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Lazer no Estado Novo e os usos do tempo livre
El ocio en el Estado Nuevo y las aplicaciones del tiempo de libre
Leisure in the New State and the uses in the free time

   
Doutorando do Programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Educação Física da Unicamp
(Brasil)
 
 
Marco Antonio Bettine de Almeida
marcobettine@yahoo.com.br
 

 

 

 

 
Resumo
    Este artigo trata de relacionar o desenvolvimento urbano e industrial no Estado Novo (1937-1945) com as atividades de tempo livre do mesmo período. Primeiramente cabe lembrar que há uma relação do desenvolvimento urbano com o surgimento de atividades de lazer. Neste período o governo lança as bases políticas, econômicas, sociais e ideológicas para o controle das atividades de tempo livre como o rádio, o cinema, o teatro e as festas populares ao mesmo tempo possibilitando um desenvolvimento de particulares neste setor. Este texto trabalhará com estas discussões, o papel do Estado na criação de órgãos de controle das atividades de tempo livre; a formação de políticas do lazer; o início de investimento privado no lazer; e a formação de uma base política, econômica e social para o desenvolvimento e ampliação do lazer brasileiro.
     Unitermos: Lazer. Estado Novo. Sociologia.
 
Resumen
    Este articulo trata del desarrollo urbano e industrial durante el Estado Nuevo (1937-1945) relacionados con las actividades de tiempo libre en el mismo período. Primero hay que recordar que existe una relación entre el desarrollo urbano y la aparición de actividades del ocio. En este período el gobierno impulsa la política de las bases políticas, económicas, sociales e ideológicas para el control de las actividades de tiempo libre como la radio, el cine, el teatro y los partidos populares, al mismo tiempo hace posible un desarrollo de iniciativas en este sector. Este texto se refiere a estas tensiones, el papel del estado en la creación de agencias de control de las actividades del tiempo libre; la formación de la política del ocio; el principio de la inversión privada en el ocio; y la formación de una base política, económica y social para el desarrollo y expansión del ocio en Brasil.
    Palabras clave: Ocio. Estado Nuevo. Sociología.
 
Abstract
    This article treats to relate the urban and industrial development in the New State (1937-1945) with the activities of free time of the same period. First it fits to remember that it has a relation of the urban development with the sprouting of activities of leisure. In this period the government launches the bases politics, economic, social and ideological for the control of the activities of free time as the popular radio, cinema, theater and parties at the same time making possible a development of particular in this sector. This text will work with these quarrels, the paper of the State in the creation of agencies of control of the activities of free time; the formation of politics of the leisure; the beginning of private investment in the leisure; e the formation of a base politics, economic and social for the development and magnifying of the Brazilian leisure.
     Words key: Leisure; New state and Sociology.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 98 - Julio de 2006

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Introdução

    Este trabalho procurou lançar as primeiras bases de estudo do nascimento do lazer no Brasil. Para tanto foi escolhido o Estado Novo, ele foi privilegiado pela perspectiva de desenvolvimento urbano em detrimento do setor agrário-exportador da República Velha. Getúlio Dornelles Vargas foi chefe do governo provisório depois da Revolução de 30, presidente eleito pela constituinte em 17 de julho de 1934, até a implantação da ditadura do Estado Novo em 10 de novembro de 1937. Foi deposto em 29 de outubro de 1945, voltou à presidência em 31 de janeiro de 1951, através do voto popular. Em 1954, pressionado por interesses econômicos estrangeiros com aliados no Brasil é levado ao suicídio a 24 de agosto de 1954. Com uma bala no peito ele atrasa o golpe militar em 10 anos e "sai da vida para entrar na história". Sua carta suicida esclarece bem o apelo populista, segue alguns trechos:

Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência (...) Ao ódio respondo com o perdão. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História." (Rio de Janeiro, 23/08/54 - GETULIO VARGAS).

    A formação de uma classe urbana, conjuntamente com o desenvolvimento tecnológico promovido pela política econômica de Vargas - substituição das importações e fortalecimento do mercado interno de consumo - foi um passo muito grande para a consolidação das bases políticas e sociais do desenvolvimento brasileiro. O lazer começa a ser delineado a partir desta perspectiva e desenvolvimento urbano, com o surgimento de classes sociais; o tempo de trabalho e logicamente de não trabalho; o nascimento de uma burguesia urbana que procuraria no seu tempo livre o teatro, cinema e bons programas de rádio; a classe proletária com as atividades físicas e folclóricas controladas pelo Estado; a classe média querendo se inserir nas atividades culturais cultuadas pela burguesia nascente. Este período foi considerado o nascimento destas atividades de tempo livre. A urbanização promovida por Vargas e ao mesmo tempo seu investimento na comunicação, como forma de controle ideológico, foram os passos necessários para a consolidação do lazer como prática dos operários, classe média e burguesia ou como forma de investimento econômico, isto é, surgimento do setor privado como produtor de cultura e a cultura como objeto de lucro. Exatamente este processo e esta consolidação do lazer no Brasil, que será discutido neste artigo.


1. Pequeno histórico

    Os acontecimentos históricos que antecederam o Estado Novo apontam as dificuldades enfrentadas pelo setor agrícola como importante, conduzindo o governo a investir no desenvolvimento industrial como saída para a nossa dependência externa. A Segunda Guerra Mundial reduziu a oferta de artigos industrializados. Isso obrigou a substituição destas importações, fomentando o desenvolvimento das indústrias locais. Implementa-se ainda uma política de exploração das riquezas nacionais, com o Estado participando das atividades econômicas, principalmente aquelas vitais que precisam de estímulo governamental para desenvolver-se, como a Siderurgia e o Petróleo (SANTOS, 2004).

    O Estado Novo fora implantado com o objetivo de conter os avanços da esquerda (comunista) e da direita (fascista) no Brasil. No auge da Segunda Guerra Mundial dois grupos se colocaram à frente das iniciativas políticas, preocupando a base governista e militar. "À esquerda, uma facção do Partido Comunista, organizou um movimento de frente popular, chamado Aliança Nacional Libertadora, ou ANL." (SKIDMORE, 1975, p.41). Os radicalizantes estavam igualmente ativos na direita. Desde 1932, um movimento fascista, chamado Integralismo vinha tomando força. "Explorava a crescente suspeita da classe média de que talvez os problemas econômicos e políticos da depressão só pudessem ser resolvidos com o recurso aos métodos extremistas de direita." (SKIDMORE, 1975, p.41).

    Para implantar a ditadura os militares aliados a Vargas arquitetaram um falso plano comunista, "o plano Cohen fora inventado pelo exército dando sustentação política para Vargas em 1934 implantar o Estado Novo." (SKIDMORE, 1975, p.48). Neste momento abre para Vargas a possibilidade de forjar as bases para a suas política nacionalista, com amplos poderes, apoio do exército e da burguesia fora possível construir seu projeto de desenvolvimento industrial, somado a sua vontade pessoal de governar pessoalmente o Brasil. Para Skidmore o Estado Novo tinha amplo apoio popular, construindo as bases da industrialização, com alto grau de autonomia das decisões centradas no presidente Getulio Vargas.

    No dia 10 de novembro de 1937 Vargas deu o golpe ordenando o cerco do Congresso Nacional, determinando o seu fechamento e fazendo um pronunciamento onde anunciava a promulgação de uma nova Constituição que substituiria de 1934. Tal Constituição, inspirada na Constituição autoritária da Polônia, ficou conhecida como "A Polaca". Ela previa a extinção dos partidos políticos e cassação de mandatos (D'ARAUJO, 2000).

    As medidas econômicas do Estado Novo tinham características nacionalistas, como a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, que iniciou a construção da Usina de Volta Redonda com financiamentos norte-americanos. Isso se deu principalmente devido ao estreitamento das relações entre o Brasil e os EUA em 1942, para fazer face ao esforço de guerra. Neste mesmo ano veio ao Brasil uma Missão Técnica americana que trabalhou em projetos como a Companhia Vale do Rio Doce, que explorava e exportava minérios e a Hidrelétrica de Paulo Afonso (D'ARAUJO, 1999). Vargas cria também o Conselho Nacional do Petróleo que objetivava diminuir a dependência brasileira do combustível, controlando o refino e a distribuição (SANTOS, 2004).

     A intenção de Vargas e dos militares era de construir uma nação independente, por isso o grande apelo ao nacionalismo. Era importante na visão de grupo governista ter as suas mãos os recursos minerais, hidrelétricos, bem como, a produção de aço, máquinas e equipamentos. Para o exército estes elementos eram importantíssimos para a segurança nacional. Como também, constituiria a base do desenvolvimento econômico, industrial e social brasileiro.

"A formula desenvolvimentista-nacionalista foi apresentada pelos oficiais do exercito, achavam que o Brasil só poderia tornar uma grande potencia, caso desenvolvesse a industria. Além disso, a segurança nacional do Brasil exigia que a exploração de recursos naturais, tais como combustíveis, força hidrelétrica e recursos minerais, se mantivessem a salvo de mãos estrangeiras. Outros grupos como intelectuais apoiavam a nacional-desenvolvimentista pois achavam que o Brasil poderia atingir um padrão de vida mais elevado, para todos os seus cidadãos, e uma condição madura de nação moderna, somente se tomasse um impulso acelerado para a industrialização, renunciando, o seu papel de fornecedor de exportações tropicais para o mundo do Atlântico Norte." (SKIDMORE, 1975, p. 120).

    As outras ações do governo tiveram como foco a minimização das lutas de classe, por isso em 1943 edita a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) que garantia a estabilidade do emprego depois de dez anos de serviço, descanso semanal, regulamentação do trabalho de menores, da mulher e do trabalho noturno; a criação da Previdência Social e a instituição da carteira profissional para maiores de 16 anos que exercessem um emprego; a jornada de trabalho foi fixada em 8 horas de trabalho, antiga reivindicação dos trabalhadores brasileiros (ARAUJO, 1998).

    Vargas objetivava com esta política trabalhista, favorável aos operários, conquistar o apoio das massas populares ao governo (GOMES, 1999, p.55). Tal política paternalista buscava ainda anular as influências da esquerda, desejando transformar o operariado num setor sob seu controle, para ser usado pelo jogo do poder (ARAUJO, 1998). A mesma política foi praticada à mesma época por Juan Domingo Perón na Argentina e Lázaro Cárdenas no México (FAUSTO, 1999, p.19).


2. Estado Novo, o Lazer e a utilização ideológica

    O populismo tem na figura de Getulio Vargas o seu maior representante, não somente pelo seu carisma, mas, também, por estruturar um aparato midiático que o sustentava. No seu primeiro governo, Vargas desenvolveu todo uma estrutura ideológica política, através do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) e o início do Cine-Jornal (curtas metragens que abordavam as obras e feitos do presidente), como propaganda política, sedimentando o populismo (CAPELATO, 1999, p. 169). Desse modo as comemorações relativas ao dia do trabalho, à semana da pátria, aos aniversários do presidente e à instauração do Estado Novo foram momentos importantes no lazer do trabalhador que foram utilizados ideologicamente. O Cine-Jornal foi o veículo comunicativo do Estado Novo que pôde registrar as suas principais festividades (SANTOS, 2004, p.40-45).

    Estas comemorações tinham como objetivo a comunicação entre o presidente Getúlio Vargas e a massa de trabalhadores. Com destaque para o primeiro de maio, as comemorações se reforçavam mutuamente e criavam um calendário de encontros significativos, contribuindo em muito para a formação do mito do presidente (SANTOS, 2004, p.12). No momento do lazer do trabalhador, que a muito custo obtiveram através de significativas lutas políticas, foi inserida atividade para reforçar o regime e evitar a ociosidade. O Código Penal de 1941 tratou de forma especial o crime contra a moral e os costumes, "vagabundagem", preocupação corrente do período, ações do governo, como manter ativos os trabalhadores para não se envolverem com qualquer tipo de ação ilícita, eram necessárias. Vargas utilizou-se do lazer como propaganda e controle da população, principalmente para evitar a ociosidade.

    Associado a essa necessidade de controle, Getulio Vargas estava igualmente preocupado com alguns elementos da nação, como a valorização da terra, do homem e das instituições nacionais (GOMES, 1999, p.45). Neste caso, o cinema do governo atuava como um instrumento informativo que contribuía para a formação do povo brasileiro em novas bases. As bases que propunha Getulio estavam relacionadas às mensagens de cunho nacional-patriótico de forma a enaltecer a nação e despertar na população o orgulho pela sua brasilidade.

"O nacionalismo poderia ser muito útil como meio de edificar um consenso popular. O nacionalismo era um sentimento que podia unir os brasileiros de diversas classes e setores, dar-lhes um senso de comunidade. Como argumentava os apologistas intelectuais do nacionalismo desenvolvimentista, a identificação com a nação em um esforço comum poderia ajudar a superar as tensões de classe produzidas por uma sociedade em desenvolvimento." (SKIDMORE, 1975, p. 142).

    O Estado Novo foi um período muito fértil no que se refere à produção cultural e de comunicação, como, livros, revistas, folhetos, cartazes, programas de rádio com noticiários e números musicais, além de rádionovelas, fotografias, cine-jornal e documentários cinematográficos. Todas atividades que tratam diretamente do tempo de não trabalho (SANTOS, 2004, p.18-21) tiveram papel ativo na formação da consciência do trabalhador.

     Não se pode isolar o Estado Novo do seu contexto internacional, as construções de mitos foram típicas do período, os franquistas na Espanha, stalinistas nos países comunistas, fascistas na Itália e os nazistas na Alemanha são os exemplos significativos (FAUSTO, 1999, p.21). O início do século vinte foi marcado por grandes crises e desilusões. Uma delas se refere à descrença nas possibilidades da forma liberal para a ordem política. A desigualdade social, a insegurança econômica e os conflitos de classes levaram os partidos tanto de esquerda quanto os de direita a fazer uma crítica radical à sociedade liberal capitalista (D'ARAUJO, 2000).

    A compreensão da complexidade ideológica destas décadas está diretamente associada a grande questão da visibilidade das massas, elas se apresentavam como o desafio para todos que, à direita e à esquerda, supunham saber como organizá-las e comandá-las (GOULART, 1990).

    A proposta de uma nova doutrina política, elaborada pelos partidos de esquerda e de direita, convergia para o estabelecimento de um Estado forte e o culto à Personalidade, ambos tidos como elementos cruciais para a formação da coesão social e da unidade nacional. Esta nova via surgiu de maneira concreta com o Fascismo na Itália, o Nazismo na Alemanha e com o corporativismo de Estado em alguns países europeus, tais como Portugal, Espanha, Romênia e Polônia que incorporaram, no decorrer das décadas de 1920 e 1930, muitos elementos desta doutrina, principalmente as referentes à sua organização política e econômica (LENHARO, 1986, p.13).

    O Brasil não seguiu rumos distintos dos que estavam sendo trilhados por esses países europeus e que eram objeto de atenção dos intelectuais brasileiros. A doutrina de Estados Fortes era difundida como a melhor e ideal resposta para os problemas deixados pela República Velha (AZEVEDO, 1981). A república velha tornou-se sinônimo de atraso, de anarquia, de corrupção e de ineficiência, bem como a predominância do interesse privado sobre o coletivo (socialização das perdas e individualização dos lucros: política de valorização do café) e a ausência de um Chefe de Estado competente. Estes foram os fatores atribuídos para a consolidação dessa situação caótica (PANDOLFI, 1999).

    O reflexo deste turbilhão de acontecimentos políticos internacionais tiveram profundo impacto no Brasil:

"Os sete anos que antecederam a instauração do Estado Novo foram caracterizados pela consolidação de um processo revolucionário que vinha sendo lentamente construído, denominado tenentismo, este processo apoiado por intelectuais, políticos, civis e militares, tinha na Rússia e particularmente em Stálin seu expoente. No entanto, o Levante Comunista, em novembro de 1935, ocorrido, concomitantemente, nos quartéis do Exército das cidades do Rio de Janeiro, Natal e Recife, serviu para acelerar e direcionar este crescente processo autoritário que culminou na instauração do Estado Novo" (D'ARAUJO, 2000, p. 14-15).

    O discurso anticomunista foi fundamental para manter as Forças Armadas unidas em torno da decisão de uma solução de força, ainda que liderada por um civil. Deste modo, setores militares conservadores se tornaram base do Estado Novo. Não apenas o setor militar da sociedade que deu sustentabilidade a este novo regime, apesar de seu apoio ter sido fundamental para a instalação desta nova ordem, as propostas, tanto dos setores civis quanto dos militares, convergiam para a necessidade de construção de um Estado forte, controlado por um regime autoritário (SANTOS, 2004).

    Buscando a conciliação entre capital e trabalho, percebe-se que desde o início do governo, Vargas tratou logo de elaborar toda uma diretriz de leis visando construir uma estrutura administrativa eficiente e centralizadora, que pudesse controlar a formulação e aplicação de medidas trabalhistas (GOMES, 1999, p.30). O governo provisório desejava pôr em prática algumas leis trabalhistas promulgadas ainda no decorrer da república velha, de modo que estas não pudessem ser burladas pelos patrões sendo, assim, fiscalizadas pelo próprio Estado (D'ARAUJO, 1999).

    Desta forma, nas décadas de 1930 e 1940 as relações de trabalho ganharam o centro das atenções do governo. Foram elaborados os princípios da legislação trabalhista que ampliou bastante os benefícios sociais, aplicando e fiscalizando leis que haviam sido promulgadas pelo governo anterior, fruto das inúmeras reivindicações dos trabalhadores (ARAUJO, 1998). A mesma legislação que garantia os benefícios, também restringia a autonomia sindical e a luta independente dos trabalhadores. Portanto, trata-se de um período chave na relação entre Estado e classe operária, onde o Estado estaria se apropriando do processo de elaboração da legislação do trabalho, pretendendo através dela desenvolver uma série de contatos com empregados e empregadores, ajustando os interesses em confronto, fazendo-os participar da dinâmica social.

"O principal alvo desse projeto de cunho centralizador e nacionalista era, sem sombras de dúvidas, os trabalhadores. Seu núcleo previa a construção de um novo tipo de indivíduo, cuja cidadania estaria relacionada ao fato de este ser um trabalhador. Como conseqüência disso, teremos o surgimento de uma política de valorização do trabalho. Este passou a ser considerado um direito e um dever do cidadão brasileiro, além de uma tarefa moral em relação à sociedade e ao Estado. Somente através do trabalho o indivíduo poderia ascender socialmente e encontrar a felicidade." (SANTOS, 2004, p. 29)

    Tendo como principais sustentáculos os conceitos de pátria, moral, trabalho e anticomunismo, o Estado Novo foi orientado por uma concepção centralizadora, pelo planejamento estatal e pelo controle sobre os trabalhadores e sobre os sindicatos. Esse período foi marcado pelo desenvolvimento econômico, a partir do qual o Brasil deixou a condição de país agrário-exportador para se transformar em uma sociedade urbano-industrial. Vale frisar que ao término do Estado Novo o país havia consolidado sua segunda revolução industrial: deixava a fase de produção de bens manufaturados de curta duração, para entrar na indústria de produção de máquinas. Por esta razão acabou ganhando a simpatia dos desenvolvimentistas e até da esquerda, preocupada com a emancipação econômica do país.

     Percebe-se que as alterações diretamente vinculadas ao mundo do trabalho afetaram a vida do operário e a partir do desenvolvimento nacional industrial getulista - construção de uma classe média urbano-industrial - houve, além da preocupação das atividades ideológicas do Estado no tempo livre do trabalhador, o início de lazeres típicos da classe média, como teatros com temas cosmopolitas.

"Apesar de ter o nacionalismo como um dos seus pilares de sustentação, paradoxalmente foi durante o Estado Novo que o Brasil entrou definitivamente na órbita cultural dos Estados Unidos; foi nessa ocasião que o personagem de quadrinhos Zé Carioca foi criado pelos Estúdios Disney e que Carmem Miranda foi erigida ícone da boa vizinhança entre os Estados Unidos e o Brasil." (SANTOS, 2004, p.38).

    Outras características marcantes deste regime são a política cultural e a de educação. Nesse campo vários projetos desenvolvidos pela esquerda e por progressistas brasileiros foram contemplados, com vários intelectuais convidados a participar do governo: Mário de Andrade, Gustavo Capanema, Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Villa-Lobos. Nesse período encontramos o desenvolvimento de um programa de normatização da sociedade. Assim, foram estabelecidos o saneamento das cidades e dos indivíduos, a nacionalização da educação e a valorização da juventude e da criança. A construção dessa normatização pressupunha a necessidade de higienizar a sociedade e livrá-la dos elementos nocivos, com o intuito de forjar a criação de uma identidade nacional. Impor a nova identidade no Estado Novo significava fazer uso do mito de ser brasileiro, em função da existência de inimigos da nação brasileira.

    A formação deste "homem novo" idealizada pelo Estado Novo correspondia à figura do trabalhador disciplinado, ágil, eficiente, ordeiro e dócil (de acordo com o molde do homem projetado pela década de 30). Subjugado, disciplinado, reprimido e controlado, o operário é o instrumento e o alvo principal da estratégia traçada visando amenizar as tensas relações entre a classe operária e a empregadora. Deste modo, o Estado Novo prescrevia a construção deste "homem novo" na formação de uma raça forte, sadia e com traços característicos, passando pela prerrogativa de reeducar o homem, no sentido de promover o saneamento de seu espírito, corpo e mente a fim de torná-lo mais apto para o trabalho. Percebe-se que foi uma tendência do período, já que a idéia de higienização também fora utilizado nos regimes nazistas, levado às últimas conseqüências: extermínio de grupo étnico.

    Neste momento de transformações sociais o próprio momento de lazer fora utilizado estrategicamente para o exercício de poder, este fato é típico dos regimes totalitários, vide exemplo do nazismo. O governo forte e centralizador detêm os meios de comunicação exercendo uma censura rigorosa sobre as informações, ao fazê-lo mantém para si a divulgação dos temas relevantes para a manutenção do próprio sistema. Nas outras atividades de lazer o governo propunha festas e encontros com a população, mantendo o forte apelo populista nos discursos de Getulio ou de seus representantes.

    Hannah Arendt (1989), discute com propriedade a utilização da propaganda totalitária, afirmando que a mesma prospera através de contrapontos, como realidade e ficção, coincidência e coerência. Existe uma construção cultural em torno dos discursos totalitários, exagerando alguns elementos e ocultando outros, transformando a visão propagada como verdade absoluta, não permitindo, ou apenas cerceando, pontos de vista diferentes do apresentado pelo grupo hegemônico. Assim, é falsa a idéia que o convencimento dê-se por fatos concretos ou inventados, mas pela coerência do sistema no qual os indivíduos estão inseridos. No qual a palavra do governo se transforma em ordem, pois a população vê no seu ditador o caminho da salvação dos seus problemas. A população aposta no seu líder para guiar a nação no período de declínio e salvá-la dos elementos nocivos que corroem a sociedade.

    Para Santos (2004, p.65) o governo de Vargas tinha características próximas do governo totalitário, construindo as bases da propaganda política. Esta propaganda apresentava Vargas como o homem de visão nacionalista que levaria o Brasil para amplo desenvolvimento político e econômico. Ainda para a autora, Vargas forjou as bases para a instituição de informações pró-governo, que sustentaria e propagaria o modelo de homem e nação desejada por Getulio. O governo encabeçado por Getúlio Vargas, que tinha uma aspiração para o totalitarismo, manifestava grandes interesses pela propaganda. A primeira medida tomada neste sentido foi a criação de um órgão com planos e objetivos de controle da informação, que foi instituído em 1931, sob a denominação de Departamento Oficial de Propaganda (DOP). A ação do DOP não visava somente o controle das informações e a publicidade. Previa, também, um direcionamento da opinião pública com vistas a legitimação do governo provisório.

    É interessante notar que deve haver um tempo em que a propaganda política se instaura, deve inserir-se em algum momento que possibilite a apreensão da população. Getulio Vargas utilizou o tempo livre das obrigações sociais, já que seu público alvo era a classe trabalhadora, para a sua propaganda política. O meio de comunicação privilegiado foi o rádio. Vargas preocupa-se diretamente com as classes urbanas, percebendo que estão nelas os apoios políticos necessários para a manutenção do poder. Então o rádio que passou a fornecer informações oficiais à imprensa, além de ter a responsabilidade da produção e edição do programa "A Hora do Brasil", foi o grande veículo de Getulio. No Estado Novo o rádio passa de um público elitizado, desde sua inauguração em 1922 que tinha como programação concertos, recitais de poesia e palestras culturais, para um público mais amplo. O fator mais importante deste acontecimento é o investimento estatal na aquisição de receptores, anteriormente importados. Segundo Avancini (1996) o rádio, antes de Getulio, tinha uma finalidade cultural, educativa e altruísta - cabe lembrar que os anúncios pagos eram proibidos. Somente no Estado Novo é que o governo autoriza os comerciais nos rádios, deste modo há uma profissionalização das emissoras com artistas e produtores. A própria competição para atrair anunciantes leva ao desenvolvimento técnico, bem como à popularidade do veículo.

"O rádio foi um veiculo de importância significativa no empenho para a popularização do regime, pois fazia chegar às zonas rurais, não incorporadas pela política populista, o projeto de legitimação do Estado Novo. O rádio foi imprescindível como meio de integração e uniformização política e cultural, contribuindo para minimizar as diferenças regionais, de acordo com o projeto nacionalizador estadonovista. Em seu discurso Vargas anunciou o propósito de instalar em todo interior do país receptores providos de alto-falantes em praças, logradouros públicos e vias de movimento. Este projeto foi levado a efeito, contribuindo para disseminar modelos culturais urbanos na zona rural e constituindo importante meio de transmissão da mensagem da comunicação populista." (GOULART, 1990, p. 19-20).

    Ainda no Estado Novo, viveríamos a chamada época de "Ouro do Rádio" (AVANCINI, 1996), o impacto do rádio sobre a sociedade brasileira nesta época foi muito profundo, com uma grande abrangência, público e aproximação da população. A primeira rádio-novela, ocorre em 1942: "Em busca da felicidade" (GASSNER, 1974). Após este acontecimento todos os outros interesses passaram a ser veiculados pelo rádio como: Esportes e rádio-jornalismo. Getulio Vargas soube articular o poder de alcance do rádio, com sua política centralizadora e populista, destaca-se o Departamento de Imprensa e Propaganda, que teve um papel centralizador imprescindível para a manutenção do governo getulista.

    Para constituir as bases políticas do controle da informação, somado a necessidade de ampliar a rede de acesso da comunicação do governo em locais ermos, o Estado Novo cria o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), que teria ampla utilização política durante todo o governo de Vargas.

"O DIP iria centralizar e coordenar a comunicação social do Estado Novo. Como a obtenção de consenso em torno do regime implicava na necessidade do aumento de coerção e imposição ideológica, foi com esse sentido que a comunicação se dirigiu aos diferentes segmentos da sociedade." (GOULART, 1990, p. 17)

    O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) deixava transparecer sua concepção totalitária de um órgão de poder destinado a abranger um grande número de atividades. O DIP centralizava, coordenava e supervisionava a propaganda nacional, interna e externa, servindo como porta-voz do sistema político nacional. Outras atribuições cabiam ao DIP como supervisionar o turismo, censurar o teatro, cinema, atividades esportivas ou recreativas de todos os tipos, bem como os rádios, a literatura social ou política e a imprensa. Tinha como função especial, o estímulo tanto da produção de filmes nacionais como selecionar filmes educacionais e nacionalistas para benefício do governo. (GOMES, 1996).

"Marcando presença nas cidades, o DIP passou a ter voz ativa no lazer, na vida intelectual e na saúde do homem urbano. Assim, passaram ao controle ou ao incentivo do DIP as associações esportivas e recreativas, as diversões públicas, tais como circos, bilhares, bailes, congressos pagos, espetáculos de variedades, registro de artistas e a observância dos seus contratos de trabalho, a fiscalização dos teatros e peças, a concessão de prêmios literários, cinematográficos, teatrais e musicais. Na década de 40, o Estado, por intermédio do DIP e ao lado do Ministério da Educação, era o maior produtor e animador cultural do país." (SANTOS, 2004, p.78)

    Por um lado, a propaganda do Estado veiculava a arte e a cultura nacional de caráter erudito, conforme o modelo europeu, promovendo concertos, mostras de artes plásticas, exposições e palestras, ou seja, uma produção "culta" para o consumo das classes abastadas. A outra vertente, destinada às classes operárias, consistia no patrocínio de festas populares de cunho folclórico, festejos cívicos, excursões turísticas a sítios e lugares pitorescos, e atividades físicas para os operários. Lembrando que a religião católica teve um papel relevante nestas festas típicas, tanto folclóricas rurais, como urbanas. A nascente urbanização levou a Igreja concentrar as comunidades migrantes dispersas. A religião católica foi o elemento aglutinador dos migrantes de todo o Brasil que vinha tentar a vida nas cidades urbanas nascentes. Posterior a este movimento Vargas se alia a Igreja e absorve estas festas populares para dar, além do sentido religioso, o político e ideológico, sedimentando as bases de sua política de formação do homem brasileiro.

"O DIP promovia e apoiava manifestações culturais no sentido de organizar a cultura nacional. O nacionalismo foi um dos componentes ideológicos do Estado Novo e repercutiu intensamente no plano cultural, expresso no interesse por manifestações especificamente brasileiras. Entre os objetivos do DIP estava o estímulo a artistas e intelectuais brasileiros para a criação da arte e literatura nacionais." (GOULART, 1990, p. 27)

    Percebe-se que ocorreu no Brasil a formação de uma diferenciação de classe no próprio lazer, movimento próximo do ocorrido na França até a primeira guerra mundial, denominada Belle Epoque. O lazer dos franceses deste período foi caracterizado por Corbin (1995) como múltiplas formas culturais, definindo grupos sociais e culturais, através de aspectos econômicos e intelectuais (CORBIN, 1995, p.27). Segundo o autor, as ruas se diferenciavam pelos espaços fechados e abertos. Nos espaços fechados havia o lazer intelectualizado como os cafés, concertos, apresentações teatrais, exposições de quadros, livros e esculturas. Nos espaços abertos havia apresentações inusitadas (homem mais forte do mundo, contorcionismo, malabarismo), como lazer popular. E por último os circos fechados e pagos que foram direcionados para uma classe abastada que não tinha um refinamento do primeiro grupo, como também se distanciava das práticas populares.

    Os circos das classes abastadas tinham como característica a filosofia do neocolonialismo - levar aos povos primitivos a ciência e a civilização ocidental - por isso, as apresentações mostravam africanos e seus animais, como seres inusitados semi-humanos, reforçando a política colonizadora européia - leituras equivocadas de Darwin levaram a interpretação que os povos africanos estariam em estágio evolutivo inferior. Além deste aspecto, estes circos serviam para afirmar a própria sociedade industrial nascente.


3. Investimento privado no lazer do brasileiro

    Retomando as considerações da sociedade brasileira, percebe-se que houve uma diferenciação das atividades culturais de lazer a partir do desenvolvimento urbano, com a estruturação de uma classe operária, média e intelectualizada. No Brasil houve a criação de espaços fechados e intelectualizados como o movimento modernista de 1922. Villa Lobos, Portinari, Anita Malfatti, Oswald de Andrade, Mario de Andrade, Manuel Bandeira, Tarsila do Amaral foram artistas que se destacaram neste movimento. Na sua maioria vindo de classes aristocráticas que trouxeram elementos europeus para a construção da arte urbana, inserindo o Brasil no mundo artístico internacional. Cabe lembrar que posteriormente Mario de Andrade, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral criaram o movimento antropofágico, que constituiria na formulação de elementos nacionais a partir da incorporação antropofágica das artes estrangeiras, movimento que refletiu a postura da época de busca da brasilidade e da força da nossa industrialização. Não se pode esquecer das atividades abertas de rua para a população operária, muitas vezes direcionada pelo governo, como atividades físicas para os operários, atividades recreativas abertas promovidas pelo governo, ou as relacionadas com a Igreja Católica - posteriormente incorporadas pelo DIP - como as festas típicas católicas (Páscoa, festa de Santos, Natal) e folclóricas. E por último, os locais fechados para uma classe média com os filmes e peças teatrais com temas estrangeiros, como as peças do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), os circos pagos que trariam os elementos folclóricos e inusitados, os cafés, passeios da classe urbana nascente, o turismo que começa a ser explorado e a criação das estações de rádios que em um segundo momento se populariza para todos os grupos sociais.

    Cabe uma atenção especial para o teatro que, nas décadas de 1930 e 1940, também participa deste movimento revolucionário de construção da urbanidade. Jaime Costa, Procópio Ferreira, Abigail Maia e Dulcina de Moraes fundam suas companhias, ativas até o fim dos anos 1950, construindo espaços que se inserem na própria revolução urbana iniciada por Vargas (MAGALDI, 1989). O Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), marco na história do teatro brasileiro, também é deste período, sendo uma referência nas atividades de lazer para um público intelectualizado (DORT, 1977). O pioneiro da moderna dramaturgia brasileira é Nelson Rodrigues, que constrói uma obra coerente e original, expondo o inconsciente da classe média com seus ciúmes, loucuras, incestos e adultérios (GASSNER, 1974).

    Outra atividade artística que teve influência do populismo getulista foi o cinema. A política de utilização do cinema como veículo de instrução política, vinha ainda ao encontro das reivindicações dos cineastas que batalharam para fazer do Estado o grande investidor do cinema brasileiro, demandando que ele desempenhasse um papel ativo e protetor dessa atividade cultural para fazer frente ao cinema norte-americano. Atendendo em parte aos apelos desses cineastas, o governo decretou, em 1932, a lei de obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais. "Tal ato fez com que Getúlio Vargas fosse considerado o pai do cinema brasileiro" (SANTOS, 2004, p.87). Todavia, o investimento do Estado na aérea cinematográfica se restringiria apenas à produção de cine-jornal voltado à propaganda, com vistas em obter o consenso da sociedade em torno do regime. Desta maneira, o cine-jornal se apresentava como sendo o veículo de difusão mais eficiente para atingir este objetivo.

    O cine-jornal focava exposições e concursos artísticos, cenas do Carnaval carioca, desfiles de moda, diversas modalidades de esportes (esgrima, o turfe, a natação, as provas de automobilismo, o hipismo, o remo e o futebol), as romarias e festas populares, aniversário de pessoas vivas ou mortas, instituições, batalhas, centenários, datas cívicas ou militares.

    As cerimônias tinham como função o apoio das massas, por isso focavam a cultura popular. O termo cultura popular remete-se às manifestações coletivas, geralmente no espaço não-urbano que neste caso foi apropriado pelo urbano. Ao pensar a cultura popular, o folclore e os ritos antigos são os primeiros a serem lembrados. Esta alusão do popular e rural está presente na própria constituição do capitalismo, já que a exploração da terra o êxodo rural são características da formação do proletário urbano (ALMEIDA e GUTIERREZ, 2004). Todas as práticas ligadas a este contexto coletivo são exemplos da cultura popular e o seu caráter de troca as torna importantes. Assim as práticas de lazer populares como os jogos que pulsam nos morros, ou as brincadeiras de rua urbana, ou as festas rurais populares, as festas urbanas populares são formas de lazer que representam as práticas coletivas de convivência e símbolos de uma comunidade, um apelo ao passado e uma forma de resistência à generalização da própria urbanização. Em outras palavras, as pessoas ao trazer estes elementos populares, muitas vezes típicos de uma região não urbana, resguardam os valores do seu grupo, mantendo coesa a idéia de comunidade. Afirma-se que estes valores encontram-se, também, nos jogos e brincadeiras populares incorporados na dinâmica da sociedade urbanizada. Os jogos, desta forma, exprimem a dinâmica de um grupo e a sua forma de conivência num espaço hostil aos elementos religiosos, torna-os uma fonte de resistência ao desenvolvimento produtivo.

    O governo, por outro lado, sabendo desta antítese dos valores populares com a idéia do novo "homem brasileiro", apregoado por Getulio, constrói mecanismos eficientes de controle destas expressões. Tendo as cerimônias oficiais múltiplas funções, a de maior importância era de manter intacto o apoio das massas, elas ofereciam a prova visível da pretensão desse regime de representar as tradições nacionais através de sua ótica. O governo tinha a preocupação de utilizar as cerimônias no sentido de se apropriar de todos os aspectos que englobavam a tradição nacional. Por isso, tiveram um apelo ao folclore, a Igreja Católica e as manifestações populares.

     Cabe lembrar que foi sim o Estado o maior promotor de cultura, no entanto, não somente havia as ações promovidas pelo DIP. Com os avanços tecnológicos cria-se uma infra-estrutura para a produção particular de peças de teatro como o (Teatro Brasileiro de Comedia), como também de filmes nacionais. A instalação do primeiro estúdio cinematográfico no país foi o da companhia Cinédia, posteriormente fora criada a Atlântida e por último à Vera Cruz (BERNARDET, 1985). A Cinédia produz dramas populares e comédias musicais, que ficaram conhecidas pela denominação genérica de chanchadas. Humberto Mauro assina o primeiro filme da companhia, Lábios sem beijos. Em 1933 o filme "A voz do carnaval", estréia da cantora Carmem Miranda. Mas foram com as comédias musicais - "Alô, alô, Brasil, alô, alô, Carnaval" e "Onde estás, felicidade?" -, que teve grande repercussão nacional, lançando atores como Oscarito e Grande Otelo (GALVÃO, 1983). A Atlântida, fundada em 1941 por Moacir Fenelon, Alinor Azevedo e José Carlos Burle, estréia com Moleque Tião, filme que já dá o tom das primeiras produções, a procura de temas brasileiros, que seria explorado no período JK. Este gênero domina o mercado até meados de 1950, promovendo comediantes como Oscarito, Zé Trindade, Grande Otelo e Dercy Gonçalves (BERNARDET, 1985).

    O cinema aos poucos ganhava espaço do público, com o avanço tecnológico e desenvolvimento urbano as grandes cidades começam a construir locais próprios para as apresentações cinematográficas, impulsionando, ainda mais, o mercado nacional. Percebe-se que há uma relação do desenvolvimento urbano, tecnológico, do trabalho e as atividades de lazer. O lazer se desenvolve enquanto campo social, a partir da urbanização.


Conclusão

    Fica claro, portanto, que o desenvolvimento urbano e industrial no Estado Novo (1937-1945) foi primordial para forjar as bases políticas, econômicas, sociais e culturais do lazer brasileiro, a urbanização influenciou sobremaneira as atividades de tempo livre. Vargas e seu projeto centralizador de governo promoveram o desenvolvimento das atividades de tempo livre, como o rádio, o cinema, o teatro e as festas populares, ao mesmo tempo possibilitou a ascensão do setor privado no controle da produção cultural e investimento no lazer. Por outro lado, foi sim o Estado o grande produtor de cultura do período com a criação dos mecanismos de controle como o Departamento de Imprensa e Propaganda e a formação de políticas do lazer.

    Outro ponto que foi fundamental para o desenvolvimento do lazer foi a formação de uma classe urbana, conjuntamente com o desenvolvimento tecnológico promovido pela política econômica de Vargas. Este foi um caminho trilhado para a consolidação das bases políticas e sociais do desenvolvimento do lazer brasileiro. O lazer começou, portanto, a ser delineado a partir do desenvolvimento urbano, com o surgimento de classes sociais; do tempo livre e também, de grupos como sociais que exigiam atividades de lazer. A urbanização promovida por Vargas e ao mesmo tempo seu investimento na comunicação, como forma de controle ideológico, foram os passos necessários para a consolidação do lazer como prática dos operários, classe média e burguesia ou como forma de investimento econômico, isto é, surgimento do setor privado como produtor de cultura e a cultura como objeto de alienação.

    Sintetizando o período, na era Vargas houve:

  1. o nascimento do rádio popular;

  2. investimento nacional no cinema com grandes empresas cinematográficas;

  3. preocupação do Estado em incentivar atividades artísticas, folclóricas e físicas para os trabalhadores, no intuito de cuidar da saúde da população;

  4. surgimento de grandes companhias de teatro e de uma dramaturgia de renome, como Nelson Rodrigues;

  5. a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda;

  6. programas das rádios com músicas e shows de calouros.

    Junto às atividades de lazer de cunho ideológico, tivemos outros tipos de lazeres, ou melhor, outras atividades que não se caracterizavam diretamente a este pressuposto, como por exemplo o cinema, as expressões espontâneas esportivas e artísticas do período. Com o desenvolvimento tecnológico, conquistado definitivamente após o fim do segundo mandato de Vargas, o lazer se integra não somente ao regime político, mas a tecnologia, dando base, já no desenvolvimentismo, para o lazer de consumo que viria depois do regime militar de 1964.


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