Cultura corporal de lazer entre mulheres que trabalham: uma revisão de literatura Corporal culture of leisure between workout women: a literature revision Cultura corporal de ocio entre mujeres que trabajan: una revisión de literatura |
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Especialista em Saúde da Mulher no Climatério Departamento Materno Infantil Faculdade de Saúde Pública (FSP) Universidade de São Paulo, USP |
Alessandro Barreta Garcia alessandrogarcia@hotmail.com (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 98 - Julio de 2006 |
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Introdução
O estudo na área do lazer1, é apresentado como um fenômeno cada vez mais abordado, tanto por sua importância em função da grande gama de possibilidades de se realizar em tempo disponível2, quanto pelo fato de proporcionar um componente artístico e cultural. Dumazedier (2001) distingue as principais formas de lazer à disposição nos grandes centros urbanos, que podem ser momentos para o desenvolvimento (da cultura do corpo, da sensibilidade, da razão ou da técnica), para o divertimento (recreação e entretenimento) e para o descanso (restauração dos componentes fisiológicos). Para Russell (2002), o homem deveria ter plena condição de gozar de um tempo livre3, não só para seu divertimento, mas para o aprimoramento de seus conhecimentos e de sua capacidade de reflexão.
A partir desta realidade colocamos em discussão a inserção da mulher no mercado de trabalho, (Itaborai, 2002). Meados da década de 70 (período em que o movimento feminista no Brasil se mostrou com maior evidência), a mulher economicamente ativa tem-se deparado com situações negativas tais como a dupla jornada de trabalho, falta de divisão de tarefas domésticas, e falta de lazer (Pelicioni, 1995; Campos, 1996; Mourão, 1999; De Oliveira, 1999; Pires, 2001; Garcia, 2005a; Garcia, 2005b). Ademais são relatados um alto índice de fadiga muscular, nervosismo e possíveis desequilíbrios emocionais. (Marcon et al 1997; Rocha, 1999).
Considerando estes pressupostos, nos perguntamos; a) de que forma essas barreiras podem impedir o lazer ? b) qual a interferência no processo de aquisição de uma cultura corporal de lazer entre mulheres que trabalham ? Por acreditar que a mulher assume um papel cada vez mais complexo na sociedade. Em virtude da jornada dupla de trabalho, dos deveres domésticos e das funções relacionadas ao cuidado com os filhos e do marido, aliado ao fato de estarem se dedicando ao trabalho, é que justificamos e vislumbramos um enfoque no estudo do lazer feminino.
Aquino et al (1991) ressaltam esta preocupação em um levantamento da mortalidade feminina, levantando a possibilidade de novos agravamentos à saúde feminina e uma possível equiparação das causas de morte a fatores que incluem uma maior inserção da mulher no mercado de trabalho. Neste sentido o objetivo deste ensaio é; reunir estudos nacionais (referente à realidade brasileira) pelos quais apresentam atividades realizadas entre mulheres economicamente ativas, (principalmente estudos entre mulheres de baixa renda e baixo nível educacional), sendo o lazer requisito de inclusão e como delimitação do objeto de nosso estudo.
Lazer e trabalhoAo inicio desta trajetória o primeiro trabalho a ser apresentado nesta revisão refere-se a Pelicioni (1995). Esta autora objetivou em seu trabalho, conhecer as condições de vida e as atitudes expressas no cotidiano de mulheres trabalhadoras. Foi estudada uma população de 154 mulheres (entre 18 e 61 anos de idade) trabalhadoras, em sete creches conveniadas com a Prefeitura Municipal de São Paulo, que participaram de uma entrevista devidamente testada pela autora.
Os principais resultados encontrados na pesquisa, em termos de opções de lazer, são os seguintes: de segunda a sexta escutar radio 80,5%, ler revistas 53,3%, assistir TV 48,7%, ler livros 45,5% e 7,1%para leitura de jornais; aos sábados os resultados não são muito diferentes e são acompanhados de serviços domésticos e compras para casa com 94,1% aos sábados e 68,8% aos domingos; cerca de 1,3% praticam esporte aos sábados. A referida autora constatou também que 70% das informantes têm filhos, 66,4% são menores e dependentes e 46,7% das trabalhadoras são chefes de família. Podemos concluir por esse trabalho, que são praticamente inexistentes as atividades de lazer em relação ao desenvolvimento da expressão e cultura corporal do grupo estudado, sendo as únicas formas de lazer dessas trabalhadoras o ato de escutar radio e assistir TV (Pelicioni, 1995).
No estudo apresentado por Campos (1996) também são ressaltados os elementos envolvidos nas práticas cotidianas das mulheres, verificando em que medida sua condição determinava e comprometia seu tempo de lazer. O estudo se realizou a partir de entrevistas com 30 operarias de uma indústria de calçados na cidade de Franca, as quais tinham idade entre 25 e 35 anos, eram casadas e tinham filhos com menos de dez anos de idade. Após um consenso percebido pela autora, tendo em vista sua revisão conceitual, tratou-se o lazer como toda atividade livre de trabalho que não está acompanhada de obrigações. É importante ressaltar que esse consenso tem sido apresentado por uma série de estudos, tais como Camargo (1998); Dumazedier (2001); Marcellino (2002). Pela análise dos resultados da pesquisa, foi constatado que praticamente todas essas mulheres/operárias assumiam sozinhas o papel de responsáveis pelos fazeres domésticos. Nesse sentido, os principais exemplos ficam por conta de lavar roupa, passar o uniforme escolar dos filhos, fazer o jantar, organizar a casa, orientar a lição dos filhos, entre outras coisas.
Basicamente, o único tempo destinado ao lazer encontra-se nos finais de semana, quando a família se reúne. De acordo com Campos (1996), notamos que existe a possibilidade de haver diferenças entre as idades e entre os graus de escolarização. Nota-se que as mais jovens e mais escolarizadas podem ter mais tempo dedicado ao lazer e serem mais críticas com relação à divisão das atribuições entre toda a família. Concluindo, Campos (1996) destaca que o aspecto mais evidente é que essas mulheres/operarias praticamente só dispõem de horas de sono para recuperar-se da fadiga; fica claro que para elas é muito difícil conseguir realizar alguma atividade de lazer. Neste caso, uma maior compreensão da família, em especial do marido e dos filhos poderia contribuir para ampliar as atividades de lazer, aparentemente pouco existentes na vida destas mulheres.
Rocha (1999), estudando enfermeiras no campo de trabalho, teve como objetivo identificar aspectos da vida diária dessas profissionais, bem como os fatores de risco para provocar lombalgias. Apesar desse estudo não ter o objetivo específico de levantar as representações de lazer da mulher, e da amostra incluir um número pequeno de homens (17,1%), que poderiam confundir nossa interpretação, esse trabalho dá a sua contribuição para a constatação da dificuldade encontrada por mulheres frente às jornadas de trabalho, e da inexistência de algum tipo de lazer para a maioria dessas trabalhadoras. Trata-se de um estudo descritivo, com entrevistas seguindo um roteiro com questões abertas e fechadas, em uma amostra de 76 profissionais de enfermagem, sendo 82,9% dos entrevistados do sexo feminino, com idade média de 32 anos.
Em relação à variável de lazer, detectou-se que 51,5% dos entrevistados mencionaram a prática de exercícios físicos de forma regular, sendo a atividade física a mais citada. Por outro lado, cerca de 55,3% alegaram não fazer nenhum tipo de atividade física ou exercício físico. Em outra variável de nosso interesse, cerca de 53,9% das informantes relataram fazer algum tipo de serviço doméstico, tal como lavar roupa manualmente, faxina geral etc. Em relação à variável número de filhos, cerca de 60,5% dos entrevistados não tinham filhos, 15,8% tinham apenas um filho, 14,5% tinham dois filhos e 9,2% tinham de três a cinco filhos, (Rocha, 1999).
As mulheres investigadas no estudo de Pelicioni, (1995); Campos, (1996); Rocha, (1999), apesar de alguns deles terem objetivos e metodologias diferenciadas, parecem chegar ao seguinte consenso: demonstram que a vida dessas mulheres trabalhadoras após o casamento tornou-se mais complicada em função do acúmulo de trabalhos domésticos e preocupações financeiras, itens possivelmente determinantes para a impossibilidade de usufruir seu relativo tempo disponível para o desenvolvimento do lazer. Já o cansaço após o trabalho é um fator importante, pois estão esgotadas e ainda assim seguem sua dupla jornada até concluir grande parte de suas atividades familiares.
Além disso, fica clara uma certa homogeneidade dos grupos, que, de um lado demonstra que mulheres de baixa renda sofrem diversas restrições para a prática de lazer e, de outro, abre-se uma certa lacuna em relação ao que poderiam representar amostras diferenciadas nas variáveis: idade, nível econômico, nível de escolaridade e diferentes funções no mercado de trabalho. Porém não se pode considerar a mulher como um grupo homogêneo, mas sim diferenciado por uma série de questões dentro de um contexto histórico econômico e social.
Dupla jornada de trabalho e seus malefíciosLevantadas no capitulo anterior, as atividades de lazer além de praticamente não existirem entre mulheres economicamente ativas de baixa renda e baixo nível educacional, também parecem ser um desejo inatingível, em razão de toda a dinâmica da dupla jornada de trabalho, já levantada nesta revisão. Além da repercussão da dupla jornada de trabalho, impossibilitando essa mulher economicamente ativa de participar de atividades de lazer, também salientaremos agora os efeitos deletérios para com sua saúde4.
Dessa forma, salientamos que é cada vez mais crescente o número de mulheres no mercado de trabalho. Muitas são as responsabilidades dessas mulheres para com suas famílias, para com as finanças de suas famílias, tornando-as chefes de seus lares, aumentando seu sofrimento, seu desgaste físico, muitas vezes com uma distribuição de tarefas quase desumana, (Motta & Neto, 1985; Rocha, 1999; Medeiros & Martins, 2002).
Medeiros & Martins (2002), entrevistaram mulheres (64 entre as 542) registradas em prontuários do serviço de saúde mental da Cidade de São Carlos, São Paulo. As entrevistadas relacionaram a sua história de vida (também referente a trabalho) com as possíveis causas do adoecimento confirmado em prontuários hospitalares. O trabalho doméstico seguido do trabalho remunerado na industria foram as predominantes no grupo economicamente ativo, mas também existiam mulheres que exerciam estritamente o trabalho doméstico não remunerado. Os principais resultados da pesquisa demonstram que tanto as que trabalham fora como as que trabalham em sua residência, sofrem praticamente os mesmos problemas. A sobrecarga no trabalho, cansaço, crises no casamento, falta de tempo e o fato de não ter com quem dividir as tarefas domésticas foram as mais preocupantes. Em relação ao adoecimento, é atribuído à fraqueza pessoal, a uma falha de sua própria natureza, sentimento de solidão transformando-se em depressão e autodepreciação.
Rocha (1999) entrevistou 76 trabalhadores de enfermagem, sendo 82,9% dos participantes do sexo feminino com idade média de 32 anos participantes do mercado de trabalho, assumindo elevada carga de trabalho em função da dupla jornada. Os problemas apontados ficam por conta de distúrbios osteomusculares apresentados como decorrentes de esforço físico excessivo. Sendo assim, a falta de lazer somada à dupla jornada de trabalho (referente à precária na divisão de funções) poderia refletir um quadro péssimo para a saúde feminina.
No estudo de Marcon & Koga et al (1997), cuja amostra se caracterizou por 151 mulheres, 64% casadas, 57% com casa própria, 50% recebendo 5 salários mínimos e 47% possuindo terceiro grau completo. Os resultados apresentados de forma quantitativa apontam a existência de um equilíbrio nas atividades de lazer, atividades pessoais e atividades para com os filhos. Quanto às funções domésticas, porém, embora parte das mulheres possuísse empregada, predominou o fato de serem mulheres no sentido privado5. Em razão de o estudo ter sido focadas em servidoras, boa parte destas com terceiro grau completo, os resultados expostos de forma quantitativa podem não demonstrar a totalidade da problemática em questão.
Os dados de Aquino & Araújo et al (1993), representado por enfermeiras (n=94) e auxiliares de enfermagem (n=397), nota-se que ambos os grupos são caracterizados por extensas cargas de trabalho. A primeira diferença fica por conta dos esforços físicos considerados mais pesados no grupo de auxiliares de enfermagem quando comparado com as enfermeiras. Uma provável explicação reside na própria característica das chamadas nurses (auxiliares) diferindo-se das ladies nurses (enfermeiras supervisoras) Almeida & Rocha, citado por Aquino & Araújo et al (1993), em função da divisão do trabalho que se caracteriza por uma maior carga física exercida pelo trabalho de característica mais física e menos burocrática. Considerando o trabalho doméstico, as enfermeiras têm em média 13,9 horas semanais, enquanto as auxiliares de enfermagem em torno de 24,2 horas. Nesse sentido, salienta-se a presença de diaristas e empregadas domésticas em relação às enfermeiras (supervisora). Dessa forma o quadro de saúde, as auxiliares apresentam as piores condições, com altíssima prevalência de obesidade (16%) e sobrepeso (42%), comparadas com as enfermeiras (supervisoras) 5% e 16%, respectivamente.
Em relação aos problemas crônicos, a freqüência se mostra homogênea pela ocorrência de varizes, pressão alta, problemas digestivos e alérgicos. Embora se tais complicações na saúde das enfermeiras e auxiliares de enfermagem se observem em ambos os grupos, é alarmante a maior incidência no grupo das auxiliares, em função de dores na coluna, pressão arterial alta e varizes. Finalmente, acredita-se que os trabalhos domésticos, somados ao trabalho formal, podem contribuir para o aparecimento de fadiga crônica, desgaste físico, além de patologias específicas (Aquino & Araujo et al, 1993).
Aquino & Menezes et al (1991), já haviam levantado essa preocupação. Segundo Verbrugge, além de doenças eminentes como as cardiovasculares, pulmonares entre outras, tem se destacado a grande participação das mulheres como chefes de família, com maior organização política e ingresso no mercado de trabalho. Nesse sentido ressalta-se as atribuições no âmbito doméstico, pelo fato de cuidarem dos filhos, do lar, ficando clara a nítida caracterização de seu papel como chefes de família e sua participação nos gastos familiares, (Correia, 1997; Rocha & Debert-Ribeiro, 2001), entre outras preocupações.
Moraes, Alexandre & Guirardello (2002) apresentam que as costureiras que foram estudadas se queixam de dores musculares nas regiões da lombar, tórax, cervical, ombros, joelhos, etc. Neste caso não se podem descartar os movimentos repetidos que sofrem estas mulheres, sendo um enorme desgaste ocupacional, mas também não se pode deixar de destacar a dupla jornada de trabalho como possível fator de risco para estes problemas. Moulin (1998), destaca que as bancarias também sofrem de problemas relacionados ao trabalho, sendo este um excesso que lhe acarretará uma enorme falta de tempo para elas mesmas. Buscam muitas vezes a eficiência no trabalho e se desgastam por toda a semana (se expressa na tentativa de conciliar o trabalho formal, o trabalho doméstico e suas funções maternais).
Entende-se que as medidas a serem tomadas, não devem ser apenas as políticas públicas, educacionais, de cultura ou de lazer. Acreditamos que o empenho do gênero feminino é tão importante quanto as variáveis acima. No sentido de buscar melhores condições de trabalho, melhor remuneração, maior nível educacional e maior liberdade de expressão, é preciso pensar alternativas, tanto no meio acadêmico, no âmbito individual da ação da mulher na sociedade. No entanto deve-se ter a noção que um excesso de trabalho formal e não formal possam estar ligados a quadros não desejáveis, tais como esgotamento físico e doenças específicas.
Representações sociais entre mulheres que trabalhamInicialmente Mourão (1999), já levanta as angustias e as limitações que a mulher sofre quando na posição de baixa renda. Perdem muito tempo na condução a caminho do serviço, e chega muito tarde em casa, por volta das 10 horas da noite e ainda assim continuam suas duplas jornadas de trabalho. Sendo o lazer praticamente inexistente. Entre mulheres bóias frias a realidade não é diferente e a dupla jornada de trabalho, o domestico e o da roca fazem parte de suas vidas (Pires, 2001).
Garcia (2005a), apresenta resultados de um estudo realizado em uma instituição de ensino privada (na cidade de São Paulo), pelo qual contou com um grupo de (37) auxiliares de limpeza entre uma população prevista de 100 trabalhadoras, divididas em 3 três turnos. Sendo esta amostra escolhida sem qualquer forma de controle probabilístico. De forma homogênea, os discursos analisados dizem respeito aos encargos domésticos e maternos: serviço doméstico, cuidado materno, atribuições culinárias, asseio pessoal. Sendo declarada praticamente nenhuma atividade de lazer. Sendo que é evidente a vontade de praticar alguma atividade de lazer tais como: luta, freqüentar academia de ginástica, fazer natação, fazer passeios, praticar esporte, ir ao parque, fazer algum tipo de dança, ir ao estádio de futebol, viajar, praticar esporte radical (Garcia, 2005a).
De forma geral entende-se que a dupla jornada de trabalho como uma possível variável causadora do desgaste físico, distúrbios osteomusculares, dores na coluna, pressão arterial alta, sofrimento, varizes entre outras. Por fim o estabelecimento de uma cultura corporal de lazer não tem se mostrado como se apresenta o chamado processo democrático do lazer. Mesmo com a diminuição da carga horária de trabalho após as lutas sindicais, não entendemos o lazer como uma prática acessível a mulheres em diferentes ocupações no mercado de trabalho, principalmente aquelas que se encontram menos favorecidas como o caso das auxiliares de limpeza.
Já o trabalho de Garcia (2005b) teve o objetivo de apresentar as representações sociais da mulher que trabalha, a partir do foco temático; "expressão e desenvolvimento da cultura corporal de lazer". Tratou-se de um grupo de dez mulheres categorizadas em função da ocupação de docentes de curso de Educação Física. Foi possível constatar uma cultura corporal superior ao estudo anterior com auxiliares de limpeza, o que corrobora para novas hipóteses na dinâmica do estabelecimento da cultura corporal de lazer. Neste sentido pode-se inferir que a cultura corporal de lazer é provavelmente um componente ligado ao aspecto sociocultural de cada indivíduo, e possivelmente heterogêneo a partir de diferentes contextos. Porém não podemos deixar de expor a duvida por ocasião de serem mulheres docentes do curso de Educação Física, o que se pressupõe a hipótese de uma maior cultura corporal de lazer.
Considerações finaisA partir desta revisão de literatura foi possível expor uma grande falta de atividade física entre mulheres de baixa renda e baixo nível de escolaridade. Demonstramos que além de pouca ou nenhuma atividade corporal (que entendemos ser uma cultura corporal de lazer) para o desenvolvimento físico, essas trabalhadoras ainda carregam consigo a amarga tarefa de trabalhos domésticos (dupla jornada de trabalho) em praticamente todos os estudos analisados.
Acredita-se que para uma cultura corporal de lazer é necessária uma Política Educacional de Saúde, tanto na infância como na adolescência. Porém não se deve executar a prática do exercício físico, simplesmente pela prática, mas acima de tudo entender sua importância histórica, social e cultural. Sendo esta uma prática socialmente determinada por uma cultura corporal mediante políticas do Estado, assume-se que esta deve ser encarada como um problema de Saúde Pública bem como um problema para com os educadores físicos.
Por outro lado, uma visão mais crítica só é visível entre mulheres com maior nível econômico e maior nível educacional. Pressupõe-se que os resultados, em termos de dupla jornada de trabalho e cultura corporal, poderão ser alterados à medida que houver maior nível econômico e educacional. Enfim, para que a cultura corporal se estabeleça entre as mulheres em condições econômicas desfavoráveis, e um nível educacional pouco expressivo, é necessário que ocorram intervenções educacionais do Estado (no sentido de fornecer os subsídios fundamentais para com os cidadãos de sua cidade), tanto quanto o empenho e engajamento destas mulheres em busca de desenvolver uma cultura corporal de lazer a seu gosto, ou seja com liberdade.
Notas
Segundo Dumazedier (2001), "O lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para desenvolver sua informação ou formação desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora após livrar-se ou desembaraçar-se das obrigações profissionais, familiares e sociais". (34p, 2001).
Marcellino (2002), concorda que não existe tempo livre para representações sociais, neste sentido utiliza o termo tempo disponível.
Apesar de adotarmos o termo tempo disponível, o termo tempo livre e usado quando for referido a autores que o adotam.
Com base em Dejours, Dessors, & Desriaux (1993) assume-se o entendimento de saúde, conforme suas palavras, "saúde não é um estado, mas um objetivo que se remaneja sem cessar", "não é alguma coisa que se tem ou não se tem, mas que se tenta conquistar e que se defende, como a liberdade" (104.p, 1993).
Privado no sentido doméstico da interioridade e da instintividade (feminina). Já o público refere-se à força, inteligência e capacidade de decisão (masculina). Pertinente a caracterização dos espaços do feminino e do masculino segundo Meis, citado por Rocha & Martins (2002).
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revista
digital · Año 11 · N° 98 | Buenos Aires, Julio 2006 |