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Reflexões sobre atividade física,
educação, saúde e trabalho

   
Mestrando em Educação Física/UFSC
Professor do Curso de Educação Física/IELUSC
Professor do Centro de Ciências Tecnológicas/UDESC
 
 
João Francisco Severo Santos
joao-severo@ig.com.br
(Brasil)
 

 

 

 

 
Resumo
    A educação física é uma disciplina de caráter teórico-prático que trata de assuntos relativos a cultura do movimento humano. No seu corpo de conteúdos podem ser abordados assuntos relacionados à saúde, valores éticos, sociais e políticos do corpo, da atividade física e do esporte, bem como a própria prática dos esportes, das danças, das lutas e dos jogos. Apesar de sua riqueza e amplitude, A falta de identidade da educação física tem contribuído para a confusão na prática pedagógica dos profissionais dessa área e, em conseqüência disso, a disciplina tem encontrado uma grande dificuldade de legitimação no contexto escolar, pois não demonstra evidências de sucesso no seu objetivo primordial de contribuir para a promoção da atividade física de forma crítica e consciente. O presente artigo tem como objetivo descrever de forma reflexiva os fatores que influenciam a práxis pedagógica da educação física e sua relação com a promoção da atividade física e saúde no contexto escolar.
    Unitermos: Educação Física. Prática pedagógica. Promoção de saúde.
 
Abstract
    The physical education is a discipline of theoretical-practical character that she deals with relative matters the culture of the human movement. In his body of contents subjects related to the health can be approached, values ethical, social and political of the body, of the physical activity and of the sport, as well as the own practice of the sports, of the dances, of the fights and of the games. In spite of her wealth and width, the lack of identity of the physical education has been contributing to the confusion in practice pedagogic of the professionals of that area and, as a consequence of that, the discipline has been having a great legitimation difficulty in the school context, because it doesn't demonstrate success evidences in his primordial objective of contributing for the promotion of the physical activity in a critical and conscious way. The present article has as objective describes in a reflexive way the factors that influence the pedagogic practice of the physical education and her relationship with the promotion of the physical activity and health in the school context.
    
     Physical Education. Pedagogic practice. Health promotion.
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 11 - N° 95 - Abril de 2006

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Introdução

    Desde os primórdios da vida humana na face da terra, a atividade física não se isola de outras atividades humanas. Ela sempre teve importância vital para a sobrevivência, comunicação, expressão religiosa e artística. No entanto, como modo de produção, ela sempre foi relegada as classes sociais "inferiores" como os escravos e pessoas destituídas de poder econômico.

    Durante a idade média e, mais intensamente, a partir do final do século XVIII e início do século XIX, a atividade física como modo de produção e "sobrevivência" sofreu um grande impacto oriundo das dramáticas mudanças sociais impostas por um novo modo de produção e distribuição de bens. Esta última época configura-se na história da humanidade como um novo marco de produção e desenvolvimento humano - o surgimento do capitalismo como ideologia institucionalizada - e junto com ele, um novo tipo de sociedade - a "sociedade da tecnologia"' que trazia intrinsecamente em sua estrutura o paradoxo do trabalho braçal que dignifica, mas que ao mesmo tempo, denuncia uma situação de inferioridade social (Carvalho, 1998).

    O presente artigo tem como objetivo descrever de forma reflexiva os fatores encontrados na literatura que influenciam a área pedagógica da educação física e sua relação com a promoção da saúde no contexto escolar. Para isso, o texto se constrói a partir de reflexões que buscam compreender a maneira como o trabalho e a profissão docente na educação física foram historicamente constituídos e como isso interfere nas concepções de trabalho do professor, refletindo em sua práxis, predominantemente, de forma inconsciente.


A revolução industrial e a fragmentação do movimento humano

    A revolução industrial constituiu um processo marcado pelo acelerado desenvolvimento tecnológico e, conseqüentemente, pela mecanização e automação do trabalho e, ainda mais recentemente, das atividades de lazer como o novo empreendimento do capital.

    Esse novo modo de produção afetou dramaticamente a capacidade de movimento das pessoas envolvidas nesse processo. O trabalho fragmentado, essencial para a maior produtividade, impõe movimentos repetitivos e também fragmentados. O trabalhador deixa de ser o dono de seu trabalho para tornar-se apenas uma peça substituível do processo produtivo. A imposição de extensa jornada de trabalho e a desvalorização das atividades "não produtivas" acaba por implantar um processo de alienação ideológica onde a maioria dos homens perde sua liberdade em função do trabalho (Braverman, 1997; Carvalho, op.cit; Codo, 1986; Lima, 1987).

    Esses marcos históricos foram de fundamental importância para a realização e consolidação de sua unidade produtiva típica - empresa de capital privado - e a mercantilização cada vez mais abrangente de todos os bens produzidos culturalmente.

    Nesse contexto, o aumento da produtividade passa a ser o ponto crucial do trabalho humano e o lazer, a princípio, passa a ser um privilégio concedido a poucas pessoas. O motivo disto tudo é o aumento da produtividade que, segundo a lógica do capital, quanto maior, mais se consegue vender e, portanto, mais se realizam lucros, permitindo assim a acumulação ampliada de capital. Outro fato marcante dessa lógica capitalista é que quanto menos força de trabalho se utiliza, com o uso dos mais avançados instrumentos de produção, maior tende e ser a taxa de lucro e, conseqüentemente, maior a acumulação (Marx, 1985).


A Educação Física na sociedade capitalista

    O modelo capitalista, no decorrer do ultimo século, foi difundido em quase todos os países do mundo. Como modelo que rege as relações de produção de bens fundamentais a identidade e sobrevivência da espécie humana, ele influenciou drasticamente a educação das pessoas em suas sociedades e, conseqüentemente, a instituição escolar como "reduto de formação de sujeitos socialmente ajustados à ideologia dominante nesse sistema". Percebe-se que, historicamente, o estado capitalista "democrático" é aquele que mais investiu no alargamento do ensino tendencialmente gratuito (Afonso, 2001; Libâneo, 1992).

    De acordo com Afonso (op.cit), o estado-providência é uma forma de política do estado capitalista democrático que, apesar de comprometida com a ideologia de acumulação do capitalismo e com os interesses das elites dominantes, procurou ganhar apoio de toda sociedade, em seus diferentes níveis, através do alargamento dos direitos econômicos, sociais e culturais dos trabalhadores. E continua: a escola pública de massa é uma instituição aberta à participação de todas as classes sociais e grupos étnicos, religiosos e ideológicos. É um exemplo fundamental das conquistas sociais relativas aos direitos humanos básicos.

     A educação física como disciplina escolar constitui um espaço de tempo e lugar que tem como objetivo primordial à promoção da atividade física, especialmente aquela constituída por um processo de acumulação histórica e cultural, que configuram as atividades de lazer ativo (Nahas, 2001; Soares et al, op.cit).

    De acordo com Soares et al (op.cit), a concepção de educação física escolar que enfatiza o desenvolvimento da aptidão física tem selecionado o esporte como principal conteúdo porque ele possibilita o exercício do alto rendimento. O alto rendimento baseia-se em condições especificas que contribuem para a consolidação do perfil de homem ideologicamente apto para integrar-se na sociedade capitalista. Essa concepção busca em sua pratica, consciente ou não, a seleção e o desenvolvimento do homem forte, ágil, apto, empreendedor, que esteja em condições de competir por uma posição de destaque na sociedade de livre concorrência.

    Essa concepção, embora ainda dominante na área de educação física escolar, mostrou-se improdutiva, uma vez que não levou em consideração as contradições desse modelo de sociedade e serviu como ferramenta de exclusão, formando uma legião de sujeitos alienados da cultura corporal de movimento que valorizam demasiadamente o esporte espetáculo como forma de lazer passivo ou que, simplesmente, criam aversão pela atividade físico-desportiva.


Identidade e estatuto pedagógico da Educação Física

    Como conseqüência da crise de legitimidade da educação física, surgiram vários movimentos visando à superação do modelo hegemônico que a levou a essa situação instável como disciplina no contexto escolar.

    Historicamente a educação física sofreu inúmeras influências de correntes de pensamento filosófico, tendências políticas, científicas e pedagógicas. Assim constata-se que ela ainda não possui uma identidade própria, ficando a mercê do entendimento ideológico da instituição onde ocorre sua pratica ou, mais comumente, do profissional por ela responsável na instituição de ensino (PCN, 1998; Soares et al, op.cit).

    A falta de identidade da educação física tem contribuído para a confusão na prática pedagógica dos profissionais dessa área e, em conseqüência disso, a disciplina tem encontrado uma grande dificuldade de legitimação no contexto escolar, pois não demonstra evidências de sucesso no seu objetivo primordial de contribuir para a promoção da atividade física de forma crítica e consciente.

    A confecção dos parâmetros curriculares nacionais da educação física- PCNs (1998), parece ter sido o caminho mais viável para orientar os professores nesse labirinto de teorias e concepções pedagógicas. Embora, de acordo com Geraldi (2001), pelo jeito que os PCNs são propostos, não se tratam na realidade de parâmetros, mas sim de currículos mínimos nacionais porque têm uma listagem de conteúdos, propostas de atividades e procedimentos avaliativos que mais parecem uma cartilha homogeinizante. De qualquer forma, ao menos na área de educação física, parece ser uma proposta abrangente que tenta garantir o mínimo de orientação aos profissionais da área e um contato mais rico dos alunos com a educação física.

    Todos as tendências e modelos pedagógicos da educação física trouxeram magníficas contribuições para a busca de uma identidade própria que permita a disciplina cumprir o seu papel social. Toda via, cada um deles isoladamente, apresenta uma concepção reducionista e, por vezes, radicalmente desvinculada das ferramentas que sustentam a educação física como disciplina. Contudo, de acordo com o próprio texto dos PCNs da educação física (pg.21):

"observa-se na história dessa área um distanciamento entre as concepções teóricas e a prática real nas escolas. Ou seja, nem sempre os processos de ensino e aprendizagem acompanharam as mudanças, ás vezes bastante profundas, que ocorreram no pensamento pedagógico desta área. Por exemplo, a co-educação (meninos e meninas na mesma turma) era uma proposta dos escola-novistas desde a década de 20, mas essa discussão só alcançou a educação física escolar muito tempo depois. Mais recentemente, na década de 70, a educação física sofreu, mais uma vez, influências importantes no aspecto político. O governo militar investiu nessa disciplina em função de diretrizes pautadas no nacionalismo, na integração (entre os estados) e na segurança nacional, objetivando tanto a formação de um exército composto por uma juventude forte e saudável como a desmobilização das forças políticas oposicionistas. As atividades esportivas também foram consideradas importantes na melhoria da força de trabalho para o milagre econômico brasileiro."

    Nesse sentido, percebe-se que os processos de mudança nas condições sociais são constituídos historicamente de acordo com as lutas entre a ideologia dominante e as ideologias que tentam ascender ao domínio. Logo, qualquer mudança que ameace o "status quo" das elites sustentadas no poder pela difusão em massa de seus modelos ideológicos, tenderá a sofrer muita resistência e descaso daqueles que exercem poder sobre as políticas públicas. Por isso, muitas propostas que trariam grandes benefícios para a sociedade, como, por exemplo, à educação física voltada à promoção da saúde na escola, não recebem o devido apoio dos órgãos públicos e acabam ficando restritas as atitudes de boa vontade de alguns profissionais e instituições.


Considerações finais

    Apesar de todos os descaminhos percorridos pela educação física como disciplina escolar que busca legitimidade social, ela vive um momento histórico muito privilegiado no sentido de afirmar a sua importância social, pois muitas evidências cientificas têm apontado para o efeito nefasto do modo de vida imposto pela ideologia capitalista neoliberal. Para Anderson apud Giraldi (op.cit, p. 103):

"economicamente, o neoliberalismo fracassou, não conseguindo nenhuma revitalização básica do capitalismo avançado. Socialmente, ao contrário, o neoliberalismo conseguiu muitos de seus objetivos, criando sociedades marcadamente mais desiguais, embora não tão desestatizadas como queria. Política e ideologicamente, todavia, o neoliberalismo alcançou êxito num grau com o qual os seus fundadores provavelmente jamais sonharam, disseminando a simples idéia de que não há alternativas para seus princípios, que todos, seja confessando ou negando, têm de adaptar-se a suas normas."

    Essas desigualdades sociais juntamente com o modo de vida disseminado pela ideologia neoliberal impuseram um custo social extremamente elevado, principalmente nas áreas de segurança e saúde pública. Justamente nesta ultima é que a educação física pode afirmar-se sem esquecer o seu vinculo pedagógico que é, explicita ou implicitamente, político (Bracht, op.cit; Costa, op.cit; Giraldi, op.cit; Nahas e Corbin, 1992).

    De fato, a educação física praticada na maioria das instituições tem priorizado e enfatizado os conteúdos técnicos e fisiológicos das ciências do movimento humano, criando um esteriótipo tecnicista e pouco significativo as suas intervenções. Entretanto, as diversas crises sofridas por essa área profissional, fizeram com que várias questões advindas da conscientização sobre a complexidade das ações humanas, fossem trazidas para essa área tão ampla do conhecimento humano.

    Nesse contexto, questões como saúde, ecologia, tecnologia e qualidade de vida passam a formar em alguns profissionais da educação física, uma visão mais ampla e sistêmica da complexa realidade presente nas relações e comportamentos humanos.

    Essa nova visão de educação física requer inter e crossdisciplinariedade, na tentativa de juntar os pedaços de um homem fragmentado pelo modelo capitalista e escravo da ideologia neoliberal buscando a superação de uma concepção de ser humano essencialmente biológico para ser concebido segundo uma visão mais holística, onde se considera os processos históricos de ordem social, cultural, política, econômica e tecnológica.


Bibliografia

  • Afonso, A.G. Escola pública, comunidade e avaliação: resgatando a avaliação formativa como instrumento de emancipação. In: Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de janeiro: DP&A, 2001.

  • Bracht, V. Educação física e aprendizagem social. Porto Alegre: magister, 1992.

  • Braverman, H (1997). Trabalho e Capital Monopolista: A degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: LTC.

  • Carvalho, M.G (1997). Tecnologia, Desenvolvimento Social e Educação Tecnológica. Revista Educação & Tecnologia. Ano 1, nº 1, p. 70-87. Disponível em: http://www.ppgte.cefetpr.br/revista/vol1/art4.htm acessado 25/04/2005.

  • Codo, W. O que é alienação. São Paulo: cortez, 1992.

  • Costa, M. G. Avaliando a educação física no I e II graus. Revista dois pontos. V .I, n.12, p.28-32, 1992.

  • Giraldi, C. M. G. A cartilha caminho suave não morreu: mec lança sua edição revista e adaptada aos moldes neoliberais. In: Avaliação: uma prática em busca de novos sentidos. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

  • Libâneo, J.C. Didática. São Paulo: cortez, 1992.

  • Lima, L.O. Mutações em educação segundo mc luhan. Petrópolis: vozes, 1987.

  • Martins, J.P & Santos, G.P. Metodologia da pesquisa científica. Rio de Janeiro: grupo palestra, 2003.

  • Marx, K (1985). O capital: crítica da economia política. São Paulo: Nova Cultural.

  • Nahas, M. V.; Corbin, C. B. Aptidão física e saúde nos programas de educação física: desenvolvimentos recentes e tendências internacionais. Revista brasileira de ciência e movimento. V. 06, n. 02, p. 47-58, 1992.

  • Parâmetros Curriculares Nacionais (1998). Educação Física. Brasília: MEC

  • Soares, C. L.; Taffarel, C. N. Z.; Varjal, M. E. M. P. et. all. Metodologia do ensino da educação física. São Paulo: Cortez, 1992.

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