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Iniciação nos jogos esportivos coletivos

   
Curso de Educação Física da
Universidade do Oeste de Santa Catarina
Campus de Xanxerê
 
 
Prof. Ms. Michel Angillo Saad
michel.saad@unoesc.edu.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    Este trabalho pretende contribuir com aqueles que atuam na iniciação esportiva, mais especificamente no ensino dos jogos esportivos coletivos. Este tema geralmente traz alguma polêmica quando discutido, principalmente quando relacionada, no âmbito escolar, ao ensino dos jogos esportivos coletivos. Em virtude da dificuldade das escolas desenvolverem atividades esportivas individuais, tais como o atletismo, natação, entre outras. A prática diária tem mostrado um envolvimento de crianças em atividades esportivas similares aos adultos. Contudo, a criança encara o esporte de uma maneira particular. A estrutura mental da criança não está preparada para aceitar atividades demasiadamente sistemáticas, regras rigorosas ou imposições de treinadores. Em um grande número de casos, constata-se que o processo aprendiz-prática-treinador não contempla as características e os interesses da criança. Diante disto, este ensaio pretende esclarecer algums aspectos importantes no processo de ensino-aprendizagem-treinamento com crianças que iniciam em modalidades esportivas coletivas.
    Unitermos: Ensino-aprendizagem. Iniciação. Jogos coletivos.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 95 - Abril de 2006

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    Nas últimas décadas, tem proliferado a participação de crianças em atividades esportivas, seja em atividades nas escolas, como lazer ou mesmo de rendimento.

    O comprometimento da criança com a prática esportiva regular, conforme Sobral (1993), iniciou-se após a realização dos Jogos Olímpicos de Roma, em 1960. No entanto, o autor revela que o envolvimento de pré-adolescentes (jovens) no esporte é um fenômeno relativamente recente.

    A problemática da criança no esporte, conforme Bento (1989), tem sido discutida há anos, de forma controversa e nem sempre está pautada pela objetividade e pelo rigor científico. Para Vargas Neto (1999), a participação de crianças no esporte está além do interesse da própria criança, pois há o envolvimento de pessoas com diferentes interesses e os mais variados conhecimentos ou, às vezes, nenhum conhecimento.

    Com a crescente participação de crianças em eventos esportivos, na busca de rendimento de alto nível, Krebs (1995) destaca que o treinamento e a participação competitiva de crianças têm sido, uma réplica, ou uma adaptação mais ou menos estreita, dos conhecimentos e formas de organização do esporte de alto rendimento. Dessa forma, a prática esportiva ocasiona efeitos de ordem fisiológica, emocional, psicológica e social. Por um lado, proporciona satisfação, divertimento, prazer e até perspectiva de um futuro melhor, se tomarmos como exemplo a mídia que envolve os jogadores de futebol. Por outro lado, frustrações, perda de tempo, de dinheiro e até mesmo prejuízo à saúde, são alguns fatores prejudiciais de uma prática esportiva que não respeita a idade evolutiva das crianças e que coloque formas de pressão e cobranças de resultados inadequados à faixa etária.

    Muitas atividades empregadas com crianças envolvem ações básicas as quais elas ainda não tiveram oportunidade de aprender. Assim, as crianças estariam a ser "empurradas" para as ações esportivas, mesmo antes de terem alcançado um nível de padrão motor próximo da forma madura e necessária para a habilidade subjacente.

    Para as crianças terem uma vida esportiva prolongada, chegando ao esporte de alto rendimento, torna-se necessário que suas experiências motoras e de iniciação esportiva sejam positivas, tanto do ponto de vista psicomotor quanto das dimensões afetivas, sociais e cognitivas.

    As primeiras séries de escolaridade, conforme Shigunov e Pereira (1993), devem ser o ponto de partida para a prática dos Jogos Esportivos Coletivos. A iniciação é favorecida pelo uso da bola, mais do que outros fatores de motivação, por tratar-se do implemento material preferido pelas crianças desde os estágios iniciais de idade.

    Muitos professores, conforme Stein (1988), têm adotado o caminho mais fácil de ensinar até a automatização de ações técnicas e táticas na forma de exercícios/jogadas programadas, que implicam em uma precoce especialização em posturas definidas nas equipes, fato este que elimina opções de criatividade ou "saída dos esquemas" do jovem jogador.

    A finalidade do processo educativo na formação do jogador, segundo Bayer (1986), situa-se na realização de um jogador inteligente, capaz de agir por si próprio utilizando seus conhecimentos e sua experiência. Nesse processo educativo, o profissional visará ao desenvolvimento da qualidade do pensamento tático para permitir ao jovem participar e se engajar na evolução de sua especialidade.

    Apolo (1995) considera uma proposta de ensino consistente aquela que permite conhecer a criança, identificar suas necessidades, analisar o que é ou não de seu interesse e todas as suas possibilidades. Para tanto, o professor tem como recurso utilizar a sua criatividade, de modo a permitir, através dos vários movimentos, a livre expressão da criança.

    A aprendizagem de qualquer modalidade esportiva deve ser feita com cuidadosa e adequada metodologia. Os preceitos da pedagogia, da didática e da psicologia devem ser empregados pelo professor na iniciação esportiva, pois está ultrapassada, e há muito tempo, a fase do empirismo, da auto-aprendizagem e da ausência de segura orientação na iniciação desportiva.

    Durante muito tempo, o processo de iniciação esportiva encontrava sua justificação no empirismo. A busca por uma fundamentação científica referente ao processo de ensino tem sido uma constante, possibilitando aos professores e técnicos abandonarem gradativamente sua prática empírica e indutiva.

    Ao longo dos anos, diferentes abordagens de ensino foram utilizadas no processo de iniciação esportiva. A literatura em língua portuguesa apresenta-nos autores que relacionam o processo de iniciação esportiva, mais especificamente, a iniciação aos jogos esportivos coletivos, "somente" aos fundamentos do jogo, em razão da palavra fundamentos vir do latim "fundamentu", que quer dizer base, alicerce. Sendo assim, muitos profissionais de Educação Física, fíeis ao significado da palavra, entendem que os processos de ensino de um jogo esportivo restringem-se ao ensino dos fundamentos, que são os elementos da técnica individual dos jogadores, como exemplo o passe e o chute no futebol, o arremesso no basquetebol e o saque e a cortada no voleibol.

    A partir dessa cultura retrogêna, ainda observa-se hoje nas escolas, clubes e equipes, e até mesmo na literatura, um processo de iniciação voltado, única e exclusivamente, aos fundamentos. Na teoria, as técnicas são consideradas pré-requisitos para que a criança desenvolva o jogo, contudo o ensino da técnica em algumas situações não corresponde àquelas enfrentadas pela criança no jogo. A forma de ensino que se observa na prática é a decomposição do jogo até se chegar às técnicas (passar, chutar, driblar, etc.). Os problemas dessa metodologia estão visíveis na hora do jogo, pois geralmente durante os exercícios em formação dois a dois, colunas e fileiras, o aluno não se depara com situações reais de jogo, como adversários, tempo limitado para tomar certas decisões, espaço reduzido, regras, entre outras situações que somente o jogo propriamente dito pode oferecer.

    Nesse caso, a aprendizagem é restrita a gestos automatizados em situações completamente distintas às que a criança terá que enfrentar no momento do jogo. Conseqüentemente, os famosos "educativos", como, por exemplo, no caso do voleibol a bola fixa acima da rede para a cortada, são grandes "deseducativos" para a aprendizagem inicial deste fundamento, pois preparam para uma situação estável que não existe durante o jogo propriamente dito (CANFIELD & REIS, 1998) . Assim, o sucesso nessa ação não depende somente da maneira como ela é executada (técnica), mas sim da adaptabilidade às exigências do meio. Com a evolução dos esportes em geral, mais especificamente os Jogos Esportivos Coletivos, exige-se hoje que, no processo de formação de jogadores, se aplique uma metodologia que permita o desenvolvimento harmônico das ações técnicas e táticas.

    Torna-se, então, necessário desenvolver no praticante as capacidades cognitivas de percepção, antecipação e tomada de decisão. A capacidade de tomar decisões de forma rápida e precisa é uma das diferenças de nível entre jogadores. É necessário que a metodologia utilizada no processo de ensino-aprendizagem tenha uma aproximação com a idéia do jogo.

    As atividades utilizadas no processo de iniciação deverão possibilitar ao praticante interpretar a situação de jogo, a qual está inserido e, desta forma, conseguirá reunir informações para chegar a melhor solução. Quanto mais informações o professor transmitir, menos decisões a criança deverá tomar. Ensinar as ações técnicas (fundamentos do jogo) e as ações táticas (sistemas de defesa e ataque) separadamente, são como ensinarmos a jogar sem oportunizar a sua aplicabilidade, pois as ações técnicas e táticas estão relacionadas no jogo.

    Alguns autores entendem que os gestos técnicos não teriam a primazia no ensino, não seriam o ponto de partida. Em contraste a essa afirmativa, outros autores acreditam que somente com o domínio dos fundamentos a criança consiga jogar. Para eles, a criança terá mais facilidade em aprender porque desde cedo ela pratica os fundamentos do jogo.

    Para a prática de qualquer modalidade esportiva coletiva, onde há ações de intervenção externa (adversários, regras, tempos limitados para ações, etc.), as ações táticas são tão importantes como a qualidade técnica nas resoluções de problemas enfrentados durante o jogo. Sendo as ações técnicas e táticas os alicerces para que o jogo se desenvolva racionalmente, somente com a combinação destas ações nas atividades é que poderemos desenvolver e aprimorar na criança a "capacidade de jogo". Define-se "Capacidade de Jogo" como as ações técnicas e táticas, empregadas de maneira racional durante o jogo, de modo que venha a resolver as situações e os problemas existentes no jogo, que estão em mudança permanente.

    A abordagem de ensino-aprendizagem dos jogos esportivos coletivos deverá ser a partir de uma inter-relação das ações técnicas e das ações táticas, de modo a serem desenvolvidas globalmente no aluno, isto quer dizer que a capacidade motora e a capacidade cognitiva devem ser trabalhadas em conjunto, para que o aluno desenvolva a "Capacidade de Jogo". As ações técnicas dependerão da capacidade motora (ritmo, coordenação e equilíbrio) do aprendiz, e as ações táticas da capacidade cognitiva (percepção, antecipação e tomada de decisão).

    A figura 1, exemplifica a relação existente entre as ações técnicas (relacionadas a capacidade motora) e as ações táticas (relacionada a capacidade cognitiva) de modo que contribuam para o desenvolvimento da capacidade de jogo.


Figura 1 - Relação das ações técnicas e táticas para o desenvolvimento da capacidade de jogo.

    Portanto, sugere-se que o processo de iniciação esportiva seja voltado para o desenvolvimento da "Capacidade de Jogo". A metodologia a ser empregada pelo professor, deve ter uma aproximação com o jogo (situações reais de jogo). Para isso, faz-se necessário que o professor utilize-se de atividades técnico-táticas. A formação técnico-tática assume, portanto, na iniciação esportiva, uma posição central.


Referências

  • APOLO, A. Manual técnico didático de futsal. São Paulo: Scortecci, 1995.

  • BAYER, C. La enseñanza de los juegos desportivos colectivos. Barcelona: Hispano-Europea, 1986.

  • BENTO, J. O. A criança no treino e desporto de rendimento. Revista Kinesis. 1(5), 9-35, 1989

  • CANFIELD, J.T. & REIS, C. O movimento humano: conceitos e uma história. Santa Maria: JtC Editor, 1998.

  • KREBS, R.J. Desenvolvimento humano:Teorias e estudos. Santa Maria:Casa Editorial, 1995.

  • SHIGUNOV, V. & PEREIRA, V.R. Pedagogia da Educação Física. São Paulo:Ibrasa, 1993.

  • SOBRAL,F. Introdução à Educação Física. Lisboa:Livros Horizonte, 1993.

  • STEIN, M.I. Creativity and culture. New York: Wiley, 1988.

  • VARGAS NETO, F. X. A iniciação esportiva e os riscos de especialização precoce. In Actas do 7 congresso de Educação Física e Ciências do Desporto dos Países de Língua Portuguesa, Florianópolis: UFSC/UDESC, 1999.

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