Jogos cooperativos e condutas violentas: visão do Professor de Educação Física |
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*Mestrando em Ciências Da Motricidade pela Unesp - Rio Claro Membro pesquisador do LEL - Laboratório de Estudos do Lazer - DEF/IB/UNESP Campus Rio Claro. **Livre docente e coordenadora do LEL Laboratório de Estudos do Lazer DEF/IB/UNESP - Campus Rio Claro. |
Sandro Carnicelli Filho* Profª Drª Gisele Maria Schwartz** sandro_unesp@yahoo.com.br (Brasil) |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 96 - Mayo de 2006 |
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Introdução
O aumento da violência na atual sociedade vem sendo discutido há muito tempo, porém poucas ações são tomadas para que esse quadro se reverta. Quadro este que começa a atingir também os profissionais de Educação Física e suas atividades didáticas.
Na escola, professores relatam o aumento da agressividade e da violência, que são, em muitos casos, utilizados para promover atos de exclusão e marginalização de crianças que não conseguem interagir dentro de grupos específicos. Esta deficiência no processo de inclusão pode ser provocada por características individuais ou sociais de certos alunos.
Lucinda; Nascimento; Candau (1999) apresentam dados em que os professores acreditam que a violência dentro das escolas está aumentando, não só, quantitativamente, mas também qualitativamente, sendo considerados atos que se apresentam como reflexo de uma violência social, já que os próprios professores não identificam formas de violência geradas pela própria cultura escolar.
Dentro do mesmo ambiente nota-se, também, um exacerbado aumento do individualismo e da competição, corroborando para uma falta de atitudes e condutas de companheirismo e de cooperação. Tais atitudes tendem a se incrementar ainda mais com o passar dos anos, devido, principalmente, ao modo frenético de vida que a sociedade impõe, exigindo sempre mais das pessoas e incentivando uma perspectiva competitiva de se ter sempre a necessidade de ser melhor que os outros.
As aulas de Educação Física escolar e de iniciação esportiva, por suas características, deveriam ser um espaço diferenciado, onde, através de suas propostas e estratégias pedagógicas, representasse um ambiente de possibilidades mais concretas de interação e de aprendizagem, em que o conviver e o divertir-se com o outro pudessem ser valorizados, assimilando, inclusive, as regras sociais de convivência. Porém, infelizmente, não é o que necessariamente ocorre, ficando esta perspectiva associada e dependente do esclarecimento do próprio profissional envolvido.
A própria falta de estímulos positivos, de conscientização e o profundo desconhecimento do universo lúdico transformam esses ambientes em verdadeiros "campos de batalha", fomentando atos agressivos e o exagero da competitividade, que vão, por sua vez, conduzir as crianças e os jovens a atitudes de rebeldia.
Autores como Bee (1986) e Goleman (1995) salientaram que, tanto a realidade social (família, escola, amigos), quanto os estímulos gerados pela mídia, especialmente a televisão, podem interferir sensivelmente na formação de indivíduos agressivos, os quais utilizam a violência como estratégia de resolução de problemas cotidianos, dentro e fora do ambiente escolar.
Uma educação autoritária dentro do ambiente familiar também pode causar danos à criança, podendo transformá-la em um adulto revoltado, como apontam os estudos de Roberton; Halverson (in LONGSDON et al, 1984).
Para a realização de um processo de conscientização e de redução desta agressividade é necessário que algumas estratégias, relativas ao universo de atuação profissional e pessoal referentes a uma melhor estruturação social e de mudanças dos valores disseminados, sejam repensadas.
Neste âmbito, aparece como elemento decisivo, as fundamentações das atividades profissionais do professor de Educação Física, os quais, por meio de uma adequada seleção dos objetivos e conteúdos pedagógicos, podem sugerir atividades de conscientização, integração e cooperação, que sejam mais efetivas e preventivas no combate destas ações de violência.
Este profissional tem inúmeros recursos para incentivar atitudes inclusivas e fomentar a interação social entre os alunos, pelo fato de lidar com o corpo em movimento, o que vai ao encontro das expectativas e necessidades biopsíquicas e sócias de todas as faixas etárias e pela riqueza de exploração do universo lúdico, capaz de estimular mudanças dentro e fora do contexto escolar, conforme evidenciam inúmeros estudos, dentre eles os de Lucon; Schwartz, 2003; Cerri, 2001 e Lucon; Schwartz; Carnicelli Filho, 2004.
É neste contexto que aparecem os Jogos Cooperativos como um dos recursos sugeridos, possível de serem implementados na Educação Física, por apresentarem uma estrutura alternativa aos jogos formais, os quais são baseados apenas em atitudes antagonistas, como ganhar e perder.
Os Jogos Cooperativos apresentam a necessidade de ações onde os participantes colaboram entre si, para que um objetivo comum seja alcançado. Existe a necessidade de jogar uns COM os outros, superar desafios conjuntos, compartilhar sucessos, vencer juntos e quebrar as barreiras do individualismo. O confronto é minimizado e dá lugar ao encontro, à união das pessoas em prol da mesma finalidade, visando à eliminação do medo e do fracasso individual.
A idéia de Brotto (2001), em que ninguém joga ou vive sozinho, e de que ninguém joga ou vive tão bem em oposição e competição contra outros, como se jogasse ou vivesse em sinergia e cooperação com todos, catalisa a necessidade de se refletir sobre as atitudes diárias como seres humanos e como profissionais da Educação e da Saúde.
Um dos principais objetivos dos jogos cooperativos, enfatizado por Brotto (2001), é o de levar as pessoas a vencer os desafios, limites e medos pessoais, ultrapassando a idéia de que o importante é superar os outros. Este autor, sendo um dos pioneiros na publicação de textos sobre esta temática no Brasil, baseando seus estudos em Brown (1994), lança o livro que se torna um dos marcos iniciais para publicações sobre esse assunto em território nacional, e que tem em seu título a representação da principal característica desta atividade: "Jogos Cooperativos: se o importante é competir o fundamental é cooperar" (1995).
Outro elemento bastante importante sobre a filosofia implementada nos jogos cooperativos é que, dentro destes conceitos não se pode traçar uma linha divisória entre cooperação e competição tornando esses termos equivocadamente antagônicos, sendo que, na concepção original, definida em ORLICK (1989) e Brown (1994), os jogos cooperativos e competitivos podem e devem se relacionar, promovendo a união para se alcançar a vitória, a qual, não necessita ser de uma equipe, apenas, mas de todos os envolvidos, sem ganho individual, mas com retorno positivo a todos.
Incentivar as pessoas a integrarem valores adequados ao jogo em grupo e a controlarem a competitividade, a qual é inerente ao ser humano e não precisa ser estimulada, ao invés de serem controladas por ela, é fator fundamental para que os ideais se relacionem. Outros aspectos importantes são o de se valorizar a presença do adversário, sem o qual o jogo ficaria descaracterizado e sem motivação, e o de se aprimorar os valores e a conscientização de que a vitória sobre alguém deve ser vista apenas como parte do prazer de jogar.
Neste sentido, a aula de Educação Física, parecer ser uma excelente oportunidade de se implementar tais estratégias pedagógicas, que devem ser utilizadas pelo professor com a finalidade de ampliar a reflexão dos alunos sobre a idéia de que se pode ganhar sempre, mesmo sem ter que, necessariamente, vencer, e propiciar a implementação de atitudes éticas durante as relações, lançando desafios que extrapolam os muros das instituições escolares e refletem, inclusive, no âmbito do lazer.
Partindo destes pressupostos é que se estruturou este estudo, que visou observar o posicionamento dos alunos e futuros professores de Educação Física em relação às problemáticas apresentadas e à possível inserção dos Jogos Cooperativos no contexto escolar.
MétodoEste estudo tem uma natureza qualitativa e foi desenvolvido por meio de uma pesquisa exploratória, para a qual utilizou-se como instrumentos para a coleta de dados a observação e o depoimento oral de 30 alunos de ambos os sexos e idades entre 18 e 28 anos, regularmente matriculados no curso de Licenciatura em Educação Física, oferecido pelo Departamento de Educação Física, Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Campus de Rio Claro, SP.
Como procedimento para o estudo, inicialmente, foram ministradas aulas teórico-práticas sobre Jogos Cooperativos aos 30 alunos do curso, com o intuito de se promover uma reflexão e fomentar discussões sobre a utilidade deste tipo de atividade na formação profissional dos alunos de Educação Física e na sua utilização em ambiente escolar. As aulas foram divididas de maneira trifásica, sendo que a primeira fase relacionava-se à exposição de referencial teórico sobre o assunto, a segunda a uma vivência prática e a terceira a uma discussão aberta sobre o tema, onde foram colhidos os depoimentos orais dos sujeitos, posteriormente agregados aos indicadores da observação, ocorrida durante todo o processo, os quais evidenciavam o interesse, as condutas cooperativas e a inclusão.
O conteúdo da parte teórica versava sobre a origem e evolução dos jogos cooperativos, seu histórico no Brasil, os principais acontecimentos propulsores da divulgação destas atividades, as possíveis relações pedagógicas e as principais referências bibliográficas sobre o assunto. Para incrementar a fundamentação teórica utilizou-se uma tabela publicada por Broto (2001), onde se observa uma comparação entre as características dos jogos cooperativos e competitivos, com seus respectivos benefícios e dificuldades.
Dentro da parte teórica abordou-se, ainda, a idéia de consciência cooperativa no esporte, seja para sua realização, quanto para o resultado final, além da perspectiva fundamentada na concepção de Freire (1998) sobre os jogos cooperativos como uma pedagogia do esporte, sendo que o esporte é o jogo de quem é capaz de cooperar.
Dentro dos aspectos de atuação profissional focalizou-se a premência da intervenção no âmbito escolar, procurando disseminar atitudes cooperativas e utilizar estratégias baseadas em conteúdos lúdicos, visando a uma importante e substancial redução da violência e ao aumento da solidariedade entre os alunos, como evidenciado nos estudos de Lucon; Schwartz; Carnicelli Filho (2004). Desta forma, procurou-se disseminar estas estratégias na promoção de eficazes melhorias no relacionamento interpessoal dentro e fora das aulas, com ressonâncias nos ambientes do recreio e também extra-escolares.
Após a parte teórica, foram realizadas as atividades práticas. À guisa de exemplo, em uma das atividades os alunos foram divididos em três equipes e tinham como objetivo o resgate de uma pessoa que, supostamente, estaria seqüestrada, para isso, eles teria um tempo cronometrado de 30 minutos, onde cada equipe teria uma função, e o objetivo final dependeria do êxito de cada grupo. Uma das equipes deveria descobrir quem era o criminoso, a segunda teria que desvendar o local onde estaria a vitima e a terceira equipe deveria saber qual arma seria mais apropriada para a ação. Além disso, as equipes teriam que encontrar os dados do criminoso, a autorização para o uso da arma e a liberação para entrar no local onde estava o refém.
Porém, para que cada equipe obtivesse sucesso, seria necessário que elas trocassem informações, já que algumas dessas informações que serviriam para uma equipe seriam encontradas pelas outras. Para tanto, foram fornecidos cartões telefônicos às equipes e o número dos orelhões dispersos no local.
No final do jogo os grupos deveriam se encontrar, trocar informações para irem juntos libertarem o refém. Esta atividade proposta tinha o intuito de mostrar aos alunos de Educação Física que é possível se divertir, aprender sobre regras e fundamentalmente cooperar, em prol de um único objetivo, usando os jogos cooperativos como meio.
ResultadosAtravés da observação e dos argumentos apresentados no momento de discussão e reflexão, pode-se perceber o grande interesse que verteu dos alunos sobre o assunto e sua vivência prática. Os alunos participaram de forma ativa das atividades propostas, usando a atenção e a alegria para a resolução dos problemas que, a priori, eram fictícios, atentando, também, para que houvesse o processo de inclusão de todos do grupo na brincadeira.
Baseando-se nos relatos apresentados durante a reflexão, os alunos demonstraram-se favoráveis à utilização destas técnicas em seus futuros ambientes de trabalho, prevendo uma possível disseminação de valores e atitudes positivas incutidas por este tipo de atividade. Os alunos evidenciaram, inclusive que propiciar uma atmosfera lúdica e cooperativa pode auxiliar no processo de formação destes valores e aperfeiçoar o enfoque das regras sociais vigentes, rejeitando idéias de dominação e imposição, em prol de ações mais afetivas e sensíveis.
Os alunos puderam perceber que se pode, efetivamente, aliar aspectos competitivos aos jogos cooperativos, já que na situação proposta, existia uma certa "competição", contra o elemento tempo. Mas, enfatizaram que o fundamental foi a colaboração de todos para que o objetivo fosse alcançado, sendo que o sucesso foi de todo o grupo e não só de uma ou de outra equipe.
Um ponto importante da discussão foi o empobrecimento da formação profissional quando a temática é a cooperação, enfatizando a urgência da inclusão de propostas semelhantes, não só no curso de Licenciatura em Educação Física, mas também, em outras áreas da Educação, visando conscientizar o profissional envolvido da importância da promoção de valores e condutas morais, para que se consiga construir uma sociedade mais justa e mais humana e que tais valores têm sua principal fundamentação na educação, seja escolar, quanto familiar ou no lazer.
Considerações finaisObservando-se o atual momento da sociedade, existe, ao mesmo tempo, uma exacerbada luta pelo sucesso individual, que gera altos índices de competitividade, mas, também, uma grande necessidade para que se promovam valores e atitudes conscientes de interação pessoal, ensinando e aprendendo a trabalhar em equipe, destacando-se, neste ponto, a atuação dos profissionais da área educacional, juntamente com os outros segmentos institucionais.
Estes profissionais, sendo parte do processo de socialização de um indivíduo, devem apresentar suas contribuições para que se aprimorem essas relações no seu campo específico de ação, procurando propiciar experiências significativas, capazes de interferir no processo de ensinar as pessoas a compartilhar e a confiar umas nas outras, criando um senso de unidade, aumentando a autoconfiança, a conscientização ética sobre o outro, intervindo para que todos sejam bem aceitos, mas, principalmente, favorecendo caminhos para que todos possam crescer e se desenvolver com qualidade.
Pela sua função educativa, o professor de Educação Física, tem o compromisso de difundir valores positivos para que seus alunos entendam que a verdadeira vitória não necessariamente depende da derrota dos outros e que o fundamental é a oportunidade de se desenvolverem, através do mútuo conhecimento e da compreensão das habilidades e potenciais de cada um, para que todos tenham importantes papéis na realização das tarefas conjuntas.
Através de uma nova ressignificação desta temática, propõe-se que novas condutas sejam tomadas, em toda área da educação, mas, especialmente na Educação Física, para que os futuros professores possam transcender a mera função de transmissão do conhecimento, visando a uma nova dimensão de ações pedagógicas e educativas, capazes de homologar seu compromisso e seu papel social.
Referências
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BROWN, G. Jogos Cooperativos: Teoria e Prática. São Leopoldo: Sinodal, 1994.
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SCHWARTZ, G.M. (Org.) Dinâmica Lúdica: novos olhares. Barueri:Manole, 2004. 217 p.
revista
digital · Año 11 · N° 96 | Buenos Aires, Mayo 2006 |