no laboratório. A medida no laboratório representa a média das 4 tentativas da cada criança.
Tabela 2. Comparação da velocidade (parâmetros absolutos e normalizados) das crianças no corredor e no laboratório
Tanto para a velocidade absoluta quanto para a normalizada foram encontradas diferenças estatisticamente significativa (p<0,05), demonstrando que houve um aumento da velocidade do caminhar no laboratório. A Tabela 3 mostra os valores absolutos e normalizados da velocidade do caminhar no corredor e no laboratório divididas por faixa etária.
Tabela 3. Comparação da velocidade (parâmetros absolutos e normalizados), por faixa etária no corredor e no laboratório
Para as faixas etárias de 4 e 5 anos houve um aumento da velocidade no laboratório quando comparada à velocidade no corredor. Para o grupo de crianças com 6 anos o mesmo não ocorreu.
Outros estudos demonstraram a comparação da velocidade entre ambientes distintos, mais precisamente entre o laboratório e um ambiente mais natural. PIRPIRIS et al (2003) realizou um estudo com 122 sujeitos, apresentando distúrbios neurológicos diversos entre crianças e adultos com idade variando de 4 a 28 anos. Comparou a velocidade da marcha em laboratório numa caminhada por um percurso de 10 metros, com a marcha realizada em um ambiente externo numa caminhada de 10 minutos para avaliação do gasto energético. Nos dois ambientes, os autores utilizaram dispositivos específicos, que eram colocados nos indivíduos com finalidade própria. Desta forma, o ambiente externo aproximou-se bastante do ambiente artificial.
O presente estudo procurou aproximar ao máximo o corredor de um ambiente mais natural para os sujeitos avaliados, buscando representar a marcha mais próxima do cotidiano, já que a investigação realizada no corredor não exigia nenhum preparo por parte das crianças, que nem sabiam estar sendo avaliadas.
Embora os dois estudos tenham utilizado diferentes metodologias, apresentavam o mesmo objetivo, que era demonstrar a influência dos procedimentos e do ambiente na velocidade da marcha. Em nosso estudo, as crianças aumentaram suas velocidades no laboratório, concordando com PIRPIRIS et al (2003), que também encontrou aumento da velocidade em ambiente laboratorial e afirma que esse ambiente influencia a adoção de um padrão de marcha em maior velocidade, podendo não representar a marcha cotidiana dessas crianças.
GORMLEY et al (2003) comparou a velocidade do caminhar de 11 crianças saudáveis desenvolvida em um ambiente de laboratório e um corredor (ambiente extra-laboratorial). Os autores encontraram um aumento significativo da velocidade do caminhar no laboratório, o que concorda com os resultados de nosso estudo. Esses resultados podem ser justificados pelo ambiente e procedimentos envolvidos numa análise de marcha em laboratório, tais como utilização de roupa apropriada, marcadores externos, câmeras e exigências da atividade, que podem alterar a velocidade de deslocamento da criança, alterando outros parâmetros cinemáticos e cinéticos da marcha (STANSFIELD et al, 2001a; STANSFIELD et al, 2001b).
Quando comparamos as velocidades por faixa etária das crianças entre os dois ambientes, podemos observar que para as idades de 4 e 5 anos houve aumento da velocidade no laboratório, ocorrendo o inverso com as crianças de 6 anos de idade. Esse resultado poderia ser justificado pelo fato de que crianças mais velhas se sentem mais a vontade e menos inibidas em ambiente laboratorial.
No entanto, como crianças de diferentes faixas etárias se comportam frente ao ambiente de laboratório é uma questão que merece maiores investigações.
SUTHERLAND et al (1988) descreveu os parâmetros da marcha de 439 crianças saudáveis de 1 a 7 anos, em ambiente laboratorial, obtendo valores de velocidade para crianças de 4, 5 e 6 anos de 1m/s; 1,08m/s; e 1,09m/s respectivamente. Esses valores se aproximam muito dos valores encontrados no presente estudo que foram de 0,97 m/s; 1,13 m/s; e 1,01 m/s para as idades de 4, 5 e 6 anos respectivamente. Esses autores relatam uma relação direta entre aumento da velocidade e idade. Em nosso estudo, observamos que as crianças saudáveis de 5 anos caminharam mais rápido do que as crianças das outras faixas etárias.
Não foram encontrados estudos na literatura que comparassem a velocidade desenvolvida em dois ambientes por crianças de um mesmo grupo, agrupadas por faixa etária. Portanto, esta investigação descreve resultados que poderão servir como parâmetros para futuras pesquisas ou para tomada de decisões a cerca de novos procedimentos tanto de coleta quanto de intervenção.
ConclusãoA velocidade da marcha foi maior quando a criança foi submetida a uma avaliação em laboratório, quando comparada a uma situação mais natural, o que poderia indicar a influência dos procedimentos para análise da marcha em laboratório nos movimentos das crianças. Quando feita comparação por faixa etária, exceto para as crianças de 6 anos, a velocidade no laboratório foi maior. Porém, novos estudos devem ser realizados e feitas comparações entre a velocidade e parâmetros cinéticos e cinemáticos para que se possa demonstrar o comportamento desses.
É importante encontrar a maneira mais representativa de reproduzir a marcha natural da criança, já que isso poderia ajudar a diferenciar entre os efeitos causados pela velocidade e patologia fundamental, auxiliando na tomada de decisões concernentes à prática clínica.
Referências bibliográficas
GORMLEY J, JENKINSON A, WALSH M, O'BRIEN T. "Do children walk normally in the gait laboratory?", Pediatr. Physical Therapy. 23(3), 2003.
LELAS J. L, MERRIMAN G. J, RILEY P. O, KERRIGAN D. C. "Predicting peak kinematic and kinetic parameters from gait speed", Gait. Posture. 17:106-12, 2003.
MARK A. F, DIANE D. L. "Strategies for increasing walking speed in diplegic cerebral palsy", J. Pediatr. Orthop. 16(6):753-8, 1996.
PIRPIRIS M, WILKINSON A. J, RODDA J, HGUYEN T. C, BAKER R. J, NATTRASS G. R, GRAHAM H. K. "Walking speed in children and young adults with neuromuscular disease: Comparison between two assessment methods", J. Pediatr. Orthop. 23(3):302-7, 2003.
SCHWARTZ M. H, TROST J. P, WERVEY R. A. "Measurement and management of errors in quantitative gait data", Gait. Posture. 20:196-203, 2004.
STANSFIELD B. W, HILLMAN S. J, HAZLEWOOD M. E, LAWSON A. A, MANN A. M, LOUDON I. R, ROBB J. E. " Sagittal joint kinematics, moments, and powers are predominantly characterized by speed of progression, not age, in normal children", J. Pediatr. Orthop. 21(3):403-11, 2001.
STANSFIELD B. W, HILLMAN S. J, HAZLEWOOD M. E, LAWSON A. A, MANN A. M, LOUNDON I. R, ROBB J. E. "Normalized speed, not age, characterizes ground reaction force patterns in 5-to 12-year-old children walking at self-selected speeds", J. Pediatr. Orthop. 21(3): 395-402, 2001.
SUTHERLAND, D.H.; OLSHEN, R.A.; BIDEN, E.N., WYATT, M.P. The development of mature walking. Oxford, Mac Keith press, Philadelphia, 1988.
VAN DER LINDEN M. L, KERR A, HAZLEWOOD M. E, HILLMAN S. J, ROBB J. E. "Kinematic and kinetic gait characteristics of normal children walking at a range of clinically relevant speeds", J. Pediatr. Orthop. 22(6):800-6, 2002.
ZATSIORKY, V. M.; WERNER, S. L.; KAIMIN, M.A. Basic kinematics of walking. The J. of Sports Medicine and Physical Fitness, v.34, n.2, p.109-126, 1994.
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digital · Año 11 · N° 99 | Buenos Aires, Agosto 2006 |