A inclusão de indivíduos portadores de necessidades especiais nas aulas regulares de educação física: repensando sobre a prática |
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Mestre e Doutorando em Educação Física - Universidade de São Paulo Professor dos Cursos de Educação Física da Universidade Cidade de São Paulo e do Centro Universitário Nove de Julho Coordenador do Laboratório de Pesquisas em Educação Física e Fisioterapia da Universidade Cidade de São Paulo Líder do Grupo de Estudos sobre o Comportamento Motor/Universidade Cidade de São Paulo |
Prof. Ddo. Roberto Gimenez gimenez@uninove.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 98 - Julio de 2006 |
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Introdução
Não há dúvida que um assunto muito discutido na sociedade atual é a inclusão. É importante destacar que o conceito de inclusão é relativamente amplo. Assim, utiliza-se esse termo para se referir às possibilidades de diferentes grupos usufruírem de recursos de informação como, por exemplo, a inclusão digital. Além disso, emprega-se essa palavra na discussão sobre o acesso de grupos étnicos e de classes economicamente menos favorecidas à Universidade.
Em meio a esse conturbado âmbito de discussão e, em especial na área da educação especial, surge a discussão do processo de inclusão de indivíduos portadores de necessidades especiais nas aulas regulares das escolas. Essa proposta faz parte de um conjunto de medidas que têm sido tomadas por parte de estabelecimentos de ensino, sobretudo, da rede pública para ir ao encontro da nova LDB.
Tomando como base o eixo da proposta, em linhas gerais, parte-se do pressuposto que indivíduos portadores de necessidades especiais beneficiariam-se do compartilhamento do processo pedagógico em contexto inclusivo. Entretanto, são vários os conflitos que têm sido enfrentados na concretização dos ideais da inclusão. Os problemas esbarram em diferentes níveis, pois envolvem desde a esfera governamental até a pessoal. Um aspecto que, em particular chama a atenção, diz respeito às dificuldades que particularmente têm sido enfrentadas por parte dos profissionais de educação física nesse processo. É possível que, pela própria natureza da interação entre os fenômenos com que lida a educação física - movimento humano e ser que se movimenta - os entraves sejam maiores. Em linhas gerais pergunta-se, por exemplo, "qual o melhor momento para realizar a intervenção em contexto integrado?" ou, "Como deve ser iniciada a intervenção em contexto integrado?".
Convém destacar que essas dificuldades são, em geral, vivenciadas durante qualquer processo de intervenção com indivíduos portadores de necessidades especiais (GIMENEZ & MANOEL, 2005). Contudo, existem aspectos pertinentes mais especificamente à Educação Física que carecem de maior reflexão. Vale ainda mencionar que a pretensão dessa obra está longe da proposição de qualquer receita ou ideologia de trabalho, mesmo porque o "estado da arte" não nos permite alcançar esse objetivo, mas sobretudo, almeja-se provocar uma reflexão sobre a problemática que norteia a inclusão.
Considerações gerais sobre o conceito de inclusão e o papel do governo no processo de inclusãoA discussão em torno das possibilidades e desafios para a inclusão passa pela própria falta de clareza sobre os conceitos de integração e inclusão. Uma forte corrente na área da educação física sugere que o ideário de inclusão estaria num plano mais ideológico, ao passo que o conceito de integração indica uma perspectiva mais operacional (SUGDEN & KEOGH, 1991; BLOCK & ZEMAN, 1996). Por outro lado, pesquisadores da área da educação ressaltam que a integração seria representada muito mais por uma aproximação física, ao passo que a inclusão pressupõe assegurar a participação do indivíduo ao convívio em grupo (MAZZOTA, 1987; MANTOAN, 1997; SASSAKI, 1998).
Existem ainda outros que optam por não estabelecer uma diferenciação mais efetiva entre esses conceitos, sob o argumento de que os mesmos podem ser considerados, em termos operacionais, como sinônimos (PICCHI, 2002)
Nesse sentido, uma das alternativas poderia ser discutir níveis em que ocorre integração ou inclusão. EDLER DE CARVALHO (1991) estabelece uma distinção entre quatro diferentes tipos de integração:
Integração física: redução da distância física entre pessoas com e sem deficiência.
Integração social: aproximação psicológica e social com contatos espontâneos e regulares, estabelecendo-se laços afetivos.
Integração funcional: utilização dos mesmos meios e recursos disponíveis por pessoas com e sem deficiência.
Integração Societal: igualdade de possibilidades legais e administrativas no acesso aos recursos sociais, de influir em sua própria situação pessoal, de realizar
trabalho produtivo, de fazer parte da comunidade.
Tomando como base a classificação adotada por Edler de Carvalho, em especial, o conceito de integração societal engloba os demais. Trata-se do ideal imaginado pela maioria das propostas de inclusão. Entretanto, freqüentemente percebe-se que o próprio uso dos conceitos de inclusão ou integração é feito sem uma devida delimitação. Não raro, verificarmos o emprego da palavra inclusão para se referir apenas ao nível de integração física. De qualquer forma, o ideal seria se existisse o que EDLER DE CARVALHO (1991) denominou de integração societal. Mais especificamente, no que tange ao nível governamental alguns avanços podem ser notados, sobretudo, no que tange a esse nível de inclusão.
Em linhas gerais, cabe ao governo a elaboração de leis e projetos de lei que criem condições favoráveis à inclusão. É possível enumerar as políticas governamentais adotadas, sobretudo nos últimos dez anos, para incentivar esse processo que têm sido adotadas tanto no nível municipal, como estadual e federal, como:
a contratação de profissionais especializados para atuação nos segmentos de educação especial e educação inclusiva;
a reserva de assentos preferenciais em meios de transporte público e atendimentos preferenciais em instituições tais como bancos e estabelecimentos públicos;
a implantação de semáforos com sonorização para indivíduos portadores de deficiência visual e de telefones especiais para indivíduos portadores de deficiência auditiva e disponibilização de cadeiras de rodas em estabelecimentos públicos.
o treinamento de cães guia por meio de projetos especiais da polícia militar;
a concessão de escolha prioritária de imóveis em conjuntos habitacionais para indivíduos portadores de deficiência;
a concessão de linhas de crédito para a aquisição da casa própria e para a compra de veículos adaptados;
a criação de Centros de Equoterapia;
o desenvolvimento e implementação de programas de prevenção e de programas de treinamento específico para profissionais relacionados ao segmento educacional.
Considerando o teor das medidas adotadas pelo governo em prol da inclusão, cabe ressaltar o avanço que tem sido feito, sobretudo nos últimos dez anos. Todavia, é possível dizer também que os incentivos e regulamentações criadas podem ter um caráter palhativo. À exceção das propostas de qualificação profissional e a implementação de programas de prevenção as demais são de caráter quase que exclusivamente assistencialista. Nesse sentido, embora elas contribuam para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos portadores de necessidades especiais, de fato, elas não vão ao encontro dos desafios do ideal de inclusão, mas apenas amenizam os efeitos nocivos da segregação.
É possível dizer que, talvez, o que esteja ao alcance do governo seja atender às necessidades de integração física e funcional. Porém um grande caminho ainda necessita ser percorrido até o nível de integração societal. São inúmeras as barreiras que devem ser superadas para a concretização de propostas de inclusão.
Barreiras para a concretização das propostas de inclusão na área da educação e da educação físicaTendo em vista a necessidade de aprofundar a discussão dos problemas enfrentados para a inclusão optamos por dividir os mesmos em dois grandes grupos: problemas de caráter macro, que norteiam a área da educação como um todo; problemas de ordem micro que remetem especificamente à área da educação física. Dentre as dificuldades encontradas para uma intervenção em contexto inclusivo no nível macro é possível destacar:
Desinformação por parte da comunidade em geral;
Nos mais variados campos de atuação percebe-se uma falta de compreensão por parte da comunidade no que tange as características de cada deficiência. De modo geral, é possível inferir que ainda prevalece grande falta de entendimento sobre as possíveis conseqüências da prática inclusiva. Em especial esse problema pode ser percebido por meio de receios como, por exemplo, "Será que o professor não vai atrasar toda a turma e prejudicar o meu filho, para acomodar a aula aquela criança deficiente?"; ou até mesmo, "Não há perigo desse problema contagiar a minha filha?".
Insuficiência de informações atualizadas relativas à pessoa portadora de deficiência.
Há uma tendência, até mesmo, em muitos eventos científicos e publicações de se discutir muito propostas de intervenção para indivíduos portadores de deficiência. Contudo, percebe-se uma falta de compreensão mais efetiva das características e possibilidades de cada indivíduo. Em outras palavras, ao invés de se propor "como ensinar", talvez seja necessário compreender mais efetivamente "como esses indivíduos aprendem".
Atitudes de muitos portadores de deficiência que querem conviver apenas com seus pares;
Mais especificamente, o envolvimento dos próprios indivíduos portadores de deficiência, pode representar uma dificuldade para a concretização de alguns projetos de intervenção. Grande parte das vezes, discussões políticas e ideologias acabam segregando grupos de indivíduos portadores de deficiência que, desarticuladamente, encontram dificuldades para propor e implementar medidas em prol da inclusão.
Reações de negação à deficiência, ou mesmo de super-proteção por parte das famílias dos indivíduos portadores de deficiência;
Muitas vezes, a própria família representa um embargo considerável para a proposta de intervenção. Caso não ocorra uma grande interação entre o que propõe a instituição e o que, de fato, a família promove, corre-se o risco de fazer com as metas de trabalho não sejam alcançadas.
Características de muitas organizações de atendimento às pessoas portadoras de deficiência que apelam para o assistencialismo protecionista;
Algumas instituições que proporcionam atendimento a indivíduos portadores de deficiência, pecam pelo excessivo amadorismo em seus quadros de funcionários, ou mesmo, oferecem resistência à implantação de políticas mais ousadas de divulgação de seus projetos e captação de recursos junto ao setor privado, o que particularmente cria uma relação de dependência em relação aos projetos públicos governamentais.
Falta de uma análise crítica em relação à idéia de integração e ambigüidades nos textos e documentos legais em relação tema;
A dificuldade na interpretação de algumas leis, bem como, a discussão mais aprofundada das limitações e ganhos com o processo de inclusão podem representar uma grande entrave ao alcance das propostas.
Carência de recursos financeiros, humanos e materiais destinados ao atendimento nas áreas da saúde, educação, esporte e preparação para o trabalho.
Reconhecidamente, por mais que os serviços de intervenção tenham se estendido a um número maior de indivíduos portadores de deficiência, ainda prevalece uma grande carência em diversos segmentos. Em especial essa carência dificulta a elaboração e a implementação de condutas voltadas à inclusão.
Em meio a essa conjuntura que ainda dificulta a plena inserção de indivíduos portadores de necessidades especiais nas aulas regulares, existem dificuldades específicas que se consolidam no universo da área da Educação física, ou seja, existem problemas de ordem micro. Não raro que o processo de inclusão esteja acontecendo gradualmente, independentemente de percalços administrativos por parte de outras disciplinas e que o profissional de educação física encontre dificuldades em promover a proposta de forma similar.
Um dos aspectos que merece consideração é a própria natureza do fenômeno movimento, com o qual lida a educação física. Das mais variadas situações que norteiam o movimento humano surgem entraves específicos ao processo de inclusão que podem e devem ser analisados de forma mais cautelosa por parte dos profissionais da área. A busca pela superação das dificuldades individualmente ou em grupos, muitas vezes, típicas dos contextos dos jogos pré-desportivos, pode criar condições favoráveis à segregação. Para a conquista, freqüentemente, privilegia-se a formação de pares e a composição de grupos com os considerados mais "aptos" ou "melhores", os quais, nem sempre incluem os indivíduos portadores de necessidades especiais.
Mais especificamente no que tange à formação dos professores de educação física é possível destacar quatro aspectos fundamentais que podem contribuir de forma significativa para essa dificuldade. O primeiro diz respeito à falta de disciplinas ou mesmo ênfase na formação profissional para essas discussões. Em especial, no Brasil, somente a partir da década de 80 é que passou a ocorrer uma discussão mais efetiva sobre as diferentes deficiências e as possíveis implicações para a intervenção nos cursos de Educação Física por meio de disciplinas específicas, tais como Educação Física Adaptada, Educação Física Especial ou Educação Física para portadores de necessidades especiais.
Outro aspecto refere-se à própria tendência das disciplinas que abordam temas associados à intervenção junto a indivíduos portadores de deficiência atribuírem muita ênfase à etiologia do problema, negligenciando, grande parte das vezes, um aprofundamento na caracterização e nas implicações de cada problema para o processo de inclusão dos indivíduos. Além disso, um fator fundamental corresponde à própria característica da área. Uma das condições que contribui para dificultar o aprimoramento de algumas propostas pedagógicas na educação física é a dicotomia corpo-mente prevalecente. Invariavelmente essa discrepância entre as duas dimensões impõe forte restrição ao estabelecimento de propostas de intervenção nos mas diferentes campos de atuação profissional (DAÓLIO, 1992). Em especial, esse problema seria ainda maior no que tange às populações portadoras de necessidades especiais (GIMENEZ & MANOEL, 2005). Finalmente, cabe ressaltar a própria falta de identidade ainda prevalecente na área da Educação Física. Mais especificamente, existem diferentes abordagens não somente no que diz respeito aos meios de ensino possíveis nas situações de ensino-aprendizagem, mas sobretudo, ainda existe muita controvérsia acerca de qual é o papel do profissional de educação física, problema que tem sido vastamente abordado pela literatura (p.e. MARIZ DE OLIVEIRA, 1991; TANI, 1992; GIMENEZ, 2004). Cabe ressaltar que, esse se trata de um problema já abordado e que também permeia a atuação dos profissionais de educação física com indivíduos com necessidades especiais e, até mesmo, possibilita questionar a sua contribuição com uma equipe multidisciplinar voltada para a capacitação de indivíduos portadores de deficiência (GIMENEZ, 1999; 2001). Diante da falta de clareza sobre o seu efetivo papel, os profissionais de educação física, muitas vezes, não ousam compor equipes de trabalho multidisciplinares, ou então, são naturalmente excluídos por outros profissionais, ou ainda, simplesmente se omitem em discussões de caráter interdisciplinar voltadas à inclusão.
Possibilidades para a inclusão na área da Educação FísicaSem sombra de dúvida, existem uma série de barreiras que devem ser suplantadas para o alcance de propostas de inclusão na área da educação física. Tomando como base o "estado da arte" talvez não seja possível aplicar um modelo único e que sirva de receita para todos os contextos de atuação, mas sim, realizar uma análise de alguns projetos que não alcançaram seus objetivos e avaliar o que os mesmos deixaram de fazer.
Ao mesmo tempo, cabe destacar a existência de alguns caminhos que podem ser percorridos para o desenvolvimento de políticas de inclusão na área da educação física e do esporte. Algumas dessas propostas implicam necessariamente em mudanças na esfera macro, como a das próprias políticas públicas na área da educação. Essas iniciativas passam, até mesmo, por investimentos maiores na área da educação e, mais especificamente, no segmento da educação especial. Desse modo, seria possível que essas mudanças de caráter macro resultassem na aquisição de equipamentos especializados, na estruturação de ambientes e na qualificação de profissionais.
No âmbito das escolas, talvez não seja possível apontar um modelo ideal que leve à inclusão, mas convém ressaltar a experiência de alguns projetos de inclusão que não atingem seus propósitos. Dentre eles, parte razoável não cria condições favoráveis para o envolvimento das famílias das crianças nos projetos de inclusão. É fundamental que a implantação dessas propostas envolva a participação da família. Não são poucas as situações em que o discurso e a prática das famílias de crianças, portadoras de deficiência ou não, resulta em conflito com o projeto inclusivo. A criança com necessidades especiais e a criança normal permanecem razoável parte do seu tempo diário em suas residências. Desse modo, é fundamental que exista uma interação entre os profissionais e o projeto pedagógico da instituição com a família. Em outras palavras, necessariamente, a família deve rumar na mesma direção que a escola ou a instituição que almeja uma proposta de inclusão.
Mais especificamente, a área da educação física apresenta peculiaridades que podem favorecer esse envolvimento, como as situações que levam a família à escola tendo em vista o acompanhamento de uma competição, semana de jogos, eventos de caráter lúdico. Cabe aos profissionais da área da educação física ampliar as possibilidades para que ocorram essas situações (WINNICK, 2004).
Outro aspecto crucial corresponde à necessidade de se refletir sobre a preparação que é feita sobre as crianças com necessidades especiais para se inserir num grupo com outras crianças, ditas normais. Freqüentemente, para as outras disciplinas ou componentes curriculares a clássica "lição de casa" é de valor inestimável. Por meio dela, a criança ou jovem tem a possibilitar de exercitar ou como, mais recentemente tem sido dito, o indivíduo pode fazer a transposição do que, de fato, foi aprendido.
No entanto, por tradição a área da educação física não propõe atividades ou metas que devam ser atingidas pelos alunos nos contextos de seus lares ou em ambientes fora da escola. O profissional de educação física deve, na medida do possível, proporcionar melhor orientação aos pais das crianças ou jovens sobre como os mesmos podem estruturar o ambientes residenciais e de outros locais e, até mesmo, realizar a estimulação motora de seus filhos, tendo em vista favorecer a sua melhor adaptação no âmbito escolar. Essa proposta tem sido relativamente defendida por autores da área da educação física (p.e. SUGDEN & KEOGH, 1990; SUGDEN & WRIGHT, 1998).
Ao mesmo tempo, é necessário que haja uma grande reflexão sobre os meios que têm sido utilizados na área da educação física adaptada para o processo de ensino-aprendizagem e para a avaliação de indivíduos portadores de necessidades especiais.
Tradicionalmente as intervenções dos profissionais de educação se baseiam em estilos de ensino eminentemente diretivos, bem como, a forma de elaboração das metas a serem sobrepostas pelos alunos nas sessões de atividade pouco levam em consideração as possibilidades individuais. Indivíduos portadores de necessidades especiais, marcados, muitas vezes, por restrições estruturais e funcionais podem encontrar dificuldades em apresentar os padrões de movimento típicos de indivíduos normais. Na busca de interagir no seu ambiente esses indivíduos, em algumas ocasiões empregam estratégias motoras não usuais. São várias as ocasiões em que essas estratégias refletem um dinamismo no seu comportamento motor. Esses meios alternativos refletem uma propriedade presente no comportamento motor do ser humano denominada de equivalência motora (MANOEL, 1997).
A valorização desses meios alternativos tende a valorizar a auto-estima e a aprimorar a competência motora do aprendiz. Quando o processo de avaliação também leva em consideração parâmetros dessa natureza a relação "normal" e "deficiente" se modifica, incitando um repensar sobre conceitos como aptidão e capacidade (GIMENEZ, 2000).
O emprego de ferramentas de ensino e avaliação que levem em consideração dimensões como a equivalência motora pode contribuir de forma preponderante no processo de aprendizagem de crianças com necessidades especiais, sobretudo quando isso acontece em contexto voltado para a inclusão.
Cabe destacar o inquestionável papel do grupo que acolherá a criança com necessidades especiais. Para tanto, não se encerra em palestras e discussões isoladas o esclarecimento dos integrantes desse grupo. Essa questão deve, gradualmente, compor o rol de atividades do cotidiano escolar e das aulas de educação física. Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais levantam a importância de se enfocar esses aspectos no projeto educacional na perspectiva de temas transversais (PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO FÍSICA, 1999)
Não são poucos os estudos que têm mostrado a existência de ganhos consideráveis nas propostas de inclusão nas aulas de educação física, quando, de fato, existe uma predisposição dos grupos em receber a criança ou jovem com necessidade especial (OBRUSNÍKOVA, VÁLKOVA, BLOCK, 2003; PALLA & MAUERBERG DE CASTRO, 2004). Para tanto, o esclarecimento desses grupos assume um papel fundamental para a geração de uma atitude inclusiva.
Indiscutivelmente, uma das alternativas para as propostas de inclusão corresponde aos projetos de inclusão às avessas. Em outras palavras, gradualmente a escola especial pode ampliar seus espaços de convivência para o seu meio externo. Por meio das aulas de educação física nas escolas especiais encontra-se em campo fértil para a abertura das escola especial à comunidade e para o cultivo de espaços para uma política de inclusão (WINNICK, 2004).
Outro aspecto fundamental é a idéia de que, pelo menos, no início de um processo de intervenção a inclusão não deve ser pensada a partir de grandes grupos, mas sim, deveria acontecer por meio de grupos com número reduzido de componentes. É fundamental que sujeito a ser incluído e grupo acolhedor se conheçam relativamente. Esse conhecimento pode ser decorrente do número de relações estabelecidas entre os diferentes elementos do grupo, bem como, do tempo em que essas relações acontecem. É difícil inferir, por exemplo, que numa festa de casamento com cerca de 400 convidados exista uma integração efetiva entre todos os participantes. Contudo, é possível dizer que essa integração aconteceu entre grupos reduzidos em número de pessoas.
Finalmente, a discussão desses elementos nos remete a pensar na formação profissional na área da educação física. São vários os trabalhos que demonstram preocupação na forma pela qual os conhecimentos associados aos indivíduos com necessidades especiais e sobre a prática inclusiva chegariam aos profissionais de educação física.
Reid (2000), por exemplo, sugere que essa preparação deva acontecer no âmbito do próprio curso de graduação em educação física. Mais especificamente isso aconteceria por meio de: cursos únicos de educação física adaptada; estágios e experiências práticas; cursos de especialização ou infusão. Em particular essa última modalidade corresponde à discussão de conceitos e a caracterização de várias deficiências no âmbito de todo um curso de graduação e de forma diluída entre as várias disciplinas.
Por outro lado, Cruz & Ferreira (2005) sugere que essa formação não se encerra no contexto da graduação ou dos cursos de especialização, mas advém, sobretudo da experiência cotidiana, o que corresponde a uma construção diária.
Levando em consideração que, grande parte desse conhecimento é gerado dessa forma, existem alguns caminhos que podem ser tomados visando estabelecer uma atuação mais consistente ao profissional da área. Em primeiro lugar, sugere-se uma participação mais efetiva dos profissionais de educação física nas equipes de trabalho multidisciplinares. Trata-se de um momento que exige a aproximação entre as diferentes áreas, uma vez que não existe propriamente um modelo de atuação para a inclusão. Acreditamos que a possibilidade de troca de experiências entre os profissionais de diferentes áreas possa ser de grande valia para uma a elaboração de propostas mais eficazes de inclusão.
Contudo, cabe destacar também que, a possibilidade de troca entre diferentes áreas somente acontece quando os diferentes profissionais têm algo a oferecer ao grupo. Nesse sentido, urgem para a área da educação física, conquistas no plano conceitual, no entendimento mais aprofundado de cada deficiência e do ser humano de modo geral, bem como, o estabelecimento de uma própria identidade para a sua área de intervenção. Em outras palavras, a superação desses desafios dependem fundamentalmente de uma atitude interdisciplinar.
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revista
digital · Año 11 · N° 98 | Buenos Aires, Julio 2006 |