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Autopercepção de papéis sexuais em professores
de Educação Física: um estudo exploratório
Autopercepción de roles sexuales en profesores de Educación Física: un estudio exploratorio
Self-perception of sexual roles on Physical Education teachers: an exploratory study

   
*Doutor em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS)
Docente do Curso de Educação Física da
Instituição Educacional São Judas Tadeu/RS
**Acadêmico de Educação Física
 
 
José Augusto Evangelho Hernandez*
Thiago Correa Oliveira**

hernandz@portoweb.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Esta pesquisa exploratória verificou a autopercepção de papéis sexuais em 83 professores de Educação Física, homens e mulheres. Os profissionais trabalhavam em instituições públicas e privadas da região de Porto Alegre e responderam ao Bem Sex-Role Inventory. Os resultados não apuraram diferenças sexuais significativas. Também, não houve correlação entre idade, masculinidade e feminilidade. Contudo, 80,7 % dos professores se autodescreveram como andróginos. Acima de tudo, a androginia tem apresentado associação positiva com ajustamento psicológico e relacionamento interpessoal. Estes dados remetem à indagação: androginia é uma das características disposicionais de professores de Educação Física?
    Unitermos: Gênero. Papéis sexuais. Androginia.
 
Resumen
    Esta investigación exploratoria ha confirmado la autopercepción de roles sexuales en 83 profesores de la educación física, hombres y mujeres. Estos profesionales trabajaban en instituciones públicas y privadas en la región de Porto Alegre y respondieron al Bem Sex-Role Inventory. Los resultados no demostraron diferencia sexual significativa. No había tampoco correlación entre masculinidad y femineidad o edad. Sin embargo, el 80.7% de los profesionales se describieron como andróginos. En última instancia, la androginia ha demostrado la vinculación positiva con el ajuste psicologico y la relación interpersonal. Estos datos nos derivan a otra investigación: ¿la androginia es una de las características de profesores de la Educación Física?
    Palabras clave: Género. Roles sexuales. Androginia.
 
Abstract
    This exploratory research has confirmed self-perception of sexual roles on 83 Physical Education teachers, both male and female. These professionals worked at both public and private institutions within the region of Porto Alegre and responded to Bem Sex-Role Inventory. Results did not show significant sexual difference. There was also no correlation between masculinity and femininity or age. However, 80,7% of the professionals described themselves as androgynous. Ultimately, androgyny has demonstrated positive association with psychological adjustment and interpersonal relationship. These data send to the investigation: is androgyny one of the personal characteristics of PE teachers?
    Keywords: Gender. Sex roles. Androgyny.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 98 - Julio de 2006

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    Em seu estudo, D'Amorim (1988) explicou que os estereótipos de gênero incluem características físicas e psicológicas, comportamentos e ocupações consideradas tradicionalmente como masculinas ou femininas. Os resultados desta pesquisa apontaram as profissões de arquiteto, corretor, dentista, químico e vendedor como masculinas e as de enfermeiro, professor, psicólogo, secretário e telefonista como femininas. A pesquisadora verificou a percepção dos sujeitos sobre o gênero das profissões. Neste estudo atual, foi realizada uma pesquisa de caráter exploratório para verificar a autopercepção de gênero de pessoas que trabalham como profissionais de Educação Física e, assim, obter indicativos sobre características disposicionais destes professores.

    Esta pesquisa buscou sustentação na Teoria de Esquema de Gênero de Sandra Bem (1981), a qual ocupa um lugar de destaque dentro das abordagens psicológicas cognitivas de processamento de informação. Nesta perspectiva, o esquema é concebido como um contínuo singular, com dois pólos, em um dos quais estariam situados os sujeitos tipificados sexualmente (altamente masculinos ou altamente femininos), enquanto que no extremo oposto estariam os sujeitos com orientações fracas de papéis sexuais e os que apresentam tendências de sexo cruzado, não esquemáticos segundo o gênero ou não tipificados sexualmente. A classificação destes dois tipos (esquemáticos e não esquemáticos) se baseia nas divergências quanto à disponibilidade cognitiva, que se manifesta tanto em nível de discriminação perceptiva, associativa e de memória, quanto no referente a expectativas e crenças sobre a polaridade de gêneros. Os esquemáticos têm maior predisposição em classificar as informações em categorias de masculino e feminino e para decidir que atributos incluirão ou não em seu autoconceito.

    Lenney (1991) abordando os problemas de definição do conceito de Papéis Sexuais, comenta que, em geral, as pessoas se referem às características de papéis sexuais como aquelas características que realmente diferenciam os sexos, a despeito da enorme popularidade, no entanto, os mais básicos construtos, papéis sexuais masculinos e femininos, têm consistentemente evitado uma definição clara, em ambos os níveis, conceitual e operacional.

    A revisão de Constantinople (1973), um marco na área, buscou definições teóricas e concluiu que masculinidade e feminilidade parecem estar entre os conceitos turvos do vocabulário dos psicólogos. A mais generalizada definição dos termos é que parecem ser traços relativamente duradouros que estão mais ou menos enraizados na anatomia, fisiologia e experiências iniciais e, geralmente, servem para distinguir homens e mulheres na aparência, atitudes e comportamento.

    Lenney (1991), ainda, observou que algumas abordagens teóricas definem Papéis Sexuais como as características, atitudes, valores e comportamentos que a sociedade especifica como apropriados para homens e mulheres. Outras abordagens enfatizam a estrutura social em suas definições. Gilbert (1985) sustentou que Papéis Sexuais se referem às expectativas normativas sobre a divisão de trabalho entre os sexos e as regras sobre interações sociais relativas a gênero que existem numa cultura ou contexto histórico particular.

    Considerando a turbidez do termo Papéis Sexuais, lato sensu, muitos autores têm proposto o uso de termos que se referem a vários aspectos estritos de Papéis Sexuais. O resultado disso tem sido uma proliferação de termos que tem gerado mais confusão. Ou seja, nem todos os autores usam o mesmo termo no mesmo sentido. Por exemplo, alguns definem orientação de papel sexual como uma percepção subjacente, não necessariamente consciente, de masculinidade e feminilidade do self. Outros autores afirmam que medidas de orientação de papel sexual tentam distinguir entre papéis tradicionais e não tradicionais (liberados) relacionados com o sexo, atividades, carreiras e estilos de vida (Lenney, 1991).

    Stewart e McDermott (2004) comentaram que gênero é um fator ou variável empírica amplamente reconhecida na compreensão de vários aspectos do comportamento. Na psicologia, gênero é usado empiricamente, com freqüência, sem muita consciência de seu significado social ou conceitual. Geralmente, os psicólogos usam gênero na pesquisa empírica, no mínimo, de três maneiras completamente diferentes: para significar diferenças sexuais, variabilidade no sexo e gênero vinculado as relações de poder que estruturam muitas interações e instituições sociais.

    Sem dúvida, a psicologia tem abordado o estudo do gênero de várias maneiras. Em algumas tem se limitado a constatar, a descrever e a medir as diferenças de comportamento entre homens e mulheres. Por vezes, sustentando que tais diferenças existem por si mesmas e que o que a investigação psicológica pode fazer é estruturá-las e buscar as causas que as explicam. Este ponto de vista tem se mantido (Barberá, 1998), embora a psicologia já tenha diferenciado conceitual e metodologicamente sexo biológico e gênero, categoria psicológica.

    Tudo isso ainda remete a uma grande controvérsia, neste campo de pesquisa, que diz respeito ao problema do inatismo versus ambientalismo, esclareceu Biaggio (2003). Nos anos pré-científicos da Psicologia, acreditava-se fortemente na base constitucional e nos instintos como determinantes das diferenças sexuais nas atitudes e nos comportamentos.

    Contudo, muito antes de perceberem as diferenças sexuais anatômicas os meninos e as meninas já receberam a informação de que há dois tipos de pessoas no mundo social, homens e mulheres, comentam Gerrig e Zimbardo (2005).

    Por que as mulheres tendem a comportar-se de certas maneiras e os homens de outras? Até os anos 60 os pesquisadores sempre procuraram avaliar as características masculinas e femininas de personalidade baseados num modelo bipolar e unidimensional. Nesta perspectiva, o paradigma central é o pressuposto de que homens e mulheres diferem em muitas de suas características, nos estereótipos sociais, nos padrões de desempenho de Papéis Sexuais ou nas prescrições culturalmente aprovadas para indivíduos do sexo masculino e para indivíduos do sexo feminino: homens são mais independentes e agressivos e as mulheres mais dependentes e amáveis.

    Oliveira (1983) observou que o sistema social parece guiar as crianças do sexo masculino a caminharem por um lado e as do sexo feminino por outro, na direção de como ser homem e como ser mulher, respectivamente. Na atualidade, muito tem sido escrito sobre as mudanças destes papéis sexuais, com homens apresentando emoções e mulheres sendo encorajadas a serem assertivas e negociadoras.

    Ao longo do tempo, algumas teorias psicológicas têm se inscrito na tentativa de fornecer explicações acerca do desenvolvimento de Papéis Sexuais. Entre as mais importantes estão, em ordem de surgimento, a Psicanálise, a Aprendizagem Social e a Psicologia Cognitiva. Em muitos manuais atuais de Psicologia Geral e Social (Myers, 2000; Davidoff, 2001; Huffman, Vernoy & Vernoy, 2003; Gerrig & Zimbardo, 2005) são citadas apenas duas explicações principais para o desenvolvimento de gênero, Aprendizagem Social e Psicologia Cognitiva. Destarte, nesta revisão breve foi também abordada a Psicanálise, visto que é bastante considerada em nossa cultura.

    Além disso, nota-se que o Modelo de Individuação de Chodorow (1990), inspirado na teoria psicanalítica, também, tem marcado presença na literatura internacional. Segundo a autora, quando as mulheres são as principais cuidadoras, as crianças masculinas tendem a tornarem-se mais autônomos, enquanto as crianças femininas tenderão a experimentar mais identificação com as necessidades e sentimentos dos outros.

    Na abordagem psicanalítica, a evolução e a resolução do conflito edípico, fenômeno central desta teoria, são as responsáveis pela identificação das crianças às características, atitudes e comportamentos dos pais de mesmo sexo biológico (Fast, 1993). A autora comentou que, Freud postulava que as diferenças de personalidade entre homens e mulheres são o resultado de uma seqüência invariável de estágios do desenvolvimento da criança - oral, anal e fálico. Ao longo destes três estágios, instala-se na criança o Complexo de Édipo, que no menino teria o seguinte desenvolvimento: a partir de uma ligação inicial maior com a mãe, ligação esta que é sexualizada na fase edipiana, o menino nutre fantasias de possuir a mãe. A figura do pai surge como um rival poderoso e intransponível, rival este que poderá puní-lo. É a ansiedade de castração que leva o menino a reprimir seu desejo pela mãe e identificar-se com o pai na expectativa de um dia ser como ele e ter uma mulher. Freud acreditava que o processo que conduzia à dissolução do Complexo de Édipo na menina era análogo ao do menino. Mais tarde, ele reformulou sua visão do desenvolvimento psicossexual da mulher. A menina, assim como o menino, desenvolve uma ligação inicial com a mãe. Para ela, entretanto, não é a ansiedade de castração, mas a própria constatação de que não possui pênis e a conseqüente "inveja do pênis", que a motivarão à resolução do Complexo de Édipo. Não podendo possuir a mãe, seu primeiro objeto sexual, por ser igual a ela, e culpando a mãe por não lhe ter proporcionado um pênis, a menina abandona-a como objeto sexual ao mesmo tempo em que se identifica com ela e volta-se para o pai.

    Dentro da teoria da Aprendizagem Social existem duas grandes correntes: uma que prescinde da referência aos processos intrapsíquicos e, por outro lado, enfatiza a interação entre a conduta e os eventos ambientais na aquisição de comportamentos; outra, que concede grande importância aos processos internos cognitivos que mediam a aquisição das condutas sexualmente tipificadas (Lott & Maluso, 1993).

    Na primeira corrente, os comportamentos sexualmente tipificados são vistos como os que proporcionam uma distinta gratificação a um e outro sexo ou têm conseqüências que variam segundo o sexo do sujeito. A aquisição e a utilização de uma conduta sexualmente tipificada pode ser descrita de acordo com os mesmos princípios de aprendizagem usados na análise de qualquer outro aspecto do comportamento individual, esclareceram Lott e Maluso (1993). A tipificação sexual é o processo no qual o indivíduo adquire padrões de comportamento vinculados com o sexo: primeiro aprende a distinguir estes padrões, depois, a generalizar estas experiências concretas a situações novas e, finalmente, a usar o comportamento.

    Ainda conforme Lott e Maluso (1993), o condicionamento operante pode ser visto quando a criança é recompensada ou punida por assumir um comportamento adequado ou inadequado ao próprio sexo. Meninos, por exemplo, não raro são criticados por chorarem, brincarem com bonecas ou mostrarem interesse pelas atividades domésticas (cozinhar, lavar louça, lavar e passar roupas). Da mesma forma, meninas podem ser criticadas por serem agressivas ou estabanadas. Pais e outras crianças estão permanentemente encarregados, de formas sutis, de recompensar ou punir estas crianças pelo desempenho em comportamentos julgados como mais ou menos apropriados aos seus sexos.

    Por outro lado, segunda corrente, pesquisas têm mostrado que aprendizagem vicária é uma das fontes mais importantes de aquisição de comportamentos sexuais. Estudo realizado por Ross, Anderson e Wisocki (1982) comprovou isso: níveis de masculinidade e feminilidade de estudantes universitários foram examinados, os sujeitos relataram quais programas de televisão assistiam e com que freqüência. A quantidade total de tempo gasto assistindo TV não se relacionou com masculinidade e feminilidade, mas os sujeitos assistiam mais a programas nos quais os personagens retratavam maneiras sexualmente tipificadas adequadas aos seus estereótipos de orientação de papel sexual (homens masculinos e mulheres femininas). Esta relação apareceu, também, em grupos de sujeitos de faixas etárias mais elevadas.

    As pesquisas nem sempre têm encontrado evidências de meninos imitando modelos masculinos e meninas imitando modelos femininos, mas isto pode ser o produto de uma falha na identificação do comportamento em questão com o sexo. Alguns investigadores têm apontado que crianças precisam primeiro aprender que o comportamento observado é desempenhado mais freqüentemente por um sexo em específico (Bussey & Bandura, 1984). Não há razão para que meninas assumam um modelo de professora mais do que meninos em todos os comportamentos que a professora apresenta a elas. Contudo, se as crianças são capazes para observar ou distinguir que o comportamento está mais vinculado às mulheres do que aos homens, poderíamos esperar mais modelagem deste por parte das meninas. Perry e Bussey (1979) demonstraram isso experimentalmente: quando crianças observaram modelos de homens e mulheres, elas tenderam a imitar o comportamento do modelo de mesmo sexo apenas quando estes determinavam que o comportamento desempenhado era mais freqüentemente exercido por sujeitos de seu mesmo sexo.

    No grupo chamado Psicologia Cognitiva convivem, principalmente, duas teorias cognitivas tradicionais que, também, abordam o desenvolvimento do gênero, a Genético Evolutiva (Kohlberg, 1966) e a de Processamento de Informação (Bem, 1981).

    Kohlberg (1966) sustentou que o processo de tipificação se apóia no marco evolutivo geral da compreensão da realidade, afetando a organização cognitiva dos sexos sobre a qual se conformará gradativamente a constância do gênero. Da interação entre os estereótipos de Papéis Sexuais e a identidade de papel surgirão os atributos de Papéis Sexuais. Desta forma, as mudanças na maturação cognitiva afetam a autopercepção e se refletem na categorização de estereótipos e valores sobre o sexo.

    Na Teoria de Processamento de Informação foram elaborados alguns modelos que explicam o desenvolvimento e funcionamento dos estereótipos de gênero com base em esquemas cognitivos integráveis no autoconceito. Partindo da idéia de que os sujeitos integram a informação recebida sobre uma base de esquemas previamente estabelecidos, é lógico pensar que a designação social de gênero atuará prontamente possibilitando o desenvolvimento de uma extensa rede de associações internas, que ativadas, mais adiante, serão decisivas para interpretar a realidade e, especialmente, o conceito sobre si mesmo (Barberá, 1998).

    Para Sternberg (2000), conceito é a unidade essencial do conhecimento simbólico, a idéia que se tem sobre algum objeto. Diz o autor, que muitas vezes a idéia toda pode ser captada com um único termo, por exemplo, mulher. Um conceito também está relacionado com muitos outros conceitos, no caso, mulher se relaciona com delicadeza, suavidade, afetividade, etc. Ou seja, os conceitos, em geral, estão organizados em esquemas. Os esquemas são estruturais mentais que representam o conhecimento e são constituídos por uma série de conceitos inter-relacionados organizados de forma significativa.

    Em suas primeiras teorizações, Bem (1974) considerou masculinidade e feminilidade como grupos complementares de traços e comportamentos positivos. A autora concebeu, naquele momento, pessoas sexualmente tipificadas como sendo aquelas que internalizaram padrões sócioculturais sexualmente apropriados com relativa exclusão de outras características.

    A Gender Schema Theory (Bem, 1974, 1981) ocupa um lugar de destaque dentro das abordagens cognitivas de Processamento de Informação. O esquema de gênero foi concebido como um contínuo singular, com dois pólos, em um dos quais estariam situados os sujeitos tipificados sexualmente (altamente masculinos ou altamente femininos), enquanto que no extremo oposto estariam os sujeitos com orientações fracas de Papéis Sexuais e os que apresentam tendências de sexo cruzado, não esquemáticos segundo o gênero ou não tipificados sexualmente. A classificação desses dois tipos (esquemáticos e não esquemáticos) se baseou nas divergências quanto à disponibilidade cognitiva, que se manifestaria tanto em nível de discriminação perceptiva, associativa e de memória, quanto no referente às expectativas e crenças sobre a polaridade de gêneros. Os esquemáticos teriam maior predisposição em classificar as informações em categorias de masculino e feminino e para decidir que atributos incluiriam em seu autoconceito e quais não incluiriam.

    Enquanto uma teoria de esquemas cognitivos, a Gender Schema Theory prevê uma transcendência à dicotomia masculino-feminino como critério para percepções e decisões. Segundo este ponto de vista, Androginia representa uma forma particular de processar informação. Os Andróginos, diferentes dos sexualmente tipificados, não contam com conotações sexuais para orientar o seu processamento de informação. Estas pessoas podem, inclusive, estar inconscientes das diferenças quanto à propriedade ou impropriedade sexual de uma dada situação. Todavia, aqui não há a idéia de hierarquia contida na abordagem evolutiva, onde a Androginia é conceituada como uma etapa superior a ser atingida. Para Bem (1981), ela é, simplesmente, uma forma diferente de processamento das informações disponíveis no meio.

    Desta forma, inspirada nas teorias de processamento de informação, as quais postulam que o indivíduo é auxiliado por estruturas cognitivas que permitem que a percepção, a interpretação e a organização de estímulos sejam mais efetivas - os esquemas cognitivos - a autora (Bem, 1981) propôs a idéia de um esquema cognitivo de gênero, que estaria estreitamente ligado aos padrões sócioculturais de comportamentos esperados para cada um dos sexos. Uma vez aprendido este esquema predisporia a criança a perceber o mundo, também, em termos sexuais. Os esquemas de gênero servem para a criança avaliar a si própria e aos que a rodeiam em termos de adequação aos padrões definidos pela sociedade para os sexos, sentindo-se motivada a ajustar-se a estas definições. Assim, auto-estima e autoconceito são desenvolvidos, também, sob a regência do esquema de gênero. Quando o indivíduo percebe a sua própria conformidade a um padrão tradicional, a diferenciação do autoconceito baseada em distinções de sexo é fortalecida e uma identidade de Papel Sexual tradicional vem a ser o resultado.

    Portanto, pessoas sexualmente tipificadas são aquelas que em função de um "fator motivacional internalizado" (Bem, 1981), organizam as informações em termos das definições culturais de masculinidade e feminilidade e cujo autoconceito e comportamento são o resultado deste tipo de processamento. Em oposição, tais conotações não são marcantes para pessoas não tipificadas. O conteúdo do que constitui os domínios da masculinidade e da feminilidade não é enfatizado, mas sim o tipo de processo cognitivo. As diferenças individuais ficam por conta do quanto na história pessoal do indivíduo foi enfatizado a importância das dicotomias de gênero.

    Conforme Bem (1981, p. 356),

... indivíduos sexualmente tipificados são vistos como diferentes dos outros, não em termos da quantidade de masculinidade ou feminilidade eles possuem, mas em termos de que seus autoconceitos e comportamentos sejam ou não organizados na base de gênero.

    Diversas escalas foram desenvolvidas para medir orientação de Papéis Sexuais, as duas mais usadas são o Bem Sex Role Inventory (BSRI) de Bem (1974) e o Personal Attributes Questionnaire (PAQ) de Spence, Helmreich e Stapp (1975). Embora existam controvérsias sobre o que estas escalas medem, os sistemas de classificação são similares. O BSRI foi criado com a finalidade de avaliar o gênero das pessoas. Gênero, nesta visão, é definido como todos os atributos psicológicos, sociais e culturais que são dados a pessoa, enquanto masculino e feminino. Na forma original, o BSRI caracterizava uma pessoa como masculina, feminina ou andrógina de acordo com algumas características de personalidade vinculadas aos Papéis Sexuais. Os resultados obtidos por Bem (1974) levaram as seguintes conclusões: (1) as dimensões da masculinidade e da feminilidade são empírica e logicamente independentes; (2) o conceito de androginia psicológica é fidedigno e está definido operacionalmente pela obtenção ou de índices altos ou baixos em ambas as escalas de masculinidade e feminilidade; (3) escores altamente tipificados sexualmente não refletem uma tendência geral do indivíduo para responder em uma direção socialmente desejável, mas uma tendência específica para a autodescrição em concordância com os padrões de comportamento desejáveis para homens e mulheres.

    O BSRI foi revisado por Bem (1977) após as contribuições de Spence, Helmreich e Stapp (1975). Estes argumentaram que as pessoas Andróginas deveriam apresentar apenas índices altos nas escalas de masculinidade e feminilidade. Pessoas com índices baixos em ambas as escalas deveriam ser classificados como "Indiferenciados". Assim, surgiu uma nova categoria.

    Uma adaptação do BSRI à cultura brasileira foi realizada por Oliveira (1982), contudo uma reavaliação feita por Koller, Hutz, Vargas e Conti (1990) revelou diversos problemas com o instrumento, que levaram, mais tarde, a uma readaptação do BSRI (Hutz & Koller, 1992). Hernandez e Hutz (2005) fizeram uma revisita a esta readaptação, os resultados mostraram evidências de que a presente versão brasileira do BSRI continua sendo um instrumento consistente e fidedigno.

    As duas maiores áreas ligadas com a pesquisa em Papéis Sexuais são a do ajustamento psicológico e dos relacionamentos interpessoais. Os impulsos iniciais do trabalho de Bem (1975) apontaram para a idéia de que a maioria das pessoas bem ajustadas é Andrógina, possuindo qualidades femininas e masculinas. Isto contrasta com o modelo anterior, de congruência, ou seja, homens masculinos e mulheres femininas compõem a maioria da população bem ajustada.

    Esta pesquisa do tipo exploratório buscou verificar a autopercepção de professores de Educação Física com relação ao esquema de gênero.

    Além disso, buscou identificar diferenças sexuais e entre docentes de colégio e de universidade com relação ao esquema de gênero.


Método

Sujeitos

    Foram examinados 83 professores de Educação Física, 45 do sexo feminino e 38 do sexo masculino, com idade entre 24 e 56 anos e idade média de 35 anos. Deste grupo, 53 eram docentes de Escolas e 30 do Ensino Superior


Instrumento

    Foi utilizado o Bem Sex Role Inventory (BSRI), de Bem (1974), adaptado por Oliveira (1982) e readaptado por Hutz e Koller (1992). Este instrumento de avaliação de papéis sexuais é um conjunto de 60 itens de adjetivos que compõem três escalas: masculina, feminina e neutra. Os respondentes responderam a uma escala tipo Likert de sete pontos (1 que significa que a característica nunca é verdadeira até 7 que significa que a característica é sempre verdadeira) para avaliar os adjetivos em relação às suas próprias características pessoais percebidas.

    Na determinação do ponto de corte e classificação dos indivíduos nos papéis sexuais foi utilizado o cálculo da mediana das médias dos escores dos sujeitos em cada uma das escalas (masculino e feminino). A escala neutra tem a função, apenas, de fornecer contraste para as respostas dos sujeitos, não deve ser levada em conta para a classificação dos papéis sexuais (Bem, 1977).

    Os pontos de corte calculados para este estudo foram: para homens, 5,0 na escala feminina e 5,1 na escala masculina; e, para mulheres, 5,5 na escala feminina e 5,2 na escala masculina.

    Sujeitos que apresentaram escores acima do ponto de corte na escala masculina e abaixo do ponto de corte na escala feminina foram classificados na categoria tipificados masculinos. Sujeitos que apresentaram escores acima do ponto de corte na escala feminina e abaixo do ponto de corte na escala masculina foram classificados na categoria tipificados femininos. Sujeitos que pontuaram acima do ponto de corte em ambas as escalas, masculina e feminina, foram classificados na categoria andróginos. Sujeitos que tiveram seus escores situados abaixo do ponto de corte em ambas as escalas, masculina e feminina, foram classificados na categoria indiferenciados.

    Recentemente, os Alphas de Cronbach calculados por Hernandez e Hutz (2005) para esta versão brasileira do BSRI foram 0,90 para a escala feminina, 0,81 para a escala masculina e 0,61.


Procedimentos

    Os professores foram abordados individualmente em seus lugares de trabalho e, também, de forma coletiva, em cursos de aperfeiçoamento.

    Os dados foram analisados com auxílio do software SPSS por meio das técnicas estatísticas descritivas, Análise de Variância e Coeficiente de Correlação de Pearson.


Resultados

    Os resultados mostraram que não existem diferenças estatísticas significativas (p<0,05) entre homens e mulheres nem entre professores de colégio e de universidade com relação à masculinidade ou feminilidade. Além disso, não houve correlação estatística significativa (p<0,05) entre a idade dos professores e as escalas de masculinidade e feminilidade.

    Por outro lado, a observação da descrição dos dados, análise de freqüência, revelou aspectos muito interessantes, tais como: 80,7 % dos professores (independente de sexo) foram classificados como Andróginos, 10,8% Tipificados Femininos, 7,2% Tipificados Masculinos e 1,2% Indiferenciados (Tabela 1).

Tabela 1. Distribuição de freqüência de Sexo por Papéis Sexuais.


Discussão

    Segundo a Teoria de Esquema de Gênero de Sandra Bem (1981) as pessoas classificadas no tipo de papel sexual Andrógino apresentariam diversas vantagens na comparação com os outros demais tipos (Típicos Masculinos, Típicos Femininos e Indiferenciados). Tais diferenças vantajosas estariam situadas, principalmente, no campo dos relacionamentos interpessoais e nas condições pessoais de saúde mental. No presente estudo, a maioria dos professores de Educação Física examinada pelo BSRI foi classificada como Andrógina.

    A noção de flexibilidade de papel sexual como uma característica desejável dos indivíduos Andróginos, tem sido uma das principais propostas explicativas para o entendimento destas pessoas há mais de três décadas. A flexibilidade de papel sexual tem sido conceitualizada como uma qualidade adaptativa relativa à apresentação de comportamentos flexíveis às situações experimentadas no cotidiano (Bem, 1974).

    O estudo de Cheng (2005) chegou a conclusão que os indivíduos Andróginos podem não ter conhecimento mais amplo de estratégias de coping1 do que os outros tipos de papéis, porém são mais flexíveis na distribuição de estratégias de coping conforme a necessidade de controle de diferentes estressores. A autora também verificou que os indivíduos Andróginos experimentam níveis de depressão mais baixos em períodos estressantes do ciclo vital. A principal diferença que distingue os comportamentos flexíveis de indivíduos Andróginos dos Tipificados Masculinos e Femininos pode ser a sensibilidade e a responsividade às demandas situacionais. Mais especificamente, a habilidade para discernir diferenças sutis nas mudanças ambientais e agir diferente de acordo com as demandas situacionais. Tudo isso, sugere que os Andróginos têm uma "liberdade cognitiva" para saltar fora de seus sistemas de crenças vinculados a sexo e determinar que estratégias de coping são mais efetivas para lidar com demandas situacionais específicas. Os indivíduos tipificados masculinos e femininos, no entanto, podem ser mais sensíveis ao papel sexual que atuam e serem mais rígidos nas suas distribuições de estratégias de coping.

    A profissão de professor, em geral, tem sido percebida como uma ocupação feminina. Possivelmente o professor de Educação Física, dado as atividades que realiza, integre aspectos da masculinidade e da feminilidade no seu trabalho. Todo professor é um modelo de comportamento poderoso para seus alunos, quase comparável à influência dos progenitores dos mesmos. Portanto, isso nos leva a suposição que a atuação do professor de Educação Física poderia se constituir numa modelação interessante de comportamento mais flexível e menos estereotipado. Desta forma, estes educadores estariam colaborando na construção de cidadãos mais evoluídos e livres das limitações vinculadas aos estereótipos sexuais.


Conclusão

    É evidente que os resultados encontrados neste estudo são limitados e, apenas, expressam as características do grupo pesquisado. Esta pesquisa teve um caráter exploratório, utilizou uma amostra não probabilística, tipo de conveniência, portanto não representativa da população de professores de Educação Física da região de Porto Alegre. No entanto, não deixa de ser curioso, o fato de que os examinados autorelataram atributos pessoais que os classificaram como indivíduos Andróginos psicológicos. Esta curiosidade nos leva a sugerir que futuras investigações com amostras maiores e mais criteriosas possam ser realizadas.


Nota

  1. Coping, segundo Lazarus e Folkman (1984), é definido como um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais usados pelas pessoas com o objetivo de lidar com demandas internas e externas que emergem de situações estressantes quaisquer.


Referências

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revista digital · Año 11 · N° 98 | Buenos Aires, Julio 2006  
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