As disciplinas esportivas nos cursos de bacharelado em educação física e esporte: o voleibol e a relação teoria e prática |
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*Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Motricidade e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Formação Profissional no Campo da Educação Física (NEPEF) **Orientadores do projeto de pesquisa ligados ao Programa de Pós-graduação em Ciências da Motricidade da UNESP/RC - Área de Concentração: Pedagogia da Motricidade Humana Linha de Pesquisa: Formação Profissional e Campo de Trabalho |
Juliana Martins Pereira* juliana_pereira@hotmail.com.br Dagmar Hunger dag@fc.unesp.br Samuel de Souza Neto** samuauro@claretianas.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 97 - Junio de 2006 |
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Introdução
Na presente pesquisa objetivou-se averiguar, sob a ótica de docentes das disciplinas específicas de voleibol e de alunos que já tivessem cursado as referidas disciplinas, como estava se estabelecendo a relação entre teoria e prática durante as aulas, e quais as interferências dessas disciplinas em sua formação e possível atuação no campo do voleibol.
O interesse para realização da pesquisa surgiu, principalmente, pela história de vida da pesquisadora, envolvida com o contexto do voleibol inicialmente como atleta e, posteriormente no curso de Licenciatura em Educação Física, durante o qual realizou pesquisas referentes à história do voleibol e a formação profissional de técnicos dessa modalidade, em atividade nas décadas de 80 e 90.
Mediante as indagações que emergiram dessas pesquisas, especialmente relacionadas ao distanciamento entre o "mundo acadêmico" e a "prática profissional", determinou-se como objeto de estudo as disciplinas específicas de voleibol nos cursos de Bacharelado em Educação Física e Esporte de três Universidades Públicas Paulistas, que, de acordo com seus estatutos, devem priorizar a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão; qual o papel dessas disciplinas na formação de profissionais de Educação Física e Esporte e como se estabelece a relação teoria e prática durante as aulas.
MetodologiaTrata-se de uma pesquisa qualitativa que de acordo com Laville e Dione (1999) caracteriza-se pela tentativa de compreender um problema considerando sua complexidade, atentando-se para a interferência do contexto e de variáveis que possam auxiliar em seu entendimento, bem como interpretando seu objeto de estudo, com o cuidado de não " "deformá-lo ou reduzi-lo" " (p.41).
Fundamentou-se, ainda, na história do tempo presente. De acordo com Burke (apud PALLARES-BURKE, 2000, p.228) a história auxilia a " "nos orientar no mundo em que vivemos", ou seja, "considerando que o mundo está em mudança permanente, é impossível entendê-lo sem tentar localizar o que está acontecendo dentro das tendências mais amplas através do tempo" ". O trabalho histórico reinterpreta o passado, em proveito de uma nova cultura e sociedade, pressupondo que o contexto atual resulta de um passado histórico entendido como um tempo intermediário, vivo, que se desenvolve e trás conseqüências ininterruptamente (MARRÖU, s.d.; LE GOFF, 1992; SCHAFF, 1971).
Técnicas de pesquisa adotadas: revisão bibliográfica - documental e entrevista semi-estruturada. Acredita-se na importância das fontes orais, que uma vez sistematizadas, contribuem para que as histórias passadas não se percam. Thompson (1992) atribui à fonte oral o poder de tornar a história livre da significação cultural do documento escrito, contribuindo, assim, para uma história mais rica, viva e comovente.
Realizaram-se entrevistas com três docentes das disciplinas específicas de voleibol (um de cada universidade participante da pesquisa) e com 21 alunos que já tivessem cursado as referidas disciplinas (sete de cada universidade).
Revisão da literaturaPartindo-se do conceito de " "campo" "de Bourdieu (1983), entendeu-se que a configuração do esporte na atualidade é resultante de uma trajetória histórica específica, por isso, o primeiro ponto da revisão da literatura refere-se ao Esporte na Era Moderna, que, de acordo com Pinto (1996), é um dos traços definidores na construção da identidade sociocultural da vida moderna. Caracteriza-se como um conjunto de normas específicas, racionalizadas pela disciplina e obediência às regras codificadas para cada modalidade, determinando assim padrões de funcionamento e de conduta reconhecidos internacionalmente. Rodrigues (1997) e Linhales (1997) definem o esporte como uma instituição em permanente construção, relacionada ao tempo histórico em que se situa, influenciando a organização social e sendo por ela influenciada, cumprindo papéis culturais e sociais articulados, mas também, edificada a partir de interesses e ações dos sujeitos que atuam nesse " "campo" " e nele disputam o poder. Grifi (1989) afirma que o esporte está entre as mais universais e populares atividades do homem moderno. Hoje, apresenta uma gama de representações, tais como: amador ou " "profissional" "; treinamento ou meio educacional; fenômeno cultural de lazer ou competitivo etc.
Inserido nesse contexto esportivo, surge o voleibol, em 1985, nos Estados Unidos, idealizado por Willian C. Morgan, para corresponder aos anseios dos "homens de negócios" que se encontravam diariamente durante o tempo livre. Desejavam uma atividade física para praticarem em espaço fechado (MATTHIESEN, 1994; MARCHI Jr, 2001). Frascino (s.d) destaca que a Associação Cristã de Moços (ACM) e as Forças Armadas dos Estados Unidos desempenharam papel fundamental no processo de difusão da modalidade. A inclusão do voleibol, pelas autoridades americanas em 1915, nos programas de Educação Física Escolar (juntamente com o basquetebol e com o beisebol), também contribuiu para sua disseminação.
De acordo com Marchi Jr (2000), na América do Sul, o primeiro país a praticar o voleibol foi o Peru. De acordo com Landulfo (1986), a modalidade pode ter sido praticada em nosso país, pela primeira vez em 1915, no Colégio Marista de Recife, Pernambuco, mas, de acordo com Marchi Jr (2001) fontes oficiais afirmam que o voleibol foi introduzido no Brasil em torno de 1916/1917, pela Associação Cristã de Moços de São Paulo.
Considera-se a década de 70 como o " "divisor de águas" "do voleibol nacional, quando Carlos Arthur Nuzman assumiu a presidência da Confederação Brasileira (1975) e conseguiu atrair a atenção de empresas para a modalidade. O ápice desse projeto aconteceu nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984, com o surgimento de uma infra-estrutura esportiva que culminou com a " "profissionalização" " dos atletas. Desde então, essa modalidade vem sendo aprimorada técnica e taticamente, devido à produção tecnológica, conhecimentos científicos e investimentos de patrocinadores (MARCHI Jr, 2000). O Brasil passou a obter resultados cada vez mais significativos no cenário mundial, como exemplos: medalha de prata nas Olimpíadas de Los Angeles (1984), medalha de ouro nas Olimpíadas de Barcelona (1992) e no Campeonato Mundial (2003). Não obstante, indaga-se qual tem sido o investimento qualitativo na formação de profissionais para atuarem em equipes esportivas. Assim, aborda-se, ainda na revisão da literatura, a preparação universitária em Educação Física e Esporte e as disciplinas práticas nos cursos de bacharelado em Educação Física e Esporte.
Os cursos de formação profissional em Educação Física foram criados predominantemente por militares, que ao lado dos médicos foram os primeiros a advogar a importância da prática de atividades físicas, embora com objetivos distintos. No que se refere à formação de técnicos esportivos, o Decreto n. 8.270, promulgado em 1945, estipulou que se daria como um curso de especialização, realizado após o curso de licenciatura em Educação Física. Em 1962, juntamente com a fixação de currículos mínimos para os cursos de licenciatura em Educação Física e Técnica Desportiva, transformou-se a formação de técnicos esportivos em um curso a ser desenvolvido paralelamente à licenciatura, com duração de três anos (BRASIL, 1987).
Em 1969 estabeleceu-se um currículo mínimo obrigatório para todas as Escolas de Educação Física, que possibilitaria formar ao mesmo tempo licenciados e Técnicos Esportivos, a fim de preencher rapidamente os quadros que necessitavam desses profissionais. O aluno cursaria a licenciatura e, concomitantemente escolheria duas modalidades esportivas para obtenção do título de técnico esportivo (SOUZA NETO, 1999).
Em 1987, o Conselho Federal de Educação aprova o Parecer n. 215, instituindo, formalmente o curso de bacharelado em Educação Física (SOUZA NETO, 1999). Esse parecer teve como pontos positivos, de acordo com Mezzadri (1994), a autonomia das instituições em escolherem o perfil do profissional que desejavam formar, bem como respeito às aspirações dos alunos e regionalidades quanto ao mercado de trabalho e a eliminação do currículo mínimo. No entanto, de acordo com Betti e Betti (1996), contrariando as expectativas de que as Universidades exercessem sua autonomia e correspondessem às exigências com relação aos diferentes campos de trabalho e às aspirações dos alunos, muitas instituições continuaram utilizando-se de currículos semelhantes aos anteriores, realizando mínimas " "adaptações". " O autor afirma que, desse modo, perpetuou-se a idéia de que o importante para a formação dos alunos era " "saber fazer". "
Essa idéia é denominada concepção esportivista ou tradicional-esportiva e, de acordo com os autores está presente ainda hoje em alguns cursos de formação profissional em Educação Física, especialmente em instituições particulares. Esse modelo curricular, devido à ênfase atribuída ao esporte, recebeu críticas no meio acadêmico na década de 80, principalmente quanto ao entendimento da Educação Física como área preocupada apenas com a dimensão biológica do indivíduo e com a transmissão de técnicas e táticas das modalidades esportivas tradicionais (TOJAL, 1995), bem como à escassez de pesquisa e atividades de extensão nesses cursos, preocupados majoritariamente com o ensino (ESCOBAR, BURKHART e TAFFAREL, 1988), razão pela qual foram considerados, e por vezes ainda são, desatualizados. De acordo com Costa (1988), a formação profissional nessa concepção se dava de maneira mecanicista, abstrata e desvinculada da realidade social.
Na década de 80, concomitantemente à implantação de Cursos de Pós-graduação em Educação Física e o questionamento da identidade da área, inicia-se a discussão sobre uma nova concepção curricular, denominada modelo científico, que acarretou algumas mudanças na maneira de se pensar a área. Coincidiram com produções teóricas da Educação Física, dissertações de mestrado e teses de doutorado, que questionavam o caráter " "biologicista", "reprodutivista" e "positivista" "" da área de estudo que estava se estruturando. Questionava-se o "reducionismo biológico", propondo uma visão mais ampla do ser humano sob o enfoque da cultura corporal, da motricidade humana, da ação motriz (SOUZA NETO, 1999).
Do " "saber fazer" ", passou-se ao " "saber ensinar", enfatizando-se com isso as disciplinas teóricas, que deveriam fornecer subsídios para que o graduando compreendesse os processos de ensino e aprendizagem. Acreditava-se também na importância das disciplinas de prática de ensino e estágios, como responsáveis pela integração de todos os conteúdos apreendidos durante os quatro anos de curso, bem como pela aplicação desses conhecimentos na busca por soluções para problemas da prática. A gênese de um modelo pautado no conhecimento científico representou progresso, principalmente em uma área ainda em formação, como a Educação Física. Darido (1999) afirma que, na perspectiva científica, as disciplinas práticas deveriam ter sido modificadas, passando de oportunidades de vivências de atividades motoras específicas das modalidades esportivas tradicionais, para oportunidades de entendimento dessas modalidades, instrumentalizando os alunos a trabalharem com esses conteúdos. Na prática, o que aconteceu foi uma desvalorização dessas disciplinas, tanto pelos alunos quanto pelo próprio corpo docente das Universidades, demonstrando uma interpretação equivocada com relação às modificações que poderiam ser introduzidas.
Finalmente, um modelo que parece estar em evidência no campo da Educação, e que alguns autores (BETTI e BETTI, 1996; DARIDO, 1999) vêm tentando discutir no campo da Educação Física, é o modelo curricular reflexivo. A proposta desse modelo curricular centra-se na prática, considerada o eixo norteador do currículo, mas não a prática entendida como a vivência de atos motores, e sim a prática da profissão, a realidade do cotidiano. Essa concepção reforça a idéia dos autores, de que a prática de ensino (e o estágio supervisionado) deve estar presente desde o início dos cursos de graduação. Essa perspectiva de currículo poderia transformar o desenvolvimento das disciplinas esportivas, uma vez que estas representam momentos ímpares de integração dos conteúdos do curso, de "treinamento" dos alunos para a prática profissional. Isso se houvesse realmente um diálogo entre os docentes e uma valorização dessas disciplinas.
No que se refere a tais disciplinas, Tani (1996, p.7-8) explicita que deveriam tratar de conhecimentos específicos da área, no entanto, reduziram-se a "simples transmissão do patrimônio cultural historicamente acumulado, apoiada em experiência, intuição e senso comum do docente que as ministra". Ainda segundo o autor, "fica difícil diferenciar uma aula prática de voleibol desenvolvida num curso de preparação profissional em Escolas de Educação Física (ou Esporte) e numa disciplina curricular de Educação Física em escolas de primeiro e segundo graus (ou treinamento de atletas)". Por considerar esse tipo de trabalho insuficiente, e como alternativa para as aulas de disciplinas esportivas, Manoel, Okuma e De Santo (1997) consideram mais apropriado aprimorar no graduando a capacidade de observação e diagnóstico de problemas, bem como a aprendizagem de princípios teóricos que determinam a escolha de estratégias de ensino e a discussão desses princípios no âmbito de cada modalidade.
Darido (2002) e Betti e Betti (1996) apresentam como possibilidade de trabalho a proposta de "currículo temático". De acordo com os autores, no currículo temático, ou reflexivo, a prática de ensino e o estágio supervisionado deixam de ser disciplinas assumidas por apenas um docente e passam a ser coordenadas por quase todos os professores do curso, tornando-se realmente o eixo do currículo, o mesmo acontecendo com as disciplinas esportivas.
As disciplinas: avaliação, relação teoria e prática, dicotomia ensino e pesquisa e estágiosOs entrevistados são identificados como: Professor da Universidade A (PUA); Professor da Universidade B (PUB); Professor da Universidade C (PUC); Alunos da Universidade A (AUA1, AUA2, AUA3, AUA4, AUA5, AUA6, AUA7); Alunos da Universidade B (AUB1, AUB2, AUB3, AUB4, AUB5, AUB6, AUB7); Alunos da Universidade C (AUC1, AUC2, AUC3, AUC4, AUC5, AUC6, AUC7).
Os três professores afirmaram que no primeiro semestre desenvolvem conteúdos relacionados à iniciação esportiva e, no segundo semestre, conteúdos relacionados ao treinamento esportivo.
De maneira geral, os alunos da Universidade A e C consideraram as disciplinas positivas, embora tenham enfatizado que não são suficientes para uma futura atuação como técnicos. Nas palavras de AUA1: "(...) equipes aí de categoria de base, assim, acho que me considero apto. Com uma equipe profissional eu não conseguiria". Já, os alunos da Universidade B criticaram a forma como PUB desenvolveu o conteúdo e também as estratégias utilizadas por ele. Classificaram as disciplinas específicas de voleibol como "fracas, ruins, regulares, péssimas, superficiais". Afirmaram que o professor trabalhou a questão das regras excessivamente e que faltaram outros conteúdos, como destacou AUB7: o docente "visou muito regra e visou pouco a aula em si(...) a gente não teve planejamento, nosso professor não passou pra gente planejamento de aula(...) não contribuiu em quase nada do que eu entendo hoje por voleibol".
Um aluno (AUC2) expressou sua opinião, no que se refere à estrutura do curso: "Eu acho que o aluno que quer fazer o curso não tem que fazer a disciplina voleibol se ele é da natação... se tivesse uma matéria das modalidades coletivas, desse uma idéia do que é o voleibol, ensinasse isso pra pessoa ter uma noção e depois tivesse voleibol II, III ou IV, pra se discutir alto nível ou iniciação, eu acho que isso seria mais válido". E complementou: "não adianta falar que todo mundo veio pra cá pra aprender voleibol".
AUC7 afirmou que a disciplina de iniciação em voleibol não lhe acrescentou muita coisa, pelo fato de já ter sido atleta, e complementou: "Eu acredito que eles, que não têm a vivência no vôlei, eu acho muito difícil estarem trabalhando com vôlei, se dando bem(...) já começa por aí, é uma aula por semana, teórica, já é muito pouco pra você ta aprendendo, eu acredito que é difícil".
Embora afirmem que a disciplina de aprofundamento deve formar o técnico esportivo, e isso esteja explicitado em seus planos de ensino, PUB e PUC acreditam que o aluno sai habilitado apenas para trabalhar com níveis básicos, devendo se especializar posteriormente. PUC afirmou que essa especialização poderá se dar na prática profissional, trabalhando com categorias de base e observando treinos de técnicos mais experientes. Acredita que assim o aluno aprenderá "conteúdos que a Academia não fornece, que é um conteúdo de cunho muito mais prático que acadêmico, na verdade". Já PUA teria receio apenas se o egresso iniciasse a carreira em uma equipe grande, "numa seleção paulista, por exemplo" . No mais, acredita que seriam capazes de realizar um bom trabalho.
Os 21 alunos afirmaram que realizavam aulas práticas e teóricas nas disciplinas específicas de voleibol, mas, na Universidade A, no segundo semestre da disciplina, a vivência dos movimentos pelos alunos era substituída pela realização de estágio, ou seja, os alunos ministravam treinos, vivenciavam a atuação profissional. Na Universidade A, os alunos, de modo geral, acreditam que a relação entre as aulas teóricas e práticas foi satisfatória, mas AUA2, AUA5, AUA6 declararam que nas aulas teóricas e práticas de treinamento em voleibol eles discutem questões sobre alto rendimento em sala de aula e na prática trabalham os conteúdos referentes à iniciação. Mesmo assim, AUA6 destacou que: "ta em contato com as crianças, em contato com o treinamento mesmo para criança eu acho válido, a prática é importante". Também enfatizaram que o professor utilizava "muito a prática" e, ao final da aula realizava discussões. AUA2 avaliou que deveria ser realizado estágio também na disciplina de fundamentos e AUA7 salientou que, apesar da prática profissional ser importante é indispensável que o aluno vivencie a execução dos movimentos, principalmente se não tiver experiência anterior na modalidade.
A falta de articulação entre teoria e prática também foi um problema detectado pelos alunos da Universidade B. Nas palavras de AUB1: "Era a prática lá (na quadra) e a teoria na sala". AUB4, AUB5 e AUB6 consideraram que houve um número maior de aulas práticas e atribuem tal fato a muitos alunos não terem experiência na modalidade, o que justificaria essa preocupação, em proporcionar-lhes a vivência dos movimentos. Como disse AUB6: "o fato de muitas pessoas não terem a vivência tem que ter um tempo maior da prática".
AUC2 considerou a parte prática das aulas excessiva e justificou-se afirmando que a vivência é necessária, mas o técnico não precisa realizar o movimento perfeitamente, nem ter a melhor performance. Na opinião de AUB3: "Nem sempre os melhores atletas são os melhores técnicos, tem os atletas que não foram tão bons e podem vir a ser bons técnicos, porque têm maior visão, precisa treinar mais, correr mais atrás, e também, quem não foi jogador dá pra se tornar um bom técnico".
De acordo com Tani (1996), é muito difícil determinar que tipo de conhecimento é necessário para uma prática profissional competente no contexto do esporte de rendimento. O autor afirma que tanto os conhecimentos básicos e aplicados adquiridos na Universidade são importantes, embora se questione a validade das disciplinas esportivas, quando as aulas se limitam a repetir o conteúdo trabalhado nas aulas de Educação Física do ensino básico, fundamental e médio. Nesse sentido, observou-se que, embora tenham enfatizado que os alunos estavam cursando suas disciplinas para aprenderem a ensinar e trabalhar com voleibol, muitas vezes os professores se referiam a eles como se estivessem aprendendo a jogar voleibol, como deixou transparecer PUA, afirmando que o tempo destinado à disciplina de iniciação é suficiente, pois, devido às outras disciplinas do currículo, os alunos aprendem a "trabalhar com bola". Nas palavras de PUA isso é positivo, pois os alunos "já chegam com as habilidades desenvolvidas". Já PUB, ao dar exemplos de atividades que realiza durante a disciplina de iniciação, o fez da seguinte maneira: "(...) ponho a rede numa determinada altura, só pode queimar por baixo, então eu obrigo que eles comecem a jogar, trabalhar flexionados, ou uma rede um pouco mais alta onde só pode queimar por cima, então eu obrigo eles a fazer o salto pra arremessar, vai dando coordenação pra eles e eu vou mudando as bolas(...)".
Essas afirmações reforçam o pensamento de Tani (1996) e trazem a tona à questão referente ao papel de tais disciplinas nos currículos dos cursos de Educação Física. Uma analogia bastante utilizada de maneira informal explicita que em cursos como graduação em matemática, por exemplo, não se ensina para os graduandos questões como soma, multiplicação, pois isso eles devem aprender no ensino fundamental, da mesma forma que em um curso de letras não é necessário alfabetizar os alunos. No entanto, observa-se que isso acontece nos cursos de Educação Física, ou seja, primeiro é necessário "alfabetizar os alunos", ensinar-lhes movimentos básicos, ajudá-los a desenvolver habilidades que já deveriam ter sido trabalhadas nas aulas de Educação Física na Educação Básica, o que pode ser um dos fatores que, de certa maneira, deturpa a importância e a finalidade das disciplinas esportivas na formação profissional em Educação Física e Esporte.
Os alunos afirmaram que as disciplinas esportivas são uma ligação entre a Universidade e a realidade da prática profissional, daí sua importância. Consideraram também que algumas pessoas, que não são alunos do curso, entendem as disciplinas práticas como "momentos de lazer" e que alguns professores tratam essas disciplinas de maneira "duvidosa". Nas palavras de AUA5: "Alguns professores, algumas disciplinas não são valorizadas, é tratado meio que com descaso, tanto que as vezes é até obrigação do professor que ta aqui fazendo pesquisa, ele tem que pegar uma disciplina pra dar aula, e não é aquela disciplina que ele gosta".
Os alunos demonstraram que têm consciência que em suas Universidades é privilegiada a formação de pesquisadores, e expuseram a falta de integração entre as disciplinas esportivas e as outras disciplinas do curso, como ficou explícito nas palavras de AUB4: "(...) elas são, de uma certa maneira, independentes, o que é ensinado lá não tem muita relação com o que a gente vê, por exemplo, na anatomia, na fisiologia, na bioquímica. Eu acho que poderia haver mais essa interação". A fala de AUC3 deixou transparecer que, na sua opinião, a relação entre o ensino e a pesquisa não está clara:
"Sempre tem professor que é bom, sempre tem professor que é ruim, que larga mão da disciplina, principalmente se você estuda numa Universidade que é voltada pra pesquisa e que o professor(...) vou dar um exemplo que não existe, mas o professor de fisiologia dá aula de antropologia por que alguém tem que dar aula e ele ta aqui por causa da pesquisa(...) mas aí você pega professores que sabem que não vão dar aula direito e aí convidam um professor, como é o caso da disciplina de voleibol".
AUC7 concorda com as afirmações anteriores, complementando: "(...) muito voltada pra pesquisa(...) teve um professor que ele só dava aula e foi mandado embora porque ele não fazia pesquisa, e era um bom professor".
Os depoimentos revelaram que, por vezes, a importância atribuída de forma majoritária à produção científica (pesquisa) não auxilia no ensino, quando deveria significar uma fonte de novos conhecimentos, pois, como afirma Schön (1987) os profissionais não podem se limitar a seguir aplicações rotineiras de regras e processos já conhecidos, mas sim ter condições de responder a novas questões por intermédio de novos saberes e novas técnicas.
Para os alunos, a relação entre ensino, a pesquisa e a extensão, não está clara. Eles queixaram-se da falta de articulação entre o que está sendo pesquisado e o que é visto em aula. E, mesmo que os professores entrevistados tenham declarado que se esforcem para contemplar os três itens, não é todo o corpo docente que demonstra a mesma preocupação, pois, como afirmou PUA, um problema do curso é o fato de grande parte dos professores preocuparem-se mais com pesquisas do que com ensino, aproximando-se, dessa forma, das ciências-mãe e afastando-se da realidade da prática profissional. Em suas palavras: "Por exemplo, estudos avançados em astronomia esportiva, então, avança-se em astronomia, mas não chega perto do esporte(...) mas me parece que esse é um problema também do contexto universitário".
De acordo com PUA existe a necessidade dos estágios aproximarem-se da prática profissional, pois, na sua opinião, os alunos que já estão empregados sairão da faculdade com "uma bagagem maior",dada a experiência que eles adquirem com a prática. Ressaltou a importância do estágio supervisionado, mas reafirmou que os alunos deveriam "ter a prática profissional deles" , de maneira independente e autônoma.
Betti e Betti (1996, p.13) propõem os seguintes passos para a realização dos estágios: no início da formação os alunos-professores (alunos-técnicos) deveriam ter um primeiro contato com a "realidade das práticas de trabalho, nas escolas, academias, clubes, acampamentos etc, assistindo e discutindo a prática de profissionais experientes". Também poderiam assistir vídeos das atividades observadas e discuti-los. Num segundo momento, deveriam resolver problemas da prática, em situações simplificadas e com supervisão de professores da Universidade e profissionais, assim como propõe Schön (1992) com seu conceito de "praticum".
Nesse caso, a Universidade A parece ter encontrado um caminho interessante, pois, de acordo com os depoimentos, concomitantemente à disciplina relacionada ao treinamento do voleibol, os alunos realizam estágio na própria Universidade, em um projeto de extensão. Não obstante, é preciso dizer que a articulação entre as aulas "teóricas" e o estágio deixou a desejar, pois em sala os alunos discutiam questões relacionadas ao rendimento e no estágio trabalhavam com crianças na fase de iniciação esportiva.
Ainda de acordo com a seqüência proposta pelos autores Betti e Betti (1996, p.13), num terceiro momento os futuros profissionais "poderiam acompanhar um profissional experiente durante alguns meses e dialogar com ele sobre as dificuldades e facilidades da prática de ensinar", e, posterior ou concomitantemente, assumiriam "o controle da turma, no contexto real de uma instituição". Esse passo, além de auxiliar a formação do graduando, também é importante por valorizar os conhecimentos advindos da prática profissional. Assim sendo, uma vez aplicada tal concepção acredita-se que os cursos de Educação Física teriam mais possibilidades de corresponder aos anseios dos depoentes aqui evidenciados.
Considerações finaisCom os depoimentos evidenciou-se que na formação de técnicos esportivos há algumas lacunas, dentre as quais a insegurança para ingressar no campo de trabalho. Os alunos e docentes consultados deixaram evidente a existência de um período de "choque", que se inicia assim que o profissional "recém-formado" ingressa no campo de trabalho.
Acredita-se que essa situação possa ser decorrente do modelo curricular de "orientação técnico-científica" , que caracteriza os cursos de graduação pesquisados e de acordo com o qual o "conhecimento flui da teoria para a prática, e a prática é a aplicação dos conhecimentos teóricos" (Betti e Betti, 1996, p.10-11). Quando os alunos deparam-se com a realidade do contexto profissional, "incerto, complexo e variável" , não conseguem vislumbrar a utilização dos conhecimentos obtidos na Universidade. Essa pode ser uma das explicações para o fato de apenas seis alunos, que já vinham atuando profissionalmente ou realizando estágios nesse campo, se considerarem aptos para trabalhar com a modalidade esportiva voleibol em equipes competitivas.
Em razão disto, considera-se válida a concepção que os teóricos do ensino reflexivo advogam, proporcionando ao graduando a oportunidade de realização de estágios desde o início dos cursos, sempre de maneira orientada. Durante todo o período em que o aluno está na Universidade, ele estará desenvolvendo "sua atuação" e refletindo sobre seu trabalho. Da mesma forma, é necessário valorizar o contato entre alunos de graduação e profissionais experientes, além de seus professores na Universidade, pois tais profissionais são dotados de um "saber" que não é apenas acadêmico. É o "conhecimento tácito", elaborado e incorporado durante a ação, quando o profissional se depara com situações novas, para as quais não foi preparado e perante as quais não sabe como agir.
Entende-se que, dessa maneira, a passagem da vida "universitária" para a vida "profissional" se daria de forma menos dolorosa, pois o aluno não mais olharia "para o professor com olhar de aluno até o último dia de aula do processo formativo da graduação" (Ferreira et al, 2002, p.1), mas sim poderia, aos poucos, acompanhar seu próprio processo de transição, de aluno para profissional, e refletir sobre ele.
Constatou-se, também que a história de vida assume um papel constitutivo na formação desses profissionais, ao lado da formação acadêmica e da prática profissional, inicialmente assistida (durante os cursos de graduação) e posteriormente no campo de trabalho. Betti e Betti (1996, p.14) afirmam que a vivência dos alunos em jogos, ginástica, dança e esporte, anteriores ao ingresso nos cursos de graduação, devem ser "aproveitadas como suporte de discussão" , e também na socialização desses conhecimentos, uma vez que o aluno que já possui experiência em determinada modalidade pode auxiliar aqueles que ainda não a vivenciaram. Os autores ressaltam que a experiência é tão importante quanto o conteúdo, mas não significa seu abandono, pois sem ele voltaríamos a "ser leigos, trabalhando com base na tentativa e erro. O conhecimento do conteúdo (inclusive o conhecimento científico) não deve ser desprezado, mas deve caminhar lado a lado à experiência prática de ensinar" (p.13).
Constatou-se, ainda, que as disciplinas esportivas parecem ser "independentes" , pois os alunos não sentem que os docentes preocupam-se em articulá-las aos outros conteúdos. Considera-se que dessa forma os alunos sentem-se responsáveis pela síntese e integração dos conhecimentos adquiridos durante sua formação acadêmica e pela articulação entre tais conhecimentos e seu campo de atuação profissional. Nesse caso, também parecem "levar vantagem" os alunos que tiveram experiência na modalidade, pois estes já conhecem parte das peculiaridades desse campo de trabalho.
Enfatiza-se que não se está advogando que todos os egressos dos cursos pesquisados deveriam estar preparados para atuar como técnicos de voleibol no contexto competitivo, no entanto, acredita-se que seria importante que os alunos que têm esse objetivo, ao cursarem as duas disciplinas específicas de voleibol, recebessem subsídios para tal, e se sentissem seguros para atuar como técnicos na modalidade.
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revista
digital · Año 11 · N° 97 | Buenos Aires, Junio 2006 |